━Autora Independente do Cosmos.
Finalizada em: 25.09.2024
Jungkook afastou o cabelo molhado da testa à medida que a música ia acontecendo.
Na próxima batida, ele jogou o corpo para o lado, e moveu os pés com maestria, criando a ilusão de que estava caindo. Mas antes de sequer tocar o chão, levou o quadril a outro giro e se colocou de pé sem usar as mãos ou os braços, trocando de posição com Yuchen, o coreógrafo, que lhe fez um elogio enquanto também não parava de dançar sua parte. Aliás, não existiam partes específicas ou meramente ensaiadas; Jungkook queria apenas dançar e era isso que estava fazendo, há quase 2 horas, naquele estúdio fechado. Ele bateu os pés, trocou-os de posição muito rápido, esfregou os tênis no piso até eles fazerem aquele barulho irritante e riu muito alto quando Yuchen tropeçou nos próprios pés e caiu. Mas no refrão, os dois estavam sincronizados, indo para a frente e atrás ao mesmo tempo em que balançavam os ombros como uma ondinha e moviam a cabeça com a elasticidade de uma coruja. Ele fez isso de novo e de novo durante os pedaços chiclete da canção; all these girls excited, oooh ya know they like it, I’m so icy, so icy. Sorrindo, ele cantou os versos que conseguia cantar e completou todo o resto com a coreografia pré pronta que Yuchen tinha conseguido passar pra ele em menos de 10 minutos.
Quando estava dançando, Jungkook tinha a capacidade de ser seu próprio mestre, de tomar a posição de avaliador e escolher se faria aquele movimento ou não. Foi a habilidade que o levou a querer ser artista, que o levou a estar ali, pra início de conversa. Cantar nem estava na lista de planos, apesar de ele ter uma vaga ideia de que mandava um pouquinho bem, mas a dança era o que importava. Ele era bom nela, era ótimo! Era por causa dela que tinha coragem de sair escondido de casa tarde da noite para ir assistir às batalhas de rap ou rock & rock no parque do templo Hwadisa em sua cidade natal, uma mistureba de estilos e de gritos, mas que tudo anunciava uma liberdade que ele já sentia por dentro. A liberdade de poder expressar quem era e do que gostava. A questão mais importante sempre foi essa. Ser assim passou a ser seu objetivo de vida.
Ele e Yuchen se ajoelharam ao mesmo tempo e enfiaram os dedos com tudo em direção ao espelho que tomava toda a parede, simulando um soco num movimento suave e em seguida voltando com o braço, e girando os joelhos a 90° graus de forma rápida e muito impressionante, colocando-se de pé em um impulso ascendente, sem usar os braços de novo, como se suas pernas não passassem de papel. Ele era os próprios olhos, as próprias pernas, os próprios sentimentos, e uma lista inteira de comandos cerebrais que levavam seu corpo a se mexer como se mexia.
Quando a música acabou, ele vibrou com seu parceiro de dança com uma enorme expiração, jogando-se no chão ofegante, sentindo o suor descer em cascata na lateral da testa.
— Ainda não aceito que você não quis uma coreografia pra Looping — Yuchen falou depois que o coração acelerado deixou. Mesmo suado como estava, ele não viu a necessidade de tirar aquele boné.
— É uma música de rock, cara — Jungkook franziu um pouco o cenho, estalando a língua. — Tá bom, um pop rock, mas você ouviu. Guitarra, bateria, baixo, todo esse barulho combina com o que a gente fez agora? E com os Elfos ainda por cima?
— Eles poderiam entrar na onda!
— Aham, vai falar isso com eles. Tenho certeza que vão se animar muito pra se juntar a gente no próximo ensaio.
Yuchen riu alto, porque sua imaginação materializou aquele cenário impossível: carinhas franzinos e com todos os estereótipos do emocore arriscando passinhos de hip hop dos anos 2000. Claro, isso daria muito certo.
— Merda de bandinhas — Yuchen se deixou cair no piso liso da sala, ainda respirando com um pouco de dificuldade. — Suas próximas músicas vão ser assim também? Esse vai ser seu estilo agora na carreira solo?
— Próximas músicas? — Jungkook ergueu uma sobrancelha, sufocando uma risada perplexa. — Carreira solo?
Yuchen se apoiou nos cotovelos, olhando para o maknae com uma expressão um tantinho confusa.
— É, cara, carreira solo. Não falei em grego.
— Ah, não. Falou em delírio mesmo — JK balançou a cabeça, e ainda estava rindo, mas Yuchen não estava. — Eu já tenho uma carreira. E Looping é só uma música. Debaixo dela não tem nada, nenhuma intenção–
— Você se faz de ingênuo ou o quê? Looping é só uma música, mas e se ela for A música? E se for o início? Você quer um início, não quer? Me diz que quer.
— Depende de qual início.
— Da sua carreira. Solo.
Jungkook torceu a boca. Não estava entendendo o assunto, não era o que planejava conversar naquela manhã desde que saiu de casa, mas não sabia como dispensar Yuchen. Geralmente, os papéis eram invertidos ali: Yuchen o mandava embora. Não queria nem saber se ele era o idol mais famoso do mundo. Jeon Jungkook e Cristiano Ronaldo, só mais dois babacas residindo no planeta Terra.
— Eu nunca pensei numa carreira solo — ele admitiu, porque carreira parecia um negócio grande demais, trabalhoso demais. Era um acúmulo de muitas conquistas, muita dedicação, e não que Jungkook não fosse um cara capaz de se dedicar, mas tinha medo de como isso poderia soar. Para os outros, para seus companheiros, seus fãs, pra ele mesmo. — Só me animei de tocar um negócio diferente, arriscar um negócio diferente.
— E se você gostar? Tô falando de gostar mesmo. Gostar pra se aprofundar.
Jungkook franziu o lábio e suspirou fundo.
— Aí eu acho que teria que te chamar pra montar umas coreografias pra mim.
Yuchen riu e deu um grito que tremeu seus ombros, jogando a perna pro lado pra dar um chute de leve no joelho de Jungkook, que sorriu com a reação, mesmo que não tivesse dito nada além do que o amigo queria ouvir. Looping trazia confiança pra Jungkook, ele sabia que a música estava ótima, sentia que uma parcela grande de pessoas gostariam dela, mas pensar em carreira era pesado. Soava como ser jogado a força sobre um precipício, onde no fundo dele estaria uma platéia que ele não sabia se iria erguer os braços e segurá-lo ou se afastar para que ele caísse de cara no chão, igual os magos do rock faziam. Era muito delicado falar sobre carreira solo dentro de uma banda, dentro de um grupo de k-pop, dentro de qualquer organização onde você não trabalhava sozinho. Porque era verdade: carreira era um acúmulo de conquistas, mas elas precisavam começar de algum lugar. Em algum momento. E se Looping fosse o início disso…
Início. Jesus, ele nem queria pensar.
Quando Yuchen finalmente levantou, ainda estava cantarolando algum verso do 50 Cent ao caminhar pra sua bolsa de pano jogada de qualquer jeito perto do espelho e se agachou pra pegar a garrafa de água e seu celular. Ele começou a rir imediatamente um minuto depois.
— Caramba. Esse lugar rende muita fofoca boa.
Jungkook se levantou também, esfregando uma parte do joelho que tinha acertado várias vezes o chão de forma errada.
— Do que tá falando agora? — ele riu porque Yuchen já estava rindo. Ele tinha aquele tipo de risada espontânea que era muito caricata.
— Lembra que eu te falei da garota que eu tava saindo daqui? A Ji Soo que trabalha no atendimento. Ela faz uns briefings para os maiorais da Hybe. Até a Oprah choraria na frente dela.
— Não lembro — Jungkook torceu a sobrancelha e puxou a própria garrafa de água. Yuchen estalou a língua.
— É, não devo ter te contado mesmo, tinha medo de você dar algum mole pra ela — ele balançou os ombros e Jungkook riu alto, porque não era a primeira vez que ouvia aquilo. O impulso de seus amigos de esconderem suas pretendentes dele por pura insegurança era um pouco hilário, porque ele jamais tomaria a atitude de ir atrás de nenhuma delas.
A não ser, claro, pela sua atual namorada.
— É, acontece que eu tô meio que muito comprometido agora, então você não precisa mais se preocupar com isso.
Os olhos de Yuchen brilharam de curiosidade.
— É sério? Nossa, isso merecia uma festa. Construí uma laje enorme de pedra lá em casa, podemos começar por lá — ele deu um soquinho no ombro de Jungkook. — Mas tá bom, a fofoca primeiro. Minha gata vive falando que o pessoal daqui tem uns grupos no Kakao pra falar de tudo, de relatório, de coisa chata de burocracia, reclamar do chefe, arrumar encontro, e umas novidades dos outros também. Ela disse hoje que pegaram uma funcionária saindo de uma salinha com o Tae.
Jungkook ficou em estado de alerta. Geralmente, ele não se importava com boatos no geral, mas quando eles envolviam um de seus companheiros…
— É o quê? — ele se aproximou mais, confuso mas curioso.
— Isso aí, tem até foto. Disseram que não tinha ninguém lá dentro, então só pode significar o que eu, você e todo mundo tá pensando — Yuchen gargalhou enquanto deslizava a tela em busca de alguma coisa até achar. — Olha aqui. Acho que o Tae não tá tão mal assim, hein?
Jungkook riu pelo nariz e olhou a foto. Nos primeiros segundos, tava tudo bem. Não era uma foto de qualidade elogiável, tinham umas linhas borradas ondulando no negócio, aquela cristalização sutil de alguém que deu um zoom justo quando o elemento se movia muito rápido, então não era extremamente nítido. Ele reconheceu Taehyung por causa do cabelo escuro e porque Yuchen havia dito que era Taehyung, e a outra pessoa, a mulher mais baixa com aquele amontoado de cachos e a pele com a tatuagem…
Jungkook viu na foto e pegou o celular. Viu a sequência de ela saindo da salinha com Taehyung, viu até mesmo aquela tensão no rosto dela, se é que ele não tava louco. Ele viu um monte de coisa, principalmente na própria cabeça, e nem percebeu em que momento exato tinha parado de rir.
— Muito foda, né? — Yuchen, por outro lado, ainda estava se divertindo muito. — Graças a Deus que ninguém sabe do rolo dele com a Jennie, se não isso ia dar muito ruim. Mas o Tae não perdoa nem o proletariado da empresa, achei que vocês não tinham permissão pra faz–
— Isso aqui é de verdade? — Jungkook se virou pra ele, e parecia estranhamente agitado. Incapaz de sair rindo como antes.
Yuchen franziu a testa.
— A gata disse que sim, e parece que tá rodando nos corredores. Disseram que ele até pegou na cintura dela na saída, e os dois–
— O quê?
O barulho da porta rangendo lá na entrada da sala não deu tempo de Jungkook receber uma resposta, se é que ele estava esperando uma. Com a cabeça a mil por hora, ele viu quando Jimin entrou correndo, deslizando os tênis pelo laminado, aquele tipo de calçado errado que dava um barulho grotesco no ambiente.
Quando viu Jungkook, Jimin parou na hora, e abriu um sorriso um pouco… esquisito. Forçado.
— Ah, você tá por aqui. Graças a Deus — ele colocou uma mão no peito, um pouco ofegante. — Tava treinando, que bom, que bom. Desculpa interromper vocês, eu já vou–
— Ei! — Jungkook caminhou até ele antes que ele tivesse a chance de fugir. — Que merda é essa?
Ele ainda estava segurando o celular de Yuchen quando o virou para Jimin. E quando viu o semblante de Park mudar diante da foto, ele soube. Seu receio, medo, preocupação, ciúme, sei lá, transbordou e se derramou pra fora da normalidade.
— Merda, você já viu — Jimin passou a mão no rosto. Jungkook bufou e jogou o celular pra Yuchen, que estava parado sem entender nada. — Então, acho que você precisa ouvir umas coisas–
— Cadê ele?
— Quê?
— Cadê o Taehyung?
— Eu não sei. Ou talvez eu saiba, e talvez seja no estúdio principal, mas tem como você não surtar e me escutar? Ou, JK! Ei, peraí!
Jungkook já estava trotando pra fora, sem qualquer explicação, planejamento ou senso de irmandade.
Havia um ruído enorme ao redor dos corredores, acompanhando ele e seus passos pesados até a entrada do estúdio principal, ruídos que não estavam lá quando ele chegou no primeiro horário da manhã, ruídos que o estavam deixando cada minuto mais perto da explosão. Nem sabia o que estava fazendo, não teve tempo de pensar sobre as coisas. Jungkook só viu a porta e mergulhou pra dentro da sala, vendo Taehyung sentado calmamente, muito calmamente em cima da cadeira presidente enquanto conversava com Namjoon, Yoongi e Jin, tão pacífico como se nada, absolutamente nada estivesse acontecendo lá fora.
— Porra, Jungkook!
Jimin chegou tarde demais. Em um piscar de olhos, Jungkook se aproximou e meteu as mãos duras e furiosas no colarinho de Taehyung, puxando o amigo para cima, causando uma comoção imediata e um tanto confusa nos demais.
— Que isso? — Taehyung arfou quando teve o corpo erguido pela força de um trem.
— Você ficou maluco? — Jungkook trincou os dentes quando aproximou o rosto do dele. Taehyung tentou se soltar. Jungkook o agarrou com mais força.
— Que merda tá acontecendo? — Namjoon se agitou para perto dos dois, quase derramando o restante do chá com leite na embalagem de plástico.
— Cara, me larga — Taehyung tentou de novo, e tentou sorrir também, porque imaginava que aquilo fosse uma brincadeira, de mau gosto mas uma brincadeira. Eles brincavam sempre de se bater mesmo, jogar coisas um no outro, pregar peças, mas aquele olhar de Jungkook estava diferente demais. Tenso e dramático. Tudo que Tae conseguia pensar era: me fodi. Não sei porquê, mas me fodi.
E só aquele sorrisinho já estava sendo suficiente para deixar Jungkook ainda mais puto.
— Você tá aqui sentado esse tempo todo enquanto todo mundo comenta da sua foto com a lá fora. Tem noção do que é isso?
— É o quê? — Taehyung não pareceu apavorado, ou sequer muito chocado. As sobrancelhas foram pra cima, muito confusas, esquecendo-se por um segundo que estava prestes a levar um soco.
— Jungkook, solta ele! — Yoongi praticamente gritou no seu ouvido direito.
— Ele enlouqueceu? — Jin perguntou pra ninguém especificamente, e foi o único que nem se deu ao trabalho de se levantar do lugar.
— Agora, Jungkook! — Namjoon meteu uma mão no ombro do maknae, que ainda tinha os olhos untados de um reflexo brilhante de raiva, as narinas faltando pouco soltar um vapor, mas terminou soltando o amigo, que se afastou há pelo menos dois passos dele, alisando as próprias roupas. Agora as coisas não se pareciam tanto assim com uma brincadeira – seu amigo parecia mesmo que o mataria, e Jungkook já tinha prometido, em uma época longínqua e distante, que jamais o mataria sem dizer o porquê.
— Você perdeu a cabeça? — Namjoon agora estava na sua frente, cortando a visão de Jungkook para Taehyung. — Por que entrou aqui desse jeito? Foi mais uma brincadeira de vocês?
— Ele nunca brincou de quase me enforcar antes. Se queria testar um fetiche, podia ter me avisado — Tae resmungou, alisando a própria garganta agora. Mal podia ver o rosto vermelho de Jungkook através das omoplatas de Namjoon à sua frente, mas de alguma forma conseguia sentir.
Jungkook olhou para o líder sem vê-lo de verdade, tentando respirar fundo enquanto trazia a razão de volta pra cabeça. As coisas estavam acontecendo rápido demais – a informação da foto, a risada de Yuchen, a expressão de Jimin, as possibilidades dos destinos que aquela história já tinha alcançado. Entrou em um estado de alerta que não iria embora tão fácil assim.
— Esse idiota — ele apontou para Taehyung — deixou que fotografassem ele saindo do almoxarifado. Com a .
Todos os pares de olhos piscaram um milhão de vezes.
— Como assim? — questionou Jin.
— Do que você tá falando? — Yoongi cruzou os braços. Estava com uma cara de sono que era difícil disfarçar, como se ele tivesse caído de cara no para-brisa de um Camaro numa calçada qualquer antes de chegar ali.
— Peraí, que foto? — Taehyung empurrou Namjoon pra ficar de frente pra Jungkook, agora não mais com medo de outro ataque, mas sim por curiosidade.
Jungkook bufou e se virou para Jimin, a arcada dentária trincando uma sobre a outra.
— Cadê?
Ele nem precisou explicar muito. No minuto seguinte, Jimin revirou os olhos e puxou o celular do bolso de trás, abrindo a foto e virando a tela para todos os outros, como se mostrasse um cartaz em apresentação de trabalho. Levou um tempinho pra que todo mundo se situasse e conseguisse enxergar. Até Jin aceitou que alguma coisa mais séria estava acontecendo e se levantou.
Namjoon franziu a testa em absoluta consternação e se virou para Taehyung.
— Mas que porra é essa?
Taehyung estava ao lado dele, igualmente surpreso.
— Eu– eu… Peraí, isso não faz sentido.
— Não faz sentido? — Jungkook chiou.
— Caramba, ela sempre teve essa tatuagem? — Jin ainda estava olhando pra foto. Os outros estavam muito ocupados encarando Taehyung para prestarem atenção nele.
— O que você tava fazendo numa sala vazia com a ? — Yoongi acordou um pouco mais pra situação. Ele olhava nervosamente pra Jungkook, agora mais cauteloso, como se estivesse preparado pra saltar em cima do amigo ao primeiro sinal vermelho de descontrole. — Endoidou?
— Quem tirou essa foto? — Namjoon agarrou o celular da mão de Jin. — Como você tem essa foto? — apontou pra Jimin.
— Eu…
— Falaram mais alguma coisa dessa foto? — Taehyung se apressou, a voz agitada e preocupada. — Falaram sobre mais alguém?
— Eu…
— Você não meteu um número falso dentro de um dos grupos da empresa pra ficar espionando quem anda falando de você de novo, né, Jimin? Porra, achei que tinha superado isso! — Namjoon grunhiu.
— Não foi isso! E que merda, vai lembrar disso pra sempre?
— Chega, seus idiotas! Não interessa quem tirou essa foto, o que interessa é o que você tá fazendo com isso, ou melhor, o que não tá fazendo! — Jungkook gritou mais alto do que todos, apontando o dedo pra Taehyung. Ele ainda estava suado e melequento do treino, tinha esquecido a camiseta extra no banco do motorista e devia estar sem beber um gole de água há mais de 3 horas, mas essa aparência acabada parecia deixá-lo mais assustador, tipo um louco com uma ficha completinha no hospital psiquiátrico.
Taehyung voltou a franzir o cenho.
— Como assim o que não tô fazendo? Não aconteceu nada entre a gente!
— O que você tava fazendo lá? — Yoongi se aproximou mais do meio, seja de Jungkook ou Taehyung, tanto faz, só precisava deixar Jungkook respirar. — Com a , ainda por cima.
— Eu não estava lá com ela, eu encontrei ela lá, é diferente. Não aconteceu porra nenhuma entre a gente.
— Tem certeza? — Jin semicerrou os olhos, mais entretido do que realmente curioso.
— É claro que eu tenho!
— Deus seja louvado — Jimin murmurou, os ombros abaixando de alívio, mas ninguém pareceu ouvir de verdade.
— É óbvio que não aconteceu nada entre vocês, mas isso não é questão de opinião, Taehyung. As pessoas tem certeza que sim — Jungkook voltou a se agitar. — Essa foto tá rodando pra todo mundo aqui dentro e é questão de tempo até chegar na Sooyoung ou no Bang. Já pensou nisso?
— Cara, se acalma — Taehyung ainda estava confuso, mas agora estava terrivelmente incomodado com a comoção de Jungkook. — E daí se chegar no Bang? Vou dizer que não aconteceu nada e ele vai acreditar, até porque é a verdade. Não tô entendendo você–
— Você não é idiota pra saber o que pode acontecer com ela caso aquele maluco fique sabendo disso — Jungkook se aproximou um pouco mais do amigo, os olhos tão intensos que pareciam pegar fogo. Ele estava tornando todo aquele cômodo um lugar digno de arrepios. — Então que tal você não esperar a convocação real e ser pró-ativo uma vez na vida e ir tirar essa história a limpo na sala do grandão? Tenho certeza que ele vai mover céu e terra pra fazer isso desaparecer.
Todo mundo ficou olhando pra ele. Não do jeito que ele esperava, como: isso aí, JK. Foi inteligente e responsável como se espera de alguém do seu cacife, vai lá, Taehyung, vai lá resolver esse B.O. Não, o olhar deles era de pura dúvida e estranhamento, como se Jungkook de repente tivesse derretido em gasolina e no seu lugar tinha outra pessoa completamente diferente.
Yoongi levou uma mão para o rosto, balançando a cabeça.
— Peraí, então é isso? Sua preocupação é com a ? — Namjoon era o mais confuso de todos. Ele esticou um dedo para Taehyung antes que ele falasse. — Não que ele esteja errado, não está, você vai ter que explicar isso pro Bang. Mas vem cá, esse tipo de rumor é muito básico se for comparar com todos os que a gente já passou nos últimos anos. É só uma fofoquinha de funcionários, por que tá tão desesperado? — Ele se voltou para Jungkook.
— Qual o problema do Tae ter dado uns amassos na ? — Jin perguntou, aleatório.
— Eu não peguei a ! — Taehyung retrucou, cansado.
— Então foi ela que te pegou?
— Quê? Não!
— Por que você não quis? Se fez de difícil?
— Ela não faria nada com ele porque ela namora, seu pervertido do caralho. Volta pro seu banquinho e para de falar bosta — Jungkook cuspiu para Jin, que arregalou os olhos com a reação, assim como todo o grupo. Yoongi saltou pro lado dele, metendo os ombros nos seus, com aquele rosto lívido de quem diz: ficou doido? Tá se entregando?!!! — Você tem que resolver isso, Taehyung, a última coisa que precisa agora é de mais um problema e mais um falatório pra cima dela. Já não basta a situação com o Soobin, essa gente tá sempre precisando de mais um motivo pra ficar eufórico.
— Mais um falatório? Jungkook, sério… — Namjoon tentou dizer, mas o maknae falou primeiro:
— Fala sério, estão inventando que o Taehyung tá pegando a minha mulher. Vocês estão ouvindo alguma coisa do que eu tô falando?!
Todo mundo parou. De relance, Jungkook viu os pares de olhos se alarmando com o que quer que seja que saiu da sua boca, tão agitada e nervosa que só soube cuspir a primeira coisa na sua mente, sem virar para trás para avaliar as consequências. Se ninguém estava ouvindo antes, com certeza fizeram isso agora.
— A sua o quê? — Taehyung guinchou. Namjoon abriu a boca e não falou nada. Yoongi murmurou um “meu Deus” e estalou a língua em uma leve advertência. Jin era o próprio quadro vivo de Borsch, com a boca escancarada de horror.
Jungkook pareceu finalmente abaixar os ombros e relaxar os músculos, surpreso com o que tinha dito, e com a facilidade que foi dito.
Jimin expirou dentro da própria palma.
— Surpresa — ele abriu um sorriso arranhado, estendendo um braço para passar pelo ombro de Jungkook, pressionando os dedos no lugar em que sua clavícula estava exposta. — Hyung, você me deve 300 mil. — ele disse para Yoongi. Jungkook franziu a testa na direção dos dois.
— Você não podia esperar mais uns dois meses para abrir a boca? — Yoongi resmungou pro maknae enquanto metia a mão na carteira. Jungkook exalou forte.
— Vocês apostaram pelas minhas costas?
— A gente fez muita coisa pelas suas costas — Jimin reluziu um sorriso e esticou a mão pra pegar seu dinheiro. Antes que Jungkook ficasse indignado, o mundo à sua volta (seus outros amigos) fizeram barulho:
— Mas que merda é essa aqui? Alguém explica essa porra — Taehyung deu vários passos à frente, balançando os braços, exasperado. — O que você acabou de falar, seu babaca? Você e ?
— Calma, calma — Namjoon levantou os braços na frente do peito, como se a informação de Jungkook fosse um animal selvagem que ele precisava manter parado. — Você disse que– Você disse o quê?
— Ele disse que a namora — Jin comentou, os olhos estreitados, puxando informações da cabeça. — E depois chamou ela de mulher.
— é uma mulher — Taehyung disse.
— Desculpe, de minha mulher. Então isso quer dizer…
— É, ela é minha namorada. Pode descansar, Sherlock.
— Sua o quê? — Namjoon voltou a repetir, abismado.
— Namorada? Tá drogado? — Taehyung cuspiu, com um pouco mais de horror na cara.
— Ele nunca esteve tão sóbrio — Yoongi resmungou em voz amena, mas serviu pra tirar um arfar pesado dos outros 3.
— Estão ouvindo isso? — Jin levantou um dedo para o teto, pensativo. — São as trombetas. O Armagedon chegou, salve-se quem puder.
— Mas– Como isso é possível? — Namjoon recuperou uma cor no rosto, passando uma mão nervosa na nuca. — Você namorando? Com a , ainda por cima? Quando isso aconteceu?
— Eu vou sentar — Yoongi suspirou e caminhou serenamente para a cadeira de Jin, ocupando seu antigo lugar. Taehyung olhou pro hyung como se ele tivesse acabado de dizer que estava com lepra.
— E eles sabiam? — ele apontou para Yoongi e Jimin. — Esse tempo todo?
— É tanto tempo assim? — Jin perguntou.
— Você não ameaçou ela nem nada do tipo, não é? — Namjoon fez a pergunta certa para que Jungkook finalmente bufasse.
— Tá bom, gente, chega — ele empurrou o braço de Jimin de seu ombro. — Amei saber o que pensam de mim e as felicitações pela minha novidade, mas é, tô namorando a e é uma relação completamente consensual. Agora o que você ainda tá fazendo aqui? — ele esticou os dedos nervosos para Taehyung de novo. O amigo arregalou os olhos.
— Eu não vou sair daqui até você explicar isso!
— Então você deveria explicar a cena do almoxarifado — Jimin se meteu, o pescoço ultrapassando um pouco dos ombros de Jungkook.
— E você deveria explicar porque só apostou 300 mil com o Yoongi — Jin apontou pra Jimin. Namjoon levantou os dois braços.
— Será que dá pra gente calar a boca e agir como adultos? — o tom de voz que ele usou serviu pra deixar todos quietos. O líder cruzou os braços lentamente e suspirou ao completar: — Alguém liga pro Hobi e manda ele trazer mandu daquele restaurante de noodles. E cerveja. E um pouco de tteokbokki. E uma toalha pro JK. Temos uma noitada pela frente.
Aquele casaco amarelo amarfanhado não era uma boa primeira opção para uma consulta, mas era familiar. alisou o tecido cheio de cerdas descosturadas até que o suor nas palmas das mãos diminuísse um pouco. Estava parada sob o vão em arco da porta do consultório, um prédio pequeno e quadrado com letreiro sutil que não revelava exatamente para o que servia, mas no fundo, dava pra saber. Sempre dava para saber, principalmente para aquelas pessoas que não estavam mais tão inteiras por dentro.
Lá dentro, as paredes laranjas quase combinavam com o tom primaveril de sua blusa, com a diferença de que a cor estava mais forte e mais puxada para o outono de verdade que já começava a dar as caras na cidade. Na recepção, uma mulher de coque bagunçado e vestida inteira de uniforme de yoga anotava alguma coisa em alguns flashcards quando levantou os olhos assim que passou pela porta.
— Senhorita ? — O nome já estava na ponta da língua. parou por um instante, quase se perguntando algo ridículo como: quem? — Ele já está te esperando.
umedeceu os lábios. Não houve um cumprimento, um sorriso, uma pergunta sobre o tempo lá fora – o céu estava escurecendo e a temperatura estava baixando, o que significava que seu casaco, além de velho e informal, ainda era insuficiente –, uma oferta de café, nada disso. Apenas “ele está te esperando”, como o aviso de uma sentença de morte.
Isso não servia para deixar ninguém à vontade.
Mesmo assim, assentiu, tentando esboçar um sorriso.
— Obrigada — e começou a caminhar para a única outra porta do recinto que não fosse a de saída.
— É sua primeira sessão? — A voz da mulher a fez parar antes de chegar à maçaneta. se virou e assentiu devagar. Finalmente, a sombra de um mísero sorriso se espalhou por todo aquele rosto indiferente. — Fico feliz.
não soube o que responder, então apenas se virou e abriu a porta.
O cômodo era pequeno, um pedaço quadrado que se aproveitava de todos os metros centímetros livres possíveis para, de algum jeito, conseguir te dar a sensação de que ele era muito maior do que realmente era. A pintura ali dentro era muito diferente de fora; o mesmo laranja vivo, mas agora mais rebuscado, jogado pelas paredes, como se o próprio dono tivesse pego uma lata de tinta e vertido o líquido desde a ponta do teto, deixando que a cor escorresse como bem entendesse. Muitas plantas minúsculas estavam juntas em um aquário e uma mesinha de té cheia de livros descansava por cima de um tapete preto e branco.
O homem sentado atrás da mesa principal ergueu o queixo de um exemplar grosso de Dorrit Harazim – “O Instante Certo”, um livro que ela conhecia muito bem.
— ? — Disse ele, com um tom muito menos formal do que era de se esperar em Seul. — Que bom que veio.
suspirou quando fechou a porta. Andou até a poltrona na frente da mesa e se sentou devagar.
— Foi fácil chegar aqui? — perguntou ele, fechando o livro. anuiu de leve com a cabeça.
— É bem do lado do metrô — respondeu, juntando as duas mãos em cima do colo, que logo mais começariam a trocar de posição o tempo todo com nervosismo. Já estava acontecendo antes mesmo de chegar ali. Ela espiou as paredes com cores desmoronando à sua volta com uma expressão receosa.
— Ótimo. Era um dos meus principais objetivos quando isso aqui ainda estava no papel: facilitar a vida das pessoas — ele exclamou alegremente, estendendo as costas relaxadamente na cadeira presidente. — Como eu posso facilitar a sua vida hoje?
baixou os olhos para o tampo da mesa, sem saber o que responder. Já começaram as perguntas? Eu já devo falar? Observou o nome na placa de vidro entalhada com um capricho cristalino: Park Sung Chul. O terapeuta que Jungkook tinha insistido tanto para que ela visitasse, deixando claro que ele era uma indicação de Minji e que tinha uma linha de trabalho um pouco diferente, e agora estava um pouco arrependida de não ter dado um jeito de encontrá-lo antes de sair da agência para poder lançar os braços em torno do pescoço dele e pedir um beijo de boa sorte.
Mal teve tempo de ler suas mensagens antes de chegar ali. Tinham muitas, e todas falando algo como “vou resolver as coisas com Taehyung” e “vou matar o desgraçado do Taehyung!”
não queria ficar em silêncio, mas as palavras não vinham. Não sabia a forma certa de fazer aquilo.
— Não sei bem como fazer isso — repetiu exatamente o que estava pensando. — Nunca fiz, na verdade. Não sei por onde começar.
— Tá tudo bem, , você veio até aqui, então podemos considerar que já começou. Posso te chamar de ? — Ele abriu um sorriso simpático. concordou com a cabeça. — Quer me contar um pouco sobre você?
Ficou quieta. Aquele era o tipo de pergunta que ela nunca sabia responder, não importava quem estivesse perguntando. O que poderia contar sobre ela que não fosse a parte assustadora e problemática e que, ao mesmo tempo, deixasse as pessoas satisfeitas?
— Um pouco? — Gaguejou. — Tipo o que tem na minha ficha médica?
— Qualquer pouco.
— Ahn… Meu nome é . Tenho 23 anos. Nasci no Brasil. Morei na Califórnia nos últimos 4 anos. Sou fotógrafa, trabalhei… — parou. Por mais que entendesse o conceito de um terapeuta e soubesse que não pararia na primeira página da Dispatch se revelasse que era uma paparazzi e que agora fazia o trabalho totalmente contrário em Seul, já era natural dar um passo para trás quando se tratava daquela informação. — Trabalhei em uma revista. Agora estou aqui.
Ela deu de ombros e, em seguida, acariciou alguns tufos de cabelo que escapavam da trança feita às pressas no banheiro da agência.
Sung Chul balançou a cabeça atentamente, quando percebeu que a garota não pretendia dizer mais nada.
— E você gosta daqui? — Perguntou com outro daqueles sorrisos.
— Gosto. Quer dizer, nem sempre gostei. No começo foi estranho, eu não falava a língua de vocês, mas foi ficando mais fácil pegar o jeito. É só ir experimentando uma palavra de cada vez e nem parece que falei outro idioma antes. Pelo menos é assim que minha amiga me diz pra fazer… — deu de ombros de novo, com a sombra de um singelo sorriso quando se lembrou de Yoona e suas correções muito sutis à pronúncia de .
O homem acariciou um bloquinho em branco em cima da mesa, um pouco escondido por trás de um corpo cilíndrico com uma variedade de lápis e canetas, mas não desviou os olhos de ou deixou de sorrir.
— E você anda seguindo com a fotografia por aqui também?
— Sou diretora de fotografia na Hybe. Pelo menos, por enquanto. Até o contrato acabar.
— Uau. Bela profissão. Sempre quis fazer isso?
— Não me lembro de dia nenhum em que não quis — suspirou, feliz com uma frase dita em modo automático, pelo menos, sem seu cérebro protestar por estar tendo que rodar tanto até peneirar as palavras certas.
A resposta pareceu agradar ao profissional, que desencostou as costas da cadeira devagar, avaliando de uma maneira até divertida, como se a presença dela tivesse tornado o dia dele mil vezes mais alegre e interessante.
— Isso é muito bom de ouvir — disse, com mais um sorriso que seria capaz de abraçar o mundo inteiro. — Então me diga, , você gosta do seu emprego, sempre sonhou com ele, acabou tendo uma boa adaptação do Ocidente para o Oriente… Onde foi que você precisou entrar em um metrô e parar na porta desse estabelecimento?
piscou os olhos. Ele não parecia sério, apesar de que estava falando muito sério. Dava pra sentir o tom de sua voz alterando o ambiente.
Isso não foi exatamente uma intimidação, mas se sentiu um pouco sufocada. Como se visse uma tempestade chegando, e todo e qualquer lugar sob o céu começava a dá-la arrepios.
— Bom… Preciso responder isso? — disse em voz baixa.
— Não precisa responder nada.
— E se eu não souber responder?
— Então não sabe. Vamos descobrir.
— O que exatamente preciso descobrir? — ela expirou alto. Não olhou mais para o rosto do homem, mas para a placa, segurando a língua para não soltar um “já posso ir?”.
Ele continuou impassível. Não via nenhuma anormalidade no comportamento da garota. Se fosse supôr por aquele sorriso neutro que ele continuava a esboçar, diria até que o homem estava feliz pelo caminho em que ela estava indo – que parecia ser pra lugar nenhum.
— O que precisa descobrir. Como facilitar a sua vida.
— Honestamente, minha vida nunca foi tão fácil como anda sendo agora — resmungou, levantando a cabeça para olhá-lo. Ele voltou a se apoiar no encosto da cadeira de novo, cruzando os dedos sobre o colo.
— É claro que, em termos materiais, nossa vida tende a ficar mais fácil com o passar do tempo. A partir do momento em que crescemos, amadurecemos, conseguimos um emprego, ganhamos dinheiro, formações, ambições, mais sonhos… O objetivo da nossa vida se torna facilitá-la. Deixá-la mais leve, suportando uns terremotos e vendavais porque sabem que no final vale a pena. Mas muitas pessoas ignoram que nossas bagagens mais pesadas são ganhas lá no início, antes mesmo do ponto de partida — Sung Chul levantou levemente os ombros. — Algumas bagagens são pesadas, tão pesadas que não deixam a pessoa sair do lugar, e ela nunca passa muito do ponto de partida. Outras são mais leves, mas por serem tão leves, são levadas ao esquecimento, normalizadas, e só são percebidas quando mal se tem forças pra soltá-las. Outras são dolorosas a tal ponto que nós mesmos colocamos mais pesos em cima dela para que não olhemos mais, e aquele ditado popular é uma verdade universal, mas com uma ressalva: o que os olhos não veem, a mente se esquece, por mais que o coração, de alguma forma, ainda sinta. Pra alcançar nossos objetivos na vida, tomamos vários caminhos que não permitam a interferência de outras coisas de fora para atrapalhar, mas nós nunca fugimos do que está dentro, dos nossos pertences. A gente só se livra quando se livra. Só se para de sentir o cheiro do lixo quando você o tira pra fora.
Outro mover de ombros que denotava o óbvio. sentiu um embrulho esquisito no estômago, uma vontade de dizer para ele que “eu sabia que você diria isso, mesmo que não soubesse que diria assim.” Porque saber de um fato não significa que você o sinta. Não significa que o viva, ou que o consiga viver. E estava tão acostumada a não conseguir as coisas…
— Eu… Isso não é tão fácil — a voz saiu mais baixa ainda, lotada de uma vergonha frustrada. Ficava constrangida sempre que era lida pelas outras pessoas. Odiava que olhassem através de sua janela, que vissem a bagunça de seu interior desarrumado.
— Ninguém nunca disse que é — Sung Chul disse em voz empática. Era outra coisa que sabia que ele diria. Torceu a boca, tentando ignorar o embrulho.
— Mas todos esperam que seja. Todos mesmo. Até o senhor, provavelmente, espera que seja — murmurou, desviando os olhos para os ramos de folhas finas que escapavam do aquário. — E não é. Dói. É cansativo.
— A dor infelizmente é um fato da vida, . Seria um alívio se já vivêssemos em um mundo onde ela não existia, ou não fosse tão inevitável, mas até assim não seria um mundo perfeito. Mas a questão principal aqui é que a dor… Te causa medo?
Ela abriu um sorriso sarcástico.
— Dor causa medo em todo mundo.
— Porque pensam que ela vai durar pra sempre. Ou pensam que não sabem viver sem elas. Existem milhares de pessoas pelo mundo que não conhecem e nunca vão conhecer a melhor versão de si mesmos — Sung Chul se aproximou da borda da mesa novamente, e conseguiu fixar naqueles olhos. Conseguiu pelo máximo de tempo sem desviá-los. — Quando a gente tira um band-aid inocente de uma ferida, aqueles milissegundos em que o plástico descola da pele parecem durar uma vida inteira. Queima tanto quanto um incêndio na alma. Mas depois ela dissipa e a gente esquece. Muitas vezes, nem deixa cicatriz pra trás. Mas existem dores que ecoam por vários e vários segundos, minutos, horas, meses, anos. Porque ainda estão cobertas pelos band-aids. Às vezes, nem sabemos tirar os band-aids. Ou podem nem haver band-aids, porque a ferida virou uma cratera, engolindo tudo ao redor, se alimentando dos momentos bons sem interferência porque ainda não foi notada.
queria responder um: sim, eu entendo, já sei onde quer chegar, e depois anunciar um “tá na hora de ir pra casa?”, mas não podia fazer isso. Tinha prometido. Não era fácil e nunca foi ver sua vida ser analisada por um completo estranho, analisada de uma forma intencional, mesmo que ele falasse por metáforas e generalizações. Todos os escudos de se erguiam automaticamente, portões de ferro e carbono reforçados contra intrusos. Mas isso tinha que ceder um pouco…
Tinha que ceder um pouco. Nem que fosse um pouco.
— Eu não sabia dessa dor — disse ela, coçando levemente a nuca, tentando não olhar pra ele. — Quer dizer… Lembrei de uma coisa recentemente. Eu não sabia que essa memória existia. Ela apareceu pra mim, brotou de algum lugar e, honestamente, tenho medo de existirem mais. De eu estar tão estragada por dentro que não teria mais salvação.
Olhou pra ele. Sung Chul assentiu levemente, novamente, sem demonstrar que algo que falasse pra ele fosse incompreensível ou até mesmo chato, ou sem importância.
— O que é ter salvação pra você? — o tom curioso veio 1 minuto depois. mordeu o lábio levemente e olhou pra baixo.
— Ser boa — ela pensou em Candice. Pensou na facilidade da amiga para tantas coisas, internas e externas, desde escolher seu sabor de pizza favorito até correr atrás de seu emprego dos sonhos com saltos altos e terninho, sempre exalando uma confiança absoluta de que nada, absolutamente nada daria errado. Essa opção não existia no vocabulário de Candice. Ela simplesmente sabia que pertencia ao sucesso. — Ser uma pessoa minimamente… Boa.
Sung Chul alisou o bloquinho de novo antes de dizer:
— Acha que suas feridas, ou seus traumas, ou qualquer coisa assim, não te tornam uma pessoa boa?
— Talvez — a resposta saiu rápida. mal a viu se formando na língua. — Pra comunidade, talvez não. Pra igreja, também não. Mas pra alguém…
E doeu dizer isso. Ela se lembrou de si mesma nos últimos meses, ainda nas ruínas de seu amor aparentemente não correspondido por Jungkook, e até antes disso, quando teve toda aquela ideia de amor sobre Jaehyun, e nas duas situações, não se via em uma posição de prioridade para nenhum deles, de escolha, de aceitação de nenhum dos lados caso resolvesse bancar a verdadeira com qualquer um deles. Um sentimento que sempre teve, mas que não sabia reconhecer, dar nome, não entendia essa trava.
— Alguém. Certo — Sung Chul puxou o bloquinho para debaixo do queixo, e um lápis de ponta fina já dançava nos seus dedos. — Os alguéns importam muito no desenvolvimento de qualquer um. São os que nos jogam em moldes de personalidade que às vezes nem temos ciência. Sendo assim, posso te fazer uma pergunta? Já recebeu alguma insinuação que você não era boa o suficiente? Que não teria salvação?
O coração doeu repentinamente. Talvez já fosse uma resposta, mas não conseguiu verbalizar. Se dissesse que sim, já recebeu insinuações ainda piores, e que se olhasse bem, não eram apenas insinuações, mas foram declaradas como realidades, como fatos, como verdades quase bíblicas. Que, por mais que ela entendesse que algo estava errado naquelas palavras, não conseguia parar de procurar causas. Não conseguia parar de ter esperanças, de parar de desejar coisas que jamais aconteceriam, como seu pai entrando pela porta da frente de novo e dizendo que aquela história de ataque cardíaco não tinha passado de uma brincadeira muito boba. não se importaria com isso, com nenhum passado e nem presente de tormentos, se pudesse correr e pular nos ombros dele de novo, voltando a sentir a veracidade que ele sempre despejou em seu ouvido: você é muito amada, . Você é tudo que eu pedi.
Não conseguiu dizer. A ponta do nariz queimou e ardeu do jeito que não deveria.
— Olha, eu não… Eu não sei fazer isso — declarou, soltando os ombros, sentindo a mente turvar em um cansaço repentino. — Me desculpa. Eu só vim porque meu namorado insistiu muito, e talvez eu precise mesmo tentar entender toda essa merda de dentro de mim, mas eu preciso– talvez precise de um tempo.
Sung Chul balançou a cabeça várias vezes, largando papel e outros pertences até se ajeitar no banco.
— É claro, todo o tempo que você quiser, . Gostaria de acabar por aqui?
— Não sei. Eu prometi que ficaria até o fim — respondeu com relutância. Por mais que quisesse ir embora e fingido talvez que nunca tivesse tentado, tinha prometido. E as promessas que fazia a Jungkook eram tão importantes quanto as que fazia à Candice, ou a si mesma.
Sung Chul sorriu.
— Claro. Aceita um café?
— Com açúcar.
O homem se levantou e andou até a mesinha com os livros, puxando de lá um bule minúsculo de cerâmica sob as luzes dos pendentes, reluzindo no tom fosco e destacando a fumaça que saía pela abertura do gargalo.
recebeu a bebida em uma xícara com pires, e tomou um gole grande sem assoprar.
— Agora, se você quiser, podemos gastar os últimos 30 minutos ficando em silêncio. Ou escutando The Trammps, eu comprei essas vitrolas modernas há um tempo atrás e elas ainda não foram testadas o bastante. Ou — ele se virou para a gaveta por trás da mesa e puxou o mesmo livro grosso de antes — você pode me dizer o que significa alguns termos difíceis desse livro. Ou o que foi a Guerra da Crimeia.
E ficou até o final.
— Teve essa garota, a Chayoung. Ela foi minha primeira namorada.
fez um “hmm” e rabiscou com força em cima de mais um traço torto e errado. Pelo menos, mais torto e errado do que os outros que já estavam esquisitos demais.
— E você e a beijava? — perguntou, ajeitando a cabeça no travesseiro ao pé da cama e as pernas jogadas no colo de Jungkook, sentado ao contrário.
— Seria muito estranho não beijar a minha namorada — ele puxou uma linha longa na tela acesa do iPad novinho, deslizando a caneta pra lá e pra cá em movimentos muito rápidos, como se já estivesse na parte da pintura, enquanto ainda estava no rascunho. Bom… aquela confusão no papel nem podia ser chamado disso.
Era noite de sexta e o clima recém congelante de Seul estava propício pra se deixar ceder às ideias repentinas de Jungkook. A daquela vez tinha sido trocar desenhos da próxima tatuagem, o que era uma loucura pra porque olá! Desenhar não era a sua praia, e não dava pra competir com o cara que tinha ilustrado seu braço.
Mas ele insistiu muito e por fim, acabaram ali, com deitada de um lado e ele sentado do outro, ela com papel e lápis e ele com as ferramentas modernas e digitais, que tinha comprado desde que decidiu voltar a desenhar pra valer. Foi simples desse jeito: decidir, sair e comprar. Sem nem sentir cosquinha na conta bancária.
— Então ela foi sua “primeira”? — perguntou, apagando mais uma ponta defeituosa do objeto que tentava desenhar. Ela não era boa nisso, mas estava gostando da dinâmica, do clima. Ficar de moletom e agarradinha com o namorado era gostosinho, mesmo que só suas pernas estivessem fazendo isso.
— Foi. E foi horrível. A gente não fazia ideia do que tava fazendo — respondeu ele, rindo um pouquinho. — Todo mundo fala da primeira vez da garota, mas perder o cabaço pro homem é humilhante na maioria das vezes. É brochante quase gozar só de ver a menina sem roupa. Nossa, foi um desastre — eles riram mais alto. — Mas foi só da primeira vez, depois a gente foi pegando o jeito.
— E por que vocês terminaram?
— Porque ela não entendia minha carreira — ele suspirou, olhando com mais concentração pra algum ponto do desenho. — Sendo bem honesto, acho que ela não aceitava. Não queria me ver crescer, nem acreditava nisso. Sei lá. Endoidava com fã, com recadinhos na internet, com fanfic sem sentido… Acho que foi um pouco difícil pra ela ver tudo mudando pra mim, mas era exatamente o que eu queria. E ela sabia.
— Hmm. Você parece ter ficado mal.
— Eu queria ter ficado. Eu devia ter ficado — ele levantou a cabeça para olhá-la. — Mas pra falar a verdade, eu não amava ela. Não desse jeito — ele ergueu o dedo indicador e gesticulou para os dois. — Nem do outro jeito. Eu só, sei lá– Tinha uma namorada. Sabe essa gente que namora, mas se ninguém te contar, você nunca vai saber? Não porque parecem muito amigos, mas porque não tem conexão. É só um buraco que a gente tá preenchendo. Percebi que eu não conseguia dizer porquê eu namorava com a Chayoung, então terminei. Foi um drama mexicano, mas já passou. Isso tem muito tempo.
— E vocês se falaram depois disso?
— Não. Nunca mais a vi. Acho que ela voltou pra cidade dela também. Deve estar casada e com filhos hoje, ou tomara.
— Por que? — riu e olhou pra ele. A curva que tinha feito com o lápis há dois segundos atrás não tinha sido realmente ruim.
Jungkook se inclinou um pouco pra trás pra apoiar as costas na cabeceira, tomando o cuidado de esconder o iPad de .
— Porque era isso que ela queria. Era obcecada nessa ideia, pra falar a verdade, e isso acabava fazendo ela ser sufocante algumas vezes, mas se achou um cara que queira a mesma coisa, não vejo porque ela adiaria.
baixou a prancheta.
— Então você não queria se casar — ela estreitou os olhos, mas segurou o riso. Jungkook arqueou as sobrancelhas.
— É, não parecia ser um bom negócio fazer isso com 16 anos — ironizou, ajeitando os pés dela em cima do seu colo. — E você já quer falar de casamento? Tem certeza? Vim despreparado pra essa discussão hoje.
deixou um sorrisinho de canto escapar, ainda mantendo a falsa seriedade.
— Até parece que você conseguiria me convencer a casar com você.
— Aham, até parece que vou precisar me esforçar tanto assim — ele revirou os olhos e ela soltou a gargalhada presa.
— Você não tem a menor vibe de quem quer um casamento igual sua ex-namorada.
— Você ainda me julga muito mal, linda. Com 15 anos eu era um santo — ele mal terminou de falar e já estava rindo, muito mais alto dessa vez. — Eu tô falando sério, engraçadinha. Fumei meu primeiro cigarro com 19 anos, e demorei bastante tempo pra ficar com alguém de novo depois da Chayoung.
— Aham, tipo uns 3 meses?
— É muito tempo pra um moleque cheio de hormônios.
— Tava com medo de brochar?
— Não de brochar, acho que era medo das expectativas, sei lá. As garotas querem beijar, e isso empacava tudo. Eu não queria um relacionamento que poderia me causar todo aquele estresse de novo.
quase abriu a boca pra perguntar em como Ali se diferenciava de Chayoung nesse quesito e em como ele chegou na decisão de namorá-la de repente, mas se conteve. Assunto meio merda pra se enfiar ali naquele conforto entre os dois. Talvez uma partezinha de ainda tivesse ciúme da majestosa Ali Dalphin, tivesse medo de algumas perguntas e algumas respostas, então não. Por hoje, ela se pouparia.
— Você chegou a pedir desculpas a Chayoung? — Ela pintou um pedaço de círculo que saiu mais perfeito do que pensou. Agora menos folhas amassadas cobriam o chão do seu quarto, o que era sinal que estava avançando pra algum lugar.
— Pelo que?
— Por ter magoado ela ou coisa assim.
Jungkook riu, lembrando-se de uma história engraçada.
— Não, mas o Jimin deve ter se desculpado por mim. Eles estavam se pegando menos de 1 mês depois.
— Mentira.
— É sério, mas eu não dei a mínima. Não foi algo que eu procurei saber, mas ele tem uma boca enorme e não aguentou ficar quieto. Também porque ele precisava dizer que ela me jogou uma praga e que tava com medo de ter pegado nele também.
esperou que ele risse mais e dissesse que era brincadeira, mas ele só ficou na parte do rir enquanto agora ligava vários pontos na tela, unindo traços grossos e furiosos.
— O quê? Ela te jogou uma praga?
— O Jimin chama de karma. Sinceramente, nem sei o que foi aquilo — ele balançou os ombros, com desdém. — Ela apareceu no dormitório e devolveu todos os meus presentes, que basicamente era uma bolsinha de pano e um colar de pedrinhas. Falou que eu era um babaca e que ia voltar correndo pra ela quando nosso “grupinho de merda” fracassasse. E ah, falou que eu não tinha coração. Logo eu, olha que absurdo.
o fuzilou com o olhar, e estalou a língua depois.
— Tá, tá, mas por que karma?
— Ela lançou um papo de que eu nunca ia ser feliz no amor. Falou desse jeito mesmo, tipo um personagem do Hitchcock: toda vez que você se apaixonar, não vai vingar. E eu fiquei com um pouco de medo e mandei ela embora, mas qual é, olha isso.
arregalou os olhos, e riu com nervosismo.
— Nossa. Você vacilou mesmo com ela.
— Ela foi a minha vítima mais fraquinha — ele deu de ombros com deboche, e deu um chutinho fraco no seu cotovelo.
— E qual das suas vítimas eu sou?
— A mais gostosa, pode ter certeza.
Eles riram de novo. Mesmo que soubesse que aquilo era mentira, não importava. Saber que ele sentia isso era o que causava um terremoto de sensações no seu coração. Eu devo estar no rodapé da lista de garotas mais gostosas que ele deve ter pegado, mas e daí? Ele me amava. E essa lista era bem pequena.
E aquele sentimento serviu pra manter sua mente ainda mais concentrada nos rabiscos e fazê-la gritar, uns 10 minutos depois:
— Acabei.
Jungkook levantou a cabeça rápido.
— É o que?
— Já terminei.
— Mas ainda temos 5 minutos — ele buscou o celular pra verificar o tempo. balançou a cabeça em negação e ergueu as costas para se sentar.
— Que grande transformação você faria em 5 minutos? Vai, vamos mostrar.
Jungkook bufou e largou a caneta magnética para o lado. Se ajeitou na cama e agarrou o iPad perto do peito, do mesmo jeito que estava fazendo com a prancheta.
— No 3? — perguntou ele. Ela assentiu. — 1, 2, 3…
Os dois viraram os desenhos ao mesmo tempo. Houve um momento de silêncio penetrante e contemplativo por um instante. Jungkook teve vontade de rir. teve vontade de chorar.
— O que é isso? Sou eu? — ele começou a risada aos poucos. O desenho era mais cômico do que realmente significativo. — Tem poeira no meu cabelo?
Ela revirou os olhos e lhe deu mais um chutinho, dessa vez na costela. Ele riu ainda mais.
— Isso não é poeira, é só um… véu, eu acho. Tentei fazer uma sombra nas notas musicais.
— Essa clave de sol tá cheia de véu, então — ele zombou de novo e estava pronta pra arrancar a folha, mas ele se aproximou até agarrar sua mão e impedir. — É brincadeira, linda. Que isso, tá maravilhoso, exatamente como eu quero.
— Maravilhoso?!
— É, foi o que a gente combinou, nada de perfeição, só um negócio autêntico pra lembrar um do outro — ele explicou com serenidade, arrancando um mísero sorrisinho de canto dela. — Agora vai, me explica o desenho.
— Não é nada perto do que você fez… — ela resmungou em voz baixa quando olhou aquela ilustração tão bem feita na tela do iPad, mas Jungkook logo a olhou de cara feia. — Tá bom, tá bom. Tentei fazer o esboço do seu rosto, tipo o que você fez pra minha tatuagem, e aqui na cabeça, eu– Bem, eu–
— Você transformou meu cabelo em um monte de fá sol lá si dó.
— É, se quiser definir assim — ela pareceu um pouco envergonhada, o que fez Jungkook rir ainda mais. Aquele filho da mãe maluco não estava ajudando em nada, mas ela mesma tentava não rir. — Você é insuportável…
— Tem mais coisas. Explica.
respirou fundo, e molhou a boca seca antes de falar.
— Tá, sempre que eu penso em você, mesmo antes ou depois de te conhecer, eu te relaciono com música. Sempre que você tá feliz, escreve uma música. Quando tá triste, toca uma música. E quando quer gritar, também envolve a música. Meio auto explicativo — ela deu de ombros, e ele não tirava o sorrisinho do lábio. — É uma coisa que tá sempre na sua cabeça. Literalmente. Acho que eu quis retratar isso.
— Hmm. Eu adorei. Apesar de ter outra coisa sempre na minha cabeça também.
revirou os olhos de desdém, mas riu um pouco. Insuportável.
— Eu já falei que você não pode tatuar o meu nome. Agora vai, fala da sua.
Ele levantou o iPad até embaixo do queixo, arqueando as duas sobrancelhas.
— Preciso dizer alguma coisa?
riu. Era uma tartaruga. Lógico que ela estava muito bem ilustrada, com todos os detalhes possíveis da carapaça, das patas, do ângulo de movimentação, como se Jungkook não quisesse que ela estivesse imóvel. Ela já podia até imaginar quais cores Polyc usaria pra pintar o desenho. Seria outra explosão, igual a que já estava no seu braço.
— Um dos mais lindos que você já fez — ela declarou em voz abafada, totalmente honesta. Jungkook tinha o olhar atento e cortante sobre ela, sentindo o peito ficar quente com a reação.
— Não foi só por aquele dia em Jeju — começou ele, colocando o iPad no meio dos dois. — Lembra quando eu disse que tinha visto seu portfólio com o senhor Ahn depois da sua entrevista? Na real, aquela foi a segunda vez que eu vi. A primeira foi com a Ali.
foi pega de surpresa. Jungkook continuou:
— Parece que você mostrou pra ela algumas fotos quando começaram a se conhecer e ela apareceu com essa das tartarugas no meu antigo apartamento uma vez. Não disse de quem era, e eu tinha achado o máximo. Muito diferente, até bem poético. Mesmo depois de eu descobrir que era sua, ainda continuava sendo uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto — mais um sorrisinho afundado no canto do lábio quase levou a loucura. Será que algum dia isso ia parar de ter esse efeito? — Quando ela foi embora, levou tudo, absolutamente tudo dela. A única coisa que deixou pra trás foi essa foto.
engoliu em seco. Olhou de novo pra tartaruga genérica desenhada e já começou a imaginar onde ela mais combinaria no seu corpo.
— E você rasgou? — perguntou ela sem ser séria, mas sem desconsiderar a questão. Ele a odiava, afinal. Ter rasgado e queimado sua foto não seria tão chocante assim.
— Não. Isso seria tão errado, até pra mim. Tá guardada lá na sala, no porta-retrato.
— Que porta-retrato?
— Aquele que eu guardava junto com as fitas de VHS.
Ele riu e voltou a pegar a caneta pra consertar um mísero traço fora do lugar do desenho. Nem percebeu nada, talvez nem se lembrasse mais. Mas se lembrava perfeitamente do que havia naquele porta-retrato antes, da foto escondida entre as fitas antigas de Rambo e Toy Story, a foto do casal sorridente assistindo a aurora boreal em um tempo onde eram felizes e esperançosos. No tempo daquela foto, com aquele Jeon Jungkook e aquela Ali Dalphin, parecia impossível acreditar que algum dia o mundo iria se partir para eles e nunca mais voltar a se endireitar novamente.
Aquela foto foi substituída. Por uma foto dela. E não precisava de mais demonstrações ou certezas pra saber que a mesma coisa já tinha acontecido no coração dele, mas ainda assim, sentiu o chão se deslocando e roncando embaixo dela, mexendo com tudo, aquele terremoto de sensações de novo.
— Ah. Vou reparar na próxima vez — ela se esforçou pra parecer indiferente, quando queria pular em cima dele e beijá-lo até perder o fôlego. — Acho que eu devia fazer um ajuste nesse desenho…
— Não, não vai ajustar nada. Vem aqui, vem — ele colocou o iPad e a caneta do outro lado da cama, estendendo a mão para o pulso de , que já estava prestes a apagar alguma coisa. — Larga isso e vem aqui.
Ela bufou e quis protestar, mas ele fez carinho no seu dedo e ela largou a prancheta e foi se deitar ao lado dele, que puxou o cobertor já desfeito pra cobri-los até os pés, colocando a cabeça dela no seu peito.
— Tá ansioso pra sua festa? — perguntou ela depois de um tempinho.
— Não é bem uma feeesta… — ele murmurou.
— Uma social entre amigos não tem 60 pessoas, meu bem.
Ele riu pelo nariz.
— É, tá certo. Mas acho que tô um pouco ansioso, sim. Vai ser legal ter todo mundo junto num lugar só. E a gente não vai precisar ficar se escondendo, agora que todos eles sabem.
— Você bem que queria se esconder comigo no seu estúdio, como nos velhos tempos — virou a cabeça pra sussurrar no ouvido dele com malícia, que virou o rosto pra roubar um beijo rápido. — Mas nem pensa nisso. Você vai ter muitas pessoas pra cumprimentar e eu muitos jogos pra aprender.
Jungkook riu alto e olhou pra ela.
— Você vai mesmo jogar batalha de shots com o Mingyu?
— Talvez eu tenha sorte de principiante.
— Não posso deixar você fazer isso.
— Mas eu sou boa em batalha naval.
— E ele não é tão burro quanto parece — Jungkook levantou uma sobrancelha, como se aquele fato ainda fosse surpreendente em todos os sentidos.
estreitou os olhos.
— Se disser pra ele me deixar ganhar, eu te mato.
Jungkook riu de novo e a abraçou pra mais perto.
— Nunca. Vou mandar ele acabar com você.
— Pra eu ficar triste e você me consolar depois?
— Pra eu te consolar muito depois.
riu e se ajeitou no seu espaço, abraçou ele e ficaram assim até dormir.
"Você entra pela porta
Paredes com papel de parede de Trilogia da Vingança
Eles redecoraram tudo
Eles mudaram todas as luzes e o bar foi para o lado
﹝...﹞
Eu estarei em queda livre com meus sapatos voadores
Logo atrás de seus olhos fechados, como uma lembrança de sua juventude."
🖤🎤 Batphone
Paredes com papel de parede de Trilogia da Vingança
Eles redecoraram tudo
Eles mudaram todas as luzes e o bar foi para o lado
﹝...﹞
Eu estarei em queda livre com meus sapatos voadores
Logo atrás de seus olhos fechados, como uma lembrança de sua juventude."
🖤🎤 Batphone
— Tá legal, . Isso não vai acabar assim — Mingyu apontou para algum à direita da ilha, um que ninguém entendeu de primeira. — Aquela garrafa de rum vai ser sua.
sufocou a gargalhada que detonaria ainda mais a moral do rapaz. Kim Mingyu tinha os olhos baixos e um pouquinho de suor já escorrendo pela lateral da testa, ou poderia ser a água da piscina, ou simplesmente o resquício da briguinha que teve com Bangchan no outro cômodo, quando disse várias vezes que não, o cara não faria parte do corpo de membros de seu grupinho exclusivo 97 Line enquanto não fizesse a Macarena de peruca rosa. Bangchan recusou, é claro. Foi aí que a coisa toda terminou com uma enorme poça de bebida no chão e um Bangchan furioso com as luvas de boxe de Jungkook.
Talvez tenha sido um baita erro tê-lo chamado pra jogar naquelas condições, mas o orgulho de Mingyu não o deixava negar nada. Sua regata branca estava manchada com o restante de vodka de frutas vermelhas, e o gancho tatuado que aparecia acima de seu colarinho lembrava uma garra, um dedo ou parte de uma flor-de-lis. não sabia dizer qual era o desenho exatamente. Foi o efeito de ter chamado Polyc para a festa não como um convidado, mas como funcionário.
— Sou alérgica a caldo de cana fermentado, já te disse — ela deu de ombros e apontou para baixo do queixo dele. — Sua vez.
O rapaz torceu a boca e sufocou mais um soluço. Olhou pra baixo, direto pra caixa de pizza aberta sob a bancada, em que uma das tampas de papelão estava levantada e a outra servia de substrato para o seu tabuleiro de batalha naval, que não passava de uma folha de papel A4 desenhada com quadradinhos meio tortos de canetinha preta, dois deles ocupados com copinhos de shot vermelhos.
Seus dois últimos barcos.
— D-4 — disse ele, lançando um olhar a que se parecia muito com um fuzil, quase tão cortante quanto seu sorriso. Ele tinha sido avisado, não tinha? Tinha sido avisado que a garota era boa, e que não estava de brincadeira, mas nem por isso demonstraria que estava intimidado.
Ao redor deles, a batida de 2Pac estourava em alguma caixa de som escondida nas paredes da casa de Jungkook, e havia gente o suficiente pra entulhar tanto a sala quanto o jardim lá fora, mas uma pequena parcela dessa multidão estava aglomerada ali, na cozinha, formando um círculo em volta dos dois adversários que travavam a battleshot mais eletrizante dos últimos tempos.
avaliou seu próprio tabuleiro, afastando o cabelo de Yoona, que caía no seu próprio ombro de tanto que ela estava perto.
— Ai, que droga — a coreana murmurou quando viu balançar a cabeça em negativa para Mingyu. Mais uma jogada que não deu certo. — Isso tá me agoniando. Você só tem mais um barc–
— Shiu! — a olhou de cara feia. Já era a terceira vez que Yoona aumentava sem querer o tom de voz sobre o seu jogo, e até a forma como ela olhava o tabuleiro estava preocupando . Mingyu poderia seguir o movimento de sua cabeça e raciocinar sobre onde estava o seu copinho. Ele ganharia e teria de beber aquela coisa horrenda com 90% de álcool erguida no centro da ilha como um troféu, quando era bem o contrário disso.
Tinha que admitir: ele era inteligente, só estava muito bêbado. Tinha participado de uma maratona de beer pong com os meninos assim que chegou, e por mais que parecesse instável e perigoso, ia apagar já já depois de ter bebido 3 copinhos de shots – os barquinhos do jogo.
— E-7 — ela estreitou os olhos ao falar, e Mingyu demorou tanto tempo pra se situar no tabuleiro que algum dos rapazes teve que bater no seu ombro pra ajudar. Aquele era Seokmin? Ela não o reconhecia muito bem com metade do cabelo branco e a outra metade cor-de-rosa. E não era um bom momento para contar que ele tinha um pirulito grudado na franja.
— Negativo — respondeu Seokmin no lugar de Mingyu. Os olhos do amigo estavam piscando mais que o normal. — Eu te disse que a última jogada ia dar ruim. Por que não acaba logo com isso e eu prometo que faço de conta que você ganhou? — ele falou pra Mingyu. O outro resmungou alguma coisa antes de dizer:
— Cala a boca — e tamborilou os dedos na superfície fria de inox, olhando pra tão fixamente como se pudesse ver a posição de seu copinho pelo reflexo das pupilas. — Só preciso… pensar. Me dá um minuto pra pensar.
Ela tentou não rir de novo. Na mesma hora, encarou Yoona com o brilho de vitória antecipada.
— Vou admitir: tô feliz e triste porque você vai ganhar de lavada — disse Yoona, se abaixando pra ficar perto de de novo, as palavras vaporizando na pele dela.
— Feliz e triste? — franziu o cenho.
— Se você ganhasse o Rum Grenadian, o Gook Doo não iria me escapar.
— Aham, tá falando do cara que tá bebendo suco de laranja a noite toda? — arqueou as sobrancelhas. Yoona ficou sem argumentos por um instante.
— Talvez ninguém tenha oferecido nenhuma bebida pra ele.
— Oferecido bebida? Em uma festa?
— Ele é muito educado, você sabe disso.
— Por que não dá uma de educada também e convida ele pra dançar? — olhou pra Mingyu de soslaio. O cara tinha abaixado a cabeça e estava com a testa encostada no antebraço em uma cena deplorável. Ela pensou mesmo na proposta de DK do faz de conta. Talvez faria bem ao amigo de Jungkook se pensasse que ganhou, mesmo que tivesse que tirar aquela vitória dos seus próprios sonhos.
— Acho que ele correria pra uma camisa de força se ouvisse o convite que eu faria — continuou Yoona, dedilhando o copo verde onde estava misturado um pouco de vodka e um pouco de soda de morango. — Você acha que ele correria?
— Não dá pra ter certeza. Vai voltar a jogar hoje, Mingyu? — deu leves tapinhas na mesa, fazendo Mingyu levantar a cabeça num susto. Seus olhos quase fechados tinham um brilho escarlate viscoso, revelando a quantidade de erva que ele tinha fumado lá fora junto com os outros, mas juntar isso com a obrigação de virar mais bebida prejudicou a visão do cara drasticamente.
Ele olhou atentamente para o seu tabuleiro, depois pra , depois pro tabuleiro, depois pra de novo.
— Tira ela daqui, DK — disse, agarrando a camiseta do amigo. — Chama o JK. Manda ele levar essa mulher embora daqui. Eu não posso mais passar por esse pesadelo.
— Recorrer ao anfitrião da festa vai contra as regras do battleshot. Anda, fala a sua jogada.
— Regras? — ele guinchou e o encarou como se estivesse com uma faca na mão. — Tá bom, tá bom. Que coisa, achei que você só fosse fotógrafa. O Jungkook te conhece de verdade? — ele encarou os riscos do seu tabuleiro de novo. — Então… F-3.
Mingyu fechou os olhos, sem querer ver o resultado. Foi a escolha certa, porque um minuto depois, estava jogando o cabelo pra trás com um sorriso vitorioso e pegou seu último copinho de shot, vertendo o líquido quente e asqueroso garganta adentro, batendo com o plástico no tampo de mármore.
A gritaria ultrapassou a música. sentiu os ombros serem balançados por Yoona, trocou hi-five com umas 10 pessoas que nunca viu na vida e se virou a tempo de ver Mingyu com a cabeça enterrada na mesa de novo, exibindo uns três tipos de choque, parecendo ainda mais desolado do que antes.
— Garota, você foi incrível — Yoona abraçou de lado, vibrando junto com os outros. — Nossa, deixou aquele gostoso no chinelo. De um jeito muito empoderado — ela sussurrou a última frase. — Então, qual é o prêmio pra quem ganha?
riu um pouco alto. Não dava pra dizer que também não estava bêbada.
— Só de não ter que beber aquilo — apontou para a garrafa lustrosa na ilha — já é prêmio o suficiente.
— Você me paga, — Mingyu tinha levantado a cabeça de novo, e pareceria realmente bravo se não estivesse com os olhos tão baixos. — Se eu não estivesse cansado, isso nunca teria acontecido.
prendeu os lábios para não rir. Ele parecia prestes a chorar.
— Larga de ser mau perdedor, Mingyu — um outro carinha, que também consolava Mingyu com tapinhas nas costas, falou com um estalar de língua. Ele era alto e bonito, e lembrou do seu nome só porque Yoona o secou da cabeça aos pés desde o segundo em que ele passou pela porta: Wonwoo. — Talvez você teria ido melhor se não tivesse enchido o cu de soju lá fora. Sabe que isso te deixa burro.
— O Eunwoo disse que era pra gente comemorar — Mingyu choramingou.
— Jogadores só comemoram depois de vencer, seu idiota.
— Uh. O papo ficou pessoal demais — puxou seu copo de bebida e se voltou pra Yoona. Agora sua plateia tinha reduzido quase drasticamente, depois de 2 sets a zero, como alguém tinha escrito no pequeno quadro digital acoplado na geladeira de Jungkook. Ele ficaria uma fera quando visse aquilo. — Vou pegar mais Cosmopolitan. Você quer?
— Lógico — Yoona sorriu e acompanhou até o pequeno bar improvisado nos fundos da cozinha, bem em frente à dispensa, onde um barman terceirizado fazia malabarismos e outros movimentos rápidos pra dar vida a drinks coloridos e outros que pegavam fogo. — Nossa. Eu nunca imaginei que as festas do seu namorado fossem tão legais.
— Você achou que só teria cerveja, whiskey e karaokê? — perguntou . Yoona abriu a boca. — É, eu também. Me surpreendi do mesmo jeito.
Yoona riu.
— Bem, ele nunca pareceu ser um cara que particularmente gosta de vodka ou gim.
— Ele odeia.
— Eu imaginei — ela deu de ombros. O barman deu um giro em 360º graus até virar uma coqueteleira de metal em uma taça escandinava no balcão, derramando um líquido amarelado, um do tipo que todos ao redor pareciam conhecer. — Inclusive, obrigada por ter me chamado. Essa é a melhor noite da minha vida! Nunca fiquei tão perto de tanta gente famosa. E vi coisas que nunca vou esquecer, tipo o Jay Park sarrando na Wendy.
olhou pra ela com a testa franzida.
— Foi Jungkook quem te convidou. Tipo, ele quis que você viesse.
— E sei que foi por sua causa, mas não tô nem aí, eu tô na casa da maior celebridade do país! E tá tocando 2Pac! — os olhos de Yoona brilharam e ela imediatamente começou a mexer os ombros desengonçada pra tentar acompanhar a batida de Only God Can Judge Me. Em dias normais, teria uma reação completamente diferente da que teve naquela hora, com um monte de Cosmopolitan e piña colada no corpo, misturado aos seus 5 barquinhos de shot: mexeu os ombros com Yoona, as duas rindo à toa, mal notando a fila do bar avançando, e só escutaram o grito que veio depois porque ele perfurou a música como uma agulha num balão.
— ? — A voz era feminina e melodiosa. Fez parar com a dança engraçada e se virar na direção do bar, topando com aquela fileira de dentes brancos e certinhos, brilhando com piercings na língua e no lábio superior, fora todos os outros espalhados pelas orelhas. — Olha só, até que você dança bem.
Ela riu. Seu cabelo agora estava com uma mistura de mechas rosas e verdes, as duas cores estampando a metade inferior. A superior era sempre preto, liso e perfeito, repartido no meio e fazendo-a ficar idêntica a Yumeko Jabami de Kakegurui, com o bônus de ser tão alta e tão perfeita pessoalmente. Parecia que nada nesse mundo poderia ficar ruim nela.
— Oi, Sunny — sorriu mais do que teria sorrido na sobriedade. Não porque não gostasse de Sunny, mas porque não imaginava que ela gostasse de . — Como vai?
Sunny olhou para o pequeno mar de gente na frente de , fazendo fila para alcançar os drinks melodramáticos do barman, e em um segundo, estava pulando para o balcão, sentando em cima dele como se estivesse sentando em cima da mesa da própria casa. A saia que ela usava, uma plissada de estampa xadrez colegial, subiu tanto que deu pra ver a calcinha vermelha, mas ela não parecia se importar nenhum pouco.
— Ei! Qual é a de vocês? Deem espaço pra primeira-dama passar! — Ela gritou e apontou pra no final. e Yoona congelaram no lugar. — Saiam logo, é a namorada do dono, não ouviram?
Em um passe de mágica, aquela massa de cabeças se virou toda ao mesmo tempo pra olhar de verdade pra onde Sunny estava apontando. No minuto seguinte, um espaço se abriu como o mar vermelho pra Moisés, deixando totalmente chocada e constrangida.
— Puta merda — Yoona estava do mesmo jeito, senão pior. engoliu em seco e abriu a boca pra dizer pra todo mundo voltar para o lugar e não escutarem a maluca do balcão, mas Yoona foi mais rápida; empurrou com o ombro e a obrigou a andar no centro estreito da fila que se aforquilhou, sendo alvo de outra plateia.
— Não precisava ter feito isso — disse quando chegou à frente do balcão, recebendo um sorriso lascivo de Sunny.
— Acho que não é de bom tom que a namorada do host fosse a última da fila.
revirou os olhos, mas não tinha seriedade o suficiente pra parecer chateada.
— Eu não vou te agradecer por isso. Ei, me vê um Cosmopolitan — ela empurrou o copo pra cima do tampo. Ele era azul com detalhes de tartarugas e estrelas-do-mar. Presente de Jungkook de última hora.
— E um mojito — Yoona colocou o dela ao lado do de . Sunny continuava sentada no balcão, plena, enquanto a fila retornava ao seu estado original. O barman agarrou os dois copos juntos, completamente seguro em fazer o serviço para duas pessoas ao mesmo tempo.
— Uh, foi bem direta. Fiquei pensando que talvez pudesse me agradecer com um beijo… — ela parou quando a fuzilou com o olhar. Sunny riu na hora. — Brincadeira, brincadeira. Jungkook me prenderia no porão se soubesse.
Ela puxou a própria bebida, um líquido verde neon que parecia um amontoado de raios gama, aqueles que transformaram o Bruce Banner em Hulk.
riu um pouco, e foi empurrada pelas costas por Yoona, que se imprensou um pouco acima de seu ombro para olhar Sunny.
— Nossa, as suas botas são simplesmente iradas — os olhos dela brilhavam, e aquela luz estroboscópica do bar fazia sua sombra com glitter aparecer ainda mais.
Sunny olhou para as botas vermelhas de salto alto e quadrado com satisfação.
— Você gostou? Foram uma pechincha no subúrbio de Hokkaido.
Yoona se contorceu ainda mais. Um barulho de vidro ecoou do lado de seu ouvido, e ela se virou a tempo de ver o barman empurrando sua bebida.
— Essa é Yoona, uma amiga do trabalho — apresentou, mesmo que Sunny acabaria perguntando quem era Yoona de um jeito ou de outro. — Yoona, essa é a Sunny, uma amiga do Jungkook.
— A que criou a coreografia de War of Hormone, verdade seja dita — completou a japonesa com um sorriso divertido.
— Muito prazer, Sunny — Yoona respondeu aérea, ainda petrificada na visão das botas. Virou pra devagar, como se fosse um robô. — Você conhece Hokkaido? Quando podemos ir pra lá? Eu preciso daquelas botas urgentemente. Gook Doo nunca vai poder me ignorar com elas.
— De um jeito bom ou ruim? — perguntou com inocência, mas arrancou uma risada espalhafatosa de Sunny.
— Problemas com um cara?
— Não sei se posso chamá-lo de problema. Nem chegamos nessa parte — Yoona fez uma careta.
— Mal chegaram na parte do diálogo — disse quando o barman depositou seu Cosmopolitan brilhando em vermelho vivo. A garota soltou um grunhido frustrado.
— Putz. Isso é ruim. Amor platônico? — Sunny puxou seu canudo entre os dentes.
— Obsessão, talvez — respondeu .
— ! — Yoona a empurrou com o ombro. — Eu tô tentando. Infelizmente, não tenho tempo de tentar mais do que já tô tentando, então preciso agarrar qualquer oportunidade que aparece, como essa maldita festa.
teria respondido alguma coisa se não estivesse prensando os lábios pra não rir. Sunny falou na frente:
— Tá legal — as botas fizeram barulho quando ela desceu do balcão com um pulo. — Me mostra o seu gato. Tô entediada demais, tá na hora de um agito de verdade.
Yoona empalideceu instantaneamente. Com os olhos arregalados, ela gaguejou um:
— Quê?
— É, fala com ele e vê o que rola. Você precisa tentar antes de se martirizar — Sunny sorriu e andou pra fora da fila, passando por e Yoona. Quando percebeu que não estava sendo acompanhada, parou e virou. — Vamos lá, garota. Você não tem tempo a perder.
Yoona continuou parada. Guardou um enorme “puta merda” que queria escapar da sua boca. Aquilo parecia uma insanidade. Essa garota que ela mal conhecia, mas que estranhamente parecia tão confiante e tão confiável…
retribuiu o empurrão no seu ombro.
— Vai logo.
— Tá maluca? — Yoona respondeu com voz aguda. — Vai saber pra onde ela vai me levar.
— Vai te levar pra onde você quer, dentro dos limites dessa casa. Vira essa bebida toda de uma vez e experimenta. De qualquer forma, a Vogue fica muito longe da Hybe, você nunca mais vai vê-lo de novo — deu de ombros, tentando parecer tão confiável quanto Sunny, mas nunca ia saber se aquilo era verdade. Seul era grande, mas não era tão grande assim. — Agora vai.
O rosto de Yoona ainda mostrava mais indecisão do que certeza.
— Mas e você? Vai ficar sozinha?
— A primeira-dama não fica sozinha, ela vai procurar o Romeu. Ou o presidente. Enfim, vai logo.
Yoona riu e se permitiu um último momento de confusão e medo, e então deu um abraço rápido e desengonçado em , se enfiando no meio de toda aquela gente atrás de Sunny.
A festa de pré-lançamento de Looping estava incluindo, além de 2Pac, drinks coloridos, gelo seco e bóias de flamingo na piscina, um enorme letreiro em papel prateado pendurado em várias partes da casa, todas formando a palavra Looping e Jungkook, com a adição de alguns confetes coloridos infestando o piso e o gramado lá fora. Ideia de Eunwoo. Depois de um tempo, metade das palavras já tinham sido arrancadas, ou caíram de livre e espontânea vontade com tanta gente esbarrando nelas o tempo inteiro.
O anfitrião, vestindo suas inseparáveis botas de combate e seus casacos pesados de couro, parecia um contraste perfeito do visual da própria festa, uma peça de quebra-cabeça perdida no meio de uma fazenda de Lego policromático. Ainda bem que isso era o de menos; Jungkook estava amando ver pessoas que não via há muito tempo, ou pessoas que sempre via, mas agora em um ambiente mais descontraído, versatilizado, o que significava que precisou estar em movimento e falando com mil e uma gente a noite inteira. Arrumou tempo pra tocar um trecho da música com os Elfos no palco improvisado entre a sala e a porta dos fundos, exigiu que Jaehyeong fizesse um solo de bateria de Come As You Are e Why Go do Pearl Jam – o segundo era um pouco mais difícil do que ele pensou que seria, mas só porque o baterista já estava começando a ficar muito bêbado –, viu Yugyeom enrolar uma marijuana de dentro da piscina, jogou Ping, Pang, Pong com Candice e Jimin, autografou a barriga de Wonnie e deixou que Polyc raspasse as laterais do seu cabelo, fazendo um undercut perfeito pra quem já estava meio alto.
Prestes a dar meia noite, ele sentiu alguém puxar seus dedos pra chamar sua atenção bem na hora que jogava o resto da bituca de um cigarro de palha para o lado, prometendo a si mesmo que nunca mais aceitaria nada vindo de um Yoongi atipicamente embriagado.
Quando olhou para trás, fez uma careta de imediato.
— Não me diga que já vai — ele falou pra Nitro, percebendo aquele olhar de cansaço que ele sempre esboçava quando ia chegando perto da meia noite. Velho desanimado.
— Já viu que horas são? Tenho que tomar meu remédio de rins.
— Você não tem problema de rins — se tivesse, estaria fodido, porque o tanto de makgeolli que tinha entornado em 3 horas, era o suficiente pra explodir as pedras e os rins junto.
— Na verdade, é o de fígado — ele reluziu um sorriso irônico sob aquele monte de luz colorida. Jungkook estreitou os olhos. — Tá legal, é o sono mesmo, não tenho mais idade pra farrear desse jeito. Eu vi uma garota tirando a blusa em cima de um trampolim e tremi só de olhar.
— E isso foi ruim?
— De jeito nenhum. Mas o Jimin já estava secando ela desde que a menina tentou engolir o guarda-chuvinha do drink, e os dois sumiram um minuto depois. Me diz que chamou uma boa empresa de limpeza pra amanhã.
— Ah, se chamei. Não vou sair do quarto enquanto eles não se livrarem de todos os fluidos humanos da casa. E se você ficar mais, posso ver se tem alguma outra garota com a tendência de perder a roupa por aqui, assim você pode contribuir na microbiota.
Nitro riu alto.
— Agradeço a oferta, meu gigolô, mas eu tô tranquilo nessa parte. E sair 20 minutos antes da meia noite é um recorde. Você não pode deixar de registrar isso.
— Isso não tem nada a ver com o 2Pac, tem? Eu juro que não escuto isso todos os dias — ele juntou as duas mãos em suplício. Nitro balançou a cabeça.
— Não, mas foram vários minutos de tortura, preciso comentar. Ainda bem que Iron Maiden e o Megadeth salvaram tudo.
— Foi em homenagem a você. Eu deixaria a playlist sob sua responsabilidade se eu já não esperasse que você fosse embora tão cedo — o maknae revirou os olhos, mas acabou sorrindo um segundo depois. — Valeu mesmo por ter vindo, velhote — ele se aproximou para um abraço, um abraço que era o de sempre, mas que, de alguma maneira, sempre parecia novo e diferente.
Nitro se afastou e abriu aquele sorriso orgulhoso pra Jungkook, tocando seu rosto com leves batidinhas.
— Foi ótimo estar aqui, garoto. Você merece tudo isso. Passa lá na loja pra tomar um café na semana que vem.
— Café argentino?
— Polaco. Doce demais, talvez até um pouco tóxico, mas é bom pra experiência.
— Fechado.
Os dois trocaram um sorriso cúmplice e, então, Nitro estava acenando e indo embora, se embrenhando por algumas pessoas dançando aleatoriamente pela sala ou só paradas e conversando. Jungkook não fazia ideia de quem elas eram, mas não se importava muito. Aquilo era uma festa, e, por maior segurança que tivesse contratado e por mais certinha que fosse sua lista de convidados, os penetras ainda não eram uma ideia extinta. Só que nem aquilo estava sendo capaz de deixá-lo sério ou preocupado; achava bem divertido, inclusive, conhecer pessoas novas no meio da sua bagunça, ouvir milhares de confissões de gente estranha com um grande potencial a stalker e beber cerveja por um tobogã de vidro com os amigos underground de Namjoon.
Mas tinha algo, ou melhor, alguém, que estava o tempo todo na sua cabeça, zoneada ou não, e nenhuma daquelas pessoas o divertiriam, conversariam, beberiam e ririam melhor do que aquela que vivia na mente dele, resumida em duas palavras que piscava em tom verde neon no seu cérebro: .
Naqueles míseros minutinhos em que se viu sozinho depois da partida de Nitro, ele automaticamente olhou para os lados, procurando. A última vez que tinha visto , ela estava correndo para a cozinha depois de convocar Mingyu para o battleshot. Ele queria muito assistir, mas precisava jogar conversa fora com Joo Hyuk e Jungjae, mesmo que tivesse dito que não queria falar de trabalho na comemoração, mas isso era meio inevitável. A festa era sobre o trabalho, de qualquer forma, e aqueles dois respiravam produtividade o tempo todo. Jungkook precisou cair nessa onda por pelo menos 20 minutos inteiros antes de ter sua merecida farra.
Pensou em ir à cozinha e ver se o jogo ainda estava rolando, com medo de Mingyu estar chapado demais pra começar a xingar sem motivo, mas antes que desse um passo, ele o viu. A pessoa que estava atravessando a sala, vinda da entrada, segurando uma caneca de chopp pela metade e empurrando alguns balões transparentes com fitas iluminadas que estavam pendurados no teto pra longe de seu caminho até alcançá-lo.
Parecia mentira, mas era ele mesmo.
— Jaehyun — Jungkook falou, como um cumprimento ou só pra confirmar a própria mente que ele estava ali.
Jaehyun meneou com a cabeça, parecendo um pouco deslocado.
— Bela festa a sua. Parece o aniversário de 15 anos da minha prima, mas com garotas de biquíni e 50Cent. Eunwoo?
— Ele mesmo — Jungkook esboçou a sombra de um sorriso, mas não foi em frente. — Não tive escolha, ele me prometeu a Terceira Guerra Mundial se eu não deixasse. Eu não sabia que você…
— A festa não era um segredo, Jungkook.
— Eu não esperava que você viesse.
— Nem eu. Não é como se eu quisesse te parabenizar e nem nada — ele fez uma careta, mas não pareceu muito sério. Havia um certo divertimento no tom da voz. — Mas, bem, a gente fez meio que um pacto escondido há alguns dias atrás e achei que eu precisava te contar o que aconteceu.
Agora ele pareceu ficar um pouco mais sério, e Jungkook chegou pra frente imediatamente, de repente sentindo no coração uma premonição desagradável, como se já soubesse o que escutaria.
— Vem aqui — ele murmurou, inclinando a cabeça para a direção do palco temporário agora vazio, com as caixas dos instrumentos espalhados e uma das baquetas de Jaehyeong afundada no tambor da bateria. Um dos globos brilhantes, antes pendurado no teto, tinha sido aberto em uma extremidade e virado um cooler de cerveja variada bem ao lado do chimbal. Jungkook puxou uma delas e se virou para Jaehyun. — O que houve? É sobre a Ali? — Perguntou com certa pressa.
— Conversei com ela em Tóquio. Você tava certo, ela já sabe de tudo — ele inclinou a cabeça um pouco para o lado, suspirando. — Tudo a respeito da , das fotos, do Changmin. Nem tentou esconder o quanto tá puta comigo. E eu até fiz toda aquela psicologia reversa que você me falou, mas se você tá esperando que ela corra, talvez não seja isso que vá fazer. Não sei… Ela não parecia estar me ouvindo de verdade.
— Ela nunca parece estar ouvindo — Jungkook resmungou, vertendo o líquido meio quente pela garganta. — Mas ela ouviu. Deve estar pensando sobre isso agora mesmo enquanto assiste o America’s Next Top Model. E tudo isso vai acabar com ela vendo que não vale a pena pisar aqui sem ter desafio nenhum pra vencer.
Jaehyun franziu o cenho, bagunçando um pouco o cabelo.
— Eu juro que não entendo essa lógica até agora. Se ela te quer, e eu acabei de falar que você também a quer, é lógico que ela vai aparecer.
— Você não entende, cara. Convivi com essa mulher por 3 anos, e a Ali que conheci um dia desprezava qualquer desespero romântico. Faz bem para o ego dela, mas é passageiro, sacou? Se ela acabar pegando um avião pra Coreia, vai ser uma merda do caralho, mas não vai ser por minha causa.
Jeong parou, cerrando os lábios em uma linha fina de tensão.
— Vai ser pela — praticamente sussurrou, contorcendo o rosto. — Isso é foda, Jungkook. Se sua ex-namorada não der um jeito de se livrar de toda essa raiva, ela vai acabar aparecendo aqui sem mais nem menos. No início, pensei que seria logo, mas depois que falei aquele monte de baboseiras sobre você, ela ficou um pouco estranha, quis ir embora. Não sei te explicar o que foi aquilo.
O riso amargo de Jungkook combinava muito com o gosto da cerveja. É claro que ela ficaria estranha, claro que não esperava essa jogada. De fato, se o único desejo de Ali era plantar o caos pra provar um ponto e não o coração de Jungkook, Jaehyun tinha acabado com toda a sua diversão.
— Aquilo era ela repensando seus motivos, ficando chateada por não ter que precisar resgatar meus sentimentos por ela do túmulo pra conseguir ganhar. Isso vai passar, tenho certeza. Eu vou passar — deu de ombros, despreocupado. — Ela não vai aparecer aqui. Não agora.
— É… — Jaehyun murmurou e bebericou um pouco da cerveja, sem estar 100% convencido. Jungkook conhecia Ali mais do que ele, era óbvio, mas a estranheza que sentiu na presença dela naquele dia indicava outra coisa, e desistir não parecia ser uma delas. No entanto, começou a achar que tentar desvendar esse mistério inútil naquela noite tão feliz seria um pouco injusto com o outro. — Você deve tá certo.
Jungkook assentiu e os dois ficaram em silêncio por um tempinho, um silêncio que não era nem constrangedor e nem confortável, até porque não era um silêncio de verdade com os acordes de Nirvana estourando em todos os pontos cardinais da casa. Jaehyun olhou em volta, buscando encontrar algum dos amigos, e percebeu que estava parado bem debaixo de um globo espelhado, colocando-o no centro de um milhão de luzes refletidas, e quis rir de novo daquela decoração que parecia um cenário de Grease.
— Você veio só pra me dizer isso? — Jungkook perguntou de repente, ignorando algumas vozes que chamavam seu nome lá do lado de fora, no jardim.
Jaehyun trocou o peso de uma perna pra outra, hesitante.
— Acho que sim.
— Podia ter mandado uma mensagem. Ou ligado.
— Não curto ligações.
— Você ama ligações.
— Queria dar um pulo na festa, oras. Eunwoo ficou mandando aquelas fotos e eu pensei: por que não? — ele parecia incomodado de dizer uma coisa dessas tão diretamente, saindo de sua incólume concha de superioridade. — Pensei que não tinha problema.
Claro que não tem problema! A expressão de Jungkook suavizou. Com os braços largados ao longo do corpo e a caneca de chopp pendurada em uma das mãos, Jaehyun se parecia, mais do que nunca, seu grande amigo de anos, parado em uma festa dele, bebendo a bebida dele, o rosto eternamente sério e alongado, como se estivesse pronto pra te dar uma bronca ao primeiro sinal de travessura bêbada. Por algumas semanas dolorosas, ele pensou que jamais veria isso de novo, e sentiu uma falta fodida dele. As coisas ganhavam um tom de solidão quando se lembrava que seu grupo de amigos estava incompleto, todos um pouco perdidos sem saber como agir. Mas agora estava vendo naquele rostinho ridículo e perfeito que Jaehyun estava cedendo, viu o túnel de esperança da volta à amizade exatamente como eram antes.
Um sorrisinho começou a se abrir no canto dos lábios do maknae, e ele pretendia fazer o primeiro convite à Jaehyun: quer procurar o Yugyeom ou algum dos outros manés pra jogar uma rodada de poker valendo entregar as chaves do carro pro ganhador por um mês? Mas, de repente, tudo ficou escuro. Seus olhos não enxergaram mais nada à medida que um corpo se aproximou do seu e prensou as duas mãos nas suas pálpebras. Em um instinto automático, ele pensou em puxar aqueles dedos e os afastar a dezenas de metros de distância. Coisa de passar tempo demais com Tommy e alguns manuais de autodefesa.
Mas o cheiro chegou até ele primeiro e, antes que se virasse, as mãos saíram de seus olhos e o abraçou por trás.
— Eu disse pra você que não era impossível te dar um sus–
Ela parou no meio da risadinha e da piada quando olhou pra frente e viu Jaehyun, destacado embaixo daquele círculo de luzes.
— Jaehyun… Oi — o constrangimento reverberou todas as células de . Um pouco do sorriso se esvaiu no meio da surpresa. Automaticamente, sua mão afrouxou em Jungkook, mas não o soltou.
Jaehyun olhou pra ela com a mesma expressão de surpresa. E às vezes, algumas raras vezes, ele gostaria de se parecer um pouco mais com seus outros amigos e se deixar levar por bebida barata e maconha o suficiente pra apagar da mente qualquer coisa que não queriam pensar, nublando a visão também para coisas que não queriam ver. Como uma garota que ainda não tinha sido completamente expelida do seu coração.
— Oi, — ele cumprimentou, e não se conteve em reparar naquele abraço e no sorriso aberto que ela estava dando um segundo antes de vê-lo.
Jungkook abriu a boca, mas não disse nada. A situação tinha ficado meio merda pra falar. Apesar do seu namoro não ser mais um segredo desconhecido, foi péssimo ver que aquela luz de esperança que tinha notado nos olhos de Jaehyun sobre os dois estava desaparecendo um pouco, afundando até o chão, porque ver devia ser mesmo algo grande demais pra ele. Estranho demais, vasto demais, aterrorizador se for ser mais dramático.
Apesar disso, Jungkook segurou a mão de naturalmente, virando-se para o amigo.
— Fica por aí. Os outros vão gostar de te ver. Johnny deve tá por aí também, contemplando a boca de uma garota na piscina — sugeriu ele com um dar de dombros descontraído. — Tem uma torre de 8 litros de Green Sunshine perto da despensa. Seu favorito.
Jaehyun olhou pra ele, depois olhou pra e assentiu devagar. Por um segundo, tinha considerado a ideia de ir embora mesmo, principalmente pelo fato de que sentiu a nuca formigar e o coração palpitar quando a viu, estonteante naquele vestido verde musgo de seda, com as costas praticamente nuas e o cabelo solto cheio de cachos. Seu corpo estava coberto de purpurina e uns pedacinhos colados de papel, fazendo-a parecer que tinha acabado de sair de uma matinê de carnaval. Ele sabia que existia a possibilidade de vê-la, mas não tinha se preparado pra sentir. Burro.
Ainda assim, ele não se demorou muito naquela verificação. Olhar pra ela doía um pouco. Doía mais do que ele gostaria de admitir.
Sentindo que já estava ali há anos, e não apenas minutos, ele pigarreou e disse:
— É, não tem muito o que fazer a não ser acabar com toda a sua bebida, então — e começou a se afastar. — Foi bom te ver, .
Ela sorriu. De verdade, dessa vez.
— Você também.
Jaehyun foi embora e se virou pra Jungkook, o cenho franzindo vigorosamente.
— Não acredito que ele veio.
— É, nem eu. Mas ainda bem que veio — ele esticou um dedo pra tirar um pedacinho de papel grudado na franja de . A garota parecia ter mergulhado em uma banheira cheia do mesmo material brilhante que estava vomitado no teto e no chão. — Ter o coração pisoteado não é exatamente um motivo bom pra ganhar atestado médico na nossa profissão.
revirou os olhos e bateu no braço dele. Jungkook riu e a puxou pra mais perto.
— E aí? Como foi seu jogo? — perguntou ele, afundando os dedos no comprimento do cabelo revolto de , terminando de tirar toda a bagunça maluca que estava ali. Ela ergueu as sobrancelhas.
— O que você acha?
— Você ganhou e agora o Mingyu te odeia — Jungkook afirmou sem muita dúvida. engasgou uma risada.
— Você não devia ter deixado ele beber tanto antes da partida. Parece que o amigo dele, o Seokmin, vai precisar inventar que ele ganhou assim que ele conseguir acordar de cima da escada.
— Fazer o quê, todo mundo tem segredos na vida. O mais importante é se poupar do choro do grandão. Não é nada pessoal, ele odeia a gente de tempos em tempos por causa de jogos também. É muito competitivo.
— Você também é — semicerrou os olhos. Sentiu o braço dele envolvendo suas costas expostas e fazendo um carinho com o dedo. — Então deve odiar também quem ganha.
— Eu não odeio quem ganha. Eu sempre ganho — ele se abaixou e deu um selinho nela. fez uma careta quando se lembrou de Mingyu naquela ilha da cozinha. Ele podia não estar sóbrio, mas quando perdeu, de repente havia algo de muito destruído na sua aparência, como se tivesse virado aquela garrafa de rum do prêmio bem na sua cara. — Mas é uma pena você ter ganhado. Não tenho desculpa pra te consolar no estúdio agora.
— Você sabe que sou boa perdedora, não sabe? Ia preferir me consolar com a Candy e a Yoona dançando Toxic.
— Você iria dançar?
— Uhum. Andei treinando um pouco na sala desde que Candice comprou o novo Just Dance e nunca ligou.
Jungkook pareceu genuinamente chocado por um momento, mesmo que não conseguisse esboçar nenhuma cara séria naquele dia. Realmente, existiam segredos que guardamos e outros que eram muito bem guardados de nós – tipo o fato de dançar.
— Não acredito nisso — ele soltou uma risada perplexa. — Dançar comigo ninguém quer.
— Não vou dançar o que você dança. Se quer rir de mim, pensa em outro jeito.
Ele riu alto e voltou a entrelaçar seus dedos. Aquele monte de luzes coloridas refletiam no brilho excitado dos seus olhos, fazendo encarar seu rosto por um longo tempo, sem piscar. Teoricamente, já estava mais do que pronta pra se jogar em cima dele no estúdio particular, a única porta do térreo que tinha sido muito bem trancada e protegida.
No entanto, Jungkook agora parecia ter outros planos em mente.
— Mas você vai dançar comigo. Claro que vai — e de repente, ele estava puxando ela na direção da outra porta oposta do jardim.
— Pra onde estamos indo? — ela precisou gritar pra ser ouvida no meio de Natasha Bedingfield em Unwritten. Jungkook virou o rosto de perfil, mas não parou de andar.
— Tô indo te consolar.
Os dois foram parar em uma parte da casa que sabia que existia, mas que não usufruía muito do acesso. Era na lateral do jardim da piscina, uma espécie de mini clareira onde algumas árvores eram enfeitadas com varais de luzes redondas e algumas espreguiçadeiras se amontoavam uma em cima da outra sem o menor capricho. As fotos de Bam tinham sido tiradas em algum lugar perto dali, mas não parecia ser uma parte da propriedade de grande interesse pelos outros convidados.
Não tinha ninguém ali perto quando Jungkook puxou a mão de pra debaixo de um enorme salgueiro, as botas dele deslizando pelo gramado baixo e molhado com o que poderia ser qualquer bebida que estivessem servindo lá dentro, ou até mesmo a fumaça úmida que escapava da água quente da piscina. O cabelo estava desalinhado e um pouco molhado de suor na parte de trás da cabeça dele, e essa era a única pista que tinha de que ele dançou um minuto que seja desde que o viu pela última vez.
— Fugindo da própria festa. Acho que isso vai pegar mal pra você — brincou quando pararam ao lado do tronco. Era grande o suficiente para escondê-los do restante das pessoas, pelo menos a maior parte.
Ele estalou a língua e riu como se não se importasse.
— Tô nem aí. Preciso de 5 minutos com a minha mulher, e ai de quem me impedir — ele levou as mãos no bolso e puxou de lá uma caixinha de fones de ouvido sem fio, entregando um dos pares a ela. — Toma. Coloca um.
— Que isso? Vai me mostrar mais um podcast de true crime de novo? Já falei que não consigo dormir depois.
— Você assistiu Invocação do Mal e O Exorcista na mesma noite e dormiu no meio do filme — disse ele, com uma pontada de indignação. fugia tanto do estereótipo de garotas algumas vezes que chegava a ser injusto. Ele descobriu recentemente que ela também não tinha medo de baratas ou outras asquerosidades com asas, o que o fez ser obrigado a manter em segredo seu completo pavor de morcegos e gaviões, mesmo que nunca fosse encontrar as duas coisas juntas na vida.
— É um terror de mentira, nem deveriam chamar aquilo de terror, e sim de fantasia. Agora crimes horrendos e Charles Manson? Esse tipo de maluquice existe.
Jungkook revirou os olhos e sufocou uma risada. Aquele era o tipo de papo que poderia durar uma noite inteira entre os dois, então ele apenas estendeu o fone e disse:
— Coloca logo.
colocou o fone e, um instante depois, estava sendo puxada pelo quadril até estar com o corpo colado no dele. Automaticamente, levantou as duas mãos e passou pela nuca de Jungkook, a proximidade sendo tamanha que impedia até mesmo a passagem de um fio entrecortado de vento. Os olhos dele foram direto para os seus lábios, reluzindo o tipo de desejo padrão pelo seu beijo que conseguia tirar a mente da garota do eixo. No fim de tudo, aquilo é o que sempre restaria entre os dois: paixão. Conexão. Saber o que o outro quer sem precisar abrir a boca pra isso.
Mas esse era o motivo que tinha sido convocada até ali?
— É sério? Quer colocar esse lugar na sua lista? — perguntou ela, em tom divertido. Jungkook franziu o cenho.
— O quê?
— As árvores — ela gesticulou com o queixo pra cima. — Transar aqui não vai ser uma boa ideia. É pior ainda do que a praia.
— Você tem a mente mais imunda do universo — ele semicerrou os olhos e o deu um tapinha. — Para de pensar no seu tesão por mim por um minuto e me deixa conduzir esse negócio.
Depois, viu ele conectar os fones no celular e, subitamente, estavam mergulhando nas primeiras notas de No. 1 Party Anthem.
abriu a boca pra perguntar, mas Jungkook fez um movimento singelo para o lado, e depois para o outro, as mãos no quadril dela para manejá-la junto com ele. Os passos eram simples como uma dança sem ensaio em um baile da escola.
— Quando você disse em dançar comigo — disse depois de um tempo, a voz baixa —, não imaginei que fosse isso.
— Alguma vez não incluí Arctic Monkeys na trilha sonora da nossa relação? — ele arqueou uma sobrancelha. mordeu o lábio inferior de leve, sentindo o estômago queimar com toda sorte de borboletas, passarinhos, joaninhas e florzinhas falantes.
— É. Você tá certo. É uma ótima estreia — ela levantou um pouco os pés pra selar um beijinho nele, mais demorado que um selinho normal. — Mas posso falar? Que bom que você não escolheu Love is a Laserquest.
Jungkook riu alto, perdendo um pouco do ritmo dos pés por um segundo.
— Cala a boca, essa música é linda. Ela é A música.
— Mingyu disse que você odiava ela.
— Odiava porque eu era um fodido e pensava que não era, depois você me desfodeu completamente. Tá entendendo? — ele aproximou seus narizes, sorrindo por cima do sorriso dela. Sabia que nenhum dos seus segredos envolvendo seria segredo por muito tempo a partir do instante em que ela conhecesse seus amigos – o que foi exatamente o que aconteceu quando Mingyu olhou pra ela e gritou LIZA IS A LASERQUEST, É VOCÊ? revelando toda a história da bebedeira e da camiseta que ganhou depois. — O que tá achando?
— Da dancinha do ensino médio ou dessa coisa dura na minha barriga que não é o seu cinto?
— Dá pra responder direito? — ele riu à toa, assim como . Tinha cerveja demais dentro dos dois pra conseguirem dar uma resposta séria ou coerente.
Ela apertou mais os braços em volta da nuca dele, esperando que fosse um indicativo.
— O que você acha? Pode colocar o Suck It and See inteiro aí que eu arrisco até uma estrelinha.
— Ótimo. Então se prepara para o que vem agora.
Ela ouviu o clímax da ponte se aproximando e imaginou o que seria. Bem na hora que começou a parte: The look of love, the rush of blood, the she’s with me, the gallic shrup; the shutterbugs, the camera plus, THE BLACK AND WHITE AND THE COLOUR DODGE Jungkook se afastou só um pouquinho, apenas pra levantar um braço de e girá-la em 360º, como numa coreografia da Cinderela ou na mais simples de Bridgerton, dando um ar de poeta fanfarrão àquele cara que se parecia mais com alguém que fazia parte do elenco de Sons of Anarchy. Os dois riram ainda mais, se beijaram com mais força e apreciaram o final da música com um suspiro longo de gente apaixonada. Tinha alguma coisa, algo inominável naquele momento que tecnicamente era tão comum, que fez desejar muito que o relógio parasse. Todos os relógios do mundo. Se fosse cavar até o fundo da dramaticidade, diria que sentiu uma felicidade tão grande que a deixava triste, só pela fatalidade de que acabaria. De que aqueles minutos jamais voltariam de novo.
Jungkook roçou seus lábios nos dela e a pegou num beijo bom e fervoroso, um beijo que ele já tinha tentado descrever para uma canção, mas concluiu que se fosse depender disso para avançar, seria um músico fracassado, porque nenhuma frase ou adjetivo bastava. Quando se afastou, encostou a testa na dela e disse:
— Californication. Por favor.
riu.
— Você quer dançar agarradinho ouvindo Californication?
— As pessoas podem dançar o que quiserem agarradinhas. Quer virar fiscal de valsa agora? — ele semicerrou os olhos e riu um pouco mais alto.
— Tá bom, já que não tenho escolha.
— Boa menina.
Ele puxou o celular pra mudar a música, e sentiu um beijo de no seu pescoço e outro na sua bochecha.
— Já pode escolher uma terceira? — perguntou ela, perto da clavícula dele. — Só para o caso de eu querer arrastar esse momento mais um pouquinho.
Os olhos de Jungkook brilharam na direção dela com excitação e uma outra coisa que ainda não sabia nomear direito. Por uma parcela de milissegundos, quase esqueceu do que estava fazendo.
— Já sei onde isso tudo vai acabar, por isso vou dizer: manda aí.
riu e fez uma expressão pensativa.
— Hmm, talvez possa ser…
— Que tal Traitor?
A voz que falou não era deles, e veio de tão perto que tomou um susto, se afastando de Jungkook e virando para o lado. Ele fez o mesmo e, por pouco, não deixou o telefone cair no chão. Os fones de ouvido se separaram de ambos e caiu com um baque na sujeira e no cascalho do gramado. Toda a música que badalava a casa se transformou em mero ruído.
empalideceu por completo ao vasculhar inúmeras vezes aquele rosto que nunca seria capaz de ser apagado de sua mente – e nem na de Jungkook: o cabelo loiro agora mais curto, o vestido prateado com pedras brilhantes e aqueles olhos verdes que emitiam um distanciamento frio, escondendo uma garota oprimida e opressora ao mesmo tempo bem no fundo deles. Naquele momento, estavam cintilando com uma raiva óbvia.
— E então — Ali Dalphin voltou a falar, com algo que se parecia um rosnado. — Não acham que Traitor é uma boa ideia?
"Convidados empilháveis
Preenchem os silêncios constrangedores
A discoteca estroboscópica nos obstáculos
﹝...﹞
Outras previsões parecem sugerir
Que eu não estou exatamente onde acho que estou."
🖤🎤 I Ain't Quite Where I Think I Am
Preenchem os silêncios constrangedores
A discoteca estroboscópica nos obstáculos
﹝...﹞
Outras previsões parecem sugerir
Que eu não estou exatamente onde acho que estou."
🖤🎤 I Ain't Quite Where I Think I Am
De todos os amigos de Jungkook, Hoseok era o que mais entendia seu turbilhão de sentimentos por Ali.
Era um dia bonito e cinzento em Paris quando o maknae avisou por uma mensagem de texto que todos os seus amigos poderiam voltar sem ele pra Coreia logo depois da turnê na Europa há 3 anos atrás, e que ele estaria pronto para o último show em Seul dali há menos de 1 semana, bem no começo de fevereiro. Não foi um comunicado fácil de entender, e Namjoon ameaçou em alto e bom tom que enterraria Jungkook vivo caso ele não estivesse na capital não em 1 semana, mas em 4 dias. 4 era o limite, era mais do que o suficiente pra curtir qualquer merda que ele tenha encontrado por ali.
Mas não precisaram fazer um grande trabalho de investigação pra entender o que estava acontecendo. Hoseok, de imediato, já soube, diferente dos outros, que ouviram semanas depois a notícia inesperada: tenho uma namorada linda e gostosa. A que horas é o café?
O anúncio de ter uma namorada provavelmente não pareceria tão estranho se a pessoa quem disse não fosse Jeon Jungkook. O cara simplesmente não se apaixonava. Abominava relacionamentos que pudessem atrapalhar 1% que fosse de sua performance. Dizia que estava nos primeiros anos acadêmicos de sua carreira como um dos maiores idols do mundo, e que isso só acabaria no seu funeral. Garotas eram boas, eram lindas, eram deliciosas, mas tinham o lugar delas. Depois da música, depois dos ensaios, depois do público, depois depois depois. Cair em uma paixão avassaladora em menos de 1 mês com uma francesa qualquer parecia uma piadinha de 1º de abril.
Mas a piada foi se mostrando mais verdadeira do que a cor do céu. Em pouco tempo, ele tinha se transformado. Saiu do garotinho calado e hiper focado no que fazia para se tornar o cara que sorria mais, bebia mais, fumava mais e se preocupava de menos. Dependendo do ponto de vista. Tudo que fazia, precisava da aprovação de Ali, mesmo que ele não percebesse isso. Eram regras que ele mesmo estabelecia para si, alimentando um desespero interno de saber quando ela o deixaria, e não “se”. Algumas vezes, parecia um sentimento patético, desregulado. A maioria de seus amigos não entendia ou não queriam se meter. Mas Hoseok sabia, simplesmente sabia.
Ele já tinha se apaixonado desse jeito, ou até pior. Pulou em um precipício profundo e desesperador há muitos anos atrás, quando toda a sua falta de dinheiro ou habilidades foram motivos para que não apenas uma, mas várias garotas achassem mais interessante não doar seu tempo pra ele. Hoseok sempre teve o traço desagradável de se apaixonar muito rápido, e não se desapaixonar tão rápido quanto gostaria. Descarregava bastante coisa na dança, mas não fazia o problema desaparecer. Queria ser diferente, queria ter uma pedra de gelo no lugar do coração às vezes, mas isso seria modificar raízes muito profundas que ele não tinha acesso sozinho. Sofria e gostava de ser uma pessoa passional ao mesmo tempo. Achava que a capacidade de amar de forma explosiva e escravizada fosse uma coisa apenas dele.
Mas daí veio Jungkook no meio daquele inverno depois de Paris. E, diferente dos outros, Hoseok jamais julgou o amigo por ter vedado os olhos e ouvidos e se entregado sem mais nem menos pra alguém, dane-se se tinha acabado de conhecê-la ou não. Para ele, amor verdadeiro era isso: intensidade. O resto era apenas tolerância.
E Hoseok acreditava fielmente, mais do que acreditava que branco era branco e preto era preto, que Ali era o único amor de Jungkook. O único que importava.
Talvez por isso Ali tenha recorrido a ele durante aqueles últimos meses. Tinha recuperado um pouco sua coragem e abandonado o medo de ter sido rejeitada por todos os amigos dele depois das fotos no barco. Falava muito com Hoseok antes de tudo porque ele parecia ser o único dos 6 que tinha um interesse real nela além de “namorada do Jungkook”. Não que o Bangtan em geral a odiasse, mas a distância recorrente de Ali não permitia que eles a conhecessem de verdade. Com franqueza, pareciam nem entender como Jungkook a conhecia – era uma relação cheia de altos e baixos e muita tensão, como se ele estivesse sempre precisando segurá-la nas mãos, e dentro dessas mãos Ali era um peixe se contorcendo e balançando na direção do mar, sendo mantida ali de raspão.
Mas Ali Dalphin não era a culpada pela forma como Jungkook se sentia em relação a ela, e Hoseok entendia isso. Achava às vezes que Jungkook até estava exigindo demais dela. No final, ele era a pessoa certa para Ali se reaproximar, para mostrar sua insatisfação com o mundo no geral e consigo mesma desde que “o maior erro de sua vida” aconteceu. Com muito sucesso, foi pescando informações e sendo alvejada por outras, sempre sobre Jungkook e suas mudanças cada vez mais ágeis e até diferentes de personalidade e humor. No início, ele estava acabado, é claro. Trocar a fechadura da porta do apartamento não tinha sido o suficiente; ele precisou trocar de casa, se mudar para a mansão em Itaewon e vender todos os móveis antigos, tudo em que ela já havia tocado. Talvez mantivesse algumas fotos ou outras lembranças dela no grande estúdio particular, mas não dava pra ter certeza. Hoseok não tinha uma desculpa convincente para entrar lá e verificar por conta própria.
Muita coisa havia se passado entre a morte do relacionamento de Jungkook e Ali até o sepultamento desses sentimentos, no exato instante em que foi anunciado seu namoro com .
Jungkook namorando . Essa era uma piada pior do que aquela de 3 anos atrás. Soava quase como uma heresia. Histórias de inimigos para amantes eram muito fofas e legais de se ver na TV e nos livros, mas na vida real, isso não funcionava. Quem gostaria de ficar com alguém que já te magoou tanto? Sentimentos desse calibre não podiam simplesmente mudar.
Não que Hoseok não gostasse de , longe disso. Gostava até demais, se compadecia sinceramente de toda a dor da garota de uma mudança de país repentina e as acusações falsas das fotos, ainda que Hoseok não soubesse dizer exatamente se eram mesmo falsas, mas no fundo, isso não importava. Estava naquela indústria há muito tempo para saber que, se fosse peneirar as pessoas da sua vida com base nas mentiras e nos interesses pessoais delas sobre sua condição, nunca mais confiaria em ninguém, nunca mais se relacionaria com ninguém. Entendia toda a raiva de Jungkook pela garota, sempre entendeu, mas por favor, de que isso adiantava? Seu namoro seria descoberto mais cedo ou mais tarde, apenas definiu o timing.
E agora parecia que ela tinha definido muito mais coisas sobre Jungkook, coisas que Hoseok mal podia imaginar porque acreditava estar vivendo no mundo real onde seu amigo e Ali Dalphin ainda eram dois apaixonados aguardando pelo reencontro do destino até levar a onda de água fria com a notícia de que ele estava em outra parcela do mundo material: é minha namorada. Onde já se viu dizer que o Tae é o tipo dela? Sou muito mais bonito do que ele.
O restante daquela noite de conversa passou como um programa de TV na sua cabeça, e no fim, depois de ter dito no máximo 5 palavras e rido menos do que o normal – era minimamente chocante não ver Jung Hoseok e suas gargalhadas características balançando as paredes de qualquer ambiente –, ele pensou em falar com Jungkook. Pensou em perguntá-lo que história era aquela. Pensou em dizer que ele estava errado, que a brincadeira não tinha graça, que ele tinha ido longe demais naquela mania de perturbar a vida de . Mentir sobre estar namorando a garota é demais, não é, JK? Não faz mais isso, você já tá acumulando escândalos demais.
Mas ele não disse nada. Não conseguia ignorar o sorriso aberto e verdadeiro do amigo ao dizer a notícia, a contar partes pequenininhas da história antes do grupo se perder no relato de Taehyung e dos beijos no cara qualquer. Não dava pra duvidar. Foi daí que seu silêncio atípico começou e ele passou a noite fazendo o maior esforço possível para ser cortês, e foi embora sem participar do brinde de despedida porque não conseguia fingir mais.
Isso aconteceu 3 dias antes da grande festa de Looping. 3 dias em que ele ignorou as mensagens de Ali, que estava no Japão com uma passagem separada para a Coreia, porque não saberia o que respondê-la. Sim, Jungkook não era um homem apaixonado que sofria em celibato, e jamais seria. Ali sabia disso e não esperava nada diferente, mas entrar em um relacionamento sério? Quando ele e Ali ainda não tinham conversado? Foi uma virada no jogo que nem ele e muito menos alguém esperava.
Foi algumas horas antes às luzes prateadas e globos metálicos da mansão de Itaewon que ele decidiu fazer a ligação.
— Hobi — Ali chamou do outro lado, a voz misturada com uma ventania tempestuosa que socava o aparelho. — Finalmente você apareceu.
Hoseok parou no meio do estúdio de dança, se encarando no espelho com um vinco na testa e segurando o palavrão na garganta. Não sabia como dizer o que queria dizer ao telefone. Estava naquele pico de adrenalina pós coreografia que embaçava sua visão pelo suor e cansaço. Sentiu-se um estúpido completo, mas respondeu:
— Oi, Ali. A agenda começou a ficar cheia — parcialmente verdade, mas não se encaixava como desculpa convincente. — E os lançamentos estão por toda a parte. Yeonjun e companhia tiveram um probleminha de percurso, mas logo vão estar de volta, e o…
— Quando Jungkook vai se apresentar? — Agora o vento caótico estava diminuindo, como se ela tivesse fechado uma janela de avião antes aberta. Se se concentrasse, poderia até mesmo ouvir o batuque dos saltos dela. — Vi que vai lançar a música nesse final de semana.
— Ele vai. Não sei exatamente como anda a agenda dele — verdades relativas de novo. É claro que sabia como andava a agenda do amigo, ele precisava ser um pouco informado sobre isso já que Jungkook tinha que se ausentar às vezes dos compromissos do BTS em prol dos próprios. Mas só de falar em Jungkook… — Ele anda sumido.
— Se ele está na cidade, então isso não pode ser considerado sumido, bobinho. Aliás, o frio chegou mais cedo? Achei que só iria precisar de um casaco por aqui em novembro.
Demorou eternos segundos para que Hoseok juntasse as palavras de Ali em uma frase e essa frase formasse um cenário e esse cenário explodisse com a realidade.
— Você está em Seul? — ele jogou as duas sobrancelhas pra cima, virando o pescoço para a porta de entrada, preocupado de repente do celular ter virado um megafone.
— Claro que sim, eu te avisei. Você não se lembra? Quinta feira depois do último desfile. Ainda estou com essa porcaria de tiara na cabeça — o eco da voz distante agora mostrava que ela tinha se afastado e que estava batendo a porta de um carro. Hoseok engoliu em seco duas vezes antes de falar.
— Eu devo ter esquecido, pensei que pudesse mudar de ideia.
— Por que eu mudaria de ideia?
— Porque ele… bom, eu te falei. Ele e aquelas garotas… — sentou no chão devagar, deslizando as costas pela parede. O timbre não estava firme como sempre e Ali perceberia isso. — Ele parece estar levando a sério. O lance das garotas.
Ali estalou a língua depois de um tempo, indiferente.
— Garotas-passatempo não são garotas de verdade na vida dele, Hobi. São só garotas-passatempo. Já teve uma dessas, não é? Vocês se divertem juntos, mas você não pularia no mar de Maryland por elas na época de tubarões. Fica tranquilo que não vou me sentir mal por interromper essa parte da privacidade do Jungkook.
Ela falava com um orgulho escancarado, imenso, do fundo do peito, se agarrando a cada sílaba dita por Jaehyun naquela cafeteria. Hoseok bufou audivelmente, se sentindo perdido, sem ter um discurso eficiente para dizer a ela que esteve enganada esse tempo todo. Os dois estavam enganados.
— Pra onde você vai? — perguntou.
— Imperial Palace. Itaewon. O mais perto do endereço da casa dele que você passou. Aliás, bela localização. Tô animada pra ver o quanto ele não economizou.
— Você vai à casa dele? — Hoseok quase ficou de pé de novo. Não, por favor. pode estar lá, e se estiver lá, alguém vai embora muito machucado, algum dos 3, e quem dera se estivesse falando apenas de socos ou puxões de cabelo.
— É a ideia. Se esse belo motorista aprender a dirigir mais rápido — disse entredentes, em tom mais baixo. — Qual o nivel astronômico de segurança da entrada? Acha que ele me deixa entrar só pela câmera?
Dava pra saber que Ali estava sorrindo só pela voz. Aquela pergunta era nada além de retórica. A confiança explosiva dela estava asfixiando a dele. Hoseok voltou a pensar em ligar para Jungkook na mesma hora, deixá-lo avisado. Ei, sua ex-namorada está na cidade, não me pergunte como eu sei, mas começa a pensar se vai querer falar com ela ou não.
Mas, por algum motivo, informar Jungkook sobre as circunstâncias parecia ser pior do que informar Ali. Geraria perguntas, e perguntas que ele tinha vergonha de responder, e Jungkook estava perto demais para deixá-lo escapar dessa.
Diga a ela, então. Acaba com isso.
— Ali, olha só… — não foi mais do que um sussurro quando ele completou: — Não vai pra casa dele. Isso não é uma boa ideia.
— Por que não?
— Porque você pode encontrar outra pessoa lá. Você entende isso?
Ali riu sarcasticamente pelo nariz.
— Que pessoa seria essa? Garotinhas insignificantes de biquíni?
— Não…
— Então Sunny? Não me surpreenderia. Deve ter trepado com ela umas 200 vezes desde que fui embora. Eles já faziam isso antes…
Hoseok tomou fôlego.
— A namorada dele, Ali.
— A o quê?
— É, olha, eu me enganei — ele disse rápido antes que qualquer respiração afobada partisse dela. — Parece que as garotas não estão mais no plural e ele agora está… Bom, ele agora só tem uma garota. De um jeito sério. Bem sério mesmo.
Silêncio. A quietude do outro lado da linha deixou Hoseok um pouco nervoso demais, batendo os pés na superfície daquele piso liso de madeira. Dava pra escutar o som do trânsito por onde Ali estava passando, mesclado com a sinfonia do noticiário nacional vinda do sistema de som do carro, mas nada da voz dela escapava.
Por fim, quando ela riu alto, ele quase pulou de susto.
— Namorada. Conta outra.
Riu de novo. Sem nenhuma pontinha de credulidade.
— Eu tô falando sério, Ali. Não era o tipo de coisa que eu gostaria de estar te contando, acredita em mim. Mas é que…
— Jungkook e uma namorada? Realmente, Hobi, você não ia querer contar mentiras. Não é do seu feitio — respondeu ela. As fagulhas de risadas agora iam se esparsando, ácidas como veneno. — Não importa como ele a tenha chamado, Jungkook ainda precisa falar comigo. Não tivemos uma conversa de término para ele sair chamando outra de namorada.
Em tempos passados, Hoseok concordaria com aquilo, claro que concordaria, tinha perdido as contas de quantas vezes tinha dito exatamente a mesma coisa para o maknae – vocês não conversaram, então ainda existe uma chance. Você quer mais uma chance, não é?
No entanto, naquele momento, Hoseok genuinamente não fazia mais ideia do que era o certo ou errado. As definições tinham literalmente se embaralhado na sua cabeça.
— Ok, Ali, eu só… ele tá diferente, e não sei se esse relacionamento tem algo a ver com isso, mas me senti mal por mentir pra ele…
— Não se preocupa, pode jogar a culpa toda em mim, aceito as punições dele quando estivermos nos acertando — ela mal estava prestando atenção nas palavras dele. Hobi sentiu, talvez pela primeira vez, a enorme aura de indiferença, ou até um pouco de arrogância, que a modelo era tão conhecida por ter. Mesmo assim, não a culpava. Ela não estava por dentro de tudo. — Escuta, vou precisar desligar, parece que o hotel está chegando perto. Te vejo hoje na festa?
A festa. Ainda tinha isso.
— Olha, sobre a festa…
— Já falamos disso, Hobi. Eu duvido que algum segurança dele me barraria. São todos contratados do Tommy, não são? E eu duvido muito que Tommy me jogaria pra fora.
Não, ele não jogaria. Hoseok sabia disso. Sabia que, para grande parte da população, Ali Dalphin ainda era a Vênus de Jeon Jungkook, e que as coisas não acabariam do jeito que aparentemente acabaram na primavera.
Sem saber direito o que fazer – ou pensar – a partir de agora, Hoseok apenas fechou os olhos com força e suspirou uma resposta:
— Tudo bem, te vejo na festa.
Na lista de aliados de Ali, existiam os mais fáceis e aqueles não tão fáceis assim.
Jung Hoseok era a parte fácil, até mesmo agradável e divertida. Na época que o conheceu, tinha pensado, por vários motivos, que não suportaria ficar muito tempo ao lado de uma pessoa que ria até mesmo para o próprio reflexo na superfície de um garfo. Nada nesse mundo parecia ser capaz de deixá-lo triste ou muito desapontado com você – pelo menos, ele não demonstrava isso. Hoseok era dado a acreditar nas coisas, em qualquer coisa. Por isso, tinha se tornado extremamente fascinante conversar com ele ao longo dos anos, principalmente quando contou que as fotos no barco não passavam de fofoca sensacionalista da mídia. Ela tinha ido às Maldivas? Sim. Ficou bêbada por 3 dias seguidos? Sim. Beijou mesmo um cara desconhecido enquanto não lembrava nem do próprio nome? Sim. Mas ah, viu a posição do meu cabelo na foto? Tá na cara que não é real.
No fundo, ela nem precisava inventar tantas desculpas ou mentiras mirabolantes para Hoseok e tentar amenizar seus julgamentos. Ele simplesmente não julgava – era o tipo de pessoa que já te achava incrível só por respirar. Não havia problema nesse mundo que manchasse sua reputação o bastante para que ele abrisse mão de você. Ali não achava essa adoração nada atraente em um cara, mas se aproveitava disso, pelo menos com Hoseok, que conseguia juntar adoração e confiança no mesmo pacote. Se você retribuísse com algumas perguntas esporádicas da vida pessoal dele, como “e você, como está? Como anda seu trabalho? Aprendeu uma coreografia nova? Pode me mostrar?”, estava certo que ele faria qualquer coisa que você pedisse.
E a parte não tão fácil era Ji Changmin.
Ela deixou ele de fora propositalmente do anúncio da chegada. Mesmo que tenha dito que tomariam um café ou qualquer coisa assim quando pousasse no aeroporto de Incheon, a garota achou melhor riscar esse item da lista. Adoraria encontrar com ele, se sentar numa cafeteria qualquer da mais alta patente de Gangnam e ouvi-lo dizer “você é bem maluca, Dalphin”, ou “você está bem bonita, Alison” enquanto ele passa geleia de amora em um croissant e experimenta uma nova variante de expresso com leite. Changmin sempre dizia o nome de Ali de maneira diferente das outras palavras, revelando o peso inesquecível que sua presença tinha na vida dele. Mas depois da última ligação, isso tinha se perdido. A entonação em sua voz estava baqueada. Foi transferida para outro nome. Um nome que não era inteiramente diverso, mas que martelava com uma constância insuportável no cérebro da modelo.
.
Esse nome poderia estar subindo bem no pódio de Changmin. Mas para Ali ainda soava como veneno e vingança.
Talvez por isso ela não tenha dito nada quando chegou ao hotel. Nem quando se acomodou, tomou um banho quente, colocou uma roupa bonita e olhou pela janela, esperando ver que nem que fosse a pontinha do telhado da casa nova dele. Ali já tinha deixado um carro alugado, um Aston Martin DB12 esverdeado que pensou em pegar mais cedo para ir falar com Jungkook antes de toda a bagunça, mas mudou de ideia no último minuto. No fundo, aquilo não era divertido. E ela queria se divertir. Tinha passado da hora de simplesmente mandar as conveniências para o quinto dos infernos e voltar a ser a pessoa que era antes, a mulher que era antes. E, desde que nasceu, Ali era uma mulher com uma vontade esmagadora de fazer o que queria. Ser o que queria.
Sendo assim, ela agarrou o telefone jogado na cama e apontou a câmera para o espelho, deixando a camiseta de botões propositalmente mais aberta e as pernas longas e sensuais bem destacadas na pose natural que pareceria extremamente fotogênica de qualquer jeito.
E assim, ela fez o seu primeiro post no Instagram depois de quase 6 meses, escrevendo logo embaixo: “Estou de volta.”
Passava um pouco da meia-noite quando Hoseok avistou o vulto da lataria verde do Aston Martin curvando na entrada da rua estreita, entrando com tudo na passagem até parar a quase um quarteirão da casa.
Parecia que não havia passado tempo nenhum e todo o tempo do mundo desde que ele via e recebia um abraço de Ali Dalphin, que sorria naquele vestido prateado brilhante e exibia uma maquiagem perfeita que soterrava qualquer produção de outra garota naquela festa. Ninguém nunca era capaz de se igualar à loira fatal, o perfeito pedaço de mau caminho criada sob os holofotes e flashes, mas nascida nos berços polidos de ouro de Lyon, que estava destacado nela mesmo que cortasse cada vez mais os laços com a terra natal a cada ano que passava.
Hoseok encarou aquele rosto sob as luzes amareladas dos postes e sentiu uma pontada de alegria sufocando suas preocupações por um instante. Ela era linda e parecia bem, muito bem, comparado com o jeito caótico que estava na primavera, com todos aqueles comentários e a caça às bruxas da internet impedindo sua saída de casa e sua liberdade, que tanto amava profundamente. Ele não conseguia acreditar, nem por um minuto, que ela era tão patife ou mau caráter como diziam as más línguas por aí, e sentia que ela gostava mesmo dele, sem nenhum interesse sórdido por trás – até porque, se a base de uma relação por interesse fosse o dinheiro, Ali podia ser considerada tão rica quanto ele.
— Como é bom te ver, Hobi! — Ela apertou seus ombros com entusiasmo. Ainda estavam do lado de fora da casa, onde algumas luzes de dentro pegavam na calçada, e uma escuridão misteriosa tomava todas as janelas dos vizinhos, como se tivessem sido antecipadamente avisados sobre o que aconteceria na enorme mansão da celebridade local e preferiram ceder uma certa privacidade a isso. Foi escolha de Ali ter chegado depois, quando a bebida já tivesse feito o efeito esperado na maioria das pessoas e ela não precisasse encontrar um Jungkook ocupado com seu empresário, produtores, dançarinos e outros parceiros corporativos – uma festa nunca era apenas uma festa quando se tratava de negócios. Hoseok pensou como era incrível ela ter sumido durante meses e, ainda assim, não ter pressa nenhuma para resolver as coisas.
Mas havia outro motivo para encontrá-la lá fora. Um motivo que o estava matando aos poucos, corroendo seus órgãos com aflição e um pouco de culpa.
— É ótimo te ver também, Ali. Você tá ótima. Mesmo — ele frisou, o que era sincero. — Onde conseguiu o vestido?
— Cortesia da Donatella. O desfile termina e ela já começa a pensar no próximo, tratando absolutamente tudo como passado — menos eu, ela pensou. Donatella Versace tinha se apaixonado por Ali Dalphin muito antes daquele verão, há quase 6 anos atrás quando um pequeno recorte de notícia explanava o caso de uma modelo, com 23 anos na época, que se encheu de uma combinação de substâncias à base de sibutramina e anfepramona por 1 mês para conseguir um espaço na coleção de primavera da Dior. Diversos blogs tinham condenado a ação, mas Donatella chamou de determinação, e quis Ali Dalphin na mesma hora, sumindo com a notícia em pouquíssimo tempo e alavancando aquele rosto lindo a um posto de divindade das passarelas. Era difícil dizer se toda essa devoção de Donatella por Ali tinha a ver com os talentos da garota ou pelo fato de ela ser uma desequilibrada. — Tá na hora da gente entrar, não acha? Eu disse que não precisava me esperar aqui fora, ainda mais nesse frio…
— Espera, Ali — Hoseok arfou, agarrando de leve a curva do cotovelo da garota, olhando para ela enquanto tentava formar uma frase decente na cabeça. Uma imensidão de carros entulhava a entrada da casa, mas fora os veículos, as árvores e os 4 seguranças na porta, não havia mais ninguém. A música alta martelava lá dentro, distraindo Hoseok. — Acho que a gente podia fazer alguma coisa primeiro. Ir em outro lugar.
— Já disse que não vai rolar, Hobi. Caramba — ela soltou um riso fraco, usando o resto de paciência para disfarçar o quanto já estava começando a ficar irritada com ele e aquela mania de tentar fazê-la puxar o freio desde a ligação de mais cedo. Mas que coisa, o que ele tinha? Devia estar jogando ao lado dela. — É por causa do lance da namorada? Acha que eu vou armar um escândalo?
— Você não faria isso — Hobi disparou com uma certeza enfraquecida. Não é que achasse que ela tivesse sangue de barata e agiria normalmente se visse Jungkook com outra, mas encontrar Jungkook com levava a equação a um patamar imprevisível. Não seria exatamente um presente de boas-vindas.
Ela assentiu, concordando. Nenhuma garota nesse mundo teria o poder de deixá-la intimidada – conseguir um espaço na cama de Jeon Jungkook não era a mesma coisa que conseguir espaço no seu coração. Era uma pena para quem quer que estivesse nutrindo esperanças felizes de ser chamada de namorada por muito tempo. Porque não seria.
Hoseok continuou parado por mais alguns segundos, hesitando, pensando em outras soluções, mas a batalha estava perdida a partir do momento em que viu ela naquele vestido e maquiagem. Conhecia Ali o suficiente para saber que ela não fazia nada à toa, e jamais deixaria que ele a barrasse de fazer um incrível retorno, um que sacudiria a cidade inteira, se fosse preciso.
Talvez ela relevasse, pensou ele, com um resquício de fé. Talvez conseguisse resolver sem brigar. Talvez, se Jungkook realmente ainda a amasse e ouvisse sua versão, terminaria com e seria feliz. Mesmo que falasse de como se ela fosse uma pedra preciosa da mais rara ocorrência, não tinha passado pelo teste final que era Ali Dalphin. Poderia estar até ajudando ao levar Ali até ele, ajudando a acabar com os mal entendidos e possíveis decisões impulsivas do maknae de uma vez por todas.
Era isso. Ele estava ajudando, só ajudando.
Umedecendo os lábios, o rapaz assentiu e ignorou com todas as forças o embrulho inquieto no estômago, inclinando a cabeça para a entrada e fazendo um sinal para que Ali o acompanhasse. No fundo, Hobi sabia que não precisava necessariamente estar com ela para garantir que ela entrasse – as roupas e o rosto dela não eram exatamente os de uma garota que não era convidada para uma super festa –, mas seria bom não arriscar. Andaram uns poucos metros até serem vistos pelos homens de preto e passaram direto, sem problemas, apenas com um sinal de Hoseok com os dedos para mostrar que a loira bonita não era uma penetra.
A partir do momento em que passaram pelo batente da porta, Ali arregalou os olhos, maravilhada. Sua atenção foi sugada para todas as paredes, janelas e detalhes da decoração da festa, que era de um estilo brega e colorido que passava longe da personalidade de Jungkook, mas ficou claro que a ideia não tinha sido dele. Os rios secariam e o castelo de Buckingham choraria sangue no dia que o Golden Maknae gostasse de algo com tanto roxo e amarelo. Fora isso, quando conseguiu virar a cabeça e terminar de ver a casa inteira, ela abriu um sorriso imenso de orgulho e até com um pouco de prepotência. Tudo isso pra fugir de mim? Deve ter custado uma quantidade inimaginável de dinheiro. Mas todo excesso revela uma falta, gatinho. A minha falta.
As luzes sarapintadas dos globos metálicos refletiam nas milhares de pedras do vestido de Ali, que esticou o braço para puxar uma bebida direto de uma torre de plástico equipada com duas torneiras laterais. O líquido era bicolor, apesar de ser tudo cerveja. Ela apostou em Porter e Witbier, uma tão marrom quanto caule de árvore e a outra num tom de dourado turvo. Bebeu uma mistura das duas e fez uma pequena careta, largando aquela coisa em qualquer lugar no instante seguinte.
— Acho melhor pegar leve com essa coisa aí — Hoseok começou a aumentar o tom de voz para ser ouvido, agora que a música estourava por toda a atmosfera.
— Sei. Eu devia esperar por isso — a careta já estava passando, e Ali até deu uma risada. Sempre soube que um dos desejos de Jungkook era oferecer bastante cerveja de qualidade em uma festa sua. Era uma coisa que havia contado mais de uma vez. — Pelo visto, ele não economizou — acrescentou ela para Hoseok, que não parava com o pescoço no lugar, virando-o para todos os lados. — Olha tudo isso aqui, é simplesmente incrível! Não me diga que tem uma piscina.
— Uma piscina, um estúdio, 5 quartos e um cachorro. Ele tá num hotel de pets agora com o Yeontan. Cada dia que passa, ele se parece mais um cavalo do que um cachorro, mas é bem fofo — disse Hoseok, e os olhos de Ali brilharam com diversão. Um cachorro! Quem diria! Jungkook sempre dizia que queria um cachorro, mas isso era uma ideia tão idiota. Como ele teria um bicho desses se mal ficava em casa? Queria voltar e encontrar ela toda destruída? Queria ter esse gasto adicional que não fazia sentido?
Ela quis verbalizar isso, mas apenas assentiu.
— E onde o Jungkook está? — Finalmente perguntou. Já chega de perder tempo. A casa era legal, as músicas eram legais, tinha gente o suficiente pra você precisar se apertar para andar e ela gostaria muito de ver o tal estúdio, mas a coisa mais maravilhosa de todas naquela noite era o próprio Jungkook. Era poder finalmente reencontrá-lo e apreciar sua reação. Ela poderia reparar nos outros detalhes da residência depois.
Hoseok coçou levemente a nuca, voltando a fitar ao redor da festa.
— Eu não faço ideia. Fiquei lá fora por todo esse tempo. Ele estava conversando com Nitro quando eu saí.
— Nitro? Nossa, quanto tempo que não escuto esse nome — ela não usou um tom exatamente feliz quando falou. Quando via Nitro, percebia que ele a olhava de um jeito diferente. Sempre um cara calado e observador, analisando-a de um jeito sugestivo, como se sempre esperasse que a partida dela da cidade fosse uma coisa permanente.
Isso não a fazia ter vontade nenhuma de encontrá-lo.
— Ele estava tocando com os Elfos há algum tempo atrás. Talvez tenha ido lá para o jard–
— Ai!
Ali sentiu o baque duro, molhado e quente nas suas costas desprotegidas, um esbarrão tão forte a ponto de seus saltos deslizarem no piso de um jeito perigoso. O cheiro de maconha, cloro e vodka impregnaram seu nariz quando virou pra trás com os dentes cerrados, ouvindo o outro cara resmungar um pedido de desculpas enquanto cambaleava para se manter no lugar.
— Puta que pariu… Desculpa aí, eu achei que você fosse um dos meus globinhos, eles estão transformando tudo em cooler agora, porra! Mas eu não lembro de ter pedido um tão grande… — o bêbado inconveniente parou e estreitou os olhos. Eles já estavam quase fechados, e extremamente vermelhos, denunciando sua farra com até mais do que uma erva inocente. Estava com o cabelo molhado e escorrendo na testa, e os pés descalços faziam uma trilha de água por toda a pista. A expressão de Ali suavizou quando o reconheceu, e nem tentou se afastar quando ele se aproximou dela e apertou ainda mais os olhos, como um míope sem os óculos. — Peraí… Eu te conheço.
Hoseok olhou de Ali para ele. Esperou que ela se afastasse e não perdesse tempo com quem podia alugá-lá por horas, mas um mísero sorrisinho tomou os lábios de Ali.
— Você me conhece sim, Eunwoo.
Finalmente, o garoto afastou o cabelo pingando da testa, e piscou os olhos várias vezes até dizer:
— Ali? — e um segundo depois, abriu a boca pra liberar a gargalhada mais alta que Ali já ouviu. — ALI DALPHIN? CARALHO! Quanto tempo! — Ele a tomou num abraço desengonçado, que durou bem pouco porque Ali o empurrou com uma careta disfarçada. Ele não parecia apenas ter caído na piscina, parecia que estivera lá durante 1 hora no mínimo, a camiseta de botões aberta e grudada no tórax e as cordinhas do calção de banho desamarradas e pingando vigorosamente. — Porra! Não acredito que tô te vendo!
— Eu também não acredito — ela continuou sorrindo, mas balançou os braços nervosamente para tirar a água. Garoto sem noção, sempre tinha sido.
— Caramba, você tá de volta! Ei, Hobi, viu que ela tá de volta? Vocês mesmos disseram que se ela voltasse seria um milagre, olha aí, alguém pediu serviço na capela Sistina! E– Epa, epa, peraí — Eunwoo deu um passo molenga para trás, balançando a cabeça várias vezes como se estivesse sendo atacado por abelhas. Os olhos turvaram e alguns feixes mais grossos das luzes dos spotlights refletiram em suas pupilas tenebrosamente dilatadas. A cabeça do cara devia estar parecendo um clipe do Gorillaz – uma zona estroboscópica com elefantes voadores e ruas de jujuba. Se bem que Ali sempre teve muita certeza que a cabeça de Eunwoo era uma bagunça desde que nasceu. — Puta merda, eu tô muito doidão. Meu Deus, é a Ali Dalphin. Ali. Dalphin. Aliii… que eu tenho certeza absoluta que não deveria estar aqui.
Pronto. Começou. Ela sabia que iria acontecer, mas esperava enfrentar isso pelo menos depois de falar com Jungkook. Pouparia dor de cabeça antecipada.
Sua única resposta foi forçar aquele mesmo sorriso de antes a continuar aberto, ainda que ficasse menos convincente a cada minuto.
— Deixa disso, Eunwoo. Por que eu não deveria estar aqui?
— Porque você tinha ido embora. Ei, Hobi, ela tinha ido embora, né? — ele apontou um dedo torto para o idol ainda meio escondido atrás de Ali. Hoseok abriu a boca para falar, mas Eunwoo continuou: — Ééééé foi embora sim, foi embora e fez meu amigo sofrer pra caralho! Porra, foi uma puta vacilona, Ali! Mas não conta pra ele que eu te falei isso, ele me mata com um soco.
O sorriso dela não se aguentou e quebrou, a pálpebra tremeu enquanto se segurava para não revirar os olhos e gritar para aquele idiota que ele não tinha nada a ver com aquilo, que a internet e a própria mãe dela já tinham dado discursos suficientes sobre os seus erros, e que se Eunwoo ousasse pensar demais em qualquer coisa que fosse, seu cérebro cheio de ópio poderia facilmente explodir em quatro partes iguais.
— Tudo bem, não vou falar, mas que tal me dizer onde o seu amigo está? Preciso resolver isso com ele — pediu ela, gesticulando com as mãos ao redor.
— Onde o quê?
— Onde ele está, Eunwoo. Quero falar com ele. Pedir desculpas por ter feito ele sofrer — Ali deu de ombros. Não era uma mentira; ela ia mesmo se desculpar. Depois de beijá-lo, talvez. Ou depois de amanhã, quando toda a euforia passasse e ele quisesse confirmar que nada daquilo era um sonho.
Eunwoo ficou parado, ainda carente de uma boa visão. Analisou Ali de cima a baixo, como se no fundo, bem no fundo mesmo, insistia no pensamento de que estava alucinando e aquela garota alta de pernas espetaculares, na verdade, era mais um de seus globos espelhados que a galera tinha arrancado do teto. Mas globos espelhados não tinham olhos verdes tão grandes, que eram capazes de serem vistos até naquela semi escuridão, e olhos verdes que não te davam opção a não ser responder.
— Eu sei lá, eu vi ele indo lá pra fora com a… — Eunwoo se tocou no último minuto. Os olhos cansados se arregalaram por completo. — Ah, não. Meu Deus, que meleca!
— Não tem problema, já tô sabendo — Ali se adiantou, balançou as mãos na frente do rosto. — Ele tá com uma garota, não é? Estão na piscina?
— Não, não, não… Cacete, preciso falar com o JK. Ele não vai gostar disso, cara, ele não vai gostar! Hobi, ele não vai gostar! — ele levantou o braço para apontar pra Hoseok, mas o movimento foi tão rápido e destrambelhado que o fez cambalear de novo, balançando a cabeça em negativa várias vezes. Não dava para entender uma palavra do que ele dizia.
Isso estava começando a irritar Ali de verdade. Se Deus realmente quisesse que o ser humano tivesse paciência, não deveria ter feito pessoas como Cha Eunwoo.
— Você é muito engraçado, Eunwoo — nem tentou forçar um sorriso agora, só tentava fazer o possível para o canto dos lábios ficar mais esticadinho em uma expressão minimamente simpática. Que se dane, ele nem a estava vendo direito. — Mas, infelizmente, tenho que ir. O Hobi pode te fazer companhia enquanto isso. Cuida bem dele, Hobi.
Ela nem esperou uma confirmação ou sequer outra frase de Hoseok, e se colocou a andar na direção mais interna da casa, que se afunilava até desembocar área externa.
— Ali — Hobi a chamou, sendo obrigado a segurar Eunwoo depois de ele ter tentado se virar rápido demais para a loira, completamente perdido. Não parava de repetir que precisava muito falar com Jungkook. — Só… Vai com calma.
Ali jogou uma mecha grande e dourada do cabelo para trás da orelha.
— Eu estou calma. Estou me divertindo, Hoseok. Já volto.
E sumiu por entre a multidão menos de 1 segundo depois, deixando Hobi e sua certeza esmagadora de que, de alguma forma, independentemente de suas boas intenções ou não, tinha assinado uma sentença de karma que o acompanharia pelos próximos 20 anos ou a vida inteira, só por não tê-la impedido de ir naquele momento.
Ali sempre soube que era uma imitação bonita de seu pai, com seus olhos garços, cabelos loiros quase platinados e um belo nariz angulado que nunca precisou conhecer uma mesa de cirurgia plástica desde que veio ao mundo. Por mais que detestasse todos os detalhes, processos e triunfos que compunham o ramo das passarelas, aquele homem tinha um rosto que dificilmente não seria adorado por todos os povos. Poderia ter sido qualquer pessoa que quisesse através da beleza, poderia alcançar qualquer patamar com um sorriso bem feito. Fácil, simples, rápido. Teria ganhado toda a grana que tinha guardada no cofre aos 18 anos, e não aos 28.
Mas aquele homem nunca sorria. Desprezava a própria beleza e a dos outros sob uma intensa crença de que ela não servia de nada. Ter como fonte de renda um artifício tão finito quanto beleza e juventude era a mais pura arrogância humana, e arrogância era a principal vereda que decaíam os humanos mais sábios ao fracasso, em qualquer época da história do mundo. Rejeitava o trabalho de Ali explicitamente, condenava sua aparência que, por mais bela que fosse, não era para sempre e, portanto, não havia sentido em se preocupar tanto com ela. Afinal, o tempo estava passando. O tempo sempre passa e leva tudo. O que ela teria no final, quando não visse a mesma coisa que via agora no espelho?
Embora odiasse o pai por isso, tinha puxado um lado diferente da mãe. O lado que se contradizia em ações, que cedia ao que o próprio corpo pedia, que buscava sempre o mais e melhor, o lado que tomava conta do que as outras pessoas viam nela e apertava a mão daqueles que a odiavam com o melhor sorriso. Nos fios de cabelo estavam enredados o charme natural de Rowan Dalphin, e no resto, o humor ácido e passivo-agressivo de Julie. E a parte única da Alison era tudo que faltou nos pais: magnética, desinibida e, principalmente, livre.
Ou era o que gostava de pensar.
Tudo isso foi observado pelas pessoas que estavam bem o suficiente para notar alguma coisa naquela pista de dança. As luzes contornavam perfeitamente bem todos os traços do corpo que atravessava a multidão como se ainda estivesse na Fashion Week de Tóquio. Era um poder diferente, como se as árvores fossem capaz de florescer e os corvos de Seul gargalharem só de verem a loira passar. Ali não olhou para os lados em nenhum momento. Conseguia ouvir cochichos, conseguia sentir que estava sendo reparada, mas isso era natural. Tanto o vestido quanto ela não saíram daquele quarto de hotel para não serem fixados, admirados e temidos.
Deixou a verificação das outras partes da casa para depois. Teria tempo pra isso. Conheceria cada cômodo, alisaria cada papel de parede. Se concentrou em chegar lá fora, onde a gritaria com a música e o barulho repetitivo de “tchibum” quase a deixaram confusa, sem saber pra onde olhar primeiro. A fumaça que saía da piscina formava uma névoa espessa e indistinguível sobre os convidados que bebiam por lá, mas Ali já estava considerando aquela uma rota irrelevante. Jungkook gostava de piscina, mas jamais gastaria todo o seu tempo dentro dela. Tinha que estar se divertindo em outro lugar. Bebendo em outro lugar. Até mesmo transando em outro lugar.
Ela sorriu sozinha. Isso seria divertido, muito divertido.
Fora a piscina, o jardim era composto de muitas luzes em varais e muito verde. Arbustos e árvores verde-musgo estavam espalhados por toda parte, o que era um lance surpreendente vindo de Jungkook, por mais que ele sempre tivesse feito o tipo de fumar ao ar livre e fazer flexões sob o sol. Também foi uma dessas crianças que são exploradoras desde o nascimento, preferindo sempre espaço, espaço e mais espaço.
Ali desviou da piscina e começou a andar na direção dessas árvores mais espessas, pensando inicialmente que elas seriam um bom ponto para se olhar tudo em volta, mas não precisou andar por tanto tempo.
Havia uma parte da propriedade onde as pessoas não estavam aglomeradas, o que era surpreendente, mas compreensível. Ficava quase ao lado da porta larga de vidro que desembocava para o gramado, bem distante da diversão real que acontecia na piscina e no carrinho de brownie – que com certeza estava batizado. A fumaça da água parecia quase gelo seco, percorrendo vários metros ao redor do jardim, mas, diferente dos visitantes na piscina, ela viu silhuetas nas árvores. Duas pessoas. Formas esguias muito bem escondidas pela sombra grossa das folhas no topo, onde embriaguez nenhuma seria capaz de prestar atenção. Ali não pretendia perder tempo com a visão, mas captou algo no chão, a sola grossa e óbvia de um calçado pesado que amassava as gramíneas como o pneu de um carro. E principalmente: viu a borda da jaqueta. Uma mão se mexendo e revelando as tatuagens no dorso. Viu a nuca exposta e o cabelo cortado como sempre cortou. Viu a cabeça um pouco inclinada na direção de outro par de pernas que pareciam pequenas demais perto dele, mas não importava. Era ele. Jungkook. Tinha uma certeza angustiante sobre isso.
E Ali começou a andar, com os olhos brilhantes e um sorriso feito para a guerra. Naquela hora, não havia nada de sua mãe ou de seu pai na fisionomia. O jeito como marchou rápido por cima da relva molhada e sentia o coração e estômago convulsionando de excitação por já imaginar a cena seguinte – o jeito como ele a olharia, ah! O jeito como largaria aquela menina na hora! O jeito como ficaria todo abobado e apaixonado como sempre foi! – era dotado de uma confiança tão explosiva que definia Ali Dalphin por inteiro.
Foi há alguns metros, alguns poucos e torturantes metros, que ela conseguiu ouvir.
“Californication. Por favor.”
Era ele. Só o timbre da voz causou um terremoto pra valer dentro de Ali.
A outra garota riu. Foi uma risada estranha. Um riso que ela nunca ouviu na vida, mas não foi a risada que a fez franzir o cenho. A voz…
“Você quer dançar agarradinho ouvindo Californication?”
Familiar. A voz era tão familiar que fez Ali andar mais rápido. Era familiar porque se parecia com a voz em que ela esteve pensando nas últimas semanas. A voz que esteve evocando na mente para esclarecer ao seu cérebro que ela não prestava. A voz era a culpada. Era por causa dela que tinha precisado se humilhar tanto a ponto de ir àquela revista, pedir a ajuda de Jeong Jaehyun, falar com Changmin, perguntar à mãe se poderia passar uns dias em Lyon... Aquela voz, limpa e vívida, martelando na sua mente como um castigo.
“... virar fiscal de valsa agora?”, Ali alcançou suas costas assim que a garota riu mais alto. E a voz dela estava tão clara quanto vidro. Tão nítida como se alguém tivesse puxado o cabo do sistema de som da tomada e afundado a festa no silêncio.
E Ali finalmente estava vendo.
Jungkook agarrou a cintura de e a balançou num movimento leve, natural, romântico. O sorriso que ele estava dando enquanto usava a outra mão para pegar o celular era diferente de tudo que Ali conhecia – e ela achou que conhecia tudo, absolutamente tudo sobre ele. Com certeza, já tinha feito aquele garoto sorrir muitas vezes, já tinha deixado ele bem feliz só por ela estar presente, mas… Mas que porra de sorriso era aquele? Que merda de dança esquisita era aquela? Que merda de era aquela?
Ali parou. O coração explodindo de expectativa tinha diminuído o ritmo. As vozes dos dois tinham sumido por quase um minuto. A partir do momento em que Jungkook balançou a garota e ela se aproximou dele com a boca no seu pescoço e sussurrando coisinhas que o estavam fazendo rir, Ali achou que tinha na verdade errado o caminho e caído direto na piscina. Achou que provavelmente tinha desmaiado com o esbarrão de Eunwoo na entrada. Achou que tinha quebrado o combinado consigo mesma e engolido pelo menos 5 pílulas de uma vez e agora estava louca, louca, alucinada, só podia estar maluca!
Aquele vestido azul, os ombros salpicados de purpurina, o cabelo grudento nas costas e arrepiado demais pra cima… Parecia , mas ao mesmo não era . Não aquela . Ambas as versões não se combinavam em nenhum plano material. Mas…
É claro que Ali não reconheceria a risada de imediato, porque ela nunca tinha visto aquela garota sorrir! Vivia com o rosto sério esculpido em pedra, os olhos focados nos seus livros, a adoração permanente nas suas câmeras, e nunca, NUNCA falava mais que o necessário. Era quase como uma freira, um espantalho de plantação, um muro de lamentações, passiva nos menores e maiores detalhes. E agora…
Agora ela estava rindo e beijando seu namorado embaixo de uma árvore como se aquilo fosse normal. Como se não fosse o maior absurdo da natureza. Como se não estivesse infringindo nenhuma violação com poder suficiente para causar um terremoto nível 4.1 na Escala Richter.
Que
Merda
É
Essa?!
Ali acabaria com isso logo. Precisava acabar. Toda a energia daquela confiança inabalável estava sendo sugada pelo vórtice da raiva e do ódio que seriam capazes de destruir toda a sua pose. A modelo voltou a avançar, mas parou de novo no mesmo segundo quando olhou para Jungkook. Olhou para o sorriso que ele lançou a ela, olhou para os olhos dele, aqueles malditos olhos que ela sentia tanta falta, mas que ela não os reconhecia agora. Estava escuro demais naquele canto, desconfortável pelo tanto de mato que rachava as laterais do muro alto que cercava a casa, mas o brilho… O fogo incandescente que ardeu nas pupilas de Jeon Jungkook direto pra naquele momento, ergueu uma parede que fez a modelo parar como se tivesse batido contra o concreto. Como se estivesse claro que ali não. Ali, naquele território entre os dois, o clima era sagrado, fechado para o mundo, e que nem se ela se aproximasse com mais quatro ninjas e uma horda de assassinos, conseguiria passar. Não conseguiria entrar.
E Ali entendeu, tão forte quanto um soco no estômago ou uma pancada na cabeça, que a porta que tanto esperava ver quando finalmente reencontrasse Jungkook, não existia mais. Não estava aberta ou encostada. Estava trancada. Com uma placa de Ocupado escrita com letras grandes e legíveis.
E aquilo terminou de quebrar tudo que ainda sobrava de são dentro dela.
FIM!
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Nota da autora: Olá! É um prazer te ter aqui!
Seguinte: caso você tenha caído aqui de pára-quedas, a história começou no Filme I, uma fic linda, gostosa e esclarecedora. Visite esse surto AQUI caso você ainda não conheça.
Se você está no lugar certo, aproveita pra visitar os links lá em cima. Temos a playlist oficial da fanfic cheia de música boa e também o insta pra saber quando vai sair a próxima atualização. ❤
Por fim: nunca deixe de falar o que achou de cada att, isso é MUITO importante pra mim! Agradeço de coração pelo seu tempo e pelo seu feedback!
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