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Independente do Cosmos🪐

Última Atualização: 23/05/2025




Eu sei exatamente como isso vai acabar.
Eu, no meio de uma praia lotada, me perguntando por que aceitei sair de casa, coberta de protetor solar vencido e com areia até nas partes do corpo que eu nem sabia que podiam ter contato com a natureza. E tudo isso porque Beckett decidiu, mais uma vez, que ele sabe o que é melhor pra mim.
Spoiler: ele não sabe.
— Vai ser incrível, . Sol, mar, pôr do sol absurdo, drinks coloridos e você comigo, todos os dias. Preciso dizer mais?
Ele está jogado no sofá da minha casa, vestindo a camisa regata do Batman completamente amassada que dei a ele no seu aniversário de 23 anos, os cabelos estão bagunçados pelo treino de futebol e no rosto ele mantém aquele sorriso convencido que sempre me faz querer bater nele… ou beijar ele, mas principalmente bater.
— Sabe o que também é incrível? Ar-condicionado. Silêncio. Minha cama. E zero pessoas tentando me convencer de que pegar insolação é uma experiência de autoconhecimento. — respondo, me recostando na poltrona com uma caneca de chá nas mãos.
me olha como se eu tivesse dito que odeio cachorros e pizza ao mesmo tempo.
— Você não pode recusar essa viagem, . A galera já tá animada, alugamos aquela casa absurda na praia, tem piscina, tem churrasqueira, e, mais importante, eu estou te convidando.
— Você tá me forçando — corrijo.
— Forçando é uma palavra forte. Eu prefiro "influenciando com carisma e charme inegável".
— Você tá de chinelo com meia e a camiseta manchada de molho. Zero charme envolvido — digo, apontando pra ele.
Ele dá de ombros, como se aquilo fosse um elogio. E talvez, de alguma forma torta, seja. tem esse talento especial de parecer confortável em qualquer lugar, em qualquer roupa, em qualquer caos. Ele é o tipo de pessoa que sorri para o atendente do caixa, faz amizade com o cachorro do vizinho e canta no chuveiro músicas dos anos 2000 como se estivesse em um show particular.
Ele também é meu melhor amigo desde a sétima série, quando me defendeu de um garoto que implicou com meu aparelho ortodôntico. bateu nele com uma régua de matemática e depois me deu um chocolate derretido como presente. A régua foi confiscada, o chocolate me deu dois dias de dor de barriga, mas a amizade ficou.
— Sério, . Você precisa sair um pouco da rotina. Desde quando você virou essa adulta responsável, metódica e... — ele pausa, me analisando. — Chata.
— Uau — digo, fazendo uma careta. — Obrigada.
— É pro seu bem. Quando foi a última vez que você fez alguma coisa fora do script?
Penso por um segundo. E odeio muito o quanto ele tem razão. Eu trabalho demais, estudo demais, planejo demais. E sinto demais. Especialmente por ele. Okay, a última parte pode se manter apenas em meus pensamentos.
Ele se levanta do sofá e vem até mim. O rosto dele está perto demais, e por um instante, fico nervosa. Ele se inclina e meu coração bate tão forte que tenho certeza de que ele ouviu, mas ele só pega minha caneca vazia e me lança aquele sorriso torto.
— Além disso, eu já comprei sua barra de chocolate preferida.
— Você sempre compra chocolate quando quer que eu diga sim — digo, cruzando os braços.
— E você sempre diz sim — ele responde, triunfante, jogando a barra de meio amargo com amêndoas no meu colo. — Porque você me ama.
A frase fica no ar por um segundo. Ele sempre diz isso. Com aquele tom leve, de brincadeira, mas toda vez que ele fala, dói. Porque ele não tem ideia de como isso é verdade.
— Eu vou pensar — digo, fingindo desinteresse.
— Vai pensar até quando? A gente sai em três dias. E você é minha dupla no quarto. Já tá decidido. Te coloquei na lista.
— Você nem perguntou se eu vou querer dividir quarto com você.
— Você quer — ele responde. Simples assim. Como se conhecesse cada pedaço meu mais do que eu própria conheço, talvez conheça.
— E se eu tiver um compromisso?
— Qual? Maratona de séries com seu gato? Atualizar sua planilha de gastos mensais?
— Algumas pessoas acham isso divertido.
— Algumas pessoas precisam de terapia — ele ri, se jogando de volta no sofá. — E praia.
Suspiro, derrotada. Ele ganhou.
De novo.
— Tá. Eu vou — digo, finalmente.
joga os braços para cima, como se tivesse vencido uma partida de futebol.
— Isso! Vai ser a melhor semana da sua vida, eu prometo.
Eu rio, sem acreditar muito. De qualquer forma, no fundo, uma parte de mim espera que seja verdade. Talvez seja a parte que ainda acredita que passar uma semana ao lado do cara que eu amo, mesmo que ele nunca vá me amar de volta, vale a pena.
Ou talvez seja só carência.
— Eu ainda não acredito que você me convenceu com chocolate — murmuro, encarando a barra no meu colo como se ela tivesse me traído. Ela. Não os pensamentos malucos que envolviam e eu, na mesma cama, no mesmo quarto.
— Eu te conheço, . Sei como seu cérebro funciona. Tudo é sobre lógica, consequência e chocolate. Só precisava alinhar os argumentos certos.
Ele me olha com aquele ar satisfeito, de quem sabe exatamente o poder que tem. sempre soube. Desde os doze anos, ele aprendeu a usar o carisma como arma. E, pior, aprendeu a usar ele comigo. O problema disso era que agora ele usava contra mim e, mesmo sabendo de todas as suas jogadas, eu sempre caia em todas.
— Vai ter gente nova nessa viagem? Ou só o nosso grupinho disfuncional de sempre?
— A galera de sempre. E talvez meu irmão. Não sei ainda — responde, esticando as pernas e apoiando os pés na mesinha de centro.
? — pergunto, franzindo a testa. — Pensei que ele tava morando em outra cidade agora.
— Tá. Mas ele falou que talvez dê um pulo por lá. Quer fugir do trabalho, da ex maluca... coisas de adulto.
— Parece bem Beckett de ser.
— Ei! Eu sou um adulto funcional, ok?
— Você tomou sorvete no café da manhã ontem.
— E sobrevivi. O que prova meu ponto.
Reviro os olhos, mas não consigo conter o riso. Com , é sempre assim: um constante bate-volta entre provocação e carinho. Às vezes, tenho a sensação de que vivemos uma eterna prévia de alguma coisa que nunca começa de verdade. Um quase.
Ele se ajeita no sofá, apoiando o braço no encosto e me olha com aquele meio sorriso que sempre me desarma.
— Vai ser bom pra você, . De verdade. Você vive tentando consertar o mundo. Talvez seja hora de deixar alguém cuidar de você, pelo menos por uma semana.
A frase me pega de surpresa. tem momentos em que ele deixa a superfície e mergulha um pouquinho mais fundo. Não muito. Só o suficiente pra bagunçar tudo dentro de mim.
— Eu não preciso que ninguém cuide de mim — respondo, mais defensiva do que eu gostaria.
— Eu sei. Mas talvez você mereça — ele diz, num tom baixo. Quase gentil demais pra vir dele. Eu seguro o olhar dele por alguns segundos. E nesse momento, a sala parece menor. Mais silenciosa. Mais íntima. Tudo o que eu quero é perguntar por que ele nunca me escolheu. Por que ele nunca tentou.
Mas eu não pergunto. Porque eu já sei a resposta.
gosta de mim demais pra me perder. Mas não o suficiente pra me amar como eu amo ele.
— Tá — digo, tentando recuperar a leveza. — Mas se eu passar mal com camarão, você vai segurar meu cabelo enquanto eu vomito.
— Justo. Mas só se eu puder gravar e usar contra você no seu casamento futuro com um contador certinho que usa suéter no verão.
— O suéter é opcional — retruco, rindo. — Mas ele tem que saber usar fórmulas de Excel. Prioridades.
— Você vai se apaixonar por um cara com um nome tipo... Régis.
— Isso é nome de pai de alguém da sua empresa, não é?
— Sim. Ele era chato. E usava suéter. No verão.
Caímos na risada juntos, tudo parece fácil de novo. Como sempre é com . Leve. Natural. Como respirar.
Ele olha o celular e faz uma careta.
— Preciso ir. Tenho treino. Mas juro que não vou deixar você fugir dessa viagem, . Tá decidido. Sábado, 10h da manhã. Eu passo pra te buscar.
— A casa vai ser de frente pro mar?
— Vista panorâmica, baby. Tão linda que você vai querer escrever um livro sobre o pôr do sol. —Eu o acompanho até a porta e, antes de sair, ele encosta o queixo no meu ombro, me abraçando de lado. — Vai ser inesquecível, .
E ele diz isso com tanta certeza que eu quase acredito. Só não sei ainda se “inesquecível” é uma coisa boa ou ruim.


O viva-voz do celular tá ativado, equilibrado em cima da cômoda entre um frasco de protetor solar e meu desodorante favorito, isso tudo enquanto tento decidir entre o biquíni preto (seguro, confiável) e o vinho (ousado, perigosamente flertante), a voz da Sarah invade o quarto.
— Você ainda tá levando coisa demais — ela reclama, rindo. — Vocês vão pra uma semana, , não pra uma temporada de reality show.
— E se chover? E se a casa tiver um ar condicionado assassino ou sei lá? E se alguém quiser fazer uma trilha e eu não for porque não levei um tênis?
— Ninguém vai querer fazer trilha. Vocês são um bando de jovens adultos preguiçosos com déficit de atenção. O máximo de trilha que vão fazer é da cama até a geladeira.
Dou uma risada abafada, jogando o biquíni vinho na mala. Dane-se. Talvez flertar com o sol conte como evolução.
— Falando em jovens adultos… — Sarah começa, com aquele tom que me faz revirar os olhos antes mesmo dela continuar, porque sei exatamente o que ela vai dizer. — já deu em cima de alguém essa semana?
— Ainda é sábado.
— Ah. — Silêncio. — ... — ela diz, com aquele tom leve, mas que me desmonta porque sei sobre o assunto antes mesmo que ela fale. — Você tá mesmo pronta pra essa viagem?
Me jogo de costas na cama, meu cabelo ainda está molhado devido a última tentativa frustrada de escova.
— É só uma semana, Sarah.
— Com o . E com o seu coração completamente apaixonado por ele. E com ele completamente cego a isso. E eu nem mencionei o fato de que ele vai, com 90% de certeza, tentar ficar com alguma loira aleatória na primeira noite.
— Uau, obrigada pelo incentivo. Vou até bordar seus conselhos na toalha de praia para me lembrar deles.
Ela ri, mas sei que ela se preocupa. Sarah sempre soube de tudo. Foi a primeira pessoa pra quem eu confessei o que sentia por e a única que viu de perto cada vez que meu coração se apertava toda vez que ele escolhia alguém que não era eu. E sim, houve aquele beijo entre eles anos atrás, numa festa meio bêbada e sem importância. Sarah me contou logo depois, com culpa nos olhos e gosto de vodka nos lábios. E eu? Eu sorri. Fingi que não doeu. E guardei por um bom tempo, mas acabei deixando pra lá depois.
— Só tô dizendo porque te amo, tá? — ela continua. — E porque se for pra você quebrar a cara, que seja com alguém que te faça sentir coisas épicas. Não com esse idiota emocionalmente analfabeto.
— Ele não é um idiota. Só é... o .
— Exatamente. E o é o tipo de cara que joga a isca, mas nunca pesca. Porque ele tem medo do que vem depois.
Fico em silêncio. É verdade. flerta, provoca, se aproxima e recua. Como se tivesse medo de mergulhar em qualquer coisa que não fosse raso. Como se amar alguém fosse um risco que ele não está disposto a correr.
— Talvez essa viagem me ajude a esquecer isso — digo, tentando soar mais otimista do que me sinto.
— Ou talvez... — Sarah fala devagar. — Você conheça alguém que veja você de verdade. Que não te olhe só quando precisa de conforto ou conselhos.
— Alguém tipo...?
— Tipo... não sei. Qualquer um. Tipo o irmão maduro e gostoso dos Becketts.
Solto uma gargalhada.
? Ele nem vai.
me disse que o carro do quebrou. Ele vai pegar carona com vocês e até o carro ser consertado, vai passar as férias por aí.
Eu paro, com a mala esquecida no meio do quarto.
— Ele vai com a gente?
— Isso aí. E, cá entre nós, sempre achei o bem mais interessante que o .
— Você também achou interessante um cara que usava crocs vermelhas com meias listradas.
— Isso foi um momento de fraqueza e tequila, não um padrão. Mas voltando ao : ele sempre olhou pra você diferente. Mesmo. Repara nisso.
Olho pro celular, depois pro espelho. Meu reflexo me encara como se soubesse de algo que eu ainda tô tentando entender.
— Ele nunca disse nada.
— Porque você nunca deu espaço. Sempre esteve ocupada demais esperando pelo .
Silêncio de novo. Dessa vez mais pesado.
— Você acha que eu tô me sabotando? — pergunto, em voz baixa.
— Eu acho que você merece alguém que te escolha de olhos abertos, .
Fecho a mala com um suspiro e me deixo cair no chão, sentada ao lado da cama.
chega em uma hora.
— E você vai estar linda. Com biquíni vinho e o coração aberto pra tudo — ela diz, animada.
Dou um risinho, mordendo o lábio.
— Te amo, Sarah.
— Também te amo. E se ele fizer alguma idiotice, me liga. Eu levo uma pá.
Desligo com um sorriso nos lábios e bagunça no peito. Não sei o que esperar dessa viagem. Mas sei que, pela primeira vez, talvez eu precise parar de esperar por .
Cinco minutos depois que desliguei, meu celular vibrou com a notificação que eu já esperava.

: “Tô descendo agora. Três minutos. Seja legal e não me faça esperar. Te amo.”

Reviro os olhos, mas sorrio mesmo assim. É a típica mensagem dele. Mandona, provocativa e estranhamente fofa.
Arrasto a mala até a porta do apartamento e dou uma última checada no espelho do corredor. Cabelo arrumado o suficiente, rosto com uma maquiagem leve que finge que eu nasci assim e um biquíni azul marinho sob a blusa oversized branca, que parece inocente demais pra estar escondendo intenções. Respirei fundo.
Três minutos e meu coração já batia como se fosse um primeiro encontro.
O som da buzina me fez saltar. Desci as escadas puxando a mala, e lá estava ele. Enrolado no capô do carro como se fosse uma propaganda de verão, óculos escuros, cabelo bagunçado pelo vento e um sorriso torto que fazia o mundo desacelerar por alguns segundos.
— Você me fez esperar — ele disse, cruzando os braços. — Eu disse três minutos.
— E eu disse que você é dramático — retruco, tentando parecer indiferente enquanto meu estômago fazia piruetas. Ele pega minha mala como se fosse leve, joga no porta-malas e abre a porta do passageiro com um floreio exagerado.
— Milady.
— Idiota.
— Sua Majestade, por favor.
— Seu ego é do tamanho dessa casa que a gente vai, né?
— Maior. A casa é modesta.
Entro no carro abafando uma risada.
— Trouxe snacks? — pergunto, colocando o cinto.
— Trouxe você. Você é meu snack emocional.
— Ew. Nunca mais diga isso.
Ele liga o carro e coloca a playlist de sempre: um mix aleatório entre The 1975, Harry Styles e umas bandas que só ele conhece. Então, depois de prontos, começamos a descer a rua.
O cheiro do carro é o mesmo de sempre. Uma mistura de perfume amadeirado, desodorante masculino e algo que me lembra a adolescência. Tipo tardes de verão e inseguranças não resolvidas.
vai com a gente — ele diz do nada, como quem não quer nada.
Meu coração dá uma leve travada.
— Sarah me contou.
— Ele tá sem carro. E insistiu. Disse que precisava de férias mais do que eu.
— Alguém precisa mais de férias do que você? — pergunto, rindo.
Ele me olha de relance, tirando os óculos de sol e apoiando no topo da cabeça.
— Eu tava pensando em você.
— O quê?
— Que você também precisa dessas férias. Faz tempo que não te vejo desligar de tudo, . Você tá sempre cuidando dos outros, sempre com a cabeça cheia. Às vezes parece que você vive com uma lista invisível de tarefas colada na testa.
— Talvez porque eu viva mesmo — murmuro, sem conseguir evitar o sorriso pequeno. — Alguém precisa ser responsável nesse grupo.
— É, mas, só dessa vez, promete que vai relaxar?
— Prometo tentar.
Ele estica a mão e segura meus dedos por um segundo. Um toque rápido. Quase imperceptível, mas que me deixa com os pensamentos girando mais do que as rodas do carro.
— Essa viagem vai ser boa. Eu prometo.
Olho pra ele e, por um momento, me pergunto se ele tem noção do efeito que causa. Se ele sente alguma coisa além dessa leveza constante. Se, em algum canto da cabeça dele, existe a ideia de mim como algo além de... , a melhor amiga. Mas então ele solta minha mão e volta a focar na estrada, cantarolando distraidamente a próxima música.
O motor do carro vibrava suavemente enquanto tamborilava os dedos no volante, impaciente. Estávamos parados há uns bons dez minutos na frente do prédio onde morava, e já tinha trocado de música cinco vezes.
— Se ele não descer nos próximos dois minutos, eu juro que vou embora e ele vai ter que ir de Uber pra praia — resmungou, mexendo no retrovisor como se isso fosse acelerar o tempo.
— Calma, . São oito da manhã. É cedo até pro seu irmão.
— Ele disse que estaria pronto às oito em ponto. E o não atrasa. Esse atraso é sinal de que o mundo vai acabar.
Ri, encostando melhor no banco.
— Eu ainda acho surreal ele topar ir com a gente. Você vive dizendo que ele não curte essas coisas.
— Ele não curte mesmo. Mas acho que ele está cansado demais do hospital. E... talvez um pouco curioso com o nosso grupo. Ou com você.
Virei o rosto devagar.
— Comigo?
arqueou uma sobrancelha.
— Você nunca percebe, né?
Antes que eu pudesse responder e estragar tudo, a porta do prédio se abriu e apareceu, segurando uma mala com a leveza de quem já treinou aquilo mil vezes. Camiseta branca, calça jeans escura, tênis limpo. Simples, mas perfeitamente alinhado. Os cabelos castanhos estavam bagunçados de um jeito calculado, e os óculos escuros davam aquele toque final de: “sou inteligente, mas você ainda assim pode tentar me decifrar”.
olhou pra ele e soltou um suspiro dramático.
— Pronto. Lá vem o queridinho da mamãe. — abriu a porta de trás do carro, colocou a mochila com cuidado ao lado, ajeitou a mala no porta-malas e entrou com um aceno breve. — Tripulação reunida e pronta para zarpar — comentou, batendo no volante como se estivesse prestes a pilotar um barco pirata.
— Você sabe que isso aqui é só um Corolla, né? — perguntei, cruzando os braços e tentando não ficar consciente demais da presença de no banco de trás.
— Um Corolla que vai nos levar ao paraíso — ele rebateu, como se isso fosse uma verdade universal.
riu atrás de mim, e, por um segundo, tudo pareceu absurdamente confortável. Familiar, mesmo que ele estivesse entrando agora na dinâmica.
— Você dirige como um velho — provocou após a primeira curva lenta demais.
— E você tem cara de quem foi expulso de um comercial da Calvin Klein por excesso de ego — retrucou.
— Obrigado — respondeu com um sorriso.
Eu ri. Alto demais. E por um segundo, os dois olharam pra mim. com aquele ar de "te conheço", e com o ar de quem queria conhecer mais.
Sarah realmente tinha entrado na minha mente.
— Achei que você fosse desistir — retrucou, sem nem olhar pra trás.
— E perder a chance de passar uma semana com você me dando dor de cabeça? E mais três horas de playlist inquestionável? Jamais.
— Questionável é sua caligrafia de médico.
Touché.
bufou, mas riu. Eu, por outro lado, girei no banco para encarar . Fazia meses que não o via de perto. Talvez porque ele morasse longe e vivesse imerso em plantões e turnos intermináveis de hospital. Ou talvez porque eu evitasse. Por motivos pessoais. Ele estava ainda mais bonito do que eu lembrava. O cabelo castanho estava mais curto, a barba bem feita, e os olhos dele continuavam aquele tom esquisito de âmbar com mel, fazendo eles parecerem ainda mais atentos do que antes. tem um jeito que faz a gente se sentir examinada sem ser tocada, o que, na minha cabeça, dava total sentido ao fato dele ser médico.
— Oi, — ele disse, com um leve sorriso que me desmontou meio centímetro por dentro.
— Oi, doutor — brinquei, tentando parecer casual enquanto me virava de volta pro painel.
— Não estou de plantão. Pode me chamar só de .
bufou.
— Tá vendo? — resmungou. — Esse é o problema. Você vive dando corda pra ele. Daqui a pouco ele vai medir nossa pressão na beira da piscina.
— Eu não ligaria em aferir a pressão dela. — respondeu, já ajustando o cinto como se preparasse para um procedimento.
O contraste entre eles era quase cômico. Enquanto dirigia com uma mão no volante, outra no celular trocando a música, cantando alto e se alongando no banco como se o carro fosse um parque de diversões, estava com a postura ereta, mochila perfeitamente alinhada ao lado, e os óculos escuros retos no rosto.
Eu me sentia entre dois mundos.
— Quantas horas mesmo até a casa? — perguntei, tentando me concentrar em qualquer coisa que não fosse a tensão que só eu parecia sentir.
— Umas três e meia com sorte — respondeu. — Mas a playlist tá pronta, os snacks estão no porta-luvas e, se vocês se comportarem, posso deixar cada um escolher duas músicas.
— Democracia — murmurou. — Um conceito que meu irmão claramente ainda não entendeu.
ergueu o dedo do meio pelo retrovisor, e eu ri, encostando a cabeça no banco. Enquanto gritava que a playlist dele era “perfeita, imaculada, digna de Grammy”, apenas riu e sugeriu que, se tocasse Dua Lipa mais uma vez, ele ia pular do carro em movimento.
— Você não tem o menor gosto musical — rebateu.
— Tenho sim. Só não gosto de sofrer ouvindo “Levitating” pela trigésima vez.
— Levitating é um hino. , fala pra ele.
— Eu gosto. — Dei de ombros, rindo. — Mas talvez não trinta vezes.
— Traição vinda dos dois lados. É isso. — dramatizou, batendo a mão no volante. — Preciso rever minhas amizades e meus laços de sangue. É sério, , se você cair nessa conversa de médico bem-sucedido que sabe usar palavras como “sistematização” e “nebulização”, você vai me decepcionar — continuou, jogando uma bala na boca.





A casa de praia era do jeitinho que descreveu: espaçosa, com janelas grandes, um deque de madeira que dava direto pra areia e uma brisa salgada que já invadia os cômodos mesmo com a porta fechada. Assim que entramos, correu pra garantir o quarto com vista pro mar. Eu e fomos ficando pra trás, meio rindo, meio carregando sacolas.
— Ele faz isso toda vez? — perguntou, pegando minha mochila com uma das mãos e jogando a dele no ombro.
— Sempre. E ainda finge surpresa quando a vista é bonita.
— Previsível.
— Você fala como se fosse melhor.
— Eu sou — ele respondeu, com aquele sorriso meio cínico e meio confiante que só ele sabia dar. — Só não me vanglorio tanto quanto ele.
— Duvido. Aposto que você tem um quarto preferido calculado desde antes de sair de casa.
— Segundo andar. Lado esquerdo. Melhor circulação de ar.
— Aha! Sabia!
Rimos juntos enquanto subíamos as escadas. abriu a porta do quarto com calma, como se já fosse dele, e colocou minhas coisas na cama com gentileza.
— Pode ficar nesse. Eu fico no do fundo.
— Você vai me dar o segundo melhor quarto?
— Se eu ficar aqui e você reclamar depois, vou me sentir culpado. E culpa atrapalha meu sono.
— Que cavalheirismo torto.
— Funciona, não funciona?
— Talvez — disse, sorrindo enquanto arrumava meus travesseiros. — Obrigada, . Eu aceitaria com muito prazer, mas me convidou pra dormir com ele. Você conhece o seu irmão, daqui a pouco essa casa vai estar cheia de gente e vamos precisar ter de duas a três pessoas em uma cama.
Ele me encarou por um segundo a mais que o necessário. E foi aquele segundo que me fez virar de volta pro travesseiro só pra fingir que não percebi. Ele concordou, depois levou minhas bolsas para o quarto do , depois disso descemos e encontramos abrindo uma cerveja na varanda, com os pés já sujos de areia.
— O dono da casa chegou — ele anunciou, jogando uma almofada no sofá. — Deixei o quartinho dos fundos pra você, . Cabe certinho seu ego inflado e sua moralidade questionável.
— Prefiro dormir com o ego do que com areia na cama. Você deixou a janela aberta de novo.
— Ventilação natural.
— Sujeira gratuita.
— Amor de irmão — completei, me jogando no sofá ao lado de .
já teve bom gosto em ficar comigo, você viu? — falou, dando um gole na cerveja.
— Ela só ficou com você porque não sabia que tinha opção — rebateu com a voz calma, mas com aquele olhar sagaz que fazia tudo parecer mais provocação do que argumento.
— Cala a boca, doutor.
— Fato. Confirma, ? — olhou pra mim com uma sobrancelha levantada.
— Eu só vim pela piscina.
Os dois riram. , mais alto. , mais contido. E eu, no meio da tempestade de piadas internas e pequenas guerras de afeto. Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, então me encarou. Sério demais, pensativo demais.
— Só… para com isso, .
— Com o quê?
— De ficar fazendo esse charme todo. Ela já te acha atraente demais.
O silêncio que se seguiu durou exatamente três segundos. Mas foi tempo suficiente pro meu rosto ficar vermelho até a raiz do cabelo.
cruzou os braços e me olhou de lado, divertido.
— Acha mesmo?
— Cala a boca — murmurei, me enfiando na almofada.
revirou os olhos, mas sorriu no fim. Fiquei mais uns segundos afundada na almofada, tentando reorganizar meus neurônios enquanto foi para a cozinha e organizou as compras que tínhamos feito. voltou a mexer no celular, distraído.
— Eu… não pensei. Só falei. Saiu.
— É, saiu mesmo.
Ficamos em silêncio por um instante. Apesar do que ele falou, não era um silêncio desconfortável. Mesmo com toda a bagunça emocional ainda pairando no ar. Com era sempre assim: mesmo quando o mundo parecia de ponta-cabeça, ele era meu ponto de equilíbrio. O cheiro de alho e cebola começou a invadir a sala, e apareceu na porta da cozinha com um pano jogado no ombro e um olhar casual.
— Vou fazer macarrão com camarão e molho branco. Vocês vão querer ou preferem pedir algo?
— Camarão? — fez uma careta. — Eu prefiro comer areia.
— Isso pode ser arranjado — respondeu, sério.
— Vou querer — falei rápido, levantando a mão.
— Sabia que você era a mais evoluída dos dois — ele disse, piscando pra mim antes de voltar pra cozinha.
me olhou de lado, como se não tivesse certeza se deveria se ofender ou rir.
— Ele sempre foi o filho perfeito, sabia?
— É mesmo?
— Notas altas, curso de medicina, ajudava na igreja, nunca quebrava nada em casa… enquanto eu... bom, você me conhece.
— Conheço. E gosto de você mesmo assim.
Ele sorriu de canto.
— É, eu sou mais divertido.
— Até o momento em que você decide quebrar o nariz de alguém numa briga de bar.
— Aquele cara mereceu.
— A única coisa que ele fez foi me beijar.
se endireitou no sofá, seu olhar ficou mais sério.
— Não. Ele estava com a mão quase entrando por baixo da sua saia. Na frente de todo mundo.
— Ainda assim…
— Eu só fiz o que qualquer amigo faria. — disse, com um ar cínico e heroico que só ele conseguiria sustentar.
Suspirei, cruzando os braços.
— Ah, claro — disse, contendo um sorriso. — Um amigo que quebra narizes em nome da moral e dos bons costumes.
Ele riu, baixo, como se não quisesse.
— Eu sou um amigo extremamente comprometido.
— Você podia ter resolvido isso sem quebrar o nariz dele.
— E perder a chance de bancar o cavaleiro de armadura ferrada? Jamais.
— Ferrada mesmo. O sangue nem saiu da sua camiseta até hoje.
— Mas você ficou impressionada.
Ele se inclinou para mais perto, seus olhos prenderam-se aos meus e o sorriso desafiador voltou a ocupar seus lábios, aos poucos.
— Fiquei? — arqueei uma sobrancelha.
— Ficou. Você só finge bem.
Revirei os olhos, encostando a cabeça no encosto do sofá.
— Um dia ainda vão te expulsar de algum bar.
— Você vai estar lá pra me tirar, então tudo bem.
Antes que eu retrucasse, surgiu na porta da cozinha com a travessa de macarrão nas mãos.
— Hora de parar com a sessão esquisita de melhores amigos que se amam e se odeiam. — anunciou com naturalidade, se aproximando com uma colher na mão. — Vamos comer, porque eu estou morrendo de fome e, felizmente, tudo já era pré-pronto. Quando os acompanhamos, ele colocou a travessa no centro da mesa e virou-se pra mim com um sorriso mais suave do que o normal.
— Espero que tenha acertado no ponto do molho. Fiz especialmente pra você.
— Pra mim? — perguntei, erguendo levemente o canto da boca.
— Claro. Você é a única aqui com bom gosto — disse, ignorando completamente o olhar fulminante que lançou. — O ainda acha que nuggets contam como refeição.
— Nugget é uma refeição — respondeu, seco. — Sentei à mesa, observando com um pouco mais de atenção.
— Vai comer ou vai vigiar? — perguntei, cutucando com o cotovelo.
Ele fingiu um sorriso.
— Só tentando entender como o virou chef gourmet de repente.
— Eu só cozinho bem pra quem merece — respondeu, voltando a me encarar por cima do copo de vinho.
— Vou lembrar disso quando a comida estiver horrível — murmurei, tentando suavizar o clima.
riu.
— Eu topo ser lembrado por você.
derrubou o garfo na mesa.
— Merda.
— Que foi? — perguntei, tentando esconder o sorriso.
Ele pegou o talher com um suspiro exagerado.
— Nada. Só deixei cair.
serviu um pouco de macarrão no próprio prato, mas antes de começar a comer, olhou em volta da mesa, como se esperasse por mais gente.
— Somos só nós três mesmo? — ele perguntou, casual, mas com um leve tom de curiosidade por trás.
— Por enquanto, sim — respondeu, sem levantar os olhos do prato. — O pessoal deve chegar mais tarde.
— Que pessoal? — perguntei, limpando a boca com o guardanapo.
— Alguns amigos nossos. — ele respondeu, dando de ombros. — Ash, Luke, Tessa, Nolan e Ivy. Disseram que saíram mais tarde, devem chegar depois das nove.
assentiu devagar, fingindo naturalidade enquanto mastigava, mas o músculo da mandíbula dele pareceu travar por um segundo.
— Acho que não conheço ninguém além de vocês dois.
ergueu os olhos.
— Conhece a Ivy — disse, como quem solta uma lembrança proposital. — Ou já esqueceu o verão passado?
deu um meio sorriso, mas não rebateu de imediato. Pegou o copo, bebeu um gole de vinho e só então falou:
— Foi só um beijo.
— É, ninguém estava muito exigente naquela época — murmurou, mexendo na comida.
O silêncio se instalou por um momento. E, ao perceber o desconforto evidente na sala, tentei mudar de assunto.
— Eles vão ficar todos aqui? — perguntei, tentando soar casual.
— Sim. Tem espaço, essa casa é enorme. — respondeu, ainda sem me encarar de verdade.
— Se precisar, posso dividir o meu com a . Não me importo.
cruzou os braços, largando o garfo e começando a olhar o irmão.
— Que gentil da sua parte, mas ela já tem onde ficar.
se virou, serviu o próprio copo e o meu antes de voltar para a cadeira.
— Ainda assim, a oferta continua de pé.
— Obrigada — respondi baixo, sem saber exatamente pra qual dos dois.
pegou o garfo de novo, mas não voltou a comer. Os olhos dele ficaram fixos em algum ponto da mesa, como se digerissem algo que não tinha nada a ver com o jantar.
— De qualquer forma — retomou, ajeitando a manga da camisa —, é bom saber que vai ter casa cheia. Gosto de gente. Dá vida ao lugar.
— E barulho — rebateu, com um sorriso curto. — Você sempre detestou o caos.
deu de ombros, como se fosse um elogio. Me mexi na cadeira, desconfortável com a troca.
— Vou checar minhas coisas, então — falei, empurrando levemente o prato. — Acho que deixei minha escova no carro.
— Eu te ajudo — os dois disseram ao mesmo tempo.
Nos entreolhamos. apertou os lábios, como se já estivesse arrependido de ter falado. levantou antes, pegando as chaves do balcão.
— Eu acompanho, tá escuro lá fora.
Assenti, sem graça, e o segui até a porta. Assim que saímos, senti o ar frio da noite me envolver. caminhava ao meu lado, em silêncio, com as mãos nos bolsos da calça.
— Você não precisava vir. Eu aguento uma escova de cabelo sozinha — brinquei, tentando aliviar. Ele me olhou de lado, com aquele mesmo olhar que vinha me incomodando desde a cozinha, não porque era ruim, mas porque era diferente. Atento. Direto demais.
— Eu sei — ele respondeu. — Mas a companhia é boa.
Sorri de leve, sem saber como responder. não era exatamente sutil. Mas também não era desrespeitoso. E era esse meio-termo que ele tinha que mexia comigo, com todas as minhas estruturas e mais algumas que eu mal sabia existir..
— Você e o são bem próximos, né? — ele comentou, ao destravar o carro pra mim.
— Desde sempre — respondi, abaixando o olhar.
Ele assentiu, como quem confirma uma teoria.
— Nunca passou disso?
Virei o rosto devagar, encarei-o por um segundo mais longo do que gostaria.
— Não. Nunca passou.
— Entendi — ele disse, mas o jeito que sorriu era quase como se dissesse que não acreditava. Peguei a escova no banco de trás e fechei a porta com mais força do que pretendia. Quando voltei a encará-lo, ainda estava lá, parado, com mãos nos bolsos e expressão calma. — Bom saber.
E então, como se nada tivesse acontecido, ele virou de costas e foi em direção à casa.




A primeira a atravessar a porta foi Ivy.
O salto dela ecoou sobre o chão de madeira como um anúncio. Perfume doce e forte, vestido justo e confiança espalhada como tinta fresca por onde passava. Ela entrou como se a casa fosse dela, como se todos nós estivéssemos ali esperando por sua chegada, mas o olhar dela não percorreu o ambiente. Foi direto para .
There you are. — disse, com aquele sorriso que mistura charme e território marcado.
estava perto da bancada, servindo vinho em dois copos, o dele e o meu. Ele pausou o movimento por um segundo antes de erguer os olhos para ela. Eu vi quando o sorriso dele surgiu, lento, contido. Polido. E ligeiramente desconfortável.
— E perder essa recepção calorosa?
Ela atravessou a sala e o abraçou com aquela familiaridade que beira o incômodo. Não foi um abraço casual, de “amigos que não se veem há tempos”. Teve dedos se demorando nas costas, teve corpo encostando demais. E eu, que nem queria ou deveria me importar, senti os segundos longos demais. A maneira como ele demorou a soltar os braços. E senti, também, o olhar de sobre mim. Ele estava parado ao meu lado, de braços cruzados, quando inclinou o rosto em minha direção, como quem sabe demais e não vai dizer nada.
— Aposta quanto que ele não dura nem dois dias? — disse, com a voz baixa e leve, mas os olhos não tinham nada de leve.
— Quem? ? — tentei parecer desinteressada, mas não soou convincente nem pra mim mesma.
— Com essa gente toda falando ao mesmo tempo, música alta, colchão no chão da sala, drama surgindo do nada… — ele balançou a cabeça. — Vai pedir arrego até domingo.
— E você quer apostar comigo mesmo sabendo que eu vou ganhar?
— Eu conto com sua compaixão — ele respondeu, e dessa vez o olhar dele foi gentil, quase cúmplice. — E com a chance de te fazer pagar uma prenda quando perder.
Eu sorri, sacudindo a cabeça, tentando ignorar o fato de que ainda estava conversando com Ivy do outro lado da sala. Os dois riam agora, e ela tocava no braço dele como quem não precisava de permissão. Acho que me incomodei porque a atenção dele, pela primeira vez no dia, não estava voltada para mim.
— Arrogante — falei para , me forçando a manter o tom descontraído.
— Realista.
Mais vozes surgiram perto da porta. Nolan e Luke entraram conversando alto, cheios de piadas internas e energia demais para esse horário. Tessa veio logo atrás, arrastando uma mala quase explodindo, e já girou no meio da sala como uma criança em um parque de diversões.
— Essa casa é insana! — ela gritou. — Sério, quem teve essa ideia foi um gênio.
— Fomos nós dois — respondeu, apontando pra ele e pra . — Mas só um aqui é um gênio.
— O outro é você? — Ivy rebateu, sem olhar pra ele.
Uma pequena faísca brilhou nos olhos de , mas ele não disse nada. Se limitou a sorrir curto, com aquele jeito de quem registra a ofensa mas não tem energia pra responder. A casa ficou cheia de risadas, malas sendo arrastadas, música já conectada na caixa de som, gente sentando no chão, gente abrindo a geladeira. E eu ali no meio, pensando por qual maré seria arrastada primeiro. Me sentei no sofá com o copo de vinho que tinha me servido. Ivy se jogou ao lado de , tão próxima que suas pernas roçavam. Ela sorria demais, falava demais. E não parecia tão incomodado, mas também não parecia inteiro. Às vezes desviava o olhar. E, uma ou duas vezes, esse olhar pousou em mim.
Rápido demais. Discreto demais.
Mas eu vi.
— Tá sentindo isso? — ele perguntou, baixinho, de novo perto demais. O calor do corpo dele contrastava com a brisa que vinha da porta aberta.
— O quê?
— O cheiro do apocalipse.
Soltei uma risada verdadeira dessa vez, e ele sorriu também, mas os olhos ainda estavam em mim. Como se perguntassem algo que ele nunca diria em voz alta.
— Vai sobreviver? — perguntei.
— Só se você prometer continuar me protegendo da Tessa falando da dieta dela e do Luke tentando me convencer a fazer yoga de manhã.
— Um herói não escolhe suas batalhas — falei, encenando.
— Mas escolhe com quem divide o quarto. E o meu sempre vai estar disponível pra você.
Meu riso morreu na garganta. Porque os meus pensamentos não se limitaram a divisão do quarto. Ao invés disso, foram direto pra cama. Com ele. Foi nesse momento que Ivy riu alto do lado de . Alto demais. Como se quisesse nos lembrar que estava ali. sorriu também, mas parecia distraído. E por um instante, mesmo com toda aquela confusão em volta, tive a certeza de que ninguém ali queria estar em outro lugar além de onde eu estava.
O que era estranho. Porque eu mesma ainda não tinha certeza se queria estar ali.
— Dois dias — repetiu, olhando pro irmão com um riso enviesado.
— Eu vou fazer ele ficar aqui a semana inteira. — respondi, mais pra mim mesma do que pra ele.
— Fechado. E quando eu ganhar… você vai ter que me deixar escolher o filme da noite.
— Isso nem é punição.
— Vai ser, quando eu escolher um documentário sobre a história da escova de dentes.
— Eu retiro minha aposta.
— Tarde demais.
A noite pareceu ter sido empurrada, acelerada por quem quer que tivesse o controle dela. Cada minuto que passava, alguém abria uma garrafa nova, aumentava o som ou ria alto demais. O sofá já estava ocupado por quatro pessoas encolhidas como sardinhas, e duas malas tinham virado apoio de copos na sala. Nolan achou o interruptor que ligava as luzes coloridas do teto, as mesmas que ninguém sabia que existiam, e agora a sala oscilava entre tons de rosa, azul e roxo, como uma boate improvisada no meio das montanhas.
— A gente devia jogar alguma coisa — Tessa sugeriu, com a voz empolgada de quem claramente já estava no segundo ou terceiro drink.
— Strip poker! — Luke gritou, e imediatamente levou uma almofadada na cabeça da Ivy.
— Você só quer isso porque vive ganhando. — ela rebateu, fazendo todos rirem.
— Que tal Eu Nunca? — Ivy sugeriu, cruzando as pernas sobre o tapete, bem na frente de . Ele estava sentado na poltrona, uma perna apoiada sobre a outra, copo de vinho na mão. E mesmo com toda a luz piscando, eu juro que vi os olhos dele me procurando quando Ivy fez a sugestão.
— Eu Nunca é jogo de criança — comentou, largado no canto do sofá, mas com um sorriso preguiçoso no rosto.
— E mesmo assim, você sempre sai mais bêbado que todo mundo — Nolan retrucou, já puxando uma garrafa de tequila pra frente.
— Vai fingir que não quer brincar? — perguntei a , levantando uma sobrancelha.
— Eu nunca disse isso — ele respondeu, sorrindo torto.
A roda se formou com um caos natural. Copos foram enchidos, travesseiros jogados pro chão, Tessa apagou algumas luzes, e em poucos minutos estávamos todos sentados em círculo, como adolescentes numa cabana sem regras. O que era um perigo.
— Regras básicas — Luke começou, erguendo o copo. — Se já fez, bebe. Se não, observa os degenerados ao seu redor.
— Perfeito — Ivy disse, piscando pra , que não reagiu. Ele só bebeu mais um gole e se ajeitou na poltrona.
— Posso começar? — Tessa perguntou, já animada. — Eu nunca beijei dois irmãos.
Um coro de “wow” ecoou, e até eu fiquei surpresa. Meu olhar foi automático pra . Depois pra . Nenhum dos dois se mexeu.
Ivy bebeu.
— Isso foi um tiro no escuro ou você sabia? — Nolan perguntou, rindo.
— Intuição feminina — Tessa respondeu, com um sorriso afiado.
— Não sei se fico preocupado ou impressionado — Luke murmurou, e todos riram.
— Sua vez, falou, me olhando com aquele olhar leve, mas profundo ao mesmo tempo. Indecifrável. Eu demorei um segundo. Havia algo na brincadeira que me fazia sentir exposta. Talvez fosse essa a intenção, no fim das contas.
— Eu nunca me arrependi de uma escolha que fiz no último verão — falei, devagar. E nem sei dizer se perguntei aquilo porque fiquei com ciúmes da atenção que Ivy recebia ou porque eu mesma me arrependia do quase beijo com o , quando ele estava bêbado demais pra lembrar no dia seguinte.
O silêncio foi quase imediato. me encarou. desviou os olhos.
E então bebeu.
Não rápido. Mas também não devagar. Um gole firme, um olhar direto nos meus. Meu peito apertou. Talvez eu devesse ter escolhido algo mais genérico.
— Pesado — Ivy comentou, mas não riu. Talvez porque ela soubesse exatamente o que eu quis dizer. Talvez porque ela soubesse que não era sobre ela. Ou talvez porque soubesse que era.
— Minha vez — disse, voltando a encarar todos, a expressão levemente mais fechada. — Eu nunca tive ciúmes de alguém que nunca foi meu.
Silêncio. Dessa vez, mais denso.
Eu bebi. De novo. E dessa vez, também.
Os dois ao mesmo tempo. E só nós dois.
Os olhos de pousaram em mim por um segundo a mais. Não acusadores. Só doídos, eu acho. No fim, ele bebeu também.
— Alguém tem algo mais leve pra dizer ou já podemos todos nos entregar à terapia coletiva? — Nolan brincou, tentando tirar o clima tenso.
— Eu nunca dancei bêbado em cima de uma mesa — Tessa disse, rindo.
Metade do grupo bebeu. Incluindo , que apontou pra Ivy.
— Ela quase quebrou uma estante numa festa da faculdade.
— Isso é difamação! — ela respondeu, rindo, mas dessa vez não olhou pra .
O jogo seguiu por mais algumas rodadas, mas a atmosfera não era mais a mesma. Depois de um tempo, Tessa e Luke foram atrás de cobertores, Nolan sumiu na cozinha e Ivy se deitou no sofá, pegando o celular. ainda estava sentado perto de mim, ombros quase tocando os meus, os olhos meio fechados como se calculasse o próximo movimento. Senti se mexer ao meu lado. Ele se espreguiçou devagar, passando por trás da cabeça antes de se jogar de lado no sofá, com os pés ainda no chão.
— Me empresta um pedacinho aí. — A voz dele soou baixa, quase sonolenta.
— Você já tá metade aqui — respondi, rindo, enquanto deslizava um pouco pro lado.
Sem aviso, ele se ajeitou, deitando de lado atrás de mim e passando um braço em volta da minha cintura, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fiquei tensa por um minuto. Só um. O tempo suficiente pra sentir o corpo dele encaixar no meu. Quente. Calmo. Sem pressa.
— Tá confortável? — sussurrei, sem virar o rosto.
— Mais do que deveria estar — ele respondeu e o seu queixo roçou levemente meu ombro. Rimos baixinho, e por um instante, parecia que nada lá fora existia. Só a respiração dele no meu pescoço, o calor do corpo dele contra o meu e o som abafado de vozes e passos no andar de cima.
— Lembra daquela vez na praia, quando você me empurrou na fogueira? — ele perguntou, de repente.
Soltei uma risada abafada, tentando não chamar a atenção de ninguém.
— Não te empurrei na fogueira. Te empurrei perto da fogueira. Detalhes importantes.
— Minhas sobrancelhas não acham que foi só “perto”.
— Você ficou semanas me chamando de incendiária — murmurei, rindo, me virando só o suficiente pra ver o canto da boca dele curvar.
— Porque foi divertido fazer você tentar se desculpar. Você sempre fica meio atrapalhada quando se sente culpada.
— Eu não fico atrapalhada — rebati, mas minha voz falhou no final.
Ele riu baixinho, puxando-me levemente para mais perto.
— Tá vendo? — ele sussurrou. — Ficou agora.
Fiquei quieta por um momento, absorvendo aquilo. O jeito como ele me conhecia. As pequenas provocações. A forma como, mesmo sem dizer nada, ele fazia com que eu me sentisse tão segura.
— Não pensei que você fosse ser o primeiro a desabar no sofá — falei, tentando mudar de assunto.
— E perder a chance de dormir perto de você? — ele disse sem pensar. E quando notou, se calou por um instante. — É o lugar mais quentinho da casa.
Virei o rosto devagar, e nossos olhos se encontraram. Ficamos em silêncio por mais algum tempo, até que seu rosto mexeu de um lado para o outro em meu ombro, arranhando levemente e cheirando o meu cabelo.
— Você vai ficar com ele?
A pergunta escapou dele como um sussurro entre a respiração quente contra meu pescoço. Tão baixa que, por um momento, pensei ter imaginado. Mas o aperto sutil da mão dele na minha cintura confirmou: ele disse. E queria saber a resposta. Minha garganta secou. Fiquei imóvel, sentindo o corpo dele colado ao meu, o peito subindo devagar nas minhas costas, como se ele tivesse prendido o fôlego junto comigo.
— Eu não sei. — Murmurei, de forma simples. era bonito e claramente estava flertando comigo. Era uma possibilidade, de certa forma. E eu tinha essa regra tola de nunca mentir para o . — Eu nem sei se ele quer.
— Ele quer. — disse, rápido demais. Fiquei em silêncio, tentando entender se aquilo era só sobre o ou se era sobre mim também.
— Isso é sobre você ou sobre ele? — perguntei, ainda sem olhar pra trás.
respirou fundo. A mão dele ainda estava na minha cintura, mas agora os dedos traçavam um padrão leve, distraído, como se o toque o ajudasse a pensar.
— Eu não sou bom nisso. — Ele deu uma risadinha seca.
Não respondi. Não porque não havia o que dizer, mas porque qualquer coisa que eu dissesse naquele momento pareceria menor do que aquilo que eu estava sentindo. Mesmo não falando nada senti que, talvez, ele soubesse. Porque me puxou mais, até que meu corpo estivesse colado ao dele, até que nossas pernas estivessem entrelaçadas no sofá estreito, até que o queixo dele estivesse apoiado de leve na minha cabeça. Nenhuma outra palavra foi dita. nunca implorava. Nunca pedia. Ele só deixava as portas entreabertas e esperava que eu escolhesse entrar.
E mesmo com tudo acontecendo à volta, o único lugar onde eu queria estar era exatamente onde estava. Entre os braços de quem nunca me disse com todas as letras, mas sempre deixou claro. Que, se eu quisesse, ele seria meu lar.
— Não fica com ele. — Meus olhos se abriram devagar, mas não me virei. Não precisei. A dor estava toda na voz dele. — Por favor — ele continuou. — Não ele.
Me virei levemente, só o suficiente pra que meu rosto quase encostasse no dele. E naquele breve espaço entre a nossa pele, onde a respiração dele ainda tocava minha boca, onde os olhos dele ainda não conseguiam me encarar de verdade, tive vontade de dizer que não faria isso. Que não ficaria com . Que não queria complicar as coisas. Mas não disse.
— Não é justo me pedir isso.
E realmente não era. E era isso que doía mais.
Porque ele não estava pedindo pra ficar comigo.
Estava pedindo pra não perder.
— É, eu sei. Só... não deixa ele bagunçar você demais, tá? — ele pediu, como quem fala com cuidado demais pra não assustar. — Já tem bagunça suficiente aqui.
Subi as escadas devagar, tentando não pensar demais. Quando empurrei a porta do quarto, a luz suave do corredor se espalhou até metade do ambiente. estava deitado na cama, uma das mãos atrás da cabeça, o peito nu se movendo num ritmo calmo, calmo demais pra alguém que eu sabia estar remoendo alguma coisa. Fiquei parada ali por um segundo. E, por um instante, só observei. Depois, com a ousadia que só a intimidade traz, subi na cama e me deitei em cima dele, encaixando meu corpo ao dele como se fosse algo automático.
— Tá tudo bem entre a gente? — perguntei, num sussurro, com o queixo apoiado no peito dele. Ele não respondeu de imediato. Ficou olhando o teto, como se pesasse as palavras. Quando finalmente falou, sua voz soou baixa e embargada.
— Você sabe como foi o último relacionamento do , né?
Ergui os olhos, surpresa com o quão direto ele tinha sido, no entanto, era o . É claro que ele seria direto demais.
— Só sei que foi complicado.
riu sem humor.
— Complicado é pouco. Foi um relacionamento merda. Tóxico. Ela era ciumenta, manipuladora, fazia drama por tudo. E mesmo assim, ele sempre voltava. Sempre. Porque ela sabia exatamente onde apertar. Ela liga pra ele quase toda noite, manda mensagem e, às vezes, aparece chorando na porta do apartamento dele, como se ele devesse algo pra ela.
— E ele ainda está com ela?
— Não. Ele tenta fugir — disse rápido. — Mas o tem esse lado de querer salvar todo mundo. Especialmente quem quebra ele primeiro.
Ficamos em silêncio por alguns instantes, e eu absorvi aquilo. passou a mão pelas minhas costas devagar, leve, quase distraído, mas eu senti o peso na respiração dele.
— Só me promete uma coisa — ele disse de repente.
Levantei a cabeça, surpresa com a mudança de tom.
— O quê?
Ele virou o rosto na minha direção e, quando me encarou, os olhos estavam mais escuros, mais sérios do que eu lembrava.
— Se você for ficar com ele… me dá um tempo. Umas semanas. Só pra digerir. — A voz dele falhou no final. — Pra aceitar.

— É só um pedido. Não tô te pedindo pra não fazer. Só... não joga isso em cima de mim sem me deixar respirar, tá?
Meu peito apertou, porque eu conhecia . Tão bem como me conhecia, eram dez anos de amizade, dez anos que me faziam sentir dor física. Porque ele não estava fazendo drama. Ele só estava tentando não desmoronar.
— Prometo — sussurrei.
Ele assentiu, fechando os olhos por um momento. Eu deitei minha cabeça contra o peito dele, ouvindo o coração bater mais rápido do que eu esperava. O braço dele envolveu minha cintura devagar.
— Obrigado por ainda dormir aqui. — ele disse, depois de um tempo.
— Eu não conseguiria dormir com ninguém além de você.
E era verdade.
Mesmo com tudo fora de lugar, ele ainda era o único lugar que parecia casa. Ficamos assim por um tempo. Nenhum de nós falou mais nada, mas a ausência de palavras não era incômoda, na verdade ela era quase necessária. Como se qualquer frase dita pudesse quebrar o que quer que fosse aquilo que a gente ainda não sabia nomear. O peito dele subia e descia sob minha bochecha, e vez ou outra, o braço ao redor da minha cintura apertava de leve, como se ele precisasse confirmar que eu ainda estava ali.
E eu estava.
Mesmo sem saber o que significava.
Mesmo sabendo o quanto tudo era complicado.
Eu estava.
Meus dedos traçaram devagar a linha de uma das tatuagens no braço dele, tentando ocupar o silêncio com algo que não fosse só pensamento, no entanto, era inútil. Porque pensar em era automático. E dolorosamente fácil. Por que doía tanto estar perto dele, mesmo quando era exatamente onde eu queria estar?
Ele virou o rosto na minha direção, o nariz tocando meu cabelo. Seu suspiro foi longo, quente contra minha pele.
— Você tem um jeito único de chegar nas coisas devagar, mas quando vê, já bagunçou tudo — ele murmurou, quase sem som. — E mesmo assim, eu não consigo querer você longe.
Fechei os olhos, tentando impedir que aquilo me afetasse mais do que já afetava.
— A gente é complicado — sussurrei. — Alguns dias mais do que outros.
— Hoje é um dos piores — ele respondeu com um sorriso pequeno, melancólico, e deslizou os dedos pela curva do meu quadril com cuidado.
— Mas mesmo assim — pausei, deixando o fim da frase suspenso no ar. Mesmo assim eu estava ali. Mesmo assim ele não me afastava e eu muito menos. Mesmo assim a gente continuava se encontrando nos espaços onde não podia e talvez não devia.
— Fica mais um pouco? — ele pediu, quase adormecido.
— Não vou a lugar nenhum — respondi.
Eu já estava quase dormindo quando senti o toque dos dedos dele subirem devagar pela minha costela. Era leve, como se ele não tivesse certeza se queria fazer aquilo. Mas ele fez. E eu não impedi.
— Você ainda tá acordada? — a voz dele veio rouca, mais arrastada. Baixa demais, quase um sussurro bêbado.
Assenti com a cabeça, roçando o queixo contra o peito dele. Senti ele rir, baixinho.
— Eu bebi demais — ele admitiu, com um tom que parecia meio culpado, meio despreocupado.
— Percebi — murmurei, virando um pouco o rosto para encará-lo. Nossos narizes quase se tocaram. Os olhos dele estavam meio fechados, vermelhos nas bordas, e o sorriso que surgiu foi um dos mais desajeitados e lindos que eu já tinha visto ele dar.
— Acho que se eu fosse mais sóbrio, teria mais noção do quanto isso aqui é confuso — ele disse, piscando devagar.
— E teria mais medo de fazer alguma besteira?
— É — ele riu.
Antes que eu pudesse responder, ele se inclinou um pouco. O movimento foi torto, desajeitado. O tipo de coisa que só acontece quando tem intimidade demais e limites de menos. A boca dele encostou na minha. Não foi um beijo de filme. Não foi perfeito. Foi um quase. Um deslize. Um impulso. Foi algo no meio entre o que devíamos evitar e o que não conseguíamos impedir. me virou com cuidado, me colocando por baixo com uma precisão embriagada e afobada, como se quisesse me ter mais perto do que o corpo permitia. A boca dele explorava a minha com uma intensidade que só vinha de quem esperou demais, segurou demais, desejou demais. As mãos subiram pelas minhas coxas, puxando minha perna para enrolar em sua cintura, os dedos pressionaram a pele nua sob minha camiseta como se tentasse gravar o toque. Como se precisasse daquilo pra continuar respirando.
Eu deixei.
Porque eu também precisava.
Minhas mãos estavam no cabelo dele, puxando, guiando, segurando. Meus quadris respondiam ao dele como se nunca tivessem aprendido outra coisa. E tudo era quente, intenso, urgente demais. Um amasso suado, torto, descompassado e cheio de sentimento. Daquele tipo que não se fala em voz alta.
Por um momento, esqueci de tudo.
Era só ele.
Era só a gente.
Até que parou. De repente. Com os lábios ainda colados nos meus, ele soltou um suspiro pesado. Um daqueles que vem do fundo do peito, cheio de arrependimento e lucidez atrasada. Os dedos dele subiram devagar pela barra da minha blusa, como se pedissem permissão e desculpa ao mesmo tempo. Eu podia ter afastado a mão dele. Mas não afastei. Pelo contrário, eu apenas prendi a respiração. O toque deslizou pela pele nua da minha barriga, subindo devagar, como se ele precisasse memorizar cada centímetro. A ponta dos dedos desenhou minha cintura, passou por baixo do sutiã, devagar. E mesmo que ele não dissesse uma palavra, o corpo dele falava alto.
“Me deixa.”
“Só hoje.”
“Só mais um pouco.”

Os olhos dele me encontraram no escuro. Quando nossos rostos ficaram perto demais, foi impossível evitar. se moveu por cima de mim, com o corpo inteiro pressionando o meu, como se quisesse se esconder em mim. A mão dele subiu ainda mais, tirando minha blusa com um puxão hesitante, os lábios descendo pro meu pescoço, escorregaram até o meu ombro, e passearam por minha clavícula. Ele me beijava como quem pedia perdão antes mesmo de errar. Como quem sabia que aquilo era errado, mas não conseguia parar.
E eu só queria que ele não parasse.
Minhas mãos agarraram suas costas, as unhas pressionaram a pele quente. Senti o quadril dele encaixar no meu e consegui sentir ele duro. Os movimentos se tornaram mais desesperados. Ele me beijava com força agora, arfando contra minha pele. A mão dele desceu pela minha coxa, puxando, abrindo espaço entre minhas pernas. Eu deixei. Não porque não tinha escolha, mas porque ele era a escolha.
Ele encostou a testa na minha, ofegante, com os lábios ainda colados aos meus e a voz falhando:
— Você tem noção de como me bagunça? — ele perguntou, quase num sussurro. — Do jeito mais quieto, mais seu, mais filha da puta possível? — Fechei os olhos por um segundo. Queria ter algo pra dizer. Alguma coisa que fizesse sentido. Quando abri os olhos de novo, ele já estava perto demais. E mesmo assim, ainda assim, não perto o suficiente.
As palavras dele bateram em mim como uma onda silenciosa. Eu não soube o que dizer. Porque ele estava certo. Porque ele estava errado. Porque ele era tudo que eu queria e tudo que eu não podia ter ao mesmo tempo. Ele deitou de novo, me puxando pra junto dele, como se aquilo pudesse salvar o que ainda restava da gente. A conchinha voltou. O calor voltou. As mãos dele foram parar no meu cabelo, acariciando devagar. Como se ainda fosse possível amar com delicadeza mesmo depois de quase perder o controle.
— Desculpa — ele murmurou, mas não se afastou.
— Por quê?
— Porque amanhã talvez eu diga que não lembro. Ou talvez eu finja que não aconteceu.
Fechei os olhos por um segundo, deixando a testa encostar na dele.
— Tá tudo bem — sussurrei. — A gente já finge tanta coisa mesmo.
Ficamos assim, respirando o mesmo ar, sem mais nenhum movimento. Sem outro beijo. Sem promessas. Só a bagunça entre a gente pulsando sob a pele. E, ainda assim, quando ele me puxou de volta pra conchinha, como se nada tivesse acontecido, como se tudo tivesse acontecido, eu deixei.
Porque com , era sempre assim.
Complicado.
Confuso.
Perfeito.
Meus olhos arderam, mas eu não chorei. Não naquela noite. Não enquanto ele ainda me abraçava daquele jeito. Então só puxei a mão dele pra perto da minha boca e deixei um beijo ali, na palma quente, como quem diz “eu entendo” sem precisar dizer nada. Porque no fundo, ele já sabia. Ele sempre soube. Aquela noite não foi só um deslize. Nem só tesão. Nem só carência. Foi tudo. Foi amor e confusão e medo e saudade e promessa não dita. E quando, enfim, o sono chegou, eu só desejei uma coisa: Que ele não esquecesse. Mesmo que dissesse que esqueceu. Mesmo que fingisse que não aconteceu.





Continua...


Nota da autora: Entre para o nosso grupo no WhatsApp! É lá que o coração da história bate primeiro.
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