Independente do Cosmos🪐
Última Atualização: 08/09/2024O cansaço tomou conta do corpo de assim que a mulher colocou os pés no Aeroporto Internacional de Roma.
Sentiu o calor característico da cidade a envolvendo quando pisou fora do portão de embarque, fazendo uma careta surgir no seu rosto enquanto empurrava o óculos de sol para cima do nariz.
não gostava do clima quente. Preferia mil vezes um sobretudo nas temperaturas baixas de sua cidade natal, Manchester.
Continuou a arrastar as malas, só então se dando conta de toda agitação que se encontrava na porta de saída do lugar; milhares de turistas, assim como ela, demonstravam sua ansiedade e animação em conhecer a cidade.
O último, sendo contrário para .
Sua única ansiedade e animação era a de estar logo no hotel. Enquanto observava todas as pessoas ao redor, seu olhar capturava cada movimento, cada momento, de qualquer que fosse a pessoa que passava por si. Cada viagem a trabalho era uma oportunidade perfeita de explorar e capturar a essência de um lugar através de fotos. amava o que fazia, sem nem mesmo hesitar. O peso da câmera pendurada na bolsa que carregava era reconfortante; não era só uma ferramenta de trabalho, mas quase uma extensão de si mesma. Os rostos desconhecidos no aeroporto se tornavam alvos fáceis de suas fotografias. sempre se perguntava sobre as histórias que cada pessoa carregava, os momentos que poderiam ser congelados no tempo e as expressões que captavam a emoção de estar em Roma.
Suspirou. Sua profissão a deixava em êxtase.
As vozes de June e Arthur a trouxe para a realidade. Os dois, além de serem seus colegas de trabalho, formavam um casal para lá de apaixonado. June, a loira dos cabelos esvoaçantes e ondulados, uma romântica inteiramente incurável. E Arthur, o moreno sorridente que deixava seu entusiasmo a cada lugar que passava com sua namorada.
— Você só pode estar brincando que vai continuar com esse olhar entediado, — June exclamou, ajeitando a bolsa nos ombros minúsculos. — Nós estamos em Roma e mesmo a trabalho, esse lugar é perfeito para encontrar amor.
A animação da mulher era perceptível.
rolou os olhos.
— Claro. Porque é tão fácil encontrar o amor quanto tirar uma foto perfeita — soltou, irônica.
Ouviu a risadinha fraca de Arthur.
Sabia que irritaria a amiga ao falar daquele jeito. As duas tinham pensamento inteiramente opostos sobre o romance. Qualquer que fosse ele.
— Talvez você consiga os dois aqui, cuore. Nunca se sabe o que Roma pode te oferecer.
— Cuore?
a olhou.
— É, coração. Andei estudando — deu de ombros. e Arthur riram. — Você sabe que encontrar um amor — fez aspas com os dedos. — Não está exatamente no topo da minha lista de prioridades, não é?
June arqueou as sobrancelhas ao ouvir.
Não perdeu o brilho nos olhos ainda assim. Sabia que logo conseguiria convencer de que, de alguma forma, Roma tinha o poder de mudar até mesmo os corações mais céticos, como o dela.
— Pode negar o quanto quiser, mas o amor está em todo lugar. É só uma questão de estar aberta a enxergá-lo — piscou.
Arthur, já acostumado com o mesmo assunto que vivia surgindo entre as duas, interrompeu, de forma leve.
— Querida, você sempre vê o mundo por esse filtro cor-de-rosa — ajeitou os fios loiros desajeitados da namorada com a ponta dos dedos. — Deixa encontrar o que quer que esteja a esperando, na hora certa. Ok?
deixou um sorriso escapar ao olhar o amigo. Uma forma de agradecer.
As palavras de June trouxeram um sorriso irônico nos lábios da mulher. estava tão acostumada com a natureza otimista e apaixonada de June, quase todo o tempo, mas sabia que as diferenças entre elas eram mínimas comparadas ao quanto sua amizade significava.
Enquanto a amiga se entregava de corpo e alma para qualquer que fosse a história de amor, faria o possível para correr dela.
Sem pensar duas vezes. — Tudo bem, vocês venceram. Mas só dessa vez — June apontou para os dois, antes de conseguirem um táxi.
Não demorou muito para que o trio colocasse suas bagagens no porta-malas.
se acomodou na janela aberta e, enquanto o veículo percorria as ruas movimentadas da cidade, seus olhos observavam toda a arquitetura de Roma passando do lado de fora enquanto suas June e Arthur csoltavam risadinhas do seu lado.
June olhou para a amiga rapidamente. Entendia perfeitamente que histórias de amor não eram exatamente seu ponto forte.
Resolveu por deixá-la quieta, por enquanto, e não tocar mais no assunto.
A luz do fim de tarde deixava a cidade ainda mais bonita do que já era.
admirava o cenário com um olhar distante, focada nos próprios pensamentos.
Conseguia ouvir, ao longe, sua amiga tagarelar sobre seus estudos e descobertas recentes, além de achar incrivelmente romântica a cidade, o que só fez o sorriso no canto dos lábios de crescer. A diferença entre as duas era nítida.
O otimismo de June era contagiante, mas para , a realidade muitas vezes era mais complexa e intrigante.
Complicada demais. Enigmática demais.
Foi impossível não refletir sobre as escolhas que a trouxeram até ali.
Seus relacionamentos anteriores haviam sido como fotografias em preto e branco, cheias de momentos vazios e expressões desbotadas. Se lembrava das promessas quebradas, das palavras não ditas e das despedidas frias. Cada decepção em seu coração se transformou em uma visão inteiramente diferente sobre o amor.
A ideia de se abrir novamente era algo que evitava a todo custo. Para , a solidão era uma companheira mais confiável do que o amor que poderia quebrá-la em pedacinhos a qualquer momento.
O táxi se aproximou do hotel há poucos metros. A mulher olhou pela janela mais uma vez, observando as fachadas antigas e encantadoras. Uma sensação triste a envolveu. A beleza da cidade não seria suficiente para fazê-la mudar de ideia.
Mercure Roma Centro Hotel, 19h28.
O sol havia se posto, deixando o céu rosado, misturado em tons alaranjados. No hall do hotel, , June e Arthur se preparavam para explorar cada canto que pudessem da cidade à noite.
ajustava a alça da bolsa, onde sua câmera estava, enquanto observava os detalhes do saguão do hotel. Sentia uma leve pressão em seu peito, como se estivesse ansiosa, esperançosa.
E não sabia explicar o porquê de se sentir daquele jeito.
Desde que havia pisado no aeroporto, seu coração batia frenético como se algo importante demais fosse acontecer.
Só não sabia se devia se preocupar com tal acontecimento.
Resolveu então focar sua atenção em apenas uma coisa: fotografar Roma e tudo o que pudesse até o fim daquela noite.
Aquilo até animaria, mais que o normal, mesmo a animação dos amigos em relação ao romance a deixando minimamente desconfortável.
June vestia um vestido leve e os fios loiros estavam esvoaçantes. Ela continuava agarrada ao braço de Arthur, com um sorriso radiante nos lábios.
Arthur segurava a cintura da namorada, os dois parecendo um casal de conto de fadas.
rolou os olhos, mas deixando um sorriso contido transparecer. Torcia muito pela felicidade dos dois.
— Céus, como pode um lugar ser tão lindo? — June exclamou, ajeitando a bolsa nos ombros. — As ruas, as praças, as luzes... Tudo parece mágico demais!
assentiu, assim como Arthur.
Deixaria a amiga espalhar toda sua alegria e amor, em paz.
Por enquanto.
— Concordo, amor. E tenho certeza de que vai conseguir fotos incríveis.
Deu uma piscadela para a amiga. Ela sorriu.
— Vou tentar fazer jus à cidade, pode deixar.
Os três saíram para a calçada, sentindo o vento fresco do cair da noite.
As ruas estavam cheias de pessoas, imersa no som de música distante e o aroma tentador da culinária italiana. As fachadas dos edifícios históricos, iluminadas por luzes amareladas, criavam um clima quase surreal.
Continuaram a caminhar pelas ruas estreitas de paralelepípedos e não pôde deixar de se sentir um pouco contagiada pela energia da cidade. As ruelas davam para praças encantadoras, onde muitos artistas de rua exibiam seus talentos e algumas cafeterias estavam espalhadas ao redor.
Foi impossível não tirar a câmera da bolsa, ajustando as configurações enquanto capturava tudo o que conseguia pelas lentes.
A cidade parecia um cenário de filme.
— Olhem! — June sorriu, apontando para um violinista que tocava alguma músicana próxima esquina. — Isso é tão romântico!
deixou uma risadinha escapar, achando graça em cada reação de sua amiga. Parecia uma adolescente.
Arthur, sorrindo com as atitudes da namorada, puxou June para mais perto.
— Vem, , tira uma foto nossa! Vai ser uma ótima lembrança.
— Com certeza. Façam uma pose!
apontou a câmera, enquadrando cuidadosamente o casal na imagem. June e Arthur se abraçaram sorrindo, enquanto o violinista tocava uma canção suave ao fundo. A cena era perfeita.
— Prontos? Um, dois, três…
Clique!
E, enquanto observava a imagem dos amigos na tela da câmera, não percebeu quando seu rosto transpareceu um sorriso quase nostálgico.
June e Arthur eram um casal incrível.
Ela sacudiu a cabeça, ignorando qualquer sentimento que pudesse aquecer seu coração. Quando notou, o casal já estava longe.
— Ei, esperem por mim, pombinhos!
A Fontana di Trevi estava logo mais à frente, maior do que a mulher pensou, sendo iluminada não só pelas luzes ao redor, mas pelos holofotes em cada ponta da atração. A praça estava movimentada, cheia de turistas tirando fotos e fazendo desejos, como imaginou.
, June e Arthur caminhavam devagar. Estavam experimentando um gelato, que de acordo com June, era o doce italiano perfeito para uma noite como aquela.
tinha escolhido um sorvete de pistache, enquanto June tinha um de morango e limão, e Arthur um de chocolate com baunilha.
O trio passou a andar mais devagar.
Arthur, que estava a alguns passos à frente, resolveu se afastar das amigas e fazer algumas anotações para o trabalho como sempre costumava fazer. E, enquanto as duas ficaram sozinhas, June aproveitou a para puxar conversa sobre um assunto que estava há muito tempo na sua mente.
— , — começou, com a voz suave e delicada. não se deu ao trabalho de virar o olhar para a amiga. Murmurou um hm, a fazendo continuar. — Porque sempre evita falar da sua vida amorosa?
revirou os olhos, já imaginando o que June queria.
— Você sabe que não acredito nessas coisas. Passei por relacionamentos fúteis demais para achar que vale a pena investir nisso outra vez, June.
A amiga suspirou, compreendendo ainda assim.
— Sei que teve experiências ruins, mas não acho que você deveria desistir. O amor verdadeiro está por aí em algum lugar, pode ter certeza. Realmente torço para ver você encontrar alguém especial.
deu de ombros, tentando desviar a conversa.
— Não precisa se preocupar com isso. Estou bem assim. Prefiro focar no meu trabalho e nas coisas que posso controlar.
June parou de andar e olhou diretamente nos olhos de . O gelato continuava nas suas mãos.
— Eu entendo, amiga. Entendo, de verdade. Só quero que você pense na possibilidade. Quem sabe o que te espera?
suspirou, chegando à beirada da Fontana di Trevi. Seus pensamentos ecoavam as palavras da amiga quase sempre, sobre encontrar alguém e sobre o que o futuro reservava.
Não notou quando June retirou uma moeda de seu bolso e um sorriso travesso tomou conta.
— Acho que podemos resolver isso.
— June…
— Não. É sério, — levantou o indicador. Estendeu a moeda logo depois. — Não quer fazer um desejo? Agora é a hora.
— Sabia que essa é uma das coisas que também não acredito?
arqueou a sobrancelha, cética.
June não se deixou abater pelo ceticismo da amiga e, mantendo o sorriso travesso no rosto, segurou a moeda com firmeza, determinada a não deixar escapar dessa tradição.
— Sei bem. Mas um pouquinho de fé não faz mal a ninguém, não é? — piscou. — Vai lá, faz um desejo. Quem sabe?
soltou outro suspiro, balançando a cabeça. Mas sorriu com tamanha insistência de sua amiga.
Pegou a moeda das mãos de June e enquanto olhava para a água da fonte, pensou duas vezes sobre o que realmente queria.
Fechou os olhos por um momento, deixando que um pensamento sincero começasse a aparecer.
Não seria ruim desejar algo como aquilo, certo?
A frase ecoou por sua mente uma única vez.
Com um gesto rápido, jogou a moeda na fonte, a observando descer para o fundo, se misturando com as outras que tinham ali.
O som da cascata da água se misturou a conversa dos turistas e sentiu uma sensação de alívio.
Quando olhou para June, viu a amiga comemorando, com os olhos brilhando de alegria, em uma dancinha para lá de engraçada.
— Sim! — exclamou, dando um pequeno salto de felicidade. riu. — Isso mesmo, ! Agora é só esperar.
— Esperar o quê, June?
riu, achando ainda mais graça no entusiasmo de June. Apesar de não acreditar, a cidade parecia ter um jeito de fazer com que, no fundo, ela quase acreditasse.
— Como assim o quê, oras? Esperar seu desejo se realizar.
Bem no alto das nuvens de Roma, , um cupido focado em seu trabalho, descansava em uma almofada macia de vapor, observando a terra um pouco mais abaixo.
era atraente e encantador. Tinha os olhos escuros refletindo a luz das estrelas e um sorriso que irradiava uma calma surreal, inexplicável. Em suas costas, suas asas grandes e branquinhas, se moviam levemente enquanto observava o mundo humano com uma atenção quase meticulosa.
A cidade eterna estava especialmente iluminada naquela noite em específico. As ruas estreitas e os edifícios antigos pareciam brilhar mais que o normal. estava atento aos pedidos que surgiam em um canto específico em Trevi.
Analisava cada um com paciência e cuidado, chegando até a achar graça de alguns que eram feitos por algumas mentes simples e vazias.
Quero ter mais dinheiro.
Quero ter uma carreira de sucesso.
Quero conquistar o mundo.
Os desejos, apesar do cupido até compreender, eram vagos demais. Sem resquício de algum sentimento profundo. Ele, designado a atender os pedidos mais sinceros do coração, tinha uma missão mais elevada: ajudar os humanos a encontrar e entender o que existe no fundo de seu coração.
E, enquanto continuava a observar, algo curioso chamou sua atenção. Um brilho suave e dourado piscou da Fontana di Trevi, deixando evidente uma coisa que ele sabia muito bem; Era um desejo sincero e poderoso.
se inclinou para frente, com os olhos ainda fixos na fonte. Sentiu um puxão suave dentro de si, algo que indicava que aquele pedido merecia atenção especial. E sorriu.
— Que interessante…
Murmurou.
Era raro encontrar um pedido tão puro e sincero, especialmente em uma cidade como aquela. E ainda mais fascinante era o fato de que, , não acreditava no amor verdadeiro.
A ironia disso despertou algo dentro de .
Se sentiu desafiado a mostrar à mulher que o amor realmente existia, sim, que era mais do que apenas uma fantasia, uma história contada em filmes e livros.
E que a pessoa responsável por aquilo era .
se levantou da nuvem, suas asas se estendendo enquanto descia em direção à Terra, ainda invisível aos humanos. Pairou sobre a Fontana di Trevi, observando que se afastava com seus amigos, June e Arthur.
A mulher sorria, mas podia ver o enorme escudo ao redor de seu coração. Algo que ela mesma havia construído.
era bonita e elegante. Tinha os cabelos castanhos, levemente ondulados, caindo sobre os ombros. Seus olhos, um profundo tom esverdeado, carregavam uma intensidade e uma tristeza que achou enigmática demais.
Ela escondia tamanha dor e tristeza por trás do sorriso irônico que volta e meia lançada à seus amigos.
estava fascinado. Havia algo humano e real demais nela.
Se aproximou um pouco mais, mesmo não conseguindo vê-lo e não podia estar mais decidido.
— Parece que seu pedido será atendido, .
continuava a sobrevoar a cidade e seus pés mal tocavam o chão, enquanto observava com uma atenção cuidadosa.
Tinha um vinco formado em sua testa com os olhos atentos, ainda que calmos, em direção à mulher. caminhava pelas ruas movimentadas e estreitas de Roma, com sua câmera nas mãos enquanto fotografava detalhes que passariam despercebidos por qualquer um que não tivesse os olhos tão concentrados como os dela.
Os olhos escuros do cupido a seguiam, ainda invisível.
Em todo lugar que parava, observava com ainda mais atenção. Ela parava em frente a uma banca de flores, observando os tons das pétalas coloridas. Inclinava a cabeça, observando o contraste de cores e, em um movimento suave, levantava a câmera dando um clique.
sorriu minimamente ao ver sua concentração, ainda notando que havia algo mais ali. Não era somente como ela trabalhava, dentro de sua própria bolha.
Era como, mesmo em meio à multidão, parecia tão... Sozinha. Havia um brilho mínimo em seus olhos e as sobrancelhas franzidas, mesmo sem saber exatamente o por quê.
— Engraçado. Está tentando se esconder, — murmurou para si mesmo. cruzou os braços. — Mas o que exatamente está tentando esconder?
Ela deu alguns passos para longe das flores, ajustando a alça de sua bolsa. Retirou seu celular do bolso, começando a digitar algo na tela do mesmo, o que deixou curioso. Provavelmente uma mensagem para June ou Arthur.
conseguia imaginar o tipo de conversa que poderia estar rolando ali; June, sempre otimista, insistindo para que sua amiga fosse em algum encontro às cegas que havia conseguido em algum barzinho da cidade. E Arthur, tentava amenizar a pressão da namorada, como sempre fazia.
— Ah, June, eu não vou — ouviu a mulher sussurrar para si mesma, enfiando o aparelho novamente na bolsa, sem se dar ao trabalho de responder à mensagem da amiga. — Não adianta insistir.
inclinou a cabeça, intrigado. Havia alguma coisa nos olhos esverdeados de ; teimosia e tristeza.
Já havia visto muitas pessoas céticas antes, em todos seus milênios como cupido, pessoas que custavam a acreditar o amor de todas as maneiras.
Era seu trabalho, afinal. Mudar todas essas mentes.
Mas alguma coisa ali parecia diferente do que estava acostumado. Não era como se fosse simplesmente cética. Havia uma barreira, algo que ainda não conseguia definir.
E aquilo o intrigava mais do que deveria.
Ela continuou caminhando, agora em direção ao Sant'Eustachio Il Caffè, uma cafeteria conhecida no lugar em que estavam. Ao lado externo do lugar, se sentou em uma mesinha reservada e começou a passar algumas fotos na câmera, revisando o trabalho do dia. se aproximou um pouco mais, como se pudesse entrar nos pensamentos da mulher e se deparou com um pequeno momento de vulnerabilidade.
A expressão no rosto dela suavizou enquanto olhava para uma foto em particular; a imagem de June e Arthur juntos, sorrindo um para o outro. Não conhecia um casal mais apaixonado que seus amigos.
— Eles são felizes — murmurou, quase como se estivesse admitindo algo a si mesma. — Mas isso não é para mim.
sentiu o ar mais pesado, algo que não costumava sentir. Nem deveria, já que seu trabalho era evitar que justamente aquilo acontecesse.
Era estranho.
E mais estranho ainda era se familiarizar de tal forma com um caso como aquele. Suas missões sempre eram claras; fazer com que acreditassem no amor e que encontrassem seus destinados. E, para isso, precisava permanecer neutro, alheio às emoções que seu alvo poderia despertar.
Mas com , a cada momento que passava, se via mais envolvido do que deveria. O cupido aproveitou para sentar na cadeira em frente de , ainda na mesma mesa. Ela não o veria de qualquer forma.
— Não parece ser apenas ceticismo — comentou consigo mesmo, analisando a mulher. — Ela tem… Dor. E isso…
Parou por breves segundos. franziu o cenho.
Interessante.
— Isso é o que a faz acreditar que não merece ser amada.
Soltou um murmúrio, analisando a situação. Seus olhos observavam toda a postura de , notando como seus ombros caíam levemente sempre que parava para pensar sozinha. Era quase imperceptível. Como se estivesse lutando contra algo dentro de si. Algo que ninguém conseguia ver.
Exceto .
— Você não está sozinha, — inclinou levemente a cabeça, observando a expressão da mulher que ainda olhava as fotos que havia tirado. — Eu posso te ver.
O sol começava a se pôr em Campo Marzio quando encontrou com June e Arthur, na Piazza del Popolo.
Os dois a chamaram para se aproximar e, por um momento, pôde ver uma misto de felicidade no sorriso da mulher, mesmo passageiro.
Logo, o sorriso murchou e voltou à personalidade mais reservada como costumava ser.
— Não quer mesmo ir com a gente? — June insistiu, animada. — Vai ser divertido. Não é todo dia que somos convidados para uma festa em Roma. E você precisa sair um pouco também!
respirou fundo.
— Não sei, June. Sabe que não sou muito fã de festas assim — desviou o olhar, desconfortável com a ideia. Resolveu focar a atenção nas pessoas ao redor.
— Vai ser bom. Juro! Quem sabe até mesmo conhece alguém interessante?
Arthur riu baixinho, percebendo a tensão de . Olhou para a namorada e lançou um olhar calmo, quase como se pedisse para pegar mais leve.
— Querida, vai encontrar alguém quando estiver pronta. Não força a barra — sorriu, olhando de June pra . A fotógrafa agradeceu. — Se não quiser ir, tudo bem. Mas se quiser depois, estaremos por lá.
sorriu de volta.
— Bom, vou pensar. Prometo.
Os três continuaram ali, observando a praça imersa iluminada pelo entardecer enquanto conversavam sobre coisas usuais.
June prestava atenção em um casal de idosos que estava sentado em um banco próximo à fonte. Eles seguravam as mãos um do outro, um gesto simples, mas que significava o bastante para ela.
— Isso é o que eu quero, sabe? — suspirou, com um sorrisinho. — Amor eterno.
revirou os olhos, não conseguindo esconder seu ceticismo.
Pfff, amor eterno.
— Se durar tanto assim, com certeza um deles está cedendo mais.
A amiga retrucou, com o tom ácido de costume. June resmungou algo que ela não conseguiu entender pelo som da música ao redor e da água que caía da Fontana dei Leoni.
Arthur se divertia com a diferença perceptível das duas.
Riu com um pouco de surpresa, mas logo percebeu o olhar desaprovador da namorada. E, sentindo a necessidade de suavizar a situação, colocou a mão sobre a de June, dando um leve aperto.
— Não é que não acredite no amor. É só que… Ela tem uma visão mais realista das coisas.
pressionou os lábios, evitando uma risadinha, sabendo como aquilo irritaria June.
Observou a amiga com um sorriso leve, provavelmente se dando por vencida em convencer sua amiga. Sabia que ela poderia ser dura como uma pedra, mas aquilo não a impedia de continuar tentando.
observava a interação com cuidado. se esforçava para manter uma fachada, para ser a amiga presente e agradável, mas por dentro, ele via os muros que a mulher erguia.
Ela queria tanto se proteger que acabava se isolando.
conseguia sentir uma mistura de frustração e compreensão crescendo dentro de si. Queria ajudar, já que via como ela merecia e também reconhecia que, por trás de sua postura defensiva, havia alguém que desejava desesperadamente ser compreendida e amada.
Ele observava como olhava para a fonte e para os casais que passavam, sua expressão mudando vez ou outra. Havia uma fragilidade que a mulher não conseguia esconder completamente.
— Por que tem tanto medo? — se perguntou, pairando ao redor dos três. — Por que acha que não merece os amigos que tem? Por que acha que não merece o amor deles?
June e Arthur tentavam a todo custo fazer com que se sentisse parte do grupo.
Depois de algumas risadas, o silêncio era quebrado pelo pouco vento no local e pelas vozes ao redor das pessoas que caminhavam por ali. June sentia o coração apertado só de pensar que, mesmo que talvez não fosse acontecer, sua amiga poderia terminar sua vida sozinha. Sem ninguém ao seu lado.
— Sabe, … Você sabe que isso não é só sobre a festa — começou baixinho. — É sobre estarmos aqui para você, sempre que precisar.
a olhou para June, seus olhos claros deixando nítida a emoção que imediatamente tentou esconder. Tinha alguma coisa na expressão da mulher que fez o coração de derreter minimamente.
Alguma coisa bem dolorosa que tentava proteger.
E esconder do mundo.
— Eu sei que se preocupa — disse. Seu tom era baixo. — E realmente agradeço por isso. Só que algumas vezes é difícil. Sabe, aceitar que as coisas possam ser diferentes alguma hora.
A amiga a olhou.
— Todos nós passamos por momentos difíceis. E não é fácil acreditar que merecemos algo bom. Mas é exatamente nesses momentos que precisamos lembrar que somos dignos de apoio e amor. E você é, .
sentiu seu coração quase chacoalhar dentro do peito ao ouvir as palavras de June Watson. Ele sabia que a dor de não era só sobre o que acontecia atualmente, mas sobre alguma experiência passada que a levou a ter essa visão cética sobre o amor.
A situação o deixava ainda mais curioso e interessado por sua missão.
— O que foi que aconteceu com você, ?
questionou, observando a mulher que agora se levantava junto a seus amigos. June parecia ainda mais animada que antes e achava graça junto à Arthur por vê-la tão empolgada.
— Aproveitem a festa e se divirtam por mim.
June abraçou a amiga, não deixando de sorrir após.
— Não se esqueça de que estamos aqui, tá? — comentou, ajeitando os fios escuros de . — E se mudar de ideia sobre a festa, vai correndo para lá!
Arthur acenou com a cabeça, concordando com a namorada.
— Exatamente. Se divirta na caminhada. Se precisar de algo, é só nos ligar. acenou com a cabeça, ainda mantendo um sorriso, embora um pouco mais desbotado. Observou o casal se afastar de mãos dadas para longe dela.
No fundo, queria se sentir tão à vontade e confiante quanto os dois.
Deu de ombros e se virou, pronta para conhecer e fotografar um pouco mais da cidade eterna.
caminhava pelas vielas da cidade com a câmera pendurada no pescoço.
A noite agora estava mais serena e as luzes das ruas iluminava o trajeto que fazia. precisava confessar que a cidade estava ganhando seu coração pela beleza.
Ela estava focada em seu trabalho, fotografando a vida noturna com uma precisão que só ela entendia.
Como por exemplo, os casais que caminhavam de mãos dadas.
capturou também a imagem de um casal jovem, rindo juntos enquanto dividiam um sorvete, a cena mais clichê do mundo.
Ajustou a lente e tirou a foto. Sua expressão ainda era neutra enquanto ouvia o barulho do clique.
À medida que avançava, passou por um bar onde um grupo de amigos trocava olhares furtivos e sorria com seus drinques coloridos.
tirou mais uma foto. Logo, avistou uma praça movimentada, onde um pedido de casamento acontecia.
A ocasião tirou um sorriso sincero da mulher. A noiva, já chorando pelo que acontecia, aceitava o anel com um sorriso radiante nos lábios.
tirou a foto rapidamente.
Se afastou um pouco, continuando a andar até uma área mais tranquila da cidade. Ali, observou um músico de rua tocando uma música suave no violino e um casal dançava na calçada ao ritmo da música.
Ela abaixou a câmera, deixando os olhos focados no casal que dançava. Seu coração acelerou por um breve momento, a fazendo sentir a emoção da cena que acontecia bem à sua frente.
Mas, assim que percebeu a intensidade de sua própria reação, rapidamente voltou à sua postura indiferente, pegando a câmera de volta e ajustando o foco mais uma vez.
— Só mais uma cena para mostrar a saturação de amor que você não precisa, — murmurou para si mesma, irônica. E, enquanto voltava a fazer um trajeto sem muito destino, , invisível e fingindo caminhar a seu lado, por mais que não precisasse já que ele poderia flutuar por aí, observava com um sorriso satisfeito.
Estava começando a achar graça da forma como começava a ser tocada pelos momentos ao redor, mesmo que ainda tentasse resistir.
— Oh, olha lá — comentou, brincalhão. Como se ela fosse mesmo ouvi-lo. — Mais um casal dançando. E ainda bem que você está tirando foto de tudo isso, não é? Estava quase me preocupando que você não estivesse vendo a beleza do amor ao redor.
Ela soltou um resmungo, em desdém.
— Argh… É só o meu trabalho.
riu baixinho, continuando a brincar com suas observações.
— Claro. Seu trabalho. Só não vem dizer depois que seu coração está começando a amolecer…
continuava a resmungar durante o caminho que fazia. E ele não pôde evitar de sorrir.
A cada resmungo da mulher, observava como seus sentimentos começavam a vacilar.
— Sabe, … Pode até tentar fingir que não se importa — mencionou Sua voz era leve e esperta. — Mas parece que as cenas estão começando a fazer você pensar um pouco mais sobre essa coisinha que está guardada a sete chaves em seu coração. E, como um bom cupido, eu só tenho que fazer uma coisa...
A caminhada de volta ao hotel em que estava hospedada continuava tranquila.
Mesmo que para algumas coisas parecessem coincidência demais.
Estava imersa em seus pensamentos, com a mesma sensação de frustração em seu coração, quase como uma nuvem pesada. Sua ida até o Mercure Roma Centro Hotel parecia mais uma provocação do universo, mostrando como o amor poderia ser lindo de várias formas.
Mas não seria daquele jeito que mudaria sua concepção sobre ele.
O primeiro sinal do que suspeitava ser o destino brincando consigo, surgiu quando passou por uma esquina e viu um casal jovem se beijando loucamente.
A cena era um retrato vívido do amor: mãos entrelaçadas e sorrisos bobos. O beijo parecia durar uma eternidade.
— Isso é ridículo — bufou, quase revirando os olhos outra vez. — O amor é uma besteira.
continuava andando junto dela, mais próximo do que antes, o que o fez sentir o aroma leve do perfume de .
Deixou uma risadinha escapar. Achava engraçado como os eventos que havia colocado no caminho da mulher estavam começando a fazê-la questionar seus próprios sentimentos.
— Ah, o amor jovem. Sempre tão animado e direto ao ponto — falou para si mesmo, em meio às piadinhas. — Parece que Roma está bem empenhada em fazer você ver o que está tentando ignorar, .
E foi então que uma chuva leve começou a cair.
Ela não se importou com a chuva. , que já havia guardado sua câmera — e deu graças aos céus por isso — levou as mãos livres ao alto da cabeça, para tentar se proteger em vão.
Em meio a pequena corrida até uma tapagem mais próxima, avistou outro casal abraçado um ao outro enquanto riam pela provável chuva que caia.
Como é engraçado! ironizou.
E, ao virar a esquina, seus olhos pararam em um homem que se aproximava de uma mulher que estava sob um toldo. Ele entregou um buquê de flores, acompanhado do sorriso radiante.
A expressão de era puro desdém.
— Sério? — reclamou, batendo as mãos na lateral de seu quadril. — Flores em uma noite chuvosa? Que raios você quer dizer com isso, hein, Roma?
tinha os olhos escuros pousados na mulher e, com os braços cruzados, não deixava de sorrir satisfeito por ter causado o impacto que queria.
— Você tem que admitir… Flores e chuva? Isso é praticamente a definição de romance clássico — balançou a cabeça, ainda rindo. — Quer dizer, é Roma. A cidade quase respira esse tipo de coisa.
Ela bufou outra vez, batendo os pés contra as pedras molhadas enquanto continuava a caminhar pela rua. Seu olhar agora era fixo no chão, determinada a chegar no hotel o quanto antes.
— Vou enlouquecer assim!
— Talvez sim, talvez não… Mas vai ser divertido, posso garantir — o cupido olhou ao redor da cidade, com um brilho esperto nos olhos. Mexer com estava sendo seu melhor hobby. — Quer dizer, se for para perder a cabeça, que seja aqui, certo? Com flores, chuva e casais apaixonados a cada esquina.
deixou uma risadinha escapar.
apertou os olhos, claramente irritada com a situação.
Suspirou.
— Isso não pode ser coincidência.
, satisfeito, se apressou ainda invisível, desta vez flutuando, mas se divertindo com a situação.
Se inclinou para sussurrar como se ela pudesse mesmo ouvi-lo.
— Coincidência? Bellissima, você não faz ideia do que sou capaz.
Sua voz era provocativa, em um tom brincalhão que adorava usar. já tinha as bochechas rosadas pelo estresse e irritação. A chuva, antes leve, começava a engrossar, a deixando ainda mais frustrada.
À sua frente, um casal de idosos atravessava a rua. O senhor segurava uma rosa atrás de suas costas como se a qualquer momento fosse entregá-la.
— Preciso confessar que mereço um prêmio por essa — comentou. — Amor maduro, carinho sutil e uma rosa. Não é o máximo?
A mulher desviou o olhar rapidamente como se aquilo não pudesse afetá-la. Mas pôde ver, bem de relance, a emoção em seus olhos.
Um brilho que tentava esconder a todo custo.
— Isso não pode ser real. Devo estar no hotel, já no meu terceiro sono e tendo um pesadelo daqueles.
riu mais uma vez, achando graça com seus pensamentos.
— Que maldade com o meu trabalho — retrucou, ainda com uma risadinha fraca. Deixou seus olhos pousarem no rosto de . — Vamos lá, . Posso ter exagerado um pouquinho, mas precisa reconhecer que tem uma beleza em tudo isso.
A mulher apertou o passo.
sabia que por trás da expressão irritada e dos passos rápidos, havia algo mais.
não estava apenas tentando escapar das cenas ao seu redor; parecia estar fugindo de si mesma, dos próprios sentimentos que, de alguma forma, começavam a vir à tona só de olhar as cenas de filmes ao seu redor.
— Por que continua lutando? — sussurrou outra vez, com o corpo mais próximo à ela. — Por que não pode, só por um momento, acreditar que o amor pode ser bom? Que ele pode ser real, para você também?
respirou aliviada assim que avistou o hotel há poucos metros de si.
Parou por um momento em frente ao lugar. Seus olhos percorriam as janelas iluminadas.
observou sua feição, cansada e tristonha. Quase como se sua própria expressão respondesse sua pergunta.
— Porque o amor é complicado, — respondeu a si mesmo, falando com o coração de . — E ela já se machucou antes.
piscou, encarando a porta do hotel à sua frente. Havia algo em seu peito que ela não conseguia ignorar.
Algo que o cupido já havia percebido há muito tempo.
— Cenas românticas? Chuva? Amor? Pff, devo realmente estar ficando maluca.
Murmurou, adentrando o saguão antes de seguir até seu quarto.
continuou parado ali, a observando se afastar enquanto os sentimentos confusos de ainda permaneciam presentes e vívidos no cupido.
Então, sorriu satisfeito, sabendo que seu trabalho começaria a surtir efeito logo, logo.
— Ah, se você soubesse, ... — iniciou, sua voz agora mais séria, mesmo que ainda com um sorriso esperto no canto dos lábios. — Estou aqui por um motivo e não vou desistir. O amor vai encontrar um caminho até você. Mesmo que tente fugir dele.