Independente do Cosmos🪐
Última Atualização: 12/03/2025. Era sempre sobre ele. E aquilo a irritava profundamente.
Quando abriu a porta do dormitório, encontrou sua prima, Sally, já largada em sua cama com livros espalhados por todo canto e o ar relaxado de quem não precisava se preocupar com qualquer coisa.
Sally a olhou, arqueando uma das sobrancelhas.
— Que cara é essa? Já sei — fez uma pausa dramática. rolou os olhos, já sabendo que estava por vir. — outra vez, é?
largou a bolsa no chão com mais força do que o necessário, junto com os demais livros e se jogou na cadeira próxima à escrivaninha.
Era loucura se sentir daquele jeito por alguém que sequer trocava alguma palavra com ela.
— Ele nem sabe que existo. Não sei mais o que fazer, Sally — soltou, em um muxoxo. A prima continuava olhando. — Eu poderia atravessar o campus pegando fogo e ele não ia estar nem aí.
Sally quase deixou uma risadinha escapar com a feição amargurada de . Achava engraçado como ela morria de amores por .
— Já pensou em, sei lá… Parar de se preocupar com isso?
Sugeriu. No fundo sua voz tinha um quê provocativo.
riu, sem qualquer resquício de humor.
— É sério? Você sabe que não é tão fácil assim. Gosto dele, droga! E o fato de ele sequer me notar me deixa… Não sei, pequena? — passou as mãos pelo rosto, confusa com os próprios pensamentos.
— Pequena? — Sally arqueou a sobrancelha, outra vez. Se levantou da cama e caminhou até a prima, apoiando o corpo na mesa ao lado. — , você é uma bruxa! Pequena?! Só pode estar brincando… Se tem uma coisa que você não é mesmo, é pequena.
— Isso não ajuda! — bufou, revirando os olhos. — E o que você quer que eu faça? Saia jogando feitiços por aí só porque me sinto mal? Não é assim que funciona — cruzou os braços, apontando o nariz para o lado oposto de Sally. Até sentir o olhar dela queimando sobre si. E conhecia muito bem aquele olhar. — E se der errado? E se eu acabar mexendo com algo maior do que posso controlar?
— Ou talvez você consiga o que quer — disse, simples. Como se não fosse nada demais. franziu o cenho. Do que raios ela estava falando? — Um feitiço de amor, . Dã. Tenho certeza que já pensou nisso.
A mais nova apertou os lábios, nervosa só de pensar na ideia de mexer com feitiçaria outra vez. Faziam anos desde que se juntou com sua família para fazer algo do tipo, mesmo que a última vez ainda estivesse fresca em sua mente. Se lembrava perfeitamente do cômodo amplo e antigo da casa de suas tias, das velas acesas e espalhadas e dos sussurros das gerações de bruxas que vinham antes dela e Sally.
E claro que já havia pensado em fazer aquilo mais uma vez, só que nunca teve coragem de admitir.
Não para Sally, não em voz alta. A situação também não parecia ajudar muito em sua decisão.
— Já pensei, sim.
— E?
Sua prima cruzou os braços, como se achasse um absurdo ter que pensar muito sobre o assunto.
— Talvez possa funcionar. Não sei, talvez… me notaria — sentiu a garganta se fechar, quase em um nó. — Mas… Isso é loucura, Sally. Ele vai acabar gostando de mim só pelo feitiço e eu não quero forçar nada.
Sally ficou em silêncio por alguns segundos, observando a prima como se tentasse de alguma forma ler seus pensamentos. E entrar em sua mente.
— Ah, … Você tem poder. Poder de verdade. Só que com grandes poderes, vem grandes responsab—
— Você tá zoando que vai me falar uma frase de Homem Aranha?
— Vai mesmo me interromper, chata? — rolou os olhos. — Posso continuar?
balançou a cabeça, assentindo após.
— Quero dizer que isso não é um feitiço à toa. Você também não pode lançar um encantamento e esperar que tudo se resolva em um passe de mágica. Literalmente.
— Sei disso — rebateu, irritada. Mas, no fundo, sabia que Sally tinha razão. — Se eu continuar assim, vou pirar! E ele já me deixa louca só de existir.
A prima sorriu de canto, compreensiva, mas sem perder o ar de superioridade.
— Acho que você só precisa de um empurrãozinho. E não precisa ser nada pesado. Só o suficiente pra ele te notar, pra ver que você sempre esteve ali.
Ela deu de ombros, ainda apoiada à mesa.
não respondeu de imediato e ficou alguns segundos observando a expressão de Sally. Ela parecia extremamente confiante, como se aquilo não fosse problema algum.
E invejava toda a calma e confiança da prima.
— E se der errado?
Sally riu fraquinho.
— É só um feitiço, . Se der errado, a gente resolve. Mas, e se der certo, hein? Você vai ter pro resto da sua vida!
ficou um pouco pensativa. A ideia de usar a magia que a garota tinha era tentadora demais, e seria uma solução e tanto para a questão que estava tirando sua paz.
Só que, algo dentro de si ainda a segurava, como um alerta enjoado bem no fundo de sua mente.
— Tudo bem, então. Vamos fazer isso.
estava sentada no chão do quarto com suas pernas cruzadas enquanto tinha alguns frascos e potes espalhados ao seu redor. A luz fraca do abajur jogava sombras sobre as paredes, enquanto o quarto era preenchido por um silêncio confortável.
Do seu lado, Sally mexia em um punhado de ervas e sua expressão era tranquila, como se soubesse exatamente o que estava fazendo. E conseguia notar que os olhos da prima brilhavam diferente, como se aquilo a libertasse.
As duas sabiam o que estavam prestes a fazer. Só que sentia uma pontinha de nervosismo e curiosidade dentro de si.
— Tá pronta?
Sally perguntou, ainda inexpressiva. Seus olhos estavam focados no pequeno caldeirão à sua frente.
engoliu em seco, sentindo o coração acelerar. Aquela era uma escolha definitiva, algo que não poderia ser desfeito tão facilmente.
Observou as ervas verdes e a mistura colorida que começava a borbulhar levemente, um sinal de que as coisas estavam começando a tomar forma.
— Não sei… — iniciou, um pouco hesitante. — O que pode acontecer? E se isso sair errado e ele acabar me odiando? E se…
A frase pairou no ar, enquanto milhares de questionamento pairavam na mente de .
— , não é um feitiço que vai transformá-lo em alguém que ele não é. É só uma ajudinha pra ele ver o que já existe. Você se sente atraída por ele e ele pode se sentir atraído por você também. Não é nada demais.
A prima sorriu e seu tom otimista era quase contagiante.
E contagiante era o contrário de Sally Owen.
sabia que a prima possuía um jeito de encarar a vida que a fazia parecer leve, como se a gravidade não a afetasse. Era a típica bruxa alegre, sempre pronta para brincar com magia e explorar as possibilidades.
Ao contrário dela, que frequentemente se sentia presa em suas próprias inseguranças.
— Olha, só o fato de você estar aqui considerando a ideia, já é um grande passo — Sally continuou, colocando um pouco mais das ervas no recipiente. — O que você tá fazendo não é nada ruim. É amor! Só isso.
deixou um sorrisinho escapar, quase se esquecendo das coisas que lhe afligiam.
Talvez fosse exatamente isso o que precisava. Dar um primeiro passo.
— Vamos lá então — sentiu uma faísca queimar dentro do peito. — O que preciso fazer?
Sally sorriu, quase travessa.
— Primeiro vamos terminar de preparar a poção. Coloque um pouco das pétalas de rosa e o mel — apontou para os dois vidrinhos próximos à . Ela o pegou, deixando cair um pouco no caldeirão. — Isso. Agora, você vai precisar recitar algumas palavras do feitiço — ligou o display no celular, acendendo o bloco de notas com algumas frases escritas. Antes de passar para a prima, Sally ergueu o olhar. Parecia mais séria que o normal. — Não esqueça que o que você sente por ele precisa ser sincero. A intenção é tudo.
Com isso, Sally abaixou o olhar outra vez, desta misturando os ingredientes meticulosamente.
fez o mesmo, a ajudando. Só então sua atenção foi atraída para outra coisa.
A mistura no caldeirão começou a ficar mais espessa, iluminada e o aroma doce começou a preencher o quarto, o envolvendo em um ambiente quase mágico.
Era como se a própria essência do amor estivesse se materializando ali, diante delas.
— Agora, sussurre as palavras. Vamos fazer esse amor acontecer — Sally incentivou, vibrando com o que acontecia.
respirou fundo, fechando os olhos brevemente.
Não teria mais volta.
— Desperta o desejo que está oculto, traz à tona o que o coração esconde. Que ele veja o que nunca viu, que ele sinta o que nunca sentiu… — a garota murmurava, quase em um sussurro. franziu o cenho, ainda recitando, mas algo parecia diferente agora. Era quase como se o desejo começasse a pulsar por suas veias.
O caldeirão começou a brilhar e borbulhar com fervor em um rosa profundo iluminando o quarto inteiro.
sentiu um frio na barriga. Parecia que a energia dançava pelo quarto.
— Quase lá… Só tem que adicionar o último ingrediente; a gota de essência do amor — Sally disse, baixinho para não quebrar a concentração da prima. Ela a observava atentamente.
hesitou por um instante. Aquela era a parte final, que definia tudo o que iria acontecer a partir do momento que ingerisse a poção.
Suspirou e com um movimento decisivo, virou o vidrinho com o líquido quase transparente. Assim que a gota caiu, o caldeirão estremeceu, deixando explícito que o feitiço funcionava.
— Tá feito, priminha — Sally disse, olhando a poção com admiração. — É só fazer com que beba isso até amanhã à meia-noite. Já pensou em como vai fazer?
mordeu o lábio, sentindo o coração acelerar dentro do peito. O que parecia ser um desafio divertido agora se tornava uma missão que poderia mudar o rumo de sua vida amorosa.
E a pressão de garantir que tudo saísse certo a deixava extremamente ansiosa.
— Bom, tem a festa de Halloween da universidade. Pensei em colocar na bebida dele por acidente…
Sally olhou para , com uma expressão engraçada no rosto. Segundos depois, desatou a rir.
— Por acidente? Você é louquinha, sabia?
— Ei! Foi você quem deu a ideia, Sally!
Retrucou, tentando esconder o embaraço que corava suas bochechas.
A verdade era que a ideia a aterrorizava e animava ao mesmo tempo.
— Claro, mas não sei se por acidente é a melhor estratégia. Não pode deixar isso à sua sorte — a prima cruzou os braços e balançou a cabeça, como se estivesse avaliando a situação. — Se fizer isso, pode acabar parecendo uma desesperada.
— Ok, gênio. E o que você sugere?
rolou os olhos. A última coisa que queria era dar a impressão de que estava se aproveitando de .
— Simples. É só se oferecer pra distribuir algumas bebidas. Você coloca no copo dele e tá feito. É só garantir que ele vá beber.
Ela sorriu, confiante.
considerou a ideia da prima. A festa seria a ocasião perfeita e a ideia não era lá tão ruim.
— E se ele não aceitar a bebida? — fez uma careta.
— Aí você se vira. Faz um charme, inventa alguma coisa — Sally deu um tapa no ombro de , que resmungou após. — Vai conseguir!
O coração de acelerou ao imaginar a cena. Se viu em meio aos convidados, com uma bandeja de bebidas na mão e ao seu lado, rindo e se divertindo. Com os olhos escuros brilhantes, os cabelos negros bagunçados como costumava estar…
A visão era tentadora, não podia negar.
— Ok. Vou tentar. No ruim você me salva de algum jeito.
Sally arqueou uma das sobrancelhas para a prima.
— Ótimo. Se for pra te salvar, vou ter que inventar algo melhor do que um feitiço do amor.
balançou a cabeça, rindo fraquinho das caras e bocas que Sally fazia. Sabia que a estava contrariando.
— Qual é, Sally. Eu tô levando isso à sério, sabia? E se essa brincadeira toda der errado? O que eu faço?
A prima rodopiou pelo quarto, guardando os fracos e parou na frente de , com os olhos semicerrados.
— Se der errado, você só vai ter que se reinventar como uma nova bruxa sem sorte no amor — piscou, exagerada. rolou os olhos. — Olha pelo lado bom, vai ter história pra contar. Imagina! E foi assim que eu tentei fazer se apaixonar por mim com uma poção de amor e acabei atraindo um gato no lugar…
franziu o cenho e desatou a gargalhar ao ouvir a prima a imitando, enquanto gesticulava de um lado para o outro.
Sally sempre conseguia quebrar o gelo de alguma forma.
— Há-há. Engraçadinha. Mas, eu tô falando sério, tem que prometer que vai ficar de olho durante a festa. Vou precisar do seu apoio.
Sally parou de uma vez, deixando o olhar cair sobre . Mesmo com todas as brincadeirinhas e implicâncias, ela não pensaria duas vezes em estar lá pela prima.
— Tudo bem! — levantou as mãos em rendição. — Só se me prometer que, se acabar atraindo um gato de verdade ao invés de , vai ter que me deixar trazer ele pra casa!
— Sally!
Só que, ainda assim, seu peso parecia muito maior do que o frasco suportava.
Do seu lado, Sally vestia uma fantasia para a festa e mantinha uma tranquilidade irritante no ponto de vista de . Como se o que fossem fazer não fosse nada demais.
— Você tá nervosa, — comentou, sem olhar para a prima, como se tivesse lendo seus pensamentos com a mesma facilidade que lia um grimório.
— Eu tô?
A prima levantou o olhar, encarando por alguns segundos e arqueou a sobrancelha.
— Tá óbvio demais. Se continuar assim, vai acabar entregando o jogo antes mesmo de começar. Relaxa, priminha. A poção vai funcionar.
As palavras de Sally, apesar de todo o apoio e otimismo, só intensificaram o nó no estômago que sentiu. Sabia que estava se metendo em algo extremamente delicado. Feitiços de amor nunca foram tão simples assim. Tinham tantas variáveis, tantos e se rondando sua mente. E se não reagisse como ela esperava? E se ele descobrisse? E se, no fundo, estivesse fazendo tudo errado?
— Você faz tudo parecer simples demais, Sal — a mais nova murmurou.
Sally revirou os olhos, sorrindo de canto.
— Olha só, , só porque você tá nesse drama todo, não significa que o resto do mundo também tá — se aproximou, encostando a mão no braço de . — Precisa relaxar. A vida é exatamente sobre aproveitar e deixar as coisas acontecerem.
— Fácil falar, você é super despreocupada.
soltou uma risadinha nervosa.
— Isso não é só mais uma festa. É Halloween, baby! Todo mundo tá esperando algo divertido e você tá prestes a fazer algo que pode mudar sua vida amorosa. Olha como é épico!
A prima gesticulou com as mãos, quase como se estivesse contando uma história e a situação começava a deixar um pouquinho mais animada.
— E, falando em épico — Sally disse, mudando de assunto com um sorriso travesso. — Isso é absolutamente ridículo! Olha só pra você! Uma bruxa sexy e eu… Uma abóbora? Que raios é isso, ?
riu. Mais da expressão incrédula de Sally do que da própria fantasia que ela vestia.
— Ei! A abóbora é um clássico! — defendeu, com uma mão na cintura. — E você tá arrasando! Se tem uma coisa que todo mundo ama no Halloween, são as abóboras.
A prima fez uma careta, colocando uma das mãos no coração.
— Clássico? Parece até que saí de um filme de terror antigo, mas… Posso não ser a mais sexy da festa, pelo menos sou a mais… Nutritiva?
arregalou os olhos, gargalhando junto de Sally. Sua prima adorava falar besteiras para quebrar o clima tenso.
— Ok, abóbora. Vamos antes que eu perca minha chance.
O centro de eventos da universidade de Nova York estava imerso em uma música estrondosa, além das luzes neon iluminando todo o espaço decorado com teias de aranha falsas, abóboras sorridentes, apesar de assustadoras e faixas pretas e laranjas por toda parte.
conseguia ouvir as risadas, conversas animadas e a mistura de vozes que se misturava com a música que tocava ali.
Agora, estava parada perto da entrada do lugar, ainda segurando a garrafinha camuflada entre seus dedos enquanto os olhos escaneavam o salão inteirinho atrás de .
Quando parou em um ponto específico, a garota sentiu o coração derreter dentro do peito.
estava perto de seu grupo de amigos, rindo despreocupado. Seus cabelos negros estavam bagunçados, como ele gostava de usar e a fantasia de vampiro havia lhe caído extremamente bem.
Um completo pedaço de mau caminho.
Ele parecia confortável, diferente de que sentia o estômago revirar a cada segundo que se passava. A poção, guardada na garrafinha, ainda estava presa em suas mãos.
— Relaxa, . Só entrega a bebida como se não fosse nada. Se lembre que você é uma bruxa sexy e confiante — virou o rosto, como se fosse questionar qualquer outra coisa e Sally respirou fundo. e os “e se” dela. — Nem começa. E é melhor ir agora, porque se continuar enrolando, vai acabar desistindo. Vai por mim.
— Argh… Tá. Mas fica de olho. E não sai daqui!
deu um passo hesitante em direção às pessoas que dançavam e o som da música parecia aumentar iguais as batidas de seu coração.
— Não vou sair daqui, . Não vai dar pra perder nada, né? Eu tô vestida de abóbora gigante, caramba!
quase engasgou uma risadinha ao ouvir a reclamação de Sally. Seu nervosismo se misturava com a ansiedade que sentia.
E talvez fosse melhor daquele jeito mesmo, tentando levar a coisa de um jeito leve, sem pensar muito, mesmo que no fundo quisesse muito pensar um pouquinho mais se deveria continuar com a ideia maluca de conquistar com um feitiço ou não.
Respirou fundo, passando entre os alunos no salão e seus olhos estavam focados em não perder de vista. O rapaz tinha o corpo apoiado em um bar improvisado, o sorriso fácil nos lábios enquanto conversava com um amigo. E a cena até a fez achar que seria fácil demais fazer o que queria.
Mais alguns passos e finalmente estaria perto o suficiente de . O barulho da música abafava o som de sua respiração entrecortada e só esperava o momento certo.
Agora, ela só precisava…
— Olha só quem resolveu aparecer.
Uma voz conhecida e incrivelmente irritante interrompeu qualquer linha de raciocínio na mente de . , com um sorrisinho arrogante e os fios escuros balançando em frente à seus olhos, a observava. Seu brilho no olhar era de puro sarcasmo e diversão.
Ela se virou, já rolando os olhos. Qualquer fio de esperança e animação que tinha dentro de si, desapareceu assim que se aproximou.
Sua expressão era a mesma de sempre. Pronto para provocá-la como se fosse seu passatempo favorito.
— Veio de bruxa? Cadê sua fantasia, ?
suspirou, se sentindo ainda mais irritada a cada palavra que ouvia do garoto. Ele nunca perdia uma oportunidade de fazer comentários ridículos, como se sua vida girasse em torno de perturbá-la.
E nada mais.
— E você veio de idiota? Ou isso é natural? — retrucou. não estava com a menor paciência, sem contar que as horas estavam praticamente contadas para que bebesse a poção.
O sorriso de se alargou ainda mais, claramente satisfeito com a resposta da garota.
— Ah, você me feriu, — disse, colocando a mão no peito como se estivesse prestes a desmaiar. — Não sabia que tinha tanto talento pra ofender.
Ela rolou os olhos, seu coração quase explodindo em ódio. conseguia irritá-la profundamente.
— Não é talento, é prática — comentou, cruzando os braços enquanto o encarava. — Você me dá muitas oportunidades.
Sally observava tudo de longe até então. Rolou os olhos e resolveu se aproximar sabendo que perderia a paciência em um piscar de olhos.
Se aproximou rapidamente, empurrando algumas pessoas.
— E aí, . Tá carente de atenção? — a prima perguntou, no mesmo tom sarcástico de sempre. pressionou os lábios, contendo a risadinha pela expressão no rosto do garoto.
virou o olhar preguiçosamente para Sally, aquele sorrisinho irritante nos lábios.
— Não começa, Sally. Ninguém te chamou aqui.
— E você acha que eu me importo? Só vai embora de uma vez, garoto. Tá na cara que você só veio aqui pra provocar. Ninguém quer sua energia negativa por perto, tá? Chô, se manda. observou a prima espantá-lo, como um cachorrinho e cruzou os braços, com todo aquele ar de superioridade. E era até engraçado, já que ela era consideravelmente mais baixa que o rapaz à sua frente.
— Tudo bem. Vocês venceram. Mas, só vou embora depois de — respirou fundo, em uma pausa dramática. franziu o cenho tentando entender o que acontecia. — Pegar isso aqui!
Em um movimento rápido e imprevisível, se aproximou de , puxando a garrafinha da poção que ela segurava com tamanha avidez.
arregalou os olhos, quase sentindo o coração parar.
— Ei! — exclamou, sem conseguir disfarçar o susto. Tentou recuperar a garrafa, mas a estendia no ar, olhando para o líquido cintilante dentro dela como se fosse um troféu.
— O que é isso? — perguntou.
Ele tinha um sorriso travesso nos lábios.
Sally olhou para a feição quase pálida da prima e se aproximou do garoto, tentando reverter a situação.
— Nada com que você tenha que se preocupar. Devolve.
— Agora sim pareceu interessante demais pro meu gosto…
Sally franziu o cenho, inteiramente preocupada. estragaria tudo se fizesse o que ela estava pensando.
— , tô falando sério. Devolve isso.
— Só um golinho, abóbora. Esses drinks estão ficando cada vez mais criativos, sabia?
Ele balançou a garrafa no ar, rindo, completamente alheio à tensão no rosto das primas.
deu um passo à frente, visivelmente nervosa com a situação. Se pegou dividida entre avançar em para pegar o frasco ou estapeá-lo até o garoto dizer chega.
E, antes que pudesse decidir, ele levou a garrafinha à boca e, em um gole exagerado, tomou o líquido de vez.
O mundo pareceu parar por um segundo enquanto as duas assistiam, horrorizadas.
— NÃO! — gritou, sentindo o pânico tomar conta. Ela avançou, mas já era tarde demais.
fez uma careta, olhando para a garrafa como se fosse uma bebida azeda.
— Argh! O que é que tinha aqui dentro? — limpou a boca com as costas da mão. — Que negócio ruim.
— Você é — Sally se aproximou, começando a estapeá-lo. — Um completo — bateu em sua cabeça, enquanto tentava afastá-la. — Imbecil!
— Ei! Ficou maluca?! Esse drama todo por conta de uma bebida da festa?
até então ainda estava paralisada, repassando tudo o que havia acontecido em sua mente.
além de ter um inteiro idiota, tinha acabado com suas chances com .
Idiota! Mil vezes idiota!
— Você não devia ter feito isso, … — murmurou, em um resmungo sofrido. Seu coração batia descompassado, quase escapando do peito.
Ainda sem entender a gravidade da situação, ele deu de ombros, rindo como se fosse tudo uma grande piada.
notou os olhos do rapaz com um brilho diferente sob as luzes coloridas da festa, inteiramente alheio ao caos que havia se metido.
— Que exagero. Preciso de outra bebida…
Resmungou, passando uma das mãos pelos cabelos lisos e negros, antes de se afastar, sendo engolido pela multidão de universitários que estavam ali.
tentou dar um passo à frente, sentindo sua mente embolar em um milhão de pensamentos, mas suas pernas pareciam presas ao chão, como se ao menos tivesse forças para fazer alguma coisa.
Sentiu o olhar de Sally queimando sobre si, talvez em preocupação ou até mesmo em uma pontinha de desespero pelo que acontecia.
De relance, observou de um lado do centro de eventos, bebendo como costumava fazer e do outro, curtindo a festa como se não houvesse amanhã.
respirou fundo.
O que quer que estivesse prestes a acontecer, não tinha mais volta.
Sally puxou para um canto menos movimentado, observando nitidamente o quanto sua prima estava paralisada, totalmente em choque com o que havia acontecido há poucos segundos.
— , respira — sussurrou, tentando manter a calma, apesar de sua própria voz sair meio falha pela tensão que sentia. — A gente vai dar um jeito nisso, mas você precisa manter a cabeça no lugar.
tinha seus olhos arregalados, sem conseguir focar em nada específico. Sua mente era um borrão e o som abafado da festa ao fundo fazia parecer que tudo estava distante, como se não fizesse mais parte da realidade. Mal ouvia Sally.
Tudo o que conseguia pensar era no brilho estranho nos olhos de .
— Não tem como consertar isso! — sussurrou, a voz vacilante. Quase deixando seu desespero vir à tona. — O feitiço... Ele não... A gente nunca testou isso! Não tem como desfazer assim, simplesmente! O que eu vou fazer, Sally?!
A prima mordeu o lábio inferior, claramente preocupada. Sabia que tinha razão. O feitiço era conhecido por ser traiçoeiro, difícil de controlar e ainda mais difícil de reverter. Elas tinham se arriscado demais.
— Tá, eu sei. Mas... Talvez exista alguma forma de... Desacelerar os efeitos? — sugeriu, desesperada, puxando os cabelos para trás enquanto tentava pensar em alguma solução. — Vou procurar nos livros das tias. Deve ter algo sobre isso.
Antes que pudesse continuar, a voz de ecoou mais uma vez, fazendo o estômago de afundar.
— Ei, — a chamou, com o mesmo sorriso largo de sempre. A diferença é que agora não tinha o desdém das outras vezes, e sim o olhar inteiramente encantado sobre ela. Não parecia mesmo o que ela conhecia. — Por que tá se escondendo de mim?
Se aproximou, os olhos brilhando de um jeito intenso e perturbador, como se ela fosse a única pessoa no mundo.
deu um passo para trás instintivamente, sentindo o desespero crescer dentro de si.
— , por favor…
— Espera, eu… Só queria dizer algo — ele respirou fundo, desviando o olhar rapidamente. podia jurar ter visto suas bochechas enrubescer. — Não sei porque demorei tanto pra perceber como você é…
— Ei. Já chega! Tá bom? Vai curtir a festa, .
Sally interviu, notando a expressão aflita e abalada de sua prima.
sequer havia desviado seu olhar para Sally. Era exatamente como se só existisse em seu mundo.
— , eu nunca senti isso antes… Deixa eu te confessar uma coisa — sua voz saiu baixa, quase como uma confissão sussurrada, e sentiu seu coração acelerar, não de forma romântica, mas de puro pavor. — Posso tentar te fazer feliz, ?
Sally quase engasgou ao ouvir a frase saindo da boca do garoto.
sentiu o chão desaparecer sob seus pés. As palavras de , que em outro momento teriam sido doces, agora soavam como uma sentença. Cada segundo que ele passava olhando para ela com aquele brilho intenso nos olhos só fazia o pavor crescer dentro da garota.
Não era amor verdadeiro, e ela sabia disso.
Era a poção. Um erro.
— , isso não é você!
— Claro que sou eu! — rebateu, com a expressão óbvia. — É como se eu tivesse te visto pela primeira vez de verdade hoje, . Me deixa tentar. Me deixa te fazer feliz.
Os olhos da mais velha se arregalaram. iria enlouquecê-las.
— Isso não tá certo. Você não quer isso de verdade. E a … — ela parou, olhando para a prima com os olhos implorando por uma saída. — Ela não quer isso também.
mal conseguia respirar. Sentia o olhar de queimando sua pele, esperando por uma resposta que jamais poderia dar. O som abafado da festa ao redor parecia um eco distante, enquanto sua mente se afundava no pânico.
— , por favor... Você precisa parar.
Mas ele não parava. Nem mesmo podia.
Estava cego pelo feitiço e cada palavra que saía de sua boca apenas tornava a situação ainda mais insuportável.
— , só me dá uma chance. Sei que posso...
tentou pegar sua mão, mas antes que pudesse tocá-la, deu um passo para trás, o movimento rápido e quase desesperado.
— Não!
Suas palavras saíram antes que pudesse controlá-las, a voz mais alta do que pretendia. O silêncio que se seguiu foi pesado, e por um segundo, algumas pessoas à volta olharam na direção deles.
Ele piscou, como se tentasse entender o que estava acontecendo. A confusão nublou seu olhar brevemente e deu um passo para trás, claramente abalado pela reação de .
E, aproveitando a confusão no olhar do rapaz, aproveitou a brecha.
— A gente precisa sair daqui, Sally — sussurrou, seus olhos fixos no chão, evitando o olhar de . — Agora.
Sally não pensou duas vezes em segurar no braço da prima, a puxando para longe da festa.
não olhou para trás. Não podia.
Droga de poção do amor.
Seu coração batia apertado e descompassado, deixando ainda mais claro que aquilo era só o começo do seu pesadelo.
estava em todos os lugares, como sua bendita sombra. Não importava onde fosse, ele sempre surgia, com aquele sorriso bobo no rosto e o brilho intenso nos olhos que só fazia o pavor de crescer.
Ela fechou os olhos por alguns segundos. Estava tentando se concentrar em um livro de feitiços antigos, os olhos observando freneticamente as páginas em busca de qualquer referência que pudesse dar uma saída, uma solução.
A poção do amor não era qualquer feitiço. Era complexo, perigoso e até agora, nada nas páginas que consultava oferecia uma resposta clara. O medo apertava seu peito e seus dedos estavam rígidos de tanto folhear livros.
Sally também fazia o mesmo, no dormitório delas. Tentava entrar em contato com a tia Medéia e Isobel, mas até o momento não havia tido nenhuma luz para o caos que haviam criado.
até tentou pensar positivo brevemente. Aquilo não poderia piorar, certo?
Errado!
Sentiu um olhar queimando sobre si e ao virar o rosto para o lado, observou entre as estantes, os olhos focados diretamente nela como se fosse o centro do seu universo.
Deixou um sorriso sereno escapar dos lábios e se aproximou em passos calmos, com uma flor em mãos — uma rosa branca, cuidadosamente envolvida em um pedaço de papel que ele parecia ter escrito à mão.
quis abrir um buraco no chão e entrar nele.
— Oi, — sussurrou, a poucos metros de distância. — Trouxe isso pra você. Achei que ia gostar.
Ela fechou o livro com um estalo alto, sentindo a frustração crescendo dentro de si. Não queria ver , não queria suas flores, não queria suas palavras doces que estavam impregnadas de algo que não era real.
Aquele garoto diante dela, com o coração nos olhos, não era . Era a poção.
E ela precisava fazê-lo entender isso.
— , por favor. Me deixa em paz! — tentou soar mais dura que o normal, querendo gritar a última frase, como se aquilo fizesse o garoto acordar de vez.
— Qual é, … — murmurou, a voz arrastada quase como se estivesse implorando pela atenção da garota. — Qual o problema em saber como me sinto, hein? Não dá pra simplesmente ignorar isso e, caramba, é só me escutar um pouco.
Ele se aproximou um pouco mais, sentando na mesma mesa, de frente para .
Colocou a rosa na mesa de madeira e aquilo captou o olhar de , que respirou fundo outra vez.
Ela sentia que surtaria a qualquer momento. Maldita hora para inventar a porcaria de uma porção do amor.
— Tô escutando. E tô dizendo que você precisa parar. Isso não é você, , eu já falei.
— Porque continua dizendo isso? — franziu o cenho, visivelmente confuso. — É tão ruim querer gostar de mim assim?
deixou os olhos caírem no rosto de , contrariado com a situação. Notou a íris mais brilhante que o normal, as bochechas levemente rosadas e a feição como se… Como se fosse chorar?
Engoliu em seco, sentindo algo remexer dentro de si. sentia o frio na boca do estômago e não sabia mesmo dizer o que sentia ao certo, se era desespero pelo que acontecia, desgosto pela situação ou…
Ou o que, ? — perguntou a si mesma.
— Ei. Olha só — iniciou, abaixando um pouco mais o tom de voz. continuava atento. — Eu sei que é complicado de entender, mas isso não é natural, sabe? Isso que você tá sentindo. Sei também que parece verdade, mas você acabou tomando uma coisa que não devia na festa e por mais que acredite que esses sentimentos são reais, eles não são — balançou a cabeça, frustrada consigo mesma por tudo o que acontecia. — Não é justo com nenhum de nós dois.
franziu o cenho outra vez e pôde perceber o brilho que antes cintilava em seus olhos, murchando lentamente. Talvez tivesse funcionado?
observou o garoto tocando a ponta dos dedos na rosa que havia depositado na mesa, como se estivesse pensando em tudo o que ela havia dito.
— Mas por que não pode ser real?
— Como pode ser real se você nunca me olhou desse jeito antes, ? E agora, do nada, tudo muda em um piscar de olhos? Da noite pro dia? Não acha estranho?
Ele piscou, confuso.
— Não sei. Realmente não sei porque agora, nem como isso começou, mas não parece estranho pra mim. Parece certo. Muito certo.
continuava a olhá-lo, vasculhando em sua mente o que mais poderia falar para fazê-lo desistir da idiotice que a porção o fazia sentir.
Quando a garota tentou argumentar mais uma vez, sorriu de canto, parecendo ainda mais encantado com qualquer coisa que fizesse.
— E eu sei o que sinto. Não dá pra explicar por que isso só surgiu agora, mas você precisa acreditar em mim, . Te vejo de um jeito que nunca vi antes. E não vou fingir que isso não significa nada.
— Você não tá entendendo! — disse, exasperada. Quase desesperada com suas palavras. — Céus…
Ela fechou os olhos brevemente, ainda sentindo o olhar de queimando sobre si. Sua paciência se esgotaria se tentasse convencê-lo do contrário outra vez.
ficou em silêncio por alguns segundos e não demorou para que levantasse de onde estava sentado, visivelmente decidido.
ergueu o olhar.
— Vou te provar que isso é real, .
— …
Murmurou.
E, sem dar mais chances de responder, se afastou, com os passos ecoando pela biblioteca.
Ela permaneceu ali, atônita, observando a porta se fechar assim que passou por ela. O pânico e a frustração borbulhavam dentro de si e sabia que tinha perdido o controle da situação. Ele estava perdidamente apaixonado, coberto pelo feitiço que ao menos sabia que existia.
precisava de uma solução para ontem.
Com um suspiro pesado, deixou a cabeça cair sobre o livro que pesquisava, sentindo o peso de tudo o que acontecia agora, caindo sobre ela.
— E agora..?
O sol irradiava boa parte do campus da universidade.
Mas mal reparava no céu azul ou no vento leve que balançava as árvores ao redor. Seu foco era outra coisa.
Sally estava sentada ao seu lado e ambas estavam cercadas por livros e anotações antigas, deixando evidente o contraste do ambiente tranquilo com o caos que acontecia em suas mentes.
segurava a página de um dos grimórios, mas as palavras pareciam se embaralhar na sua cabeça na medida que lia e relia, sem encontrar qualquer resposta.
— Nada! Não tem absolutamente nada aqui, Sally! — praguejou, jogando o livro de lado. Respirou fundo, deixando os ombros caírem em derrota. — Só diz como fazer uma poção e não como reverter.
A prima tinha as pernas cruzadas, com os olhos focados em outro manuscrito. Os óculos com um grau quase inexistente deslizavam pelo seu nariz.
— Tem que ter um jeito. Nenhum feitiço é irreversível. Palavras da tia Isobel — olhou para rapidamente. — Até mesmo os mais poderosos tem alguma brecha, alguma forma de quebrá-los…
A mais nova suspirou, apoiando as mãos na cabeça, exausta e cansada de toda a situação. Fazia dias que estavam nisso, tentando encontrar uma maneira de desfazer o feitiço que havia transformado em um admirador obsessivo e completamente apaixonado. Cada vez que o via, a situação parecia pior.
aparecia em todos os lugares em que ela ia — na biblioteca, na lanchonete, até nas aulas que frequentava. E agora, não bastava ele estar por perto, também fazia questão de fazer declarações públicas, dedicando músicas, recitando poesias improvisadas…
Tudo isso em meio aos olhares estranhos dos outros universitários.
— Ai, Sally. Ele não vai parar. Toda vez que tento explicar, parece que só deixa ele ainda mais decidido. Como se tivesse certeza que uma hora vou acreditar no que ele sente. E talvez até sentir o mesmo.
Fez uma careta.
Sally suspirou, guardando o manuscrito que segurava.
— Na verdade, andei pensando… — ficou brevemente pensativa. continuava a olhá-la. — E se a poção não criou esses sentimentos do nada? E se, na verdade, só reverteu o que já estava lá?
ergueu uma das sobrancelhas, confusa.
— Como assim? Não tinha nada lá, posso garantir. me odeia desde que me conheceu.
A prima rolou os olhos.
— Tô dizendo que a poção pode ter revertido todo o ódio profundo que sentia por você em… Amor.
deixou escapar uma risada incrédula, quase desesperada, como se a sugestão de Sally fosse absurda demais para ser verdade.
— Sally, isso é loucura. Amor? Sério? Como pode ter qualquer coisa além de desgosto dentro dele?
Deu de ombros, como se a ideia não fosse tão absurda assim.
Sally riu fraquinho.
— Pensa comigo, . sempre foi implicante, sempre fez questão de estar por perto pra te tirar do sério. Pode ser que o que ele sentia não fosse exatamente ódio. Talvez fosse só mal direcionado, sabe?
A mais nova resmungou, já sentindo o coração bater mais forte pela irritação que começava a sentir.
— Só pode estar brincando…
— Eu sei que parece loucura, tá? Mas o ponto é que, se existe algo verdadeiro nisso, talvez desfazer o feitiço não seja a solução mágica que você tá esperando. E, se esse for o caso, você vai ter que encarar o que realmente sente por ele também…
O estômago de embrulhou só de ouvir a frase de Sally.
Sentir algo por ? Nem em outra vida!
— Não sinto nada por ele, Sally. Pelo menos, nada além de frustração — disse, com firmeza. Desviou o olhar, respirando fundo. — Só quero que tudo volte ao normal. Sem poções, sem me perseguindo.
A prima arqueou a sobrancelha, observando com um olhar analítico, como se soubesse que existia alguma coisa por detrás de tudo aquilo.
— Ok, então! Vamos focar em consertar essa bagunça — disse, batendo as mãos nos livros. — O resto você descobre com o tempo. A gente vai dar um jeito, .
respirou fundo.
Desfazer o feitiço era a solução mais fácil e prática, além de ser a única coisa que a garota queria. Mas, de alguma forma, as palavras de sua prima ecoavam bem no fundo da sua mente, a deixando levemente desconfortável com a situação.
— Que ideia genial que tivemos, hein, Sally — colocou os dedos nas têmporas, fechando os olhos vagamente.
Sally deu um sorriso leve, ainda folheando as páginas do grimório que havia voltado a ler.
— Ah, sim, uma ideia brilhante. Vamos fazer uma poção do amor e acabar com a vida romântica da ! — respondeu com falsa empolgação e seus olhos brilhavam em diversão. — Pelo menos você tem um fã número um agora, né? Podia ser muito pior. Vai que ele começa a te seguir por aí cantando… sei lá, algum funk romântico?
abriu os olhos, encarando Sally mortalmente.
— Sally, juro por tudo que é mais sagrado que se você sugerir mais uma vez que isso pode piorar, eu…
A mais velha apenas riu, adorando se divertir com toda a provocação que fazia com .
— Só tô dizendo que podia ser divertido, não?
— Divertido? Você vai ver só!
Pegou o marcador de páginas que estava sobre o livro de magia e atirou na prima. Sally desviou com um grito exagerado, jogando o corpo para trás de propósito, o que fez explodir em uma gargalhada.
— Para! — disse entre risadas. — Você sabe que eu só tô tentando te animar.
continuou rindo, sentindo o corpo relaxar levemente. E, por um breve momento, era como se nada pudesse preocupá-la o suficiente.
— Ok. Você venceu por hoje. Mas sério, precisamos dar um jeito nisso logo antes que apareça com mais uma música ou, sei lá, alguma coisa que me faça surtar — brincou, enxugando o canto dos olhos e voltou a olhar para os livros.
Suspirou.
precisava se esforçar de todas as maneiras possíveis para desfazer o feitiço e colocar um ponto final em toda a loucura. E, se tivesse sorte, não deixaria nenhum sentimento verdadeiro ou maluco para trás. Já que a última coisa que queria era estar no meio de uma confusão amorosa com alguém como .
Algumas semanas haviam se passado.
andava de um lado para o outro pelo quarto, as mãos nervosamente apertando o livro de magia contra o peito. Seu coração estava acelerado e as palavras que tentava ensaiar se perdiam em sua mente.
A garota já havia tentado de tudo para quebrar o feitiço. Poções de reversão, encantamentos, até mesmo pedidos desesperados a qualquer força mágica que estivesse disposta a ouvi-la. Mas permanecia o mesmo. Ou melhor, não o mesmo… Parecia cada vez mais apaixonado.
não aguentava mais.
Sally, que estava sentada em sua cama, a observava vagarosamente, o mesmo olhar analítico de sempre, mas desta vez parecia mais preocupada que o normal.
— Tem certeza que quer fazer isso?
Perguntou, quebrando o silêncio.
parou de andar e suspirou alto.
— Não tem escolha, prima. Já tentei tudo e nada funcionou. Talvez se eu explicar o que aconteceu, ele… — pausou, tentando encontrar as palavras. — Ele pode entender. E quem sabe… — mordeu o lábio, visivelmente nervosa. — Quem sabe isso o faça parar de vez.
Observou Sally levantar, indo em sua direção. Colocou uma das mãos em seu ombro.
— Só se prepara. Ele vai ficar muito confuso. E mesmo que conte tudo, não vai ser fácil convencê-lo de que essa loucura toda é por conta da poção.
assentiu, sentindo o nó apertar em sua garganta.
Sabia que precisava confrontar alguma hora. E não podia continuar com essa maluquice toda em que ele aparecia em todos os lugares, dedicava músicas, poesias e fazia declarações, sempre com aquele brilho exagerado nos olhos que lhe dava até medo.
Sentia seu coração pesado. Parecia até que ia fazer uma prova extremamente difícil na universidade em que se sentia totalmente insegura.
saiu do quarto em direção à praça central do campus, onde havia marcado com no dia anterior.
E não demorou muito para avistar o garoto sentado em um dos bancos, com seus cabelos escuros sendo bagunçados pelo vento ameno que passava por ali. Quando se aproximou um pouquinho mais, notou que o mesmo segurava uma flor em mãos.
Sentiu seu estômago revirar logo após.
virou o rosto em sua direção e sorriu abertamente.
— ! — se levantou, se aproximando. — Espero que goste. Ainda não sei qual sua flor favorita.
O rapaz estendeu a planta para .
Ela olhou de sua mão para outra vez e respirou fundo, sentindo o corpo quase tremer em nervosismo.
— , a gente precisa conversar.
Ele franziu o cenho. Seu sorriso vacilou por um breve segundo, mas logo se recompôs.
— O que foi?
parecia levemente preocupado, o que só fez se sentir ainda pior.
Respirou fundo mais uma vez e se aproximou do banco, se sentando ali. fez o mesmo.
— Preciso te explicar uma coisa — entrelaçou os dedos. — Isso tudo que você tá sentindo, essas coisas que anda dizendo e fazendo… Elas não são reais, . São resultado de um feitiço. Um erro. Um acidente que eu e Sally cometemos na noite da festa de halloween — o olhou nos olhos, esperando qualquer sinal de compreensão. Mas ele apenas a olhava, ainda confuso.
— Um feitiço? — perguntou, retórico. Claramente sem entender. quase soltou uma risadinha desacreditada. — Tá dizendo que… Meus sentimentos por você não são verdadeiros?
— Exatamente — suspirou, tentando não deixar sua voz falhar. — Você tomou uma poção do amor, sem querer, quando pegou das minhas mãos. Eu e Sally estávamos tentando fazer algo diferente e deu tudo errado. O que você sente agora é por causa disso. Não é de verdade.
ficou em silêncio por um longo momento, olhando para o chão enquanto absorvia o que ela havia dito. sentia o ar ao redor mais pesado que o normal, como se o tempo estivesse desacelerando. E seu coração não deixava de bater acelerado, ansiosa para saber o fim de toda a desordem que sua vida se encontrava.
— Mas… Sinto que é real, — disse, quebrando o silêncio. Sua voz, apesar de amena, estava mais rouca que o normal. Ele levantou os olhos, a olhando. — Sinto tudo isso aqui, de verdade. Como pode ter certeza de que não é real?
apertou as mãos contra o livro que segurava.
— Porque não fazia sentido antes, . Você nem gostava de mim! Na verdade, você me odiava — comentou, tentando manter a voz estável. desviou os olhos do rapaz rapidamente. — E aí você aparece assim, logo depois da poção. Todo apaixonado, romântico e carinhoso comigo! Isso não faz o menor sentido.
Ele mordiscou os lábios. tinha o mesmo brilho de antes no olhar, a diferença é que agora, depois do que havia falado, parecia levemente confuso não só com a situação, mas com o que sentia também.
Balançou a cabeça, visivelmente lutando para entender o que acontecia.
— Não sei explicar… — começou. Parecia estar frustrado. — Não me lembro de ter te odiado. Bom, a gente não se dava bem e talvez eu tenha sido meio babaca algumas vezes, mas… Eu nunca realmente te odiei. Agora, o que sinto… — parou, buscando as palavras certas. — É forte, real demais.
soltou um suspiro pesado, passando a mão pela testa enquanto tentava manter o controle.
Parecia que ia surtar a qualquer momento.
— Não é real, . É só a poção.
— Como você pode ter tanta certeza, hein? — rebateu rapidamente. — Sei que você acha que tudo isso é por causa da poção, mas e se não for? E se for verdade?
sentiu um nó se formar em sua garganta.
O olhar dele não era mais o de alguém completamente sob o efeito de uma magia, mas o de alguém genuinamente tentando entender seus próprios sentimentos.
— Olha… Sei que isso parece real pra você. E eu entendo. Mas tem que acreditar em mim, . Eu cometi um erro e tudo isso que você está sentindo… É culpa minha.
desviou o olhar brevemente, parecendo reorganizar os pensamentos na sua cabeça.
Respirou fundo e voltou a olhá-la. Seus olhos tinham um brilho mais profundo do que antes.
— Não pode ser só isso. Tem que haver algo mais. Eu… Sinto uma coisa aqui dentro — tocou o peito com a palma da mão. — Não consigo parar de pensar em você. E quando eu vejo você, é como se tudo se encaixasse. Como isso pode ser só uma poção? Me diz, , como eu poderia fingir isso?
manteve os olhos fixos na garota e ela pôde sentir o desconforto crescer dentro do peito.
Era diferente daquela vez.
Tinha alguma coisa no jeito como ele a encarava, como se estivesse genuinamente tentando entender o que se passava dentro do seu coração. Por um momento, quase acreditou que talvez ele estivesse certo.
E se estivesse mesmo sentindo algo real?
— Não faz sentido… — murmurou, mais para si mesma do que para ele.
Sua cabeça latejava com todas as dúvidas e pensamentos rodopiando por ali. O que começou como um plano impulsivo e inofensivo estava tomando proporções maiores do que jamais imaginou.
— Então me deixa provar pra você, — disse, quase em um sussurro. Sua voz era macia, cuidadosa e quase sentiu o corpo arrepiar. — Me deixa te mostrar que o que sinto é real. Vou esperar o tempo que for preciso, mas não vou desistir.
levantou rapidamente, assim que terminou de ouvir o rapaz. Seus olhos estavam semi arregalados, o pânico começando a tomar conta e ela só tinha certeza que precisava sair dali o quanto antes. Precisava respirar, de preferência longe de .
— Não… — deu um passo para trás, balançando a cabeça com mais firmeza. — Não posso fazer isso. Não posso.
Ela a olhou confuso, quase desesperado.
— , espera.
Se levantou logo depois, tentando se aproximar, mas a garota recuou mais um passo, sentindo sua respiração acelerando.
— Preciso pensar. Isso é demais. Você é demais — apontou para o garoto, atropelando as próprias palavras. — Não posso lidar com isso agora.
Girou os calcanhares, sem mesmo esperar uma resposta e caminhou apressadamente para longe dali. Para o mais longe que pudesse alcançar.
Seu peito estava apertado, a garganta seca como se tivesse um nó. E a culpa começava a cair sobre ela.
Tinha colocado naquela situação e ela tinha certeza que ele não teria agido assim se não fosse a maldita poção.
Mas, e se no fundo, Sally estivesse certa? E se o que ele sentia não era completamente falso?
A possibilidade a assustava de um jeito que sequer conseguia explicar.
Por que a ideia de estar apaixonado de verdade a deixava tão desconfortável? Talvez porque, no fundo, nunca se permitiu cogitar a possibilidade? Sempre tinham sido opostos, mal se suportando. Ele implicava com ela e fazia questão de revidar.
Era assim que as coisas sempre funcionaram entre eles.
Agora tudo estava de cabeça para baixo. E quanto mais pensava sobre isso, mais confusa se sentia.
Sentiu uma lágrima solitária rolar por sua bochecha assim que atravessou o campus em direção ao dormitório e murmurou baixinho, se praguejando ainda mais.
— Maldito feitiço…
Desde o incidente, a garota evitava a qualquer custo esbarrar com pelos corredores ou em qualquer lugar que ele pudesse estar. E, todas as vezes que passava por , se sentia envergonhada só de lembrar da situação que havia provocado.
A verdade era que, estava tão focada no seu problema com que ao menos se lembrava do rapaz pelo qual era apaixonada. Ou achava que era.
sequer havia passado por sua mente nas últimas semanas.
— Aqui, olha isso! — Sally exclamou, batendo com a ponta dos dedos em um trecho que estava sublinhado em um dos livros. — Diz que o feitiço pode ser revertido com um ritual durante a lua cheia. Precisamos de alguns ingredientes específicos, mas parece que é a nossa melhor chance.
se inclinou sobre o livro, seus olhos percorrendo as palavras enquanto sua mente tentava processar a informação. A ideia de reverter o feitiço a deixava esperançosa.
As coisas finalmente pareciam estar começando a dar certo.
— Hmm… — murmurou, pensativa. — O que precisamos?
Sally começou a folhear as páginas rapidamente. Sua mente parecia estar a mil.
— São coisas simples, na verdade. Primeiro, pétalas de flores do campo. Dá pra encontrar na floricultura no centro da cidade. Depois, um pouco de sal marinho que provavelmente temos no dormitório. E… — parou de falar lentamente, hesitando ao ler as últimas linhas. — Uma lembrança de quem foi enfeitiçado.
fez uma careta.
— Isso significa que vou precisar de alguma coisa do , né?
— Exato! E não precisa ser algo muito especial. Pode ser alguma coisa pequena, apenas pra demonstrar a conexão de vocês. Você tem algo?
respirou fundo, mordiscando os lábios em uma tentativa de lembrar se tinha algo de com ela, e aquilo era praticamente impossível.
— Não sei… Não é como se eu tivesse alguma coisa dele guardada, né? — murmurou, levemente frustrada. Só de pensar em ter uma lembrança de a fazia revirar os olhos, mas não tinha como negar que era essencial para o ritual.
Sally desviou o olhar, pensativa.
—Você não disse que ele te deu uma flor na semana passada? Acho que pode funcionar. Ainda tá no quarto?
ergueu as sobrancelhas, como um estalo. Tinha se esquecido completamente da flor.
Tinha deixado de lado no criado-mudo, seca e até um pouco amassada, mas ainda intacta. E para ser sincera, não sabia exatamente o motivo de tê-la guardado ali.
Talvez, apesar de toda a situação bizarra, por ter sido a primeira vez que foi gentil assim com ela.
— Acho que ainda tá lá, sim. Não é nada demais, mas serve, certo?
— Pode apostar que sim! — a prima sorriu travessa. — Ele te deu de coração e isso é o que importa.
desviou o olhar, como se aquilo também fosse desviar o assunto. Mas percebeu quando suas bochechas começaram a queimar levemente ao lembrar da situação embaraçosa com o garoto no campus da universidade.
— Bom, então… Vamos?
Desconversou, organizando os papéis espalhados sobre a mesa e desviando os pensamentos do seu principal problema ali: .
Quando colocou tudo em sua bolsa, pronta para sair da biblioteca com Sally a seu lado, notou uma presença conhecida perto de si. Ao erguer a cabeça, passou pela entrada no lugar, lançando um olhar casual em sua direção.
sorriu automaticamente, andando até a saída.
— Ei, . Quanto tempo — disse, ajeitando a mochila no ombro.
Ela sentiu o coração palpitar levemente, achando graça em ter sido percebida depois de tanto tempo.
E, mais engraçado ainda era que, por meses, ela teria dado tudo para que a enxergasse, mas estranhamente, a empolgação que esperava sentir simplesmente… Não estava ali.
Pelo contrário, se sentia inquieta e, de certa forma, incomodada.
— Ahn… Oi, ! — respondeu, desviando o olhar levemente. — É, você sabe. Coisas da faculdade, né?
assentiu, mas seus olhos permaneceram sobre ela, mais atentos do que antes.
Sally, adorando estar ali como uma espectadora, observava a cena com tamanha curiosidade. Havia alguma coisa errada na forma com que estava se comportando justo na frente de .
— Sei bem. A gente mal tem tempo pra respirar — deixou uma risada escapar, dando de ombros após. — Mas se quiser, sei lá, tomar um café depois das últimas aulas, colocar o papo em dia… Acho que tem seu número no grupo dos alunos. Posso te chamar lá?
assentiu, como se somente seu corpo estivesse ali e a alma estava em um lugar longe.
Era estranho como, depois de tanto tempo esperando por esse tipo de convite, a ideia de sair com não parecia mais emocionante como antes.
Na verdade, se sentia… Neutra. Como se não fizesse tanto diferença assim.
— Claro, me chama lá.
Respondeu, forçando um sorriso. pareceu satisfeito e deu um último aceno antes de seguir para seu lugar na biblioteca, deixando um rastro de silêncio por alguns segundos.
Sally colocou uma das mãos na cintura, parando em frente à prima.
— Espera um pouco… — cruzou os braços, com o cenho franzido. — finalmente te chamou pra sair e você quase bocejou? O que tá rolando, ?
desviou o olhar, visivelmente perturbada pela própria atitude que nem mesmo esperava.
— Não sei, é como se… Como se eu não conseguisse sentir a mesma coisa que antes. Tudo o que achava que queria de repente não parece tão importante mais.
Sally abriu um sorriso que não pôde interpretar. Parecia saber exatamente o que aquilo significava.
— Tá. Então deixa eu ver se entendi. Depois de meses obcecada pelo Sr. Perfeito Aluno de Direito , você decide que não sente mais nada justo agora que ele te convidou pra sair? — balançou a cabeça, intrigada. — Será que esse feitiço afetou mais do que a gente pensou?
— Ah, não começa, Sally — retrucou, já começando a se irritar. Sua cabeça parecia dar um nó com tanta confusão. — Não tem nada a ver com o feitiço. Ou pelo menos acho que não. Quer dizer, sei lá. Desde que começou com… — hesitou, não querendo terminar a frase. — Desde que começou a agir daquele jeito, tudo parece bagunçado demais pra mim. Meus sentimentos, meus pensamentos. É como se simplesmente tivesse deixado de ser importante. Ou nunca tivesse sido, pra ser bem honesta.
A prima ergueu uma das sobrancelhas, andando ao lado de no corredor.
— Parece que as coisas ficaram bem interessantes entre você e .
bufou, saindo do prédio da universidade ao lado de Sally.
— é extremamente complicado. Tudo nele é confuso e mal sei se o que ele sente é de verdade ou por causa da poção. Nem sei o que eu mesma tô sentindo!
— Hm… Então porque não descobre? O feitiço despertou alguma coisa nele, mas talvez tenha despertado em você também.
Sally comentou como se não fosse nada demais. E quase arregalou os olhos com a probabilidade.
Aquilo era aterrorizante demais só de pensar.
A noite da lua cheia havia chegado.
O dormitório das primas Owen estava claro apenas pela luz do luar que adentrava pelas janelas enquanto as velas estavam acesas ao redor.
parecia mais concentrada do que nunca, arrumando os ingredientes pelo chão; as pétalas de flores, sal marinho e a flor que havia lhe dado e agora estava murcha. Seu coração batia descompassado, apesar de estar ansiosa para o que ia acontecer.
— Você tá bem? — Sally perguntou, observando a prima com atenção. ergueu o olhar. — Parece que tá em um filme de terror.
— É só muita pressão, você sabe.
forçou um sorriso, mas a verdade era que sua mente estava em uma montanha-russa de emoções. A ideia de realizar o ritual era aterrorizante, mas também a deixava extremamente ansiosa.
Precisava disso. E precisava libertar de uma vez.
Sally inclinou a cabeça, avaliando a prima com uma expressão séria.
— Eu entendo. Mas você não tá sozinha. Estamos juntas nessa, lembra?
respirou fundo. Sally sempre sabia como a encorajar, apesar de todas as irritações constantes e sua presença era essencial na rotina de .
— Sei que estamos, mas… Será que tô fazendo a coisa certa? Tenho a impressão que só vou ferrar ainda mais tudo.
A prima observou , os olhos atentos a cada palavra que ela dizia.
Sally se aproximou, colocando as mãos nos seus ombros.
— Você precisa parar de se torturar com isso — disse com firmeza, ainda a olhando. — Não quero que fique aqui paralisada, como uma estátua. Se tem uma coisa que a vida não espera, é que a gente decida tudo num estalar de dedos.
riu, apesar do nervosismo.
— Tô falando sério! Precisa confiar mais em si mesma. Você quer que o feitiço seja desfeito, não é?
— É claro que quero! Só de pensar em tudo isso, parece que vou explodir! — Sally balançou a cabeça com todo o drama que adorava exalar. — E é fácil falar quando você não tá a um passo de fazer um ritual que nunca fez na vida — comentou, balançando a cabeça.
A prima rolou os olhos.
— Ai, não exagera. Agora, sério, vamos nos concentrar — Sally gesticulou para que se levantasse. As duas deram um passo para dentro do círculo feito no meio do quarto, onde estava depositado o caldeirão e os ingredientes.
As velas ao redor iluminavam o quarto e o rosto das duas.
— Ok, se lembra das palavras?
— Mais ou menos. Mas não tem como errar, né? É só repetir — engoliu em seco. — E é só um feitiço. Que pode mudar tudo…
Deram as mãos, visivelmente nervosas.
respirou fundo antes de começar com Sally.
— Pétalas de flores do campo, tragam o amor para o mundo e que o encanto se quebre — a prima começou, sua voz firme.
— Que esse amor que foi perdido, retorne sob a lua cheia — continuou, seu coração acelerando.
A luz do caldeirão começou a brilhar suavemente, quase como se estivesse respondendo às palavras que recitavam.
— Que a magia flua como a água do rio, que os corações se conectem e que os sentimentos se restabeleçam — Sally continuou, um sorriso animado se formando em seu rosto. O brilho no caldeirão se intensificou e o ar parecia vibrar dentro do quarto.
— Que a poção que encantou, com o toque da lua, se dissipe! — disse mais alto sentindo a adrenalina tomando de cada canto de seu corpo. As velas queimavam mais intensamente, como se estivessem celebrando o poder que invocavam. — E que a força da lua cheia…
Nesse momento, a energia na sala se tornou tão intensa que o quarto parecia tremer levemente. Mas, segundos depois, algumas batidas na porta as fizeram abrir os olhos.
As flores que levitavam caíram instantaneamente no chão, assim como o brilho fluorescente que saía do caldeirão havia se apagado.
— Não! — quase gritou em desespero. Os toques na porta indicavam alguém muito próximo à magia delas e, assim, não funcionava como deveria.
— Ai, não, não, não! — Sally repetia, indo até as flores no chão. Um lampejo de raiva passou em seus olhos. — Droga! Quer apostar quanto que é o ?
sentiu o coração disparar ainda mais. Ela lançou um olhar para a porta, como se pudesse mandá-lo embora só com a força da mente.
— Claro que é o … Quem mais bateria justo agora? — sussurrou, quase se desesperando. — O feitiço já tava funcionando, Sally! Eu juro, eu vi!
Sally olhou de volta para o círculo improvisado, as velas oscilando com a energia que restava e apertou os lábios.
— Beleza, vamos tentar terminar antes que ele arrombe a porta. Só ignora! Repete comigo… E que a força da lua cheia…
E ouviram mais batidas.
Não eram batidas tão altas, mas eram insistentes e chatas. E então, ouviram a voz do rapaz.
— ? Tá tudo bem aí dentro?
O caldeirão borbulhou fervorosamente, deixando evidente que algo o atrapalhava.
quis se enfiar em qualquer buraco que abrisse no chão.
— Ele não vai embora! — olhou para o caldeirão, frustrada. — Ai, isso é um pesadelo! A prima suspirou, jogando os cabelos curtos para trás e se aproximou da porta, pensando no que fazer.
— , volta pro seu dormitório, já tá tarde!
Gritou, tentando não perder a calma. Mas o garoto insistiu um pouco mais.
— Só quero falar com ! E por que eu tô ouvindo sua voz como se estivesse me expulsando? O que tão escondendo aí?!
Sally revirou os olhos, suspirando. Ele não pararia até que visse com clareza o que acontecia ali.
E talvez um choque de realidade não fosse de todo ruim para dar fim ao feitiço.
Girou a maçaneta, olhando para pela fresta da porta.
— Ei! Que parte do “já tá tarde” você não entendeu?
— Deixa de ser chata, Sally, não é como se… — o garoto parou, ao ver o que acontecia por trás de Sally Owen. Sua expressão se transformou de diversão para surpresa ao ver as velas, as flores espalhadas e o caldeirão no centro. — Tão fazendo um ritual? Tipo, de verdade?
Sally deu um longo suspiro e abaixou as mãos, decidindo abrir espaço para ele ver o que realmente acontecia.
— Sim, , é um ritual de verdade — disse, com um tom sério. — Já que você insiste em invadir a festa, pode muito bem ver tudo de uma vez.
piscou, atordoado, olhando o quarto como se precisasse processar a cena. As velas, o círculo de sal, o caldeirão ainda com uma leve fumaça...
Soltou uma risadinha nervosa.
— Tá brincando, né? Isso é tipo, coisa de filme mesmo? — tentou sorrir, mas a expressão de Sally era o suficiente para fazê-lo calar a boca.
— Não, . Não é brincadeira — iniciou, mais séria do que ele jamais tinha visto. — Esse ritual é pra… — respirou fundo, incerta. — Pra te libertar. Como eu já falei, o que você sente por mim não é real.
O sorriso do garoto vacilou, como se tivesse escutado algo que o magoava.
Deu um passo à frente, ainda olhando as coisas ao redor.
— Como assim não é real? Você tá jogando um feitiço em mim?! É claro que é real, , para com isso. Eu… Desde que a gente se conheceu, você sabe. Eu sinto…
levou a mão à nuca, claramente confuso. As coisas pareciam não se encaixar na sua mente, ele só sabia que gostava dela.
— Não — o interrompeu, o olhando diretamente. — O que você sente é resultado de uma poção do amor. Uma poção que sem querer, te prendeu nesse encanto. E eu tô tentando consertar isso. Vê só?
apontou para os objetos espalhados no chão.
olhou para os objetos e depois de volta para ela, como se esperasse que a garota soltasse uma risada e dissesse que tudo aquilo era uma brincadeira. Mas, ela estava mais séria que o normal para uma brincadeira.
Engoliu em seco, deixando o olhar vacilar.
— Não pode ser só uma poção. Isso que eu sinto não pode ser só isso — disse, a voz ficando mais baixa, quase como um sussurro. — Sinto que… Gosto de você de verdade. Mesmo que seja estranho demais.
desviou o olhar. Precisava confessar que se sentia dividida. E se parte do que dizia fosse verdade? E se, por algum motivo, os sentimentos fossem genuínos? Mesmo que tudo indicasse que eram resultado de uma poção, a dúvida ainda a atormentava.
O que será que ela realmente estava sentindo?
— Olha, , você não tá entendendo — Sally se aproximou, tentando ajudar a prima. — Essa obsessão, essa intensidade não é real, não é você. Não teve um dia sequer que você deixou de pegar no pé da por pura implicância. E não tem como você simplesmente estar apaixonado por ela agora se alguma coisa não tivesse errada, não acha?
piscou, como se processasse as palavras de Sally aos poucos.
Olhou para e a garota pôde ver a confusão, e até mesmo um pouco de medo, brilharem em seus olhos.
E, no fundo, era como se soubesse que algo estava fora do lugar, mesmo não querendo admitir.
— Mas eu… Eu me importo com você, , de verdade. Sei que parece loucura — passou as mãos pelos cabelos, confuso. Sua voz quase implorava a atenção de . — E se isso for mais que uma poção? E se você tirar isso de mim e… E não sobrar nada?
sentiu seu peito apertar. Uma parte dela queria acreditar. Queria se agarrar a chance de que os sentimentos de pudessem ser reais, por menor que fossem.
Mas, se lembrou de todas as vezes em que ele parecia agir como outra pessoa, tão diferente do cara irritante e pé no saco que sempre conheceu. Aquela intensidade não era a dele e, por mais que não quisesse admitir, sabia que o certo era seguir com o ritual.
O certo era desfazer toda a bagunça que havia feito.
respirou fundo, sentindo as mãos tremerem levemente com toda a situação.
Ergueu seu olhar, olhando para outra vez, desta determinada.
— Também queria que isso fosse real, . Mas as coisas precisam voltar ao normal e a única forma de fazer isso é… Desfazendo o feitiço.
— Não faz isso, , por favor… Você não gosta de como as coisas estão agora? Não gosta… Não gosta de mim?
sentiu o coração chacoalhar dentro do peito. Ela podia ver nitidamente nos olhos do rapaz o quão magoado e vulnerável ele estava.
E talvez, pela primeira vez, sentiu algo que ia além daquele feitiço, uma pontada de dúvida e confusão. Será que estava começando a sentir algo por ?
Só que, por mais que sentisse todas as dúvidas e hesitações remexerem dentro de si, não podia deixar as coisas daquele jeito.
Não era justo com . Nem mesmo com ela.
— , não é isso… É só que, eu queria que isso fosse real tanto quanto você — murmurou, desviando o olhar rapidamente dele para Sally. A prima ouvia tudo com atenção. — Mas a gente merece algo melhor. Algo honesto e verdadeiro, sabe? Você merece isso — deu um passo à frente, como se suas palavras pudessem confortá-lo. — Sem qualquer feitiço pra ditar o que você sente e quem você gosta.
— …
ainda a olhava, com os olhos brilhantes e pidonhos.
Por um segundo, sentiu os olhos arderem.
— Sinto muito, .
Desviou o olhar de vez, deixando sua atenção focada em Sally, que a olhava como se perguntasse se tinha certeza que continuaria com a quebra do feitiço. apenas balançou a cabeça, andando até o círculo de sal desenhado no chão.
Sem pensar muito, continuou.
— E que a força da lua cheia leve embora o que não é de verdade… Mesmo que isso parta nosso coração.
Segundos após a frase dita, o barulho do baque no chão fez com que as primas Owen despertassem por completo.
havia caído, desacordado e o silêncio no quarto das duas se tornou ainda mais presente. Sally não pensou duas vezes em caminhar até , vendo o rosto inexpressivo da mesma.
— …
Chamou, claramente preocupada com sua reação.
ainda tinha os olhos fixos no corpo do rapaz há poucos centímetros de onde estava, como se o que tivesse acontecido ali a atingiu como um soco no estômago.
— Eu não…
— Você fez o que tinha que fazer, prima — Sally tinha a voz suave e deixou uma das mãos pousarem no ombro de . — Ele precisava voltar ao normal.
se limitou a balançar a cabeça. Sua mente estava imersa em um turbilhão de emoções que parecia consumi-la aos pouquinhos.
A sensação era ruim, a pressão a esmagava.
Porque se sentia tão triste?
Se agachou do lado de , sentindo o coração apertado ao vê-lo ali, tão vulnerável e fraco. Os olhos do garoto, antes cheio de vida e inteiramente apaixonado, agora estavam fechados, a fazendo sentir um vazio inexplicável dentro de si.
Foi só então, quando limpou uma lágrima teimosa que escorria por sua bochecha e ajeitou os fios bagunçados no rosto de , que Owen caiu em si.
Estava começando a gostar do que o feitiço havia inventado.
E, pela primeira vez, desejou nunca ter feito uma poção do amor.
Murmurou para si mesma, tentando se convencer de que o que havia feito no ritual era realmente a coisa certa. Mas, o que era para ser um alívio, só a deixou ainda mais confusa e, para sua surpresa, a ausência de estava se tornando ainda mais estranha e presente em seus dias.
E a verdade era que, por mais que lutasse evitando pensar no assunto, sentia falta do que havia conhecido ao longo das semanas. Não só do apaixonado e fascinado por ela, mas do irritante e implicante também.
Fechou os olhos brevemente, soltando outro resmungo de frustração com os próprios pensamentos.
Sally se aproximou, se jogando no sofá do lado de , fazendo a garota erguer o olhar. Ela tinha uma caixinha de donuts nas mãos.
— E aí, tá parecendo um zumbi, prima. Viu que aquele chefe ficou bravo porque queimaram o soufflé outra vez? — comentou, tentando puxar assunto.
Por mais que amasse tirar do sério, odiava vê-la daquele jeito, tão desanimada e sem vida.
— Não vi. Na verdade, não tô a fim de ver nada.
— Que foi? Ainda tá pensando no ? — virou o rosto para observá-la.
suspirou.
— Não sei… Pensei que ia me sentir mais leve depois de desfazer o feitiço, mas sei lá… Sinto falta dele. Até do jeito chato de me provocar.
Sally ergueu as sobrancelhas e sorriu.
— Isso sim é novidade — brincou, cutucando a prima de leve. — Quem diria que logo você ficaria nostálgica justo por . E não por .
A mais nova escondeu um sorriso, colocando as mãos no rosto.
— Para com isso. Não é assim também.
— Ah, vai ver é porque agora você se deu conta de que não é só provocação. E, olha, quem sabe uma partezinha dele até goste de você de verdade. Sem poção, sem nada.
encarou o teto, pensando nas palavras que Sally havia dito. Seria possível?
— Só achei que ia ser um alívio desfazer o feitiço e pronto, todo mundo ia seguir com a vida. Mas agora parece que alguma coisa tá faltando e eu não esperava me sentir assim.
Sally jogou um braço em volta dela, num meio abraço desajeitado. riu fraquinho.
— É, acho que o feitiço pode ter bagunçado mais coisas do que bagunçou! Ou então… — fez uma pausa dramática e fingiu uma expressão séria. — Talvez esteja simplesmente com saudade do cara.
Bufou, empurrando a prima para o lado. Sally começou a rir.
— E você fala isso como se fosse a coisa mais normal do mundo?
— E não é? — riu mais uma vez, a cutucando de novo. — Agora vai ter que aceitar que faz falta. E se quiser falar com ele, não é o fim do mundo. Tem hora que a gente precisa, sei lá, só admitir as coisas.
arregalou os olhos.
— Você quer que eu diga o que?! Oi, , tudo bem? Lembra de mim? Sou a sua ex-obsessão que fez um feitiço e agora não sou mais?
A mais velha rolou os olhos com todo o drama.
— Não começa! Não precisa fazer um show. Vai, manda um Oi, sumido, se precisar. Simples, direto. Você já fez coisa bem mais complicada.
deixou o corpo cair no sofá, se sentindo derrotada. Sally costumava ter os melhores argumentos.
Aquilo só a deixava ainda mais confusa, e agora, nervosa também.
— Nossa, é tão estranho. Literalmente fiz o cara desmaiar e depois sumir. E agora vou bater lá dizendo que sinto falta?
Sally balançou a cabeça, roubando outro donuts da caixinha.
— Isso pode ser mais simples do que você pensa. No fundo, ele não é um estranho e você sabe disso. Talvez ele esteja sentindo falta também.
Ela desviou o olhar, bufando.
— É, e talvez eu tenha complicado tudo… Vai ver eu deveria mesmo tentar. Nem que seja pra… Sei lá, ver se sobrou alguma coisa.
— É assim que se fala! E se der errado, me chama que a gente faz outro feitiço — Sally piscou. — Mas dessa vez, deixa comigo.
arregalou os olhos outra vez, jogando uma almofada na prima.
Ela não seria louca de inventar de fazer qualquer outro feitiço depois daquela bagunça.
— Nem pensar!
Os braços da garota equilibravam alguns livros e cadernos, enquanto saía apressada da faculdade tentando não derrubar tudo o que via pelo caminho.
Por mais que tentasse ocupar sua mente com tudo o que inventava fazer, sua concentração sempre vacilava e acabava focando na figura de mais presente que o normal.
Foi impossível ignorar o vazio no peito quando imaginou que, se ele aparecesse outra vez, talvez não a olhasse do mesmo jeito. E, apesar de tudo, sentia falta até da versão enfeitiçada do garoto – aquela que a olhava como se fosse a única coisa que importava no mundo.
Balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos insistentes. E, antes que pudesse continuar, sentiu os livros escorregarem dos seus braços.
Em um segundo, se debatia para segurá-los, e no outro, um par de mãos ágeis apareceu, impedindo que tudo desabasse no chão ao segurar os livros com força.
— Parece que você sempre foi meio atrapalhada, né?
Ouviu uma voz familiar, uma que fez congelar instantaneamente.
Seu coração sacudiu dentro do peito.
Ergueu o olhar e observou os olhos escuros de , com um sorriso de canto e uma sobrancelha arqueada como se a cena fosse o melhor começo de conversa que poderia ter imaginado.
Ela recolheu os livros e, apesar do coração ainda acelerado, tentou soar o mais natural possível.
— Você de novo? Achei que tinha se livrado de mim de vez depois do que houve — brincou, desviando o olhar.
Olhar para ele era quase uma tortura.
soltou uma risadinha leve, inclinando a cabeça para o lado, quase como se estivesse avaliando a situação. A observou por um momento, tentando analisar os detalhes da expressão no rosto de .
— Quem dera eu conseguisse.
o olhou e deu uma risadinha, junto do rapaz.
A implicância não parecia fazer o mesmo efeito de antes, mas algo ainda parecia diferente.
ainda estava ali, parado na frente dela, sem soltar nenhuma provocação, sem revirar os olhos, sem tentar arrancar uma reação impaciente da garota. Ele só a observava, com um meio sorriso nos lábios, parecendo um pouco hesitante.
apertou os livros involuntariamente nos braços e arqueou uma das sobrancelhas.
— Você tá estranho. Isso me assusta.
soltou uma risadinha nasalada, abaixando a cabeça por um segundo antes de olhar para ela de novo.
— Eu sou sempre estranho, .
— Tá, mas você sempre tem uma resposta pronta, sempre me cutuca com alguma piada idiota. Agora tá aqui, todo calmo.
Ele encolheu os ombros, colocando uma das mãos no bolso da calça. Parecia pensativo demais, como se estar na presença de o deixasse nervoso.
— Talvez eu só esteja tentando não te assustar dessa vez.
— E parece que isso não tá funcionando — rebateu, ainda o olhando. ainda tinha o brilho no olhar, mas diferente de antes, agora parecia normal.
soltou outra risadinha ao ver a reação de .
— Quem diria que você ficaria nervosa sem as minhas implicâncias?
bufou, fingindo impaciência, mas a verdade é que algo dentro dela se revirava. Ele estava diferente; ainda brincalhão, ainda com aquele jeito convencido, mas tinha algo mais. Algo sincero, algo... Sem o feitiço como desculpa.
— Sei lá, é esquisito. Você parece... — hesitou, sem saber exatamente como descrever.
— Normal?
Fez uma careta.
— Definitivamente não.
sorriu, mas não rebateu.
— Você pensou em mim?
O garoto perguntou, quebrando o breve silêncio entre eles. piscou algumas vezes, sendo pega de surpresa. Agora, seu coração parecia querer sair do peito.
— O quê?
— Depois que, você sabe, toda essa loucura passou — explicou, coçando a nuca. — Você pensou em mim?
Ela abriu a boca, pronta para negar sem pensar duas vezes. Mas a resposta não saiu.
percebeu.
O sorriso dele se alargou, satisfeito.
— Tá vendo? — disse, inclinando ligeiramente a cabeça. — Eu sabia.
Ela bufou outra vez, se virando para ajeitar os livros nos braços, sem encará-lo diretamente.
— Continua se achando que uma hora eu jogo outro feitiço.
— Desde que seja um que me faça beijar você…
Ela travou.
O silêncio entre eles durou um segundo a mais do que deveria.
percebeu de novo e a única coisa que se passava na sua cabeça era que ele não deveria fazer aquilo.
Não deveria se aproximar daquele jeito, não deveria olhar para ela assim, não deveria inclinar a cabeça só um pouquinho, aproximando os rostos.
Mas ele fez tudo isso.
E não recuou.
A garota quase conseguia ouvir seu coração batendo de tão forte que estava e os livros pareciam pesar o triplo nos seus braços, mas naquele momento, nada importava além da forma como a olhava.
Não era só provocação. Não era só brincadeira. Era genuíno.
E, droga, ela não sabia lidar com isso.
O olhar dele caiu para os lábios dela. hesitou por meio segundo, quase como se estivesse esperando que ela o afastasse. Mas não se mexeu.
E interpretou isso como um sinal.
Ele inclinou o rosto só um pouquinho mais, fazendo com que sentisse o cheiro familiar do seu moletom, que a fez se praguejar sabendo que não deveria ser tão viciante.
Seu coração deu um salto, os dedos apertaram contra os cadernos e—
— Ei, !
A voz fez os dois congelarem.
piscou várias vezes, percebendo o mundo voltando à realidade aos poucos. Seu coração ainda estava acelerado, mas agora, por um motivo totalmente diferente.
Aquilo fez fechar os olhos por um segundo, como se já soubesse quem era antes mesmo de se virar. E, claro, estava certo.
estava parado a poucos metros, acenando para com um sorriso tranquilo nos lábios. Por um momento o garoto quis falar para esquecer aquele cara e focar só no que acontecia ali, entre eles dois.
sentiu o estômago revirar e, instintivamente, ajeitou o cabelo atrás da orelha.
— Ei, — respondeu, tentando soar normal.
quis desmoronar quando notou o jeito como a voz dela saiu um tom mais suave. E mais ainda quando ela desviou os olhos, um pouco sem jeito.
O clima de segundos atrás evaporou, como se nunca tivesse existido. E aquilo bateu mais forte do que deveria no peito de .
Para ser sincero, ele não sabia bem o que estava esperando. Talvez que ela continuasse olhando para ele, que voltasse a rir daquela forma distraída, que o silêncio entre eles ainda fosse leve como há momentos atrás.
Mas não. Agora ela olhava para .
E odiou o jeito como aquilo o fez se sentir.
— É. Bom, não vou atrapalhar vocês — sua voz saiu firme, apesar de um pouco mais baixa que o normal.
piscou, voltando a olhá-lo, como se só então percebesse que ele ainda estava ali.
— O quê?
Mas ele já se virava, pronto para ir embora.
— Vejo você por aí, .
Dessa vez, não tinha sarcasmo, nem brincadeira. Só uma pontada de algo que ele não queria admitir que sentia.
Ela franziu levemente o cenho, como se tivesse notado o tom diferente, mas não teve tempo de perguntar nada, já que a voz de invadia seus pensamentos outra vez.
— E aquele café, o que acha de irmos lá agora?
olhou de relance para o garoto, que já se afastava, mas não percebeu que ouviu a pergunta que havia feito, deixando evidente que tinha algo ali.
E aí, não esperou para ouvir o resto. Só colocou as mãos no bolso do moletom, se afastando de vez, chateado e incomodado com o que sentia.
Quando caiu em si, continuava ali na sua frente, esperando uma resposta. Ela queria dizer que sim, que ir ao café parecia uma boa ideia, mas o incômodo no peito crescia a cada segundo que se passava.
Sem perceber, seu olhar voltou para o caminho onde tinha ido, mas ele já não estava mais à vista.
— ?
chamou, se inclinando um pouco para olhar seu rosto.
Ela piscou, voltando para a conversa e forçou um sorriso.
— Ah, sim... O café.
— Isso, aquele que conversamos no outro dia. Ou mudou de ideia?
hesitou. Parte dela queria ir com , seguir com o plano, fingir que nada do que aconteceu antes importava. Mas a outra parte... Aquela que ainda sentia o cheiro do moletom de e lembrava da forma como ele olhou para ela antes de ir embora... Essa parte ela não conseguia simplesmente ignorar.
— Eu…
Começou, mas a frase morreu antes de ser finalizada.
Ela cruzou os braços, inquieta. Se dissesse sim, talvez conseguisse distrair a mente, mas se dissesse não, estaria admitindo para si mesma que a afetava mais do que deveria.
E o pior? No fundo, ela já sabia a resposta.
Olhou mais uma vez para o caminho que tinha feito e se virou para .
— Desculpa, … Preciso fazer uma coisa.
sentia o vento bagunçar os fios de cabelos teimosos que caíam nas laterais do seu rosto enquanto andava apressada pelos corredores da universidade à procura de . Ela ainda sentia o mesmo incômodo no peito, com aquela sensação irritante de que algo estava mal resolvido.
A verdade era que não queria admitir o que estava dentro do seu coração. Não queria admitir que aquele feitiço tinha dado muito errado a ponto de ter…
De ter se apaixonado por .
Quase parou por um momento com a afirmação que se passava na sua cabeça. A ideia de gostar de era absurda demais para , justamente por ele ser o tipo de pessoa que implicava até com a forma com que ela respirava.
Mas agora tudo estava diferente.
não fazia ideia do que estava acontecendo entre eles, mas tinha certeza que não conseguia ignorar.
Virou o primeiro quarteirão do campus e seu corpo trombou com outro. Quase se assustou com o impacto, mas quando reconheceu o cheiro familiar que havia sentido momentos atrás, o corpo aliviou.
estava parado e, instintivamente, colocou a mão na lateral do corpo de , a protegendo de qualquer queda.
Quando percebeu, retirou, desviando o olhar.
— …
— O que foi? Seu encontro não deu certo? — alfinetou.
franziu o cenho, sentindo a provocação. Respirou fundo, tentando manter a calma.
— Não é nada disso, . Não teve encontro, só… — a voz da garota foi sumindo aos poucos, com algo tilintando no fundo de sua mente.
Será que estava com ciúmes?
Ela estreitou os olhos, analisando a expressão do garoto. mantinha os braços cruzados, olhando para os lados, impaciente. Mas, o jeito que evitava olhar diretamente para ela entregava tudo.
— … — deu um passo à frente. — Você tá com ciúmes?
Ele riu, mas foi uma risada curta.
— Sério, ? — passou a mão pelos cabelos e soltou um suspiro exagerado. — Claro que não. Até porque, né, você e ... Coisa mais óbvia do mundo.
franziu o cenho.
— Do que você tá falando?
— Nada, não. Esquece.
Ele deu de ombros, pigarreando, como se quisesse disfarçar o que acontecia ali. Mas era insistente e não deixaria aquilo passar tão fácil.
— — ela cruzou os braços, arqueando a sobrancelha. — E se eu quisesse sair com o , qual seria o problema?
Ele piscou algumas vezes, e por um instante, teve certeza que tinha o pego desprevenido.
— Nenhum. Você pode fazer o que quiser.
— Aham. Super convincente.
respirou fundo, a encarando.
— Você acha o quê? Que eu fiquei abalado?
— Sim.
Disse, óbvia. Ele rolou os olhos.
— Isso não tem nada a ver com você, .
— Então tem a ver com o quê? Porque foi o que pareceu mais cedo, que tem a ver comigo sim — disse um pouco mais alto. Se há semanas atrás ela visse o que estava acontecendo naquele momento, não acreditaria e daria risada como se aquilo fosse mesmo impossível de acontecer.
estava com ciúmes, era evidente. E até que ela estava gostando um pouquinho da situação.
Ele abriu a boca para responder, mas fechou em seguida, travando a mandíbula. notou o olhar do garoto descer até sua boca por um segundo, rápido demais para que ele percebesse que ela viu.
E aquilo fez o estômago da garota revirar.
— Para de me olhar assim — disse, mais baixo do que deveria.
— Como?
Ele umedeceu os lábios, desviando o olhar.
— Como se estivesse esperando alguma coisa.
— Talvez eu esteja.
respirou fundo mais uma vez e soltou uma risada curta, passando a mão no rosto. Seu coração batia tão rápido que mal sabia explicar. Era louco demais o que acontecia ali; louco demais que estivesse sentindo algo justo por Owen e mais louco ainda que ela estivesse correspondendo.
Sua cabeça parecia uma confusão das bravas.
— Então temos um problema, — murmurou, virando o rosto para o lado. — Não era pra nada disso acontecer.
— Do que você tá falando?
parecia cansado, mais do que o normal.
— Do que eu tô falando? — voltou a encará-la, ainda nervoso. — De você. De mim. Dessa loucura toda.
sentiu o peito apertar.
— Eu não tô entendendo…
— Claro que tá — deu um passo à frente, diminuindo a distância entre eles. — Você sente isso tanto quanto eu, só que tá fugindo.
Ela abriu a boca para responder, mas as palavras não saíram.
ainda a olhava.
— Eu não sou o tipo de pessoas que simplesmente ignora o que tá acontecendo, nem o que tá sentindo, — levou os dedos nos cabelos negros, os bagunçando. — E eu não posso ignorar que eu tô sentindo alguma coisa por você. E essa bagunça toda tem me deixado confuso pra caramba — suspirou, pressionando os lábios. Ela ainda o observava. — Feitiço, poção do amor… Você ser uma bruxa? E Sally também? Tem noção do que tá passando na minha cabeça esses dias? — riu fraco, sem qualquer vestígio de humor. — E sabe o que é pior? Isso não é nem o que me assusta. O que me assusta, pra ser bem sincero, é cair na real que eu tô apaixonado por você.
sentiu seu mundo despencar.
nunca havia sido tão sincero, pelo menos não com ela. E ver aquela camada tão exposta a deixava surpresa demais para pensar em qualquer coisa.
Ela piscou algumas vezes, tentando absorver o que ele havia acabado de falar.
— …
— Nem sei quando começou, só sei que agora tá aqui. E eu não consigo simplesmente fingir que não tá acontecendo — ele respirou fundo, claramente nervoso. Suas bochechas estavam levemente coradas. — Mas você pode.
— O quê?
— Fingir que não sente nada — deu um sorriso torto, mas não tinha sarcasmo ali. Só algo meio amargo; como se estivesse muito chateado. — Foi isso que você fez hoje, não foi? Quando o chegou e você agiu como se eu não existisse?
franziu o cenho.
— Não foi assim.
— Então como foi?
Os olhos negros do garoto brilhavam, deixando evidente o quão decepcionado parecia estar. Ela engoliu em seco.
— Eu…
soltou uma risada curta e balançou a cabeça.
— Você não sabe, né?
Ela odiava aquilo. Odiava o jeito como ele parecia enxergar coisas que nem ela conseguia entender direito. Odiava não entender o que acontecia dentro do próprio coração.
E odiava ainda mais ser o motivo de vê-lo tão para baixo.
— , eu tô confusa.
— E eu tô cansado, .
Os dois ficaram em silêncio por um breve momento.
Ela queria muito dizer qualquer coisa para fazer as coisas ficarem normais entre eles, mas ao menos sabia o que dizer.
Nem o que fazer.
— Só quero que você seja sincera comigo — disse, baixinho. — Se você quiser que eu vá embora, eu vou. Mas se tiver qualquer parte de você que sente o mesmo que eu, por favor, me diz.
O coração dela batia tão forte que parecia que ia pular do peito. abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.
esperou. E esperaria o tempo que fosse preciso se ela demonstrasse qualquer vestígio de que sentia o mesmo que ele.
Por um segundo, viu nos olhos do garoto aquele último fio de esperança. Mas assim que os segundos se passaram e o silêncio de continuou, foi ficando claro o que realmente acontecia ali.
respirou fundo, desviando o olhar.
Ele entendeu.
Deixou um sorriso curto e sem graça surgir em seus lábios e não ergueu o olhar para observá-la mais uma vez.
— É isso, então.
E sem dizer mais nada, se virou para ir embora.
sentiu o peito apertar. Tudo dentro dela gritava para que fizesse algo, dissesse algo, mas ficou ali, imóvel, observando se distanciando no meio do campus.
Piscou algumas vezes, como se aquilo fosse impedir a ardência nos olhos. Mas não adiantou.
Porque agora, seu coração queimava. E ela não podia ter mais certeza de que estava apaixonada por também.