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Revisada por: Saturno 🪐

Última Atualização: Agosto/2024.

(Dez meses desde a queda dos Vingadores)

“No interior do vórtice cósmico do Poço do Infinito, residem os conhecimentos universais inimagináveis pelos seres de menor existência. Uma criatura somente compreende todas as verdades cósmicas nas profundezas da sabedoria quando viajar além do véu e retornar. Somente ali, os olhos do Grande Deus Odin se abriram para a verdadeira natureza das seis Jóias do Infinito. As Jóias do Infinito são os artefatos mais poderosos do universo, cada uma garantindo aos seus detentores controle extremo sob um aspecto universal: tempo, espaço, realidade, mente, poder e alma. Separadas, as seis Jóias Espirituais contém poder além da compreensão. As Jóias foram parte da entidade primordial Nemesis, que, eons atrás, encerrou sua vida em detrimento a ser a única consciência no universo.
Cada Jóia é lapidada como uma gema oval, nomeadas e representantes de uma diferente característica da existência. A Jóia da Mente permite que seu detentor aprimore e obtenha habilidades mentais e psicônicas supremas, acessando pensamentos e sonhos de criaturas de superior existência. Em seu ápice, munida da Jóia do Poder, a Jóia da Mente pode acessar todas as mentes existentes simultaneamente. O acesso ao Reino Mental permite que o detentor da Jóia transforme tudo o que imaginar e sonhar em realidade no interior da Jóia, contudo, sua estadia é vigiada pelo Sleepwalker.”



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— Como é estar apaixonada? — A Dra. Hall indaga. — Como você se sente?
Tem um quinjet sendo descarregado na pista que posso ver pela janela do consultório da psicóloga, inúmeros tablados com itens envoltos em plástico transparente sendo carregados para fora pelos militares enquanto três homens são encarregados de gerenciar toda a situação com StarkPads e seus rádios. Cruzo os braços com a pergunta feita por Kate Hall, meus ombros também se tencionam, mesmo que eu possa ouvir-lhe rascunhar algo em seu bloquinho; provavelmente sobre como a dúvida me deixou nervosa e na defensiva, como a minha linguagem corporal entrega.
Contudo, não me sinto nervosa para falar sobre Peter, talvez apenas tímida. O verdadeiro problema é precisar estar de volta neste consultório e passar pela mesma situação vergonhosa como nas outras vezes que simplesmente larguei a terapia e todos os tópicos a serem tratados por ela foram anotados em um post-it por mim. Já riscamos alguns outros, o mais difícil tendo sido o do acidente e que demorou algumas horas. O sol já se pôs e estou cansada, afinal, voltar para a rotina de aulas não é nada fácil e precisar prolongar o dia com uma sessão de terapia é pior ainda. Eu esfrego meu rosto, o lip-oil que Pepper havia comprado para mim ficando grudado em minha mão. A pergunta de Hall pode ser interpretada de várias formas, mas eu sei exatamente o que ela deseja saber: se o meu amor por Peter conseguiu curar todas as minhas dores.
— Bom... Não é uma cura. — Consigo ver o reflexo da psicóloga pela janela, com sua mão sobre a protuberância em seu estômago e o dedão se movendo de cima para baixo. Aperto minha boca e volto minha atenção para o descarregamento de materiais dois andares abaixo de nós, mesmo que a minha mente esteja em Peter. — É como um ferimento — Meço bem as minhas palavras. — Como um hematoma na água quente. — Soa ridículo, mas não enxergo outra forma de comunicar à Dra. Hall como me sinto. Estou doente e meus medicamentos são a prova disso. Estou doente e cansada, mas Peter é um bálsamo. Amá-lo diminui a dor intensa, mesmo que não a cure. — Quando… — Engulo em seco, esfregando o pescoço até sentir a abelhinha em meu colar, assim como a pequenina flor. — É como tomar um banho de água quente quando tem um hematoma. O machucado e as dores ainda estão lá, mas eu tenho um bálsamo.
— Qual o nome dele? — A Dra. Hall questiona após um instante quieto entre nós.
— Peter. — A resposta é rápida e eu quase sinto vergonha. Não há dúvida.
— Peter… — Ela repete pensativa. — Peter e . — O complementar esquenta meu rosto. — Soam bem juntos.
— Obrigada — É uma resposta tão automática como dizer o nome de Peter ao descrever a pessoa que tem me ajudado mais do que nenhuma outra. Corro os dedos pelo cabelo, ainda que parte dele caia de volta sobre o meu rosto e faça cócegas no meu nariz. Minhas orelhas estão quentes. — Eu estava pensando em fazer parte do grupo de debates da escola, mas não coloquei na lista — Me afasto da janela, enfiando as mãos nos bolsos do vestido e coçando meu calcanhar com o pé, minha meia não ajudando muito. — O que acha?
Hall remove a mão do estômago, apoiando a palma inchada na cadeira e suspira.
— Acho que é uma boa extracurricular. — A ausência de um “mas” ou um “porém” em sua fala me surpreende. — Fiz parte do clube de debate no ensino médio e até fomos para o nacional. — Ela sorri um pouco. Seus sorrisos não são mais tão raros agora com a gravidez. — Mas porque tem interesse? — Aperto os lábios para conter um sorriso irônico. Entendo ser o seu trabalho questionar cada respirar meu para me ajudar a viver melhor, porém, chegamos a um ponto onde é engraçado me distrair tentando adivinhar onde o seu “mas” será encaixado no diálogo. — Você é tão tímida, . Tão quieta. — Mordo minha língua, abaixando a cabeça. Ouvir que sou tímida é sempre um motivo para me sentir mais tímida ainda. — Algo te despertou o interesse?
— O meu pai fala muito bem. Minha mãe… — Não é preciso prosseguir. Hall fez careta.
— Lembra-se do que nós conversamos antes? — É possível que esta seja a pergunta mais vergonhosa que alguém pode ouvir. É como perguntar “você não aprendeu nada?” — Sobre ser bonito que você se espelhe neles, mas não que force características que não são suas para agradá-los? Você não precisa ser exatamente como eles. — Me encosto na poltrona onde deveria estar sentada, mas não me sento. — Eles a acolheram da maneira que é. A única pessoa que não a aceita como é… — Quero sorrir, pois sei para onde isto está indo. — Bem, é você.
— Quero que se sintam orgulhosos. — Reformulo o que deveria ter dito ao mencionar as habilidades dos meus pais. Também desejo ser como eles, porém quero que gostem do que vou ser. — Sei que não deveria me sentir assim, mas...
— Se sabe que não deveria se sentir dessa forma, por que está ouvindo essa voz na sua cabeça que te diz o contrário? — Hall é cirúrgica e eu aperto a boca. — Acha que o seu pai a levaria de volta para a Hydra? Acredita que alguém teria coragem de fazer isso? — Seu exagero não me agrada. Tony não faria isso e nós duas sabemos, mas é a sua forma de dizer que minha ideia é tão insana quanto essa possibilidade. — O seu pai, aquele que te acolhe quando você chora e a sua mãe que está radiante com o casamento e me falou o quão linda você estava em um Zuhair Murad? Acha que eles iriam deixá-la por não ser a cópia de carbono deles? — Me prendo na conversa que Hall supostamente teve com meus pais. — Eles te escolheram, .
— Eu não quero que se arrependam dessa escolha. — Confesso e bato as mãos nas pernas como Pepper costuma fazer quando está impaciente com Tony. Bufo quando ela ergue a sobrancelha e sorri com gentileza. — Se você vier com uma analogia...
— Você se arrepende de escolher eles? Por que também foi uma escolha. — Meu grunhir é alto e eu pendo a cabeça para trás, esfregando as mãos no tecido do vestido. Ainda estão grudentas. — Não espera que Tony Stark seja igual a você, mas acha que ele quer que você seja a versão feminina dele? E o que acharia da Pepper ser ansiosa como você? Calada como você? Amedrontada como você?
— Obrigada. — Meu sorriso não é tão falso como eu gostaria que fosse. Hall não facilita.
— Estou dizendo que a escolheram pelas mesmas características que você quer mudar. — Ela dá de ombros para minha insatisfação. Sua honestidade é refrescante e eu penso em MJ. Penso que ela agiria assim comigo se soubesse a verdade. — A personalidade que te faz ser amada por muita gente é essa aí: tímida, reservada, um pouco mal-humorada e irritada. — Esfrego meu olho, sentindo o rímel se desfazer em meus dedos. MJ deveria ser uma terapeuta. Hall abaixa a cabeça para ler o bloquinho. — Ainda tem escondido comida no seu quarto?
— Não. — É a sua menção de meu mau-humor que me deixa mal-humorada agora.
— Ganhou peso, eu estou vendo. Mesmo doente. — Desta vez o sorriso de Hall é satisfeito e ela anota mais alguma coisa, apoiando o bloquinho sobre a barriga. — Tenta manter a alimentação como está fazendo agora que está se recuperando, . Não precisa comer tudo o que vier pela frente e depois se fartar e não comer pelas próximas duas refeições.
— É automático. — Eu suspiro, escorregando para sentar-me no braço da poltrona.
— Eu sei, mas você não precisa viver sempre no automático — Hall lembra. — Você tem a possibilidade de escolher viver, não só sobreviver no automático.


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A Jóia da Realidade permite que o seu detentor realize todos os seus desejos, ainda que em contradição com os limites da realidade existente, possibilitando o desempenhar de feitos irreais. No ápice de seu potencial de execução, quando junto às demais Jóias do Infinito, a Jóia da Realidade permite ao seu detentor modificar a conjuntura da existência em proporções cósmicas e conceber qualquer forma de realidade alternativa desejada, contudo, sua habilidade de alterar e distorcer as linhas da realidade ainda é incerta e considerada ilimitada até o momento de minha pesquisa. Há milhares de eons atrás, Melekith, Rei dos Elfos Negros de Svatalfheim, desejava utilizar-se da Jóia da Realidade para devolver o cosmos ao seu estado primordial de escuridão. Tamanha monstruosidade somente seria possível através do poder da Jóia da Realidade e sua infinita força de destruição.
Liquidificada em um fluido rubi denominado Aether, as últimas informações registradas acerca da Jóia da Realidade são referente ao Segundo Conflito dos Elfos Negros, onde, após o conflito sangrento entre os Elfos Negros e o Principe Thor, a jóia foi entregue ao Colecionador para protegê-la e foi posta em exebição no museu em Luganenhum. Luganenhum é a cabeça decapitada de um Celestial, o qual foi morto pelo Imperador Deus Destino para proteger o Mundo Bélico, e permaneceu em órbita do planeta como um lembrete do poder de Destino. Assim como as demais Joias do Infinito, a Jóia da Realidade somente poderá ser manipulada por seres suficientemente poderosos e capazes de suportar seu uso.


? — O livro quase escapa de mim quando batidas na porta me distraem. Meu StarkPad desliza pela cama quando eu me movo, a página de tradução de nórdico antigo estando na parte das sílabas enquanto meu caderno, onde tenho transcrito as frases do livro, se fecha com o meu movimento. — Tá decente?
O livro que lia é um grimório asgardiano antigo, cujo dono não pude identificar, mas que creio não ter escrito há muito tempo, uma vez que as páginas não são desgastadas e frágeis como as dos outros que tive medo de sequer folhear. Sua recente escrita é óbvia em comparação com aquele que está no chão de meu quarto, acima de um filme plástico para poupar o carpete das suas marcas marrons de sangue oxidado na lombada. O que leio é grande e possui uma capa emoldurada em prata desgastada, com um grande símbolo hexagonal no centro, assim como couro escuro o cobrindo. Este, para minha absoluta sorte, trata de artefatos asgardianos. Ainda que tenha sido cuidadosa em tocar nestes livros, apesar de não temê-los, não precisei de muito convencimento para saber que, se Thor decidiu mantê-los na Terra, talvez não sejam tão nocivos à humanos como os demais livros de Asgard.
— Tô sim! — Aviso ao me acomodar melhor na cama, puxando algumas almofadas para que Tony possa sentar-se se desejar. Ele empurra a porta com o pé e ombro, entrando com ambas as mãos ocupadas, seja com um bowl azul fumegante ou uma latinha de LaCroix de pêssego. O cheiro da comida domina o ambiente fechado com rapidez, mas não é tão forte como a minha surpresa em não ter nada queimado ou o Complexo estar em chamas. — Você fez isso? — Afasto os livros.
— Tá vendo o Corpo de Bombeiros lá embaixo? — Ele revira os olhos, mas eu dou risada. Tony também sorri suave, usando o porta-copos na mesa de cabeceira e a mesma bandeja que Pepper usou quando eu estava em repouso da perna, a colocando do meu lado sobre a cama. — A madame te avisou que vai ficar até tarde na Torre pra uma reunião hoje?
— Hong-Kong — Assinto ao me curvar para observar a comida que, analisando bem, não tem sinais de queimado ou cheiro, portanto, não foi feita por ele. — A Stark Industries importa placas de circuito impresso da Shenzhen Kinwong Electronics e a CEO Zhuo Jun é uma das cinco mulheres mais ricas de Hong-Kong em uma lista de 50 pessoas, e a única com foco em tecnologia e manufatura.
Pego uma colherada dos vegetais e do arroz sete grãos, reconhecendo o prato que já vi ser o jantar de Pepper algumas vezes. Abro a LaCroix enquanto mastigo a comida, me preparando para os medicamentos que Tony certamente trouxe para acompanhar o jantar e me colocar para dormir.
— Você engoliu uma Forbes Hong-Kong ou… — Ele puxa a cadeira da escrivaninha e a aproxima da cama antes de sentar-se e segura o livro que estava sobre ela. Se não estou enganada, este trata de runas de batalha e foi escrito pela própria deusa nórdica da guerra. — Jun é uma senhorinha muito agradável — Ele dá de ombros. — Ela só herdou a empresa por casamento, então não consideram muita coisa, principalmente por ter colocado o próprio irmão como vice-presidente. — Misturo as ervilhas no molho salgado ao ouvi-lo. — Descendência pesa muito.
— Imagino — Murmuro com a boca cheia das ervilhas. Não levanto a cabeça do bowl quando Tony passa a mão em minha testa para erguer a franja, ou reajo negativamente quando usa um grampo que estava na cabeceira para prender a franja de maneira torta. — Happy vai trazer a mamãe para casa? — Minha reação interna é de um ruborizar voraz. Mamãe soa infantil. Vulnerável. Mas é com Tony que estou falando e sua expressão não falha em se suavizar com o termo que uso.
— Vai — Confirma ele, assentindo e colocando o livro no chão. — Você lembra que eu fui na casa do Peter semana passada, certo? — Mastigo bem a cenoura na minha boca, evitando engasgar ao ouvi-lo mencionar Peter. Diferente de Pepper, nós nunca conversamos sobre mim e Peter. — Come direito, — Tony revira os olhos, mesmo com um filete de sorriso nos lábios. — Não vou matar o menino.
— Aconteceu alguma coisa? — Minha voz é apertada após um mastigar rápido.
— Controla a cara de constipação — Ele se inclina e usa a mão para levantar o outro lado da franja, parecendo querer olhar em meu rosto. Ergo a sobrancelha ao continuar mastigando para o incentivar a prosseguir. — Eu só quero dizer que, apesar de botar terror no menino as vezes e zoar muito esse rolo de vocês, quero que saiba que eu tô feliz pelos dois. — O observo por alguns instantes, um grão-de-bico crocante me ajudando a regular-me e ele parece precisar do mesmo ao roubar um do meu jantar. Tony apoia as mãos nos joelhos e dá de ombros como pode, lábios inclinados para baixo. — Apoiar esse namoro de vocês não descarta a minha preocupação com os dois, mas ameniza. — Eu deixo a colher apoiada no bowl, atenta para ele. — O que eu te falei sobre ser herói, que são muitas as responsabilidades envolvidas e muitos os perigos, não deixa de ser verdade. Mas ameniza um pouco a segunda parte. — Limpo a boca com os dedos, assentindo para que prossiga. — Nós conversamos na vez que fui visitar ele e naquela época que você estava ficando… — Tony sinaliza “louca” com o dedo fazendo círculos perto da orelha. — E eu arranjei todo o circo pro Peter ficar aqui.
— Fez aquilo de propósito? — Questiono ao tomar um gole da água saborizada. Okay…
— Fiz. Sei como é importante ter alguém que te tire da crise e faça pensar em outra coisa. — Meu pai dá de ombros, sem remorso. — Mas de volta pra conversa que eu não vou fofocar toda para você porque existe algo chamado “código masculino” — A expressão me faz rir. Tony sorri para mim. — Esse tempo que o Peter passou aqui, as conversas que eu tive com ele e a maneira que eu vejo ele agora; tudo me convenceu mais ainda que ele é a pessoa certa pra você. — A afirmação aquece o meu rosto de forma agradável. — Essa foi a coisa mais ridícula e melosa que eu já falei, que horror…
— Achei fofo, preciso admitir. — Intervenho com um sorriso maior.
— Porque não é você precisando admitir que um adolescente cheio de hormônios e que se pendura em Manhattan como o Tarzan é um bom namorado pra tua filha — Tony resmunga enquanto esfrega as têmporas, claramente perturbado. — Única filha, por falar nisso. Acho que pesa mais assim — Enfio uma colher de comida na boca para não rir do seu sofrimento exagerado. O mais velho solta um suspiro alto, apoiando as mãos nos joelhos novamente e me olhando. — Peter é gente boa. É isso o que eu tô tentando dizer. — Eu concordo. Ele é. — O jeito que ele ficou no dia do seu acidente, tenha sido com o medo de perder a May ou te ver ferida daquele jeito — Tony balança a cabeça, o humor lhe escapando. — E ele cuida de você, assim… Aquele rolo do picles no sanduíche? A Pepper fez um show contando pro Rhodey — Seu revirar de olhos é amoroso. — E ele ligou todo santo dia pra saber de você enquanto estava doente…
— Eu gosto do Peter. — Minha garganta dói com a pressão.
Gostaria de ser capaz de elaborar mais. Gostaria de contar para meu pai como Peter me faz feliz por estar ao seu lado, como seu sorriso faz mil sóis entrarem em colapso dentro do meu peito e como gostaria de passar cada instante do meu dia ao lado dele. Porém, as palavras que formulo em minha mente não conseguem alcançar minha boca e eu me calo, ainda que Tony esteja me olhando e os seus olhos não negam que ele entende o que quero dizer. Ele sorri um pouco mais.
— Acredita que eu não tinha percebido isso antes? — Tony bagunça meu cabelo e se põe de pé. — Termina de comer, vai dormir e não revive um morto. Não tenho condições de bancar uma de Rick Grimes e você não tem cara de Carl.


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— Trouxe chá de canela e maçã.
Me esforço para não fechar os olhos ao sentir o breve tocar dos lábios de Peter em minha têmpora segundos após entrar no laboratório. Ele havia comentado ontem sobre como faria Química Orgânica II este ano, ainda que já houvesse feito a III no ano anterior, afinal, mesmo que Midtown nós dê toda a liberdade do mundo pra decidir as matérias que gostaríamos de fazer em cada ano, universidades não são tão compreensivas.
— Meu herói. — A vontade de fechar os olhos é ainda maior quando toco o copo térmico e sinto o calor agradável da bebida através do isopor. O aroma de canela é intoxicante.
— Bom dia — A ironia do meu suspirar faz Peter rir ao contornar a mesa dupla, tirando a alça da mochila de cima do ombro e colocando seu notebook arranhado e com pedaços de fita-isolante em cima da mesa. Enquanto ele empurra a mochila para o nicho abaixo de seu assento, seguro o seu casaco e o ergo, voltando a cobri-lo após a alça da mochila quase ter o removido por inteiro de um dos ombros dele. — Dormiu bem?
— Bom dia. — Seguro o copo térmico com uma mão, enquanto uso a outra para abrir a tampa, cuidadosa para não deixar nenhuma gota ser desperdiçada. — Sim, e você?
Essa é uma das raras ocasiões onde não há nenhum traço de mentira na resposta. Não faço ideia se foram os medicamentos ou se Tony colocou quinze gotas extras de clonazepam em meu jantar ontem, mas não me recordo de dormir tão bem assim quanto na noite em que dormimos juntos após o acidente. Peter se acomoda melhor no banquinho antes de se aproximar mais e pressionar um outro beijo em minha bochecha, murmurando um outro “bom dia” que não disfarça o quão energético ele está. Seguro em seu pulso com carinho, afagando as veias saltadas ao tomar um gole do chá com a ideia de culpar o calor da bebida pelo aquecer de minha face.
— Ia ficar surpresa em como é fácil dormir se desligar o rádio da NYPD. — Peter sorri um pouco e eu ergo a sobrancelha até lembrar-me.
— Está realmente dando uma pausa? — Não estou tão surpresa assim por ele ter ouvido minha recomendação, ou o que soou mais como um suplicar quando entrei no assunto, mas estou um tanto mais animada por ter tomado a decisão. Suas atividades como vigilante sempre foram de grande importância, mas fico satisfeita por saber que está descansando. Pete assente veemente ao se dedicar a erguer a tela de seu notebook sem permitir que ela desconecte da parte de baixo. É só em tal momento que percebo que não está em seu lugar usual, como costuma ser ao lado de Ned. — O que...
— Ned vai sentar com a MJ hoje. Você ficou muito encolhida e tensa ontem. O máximo que vai acontecer é a MJ dar um gelo nele, nada demais. — Ele dá de ombros, aguardando a tela ligar. Franzo a boca, insatisfeita com o estado de seu computador. Desvio o rosto para Ned sozinho na mesa ao lado da nossa, batucando os dedos e claramente nervoso. Faço uma nota mental para lhe agradecer mais tarde. — E sim. Tô dando aquela pausa que a gente combinou. — Peter digita a senha do computador. — Me dá tempo de fazer companhia pra May e estudar sem ser interrompido por um trombadinha ou traficante.
O Sr. Harrington entra na sala de aula acompanhado de mais uma leva de alunos, mas o meu foco se divide entre MJ, que nem mesmo ergue a cabeça até perceber que precisa escolher onde se sentar, e Harry Osborn que entra logo depois dela. Não lembro-me de ter o visto ontem, mas sei que teremos aula de Biologia Avançada e não terei escolha. Harry coloca a mão no bolso da jaqueta jeans e usa a outra para tocar no ombro do Sr. Harrington, sorrindo amigável e o cumprimentando. MJ passa pelas mesas devagar, seu estômago embrulhando por não saber onde se sentar ou com quem.
— MJ — O chamado de Peter a faz nos olhar enquanto finjo estar muito interessada em procurar algo em minha mochila, mesmo que esteja apenas esfregando o fundo macio. — Ned me pôs pra fora da dupla. — Nós quatro sabemos que é uma mentira, e talvez Osborn também reconheça isso ao passar por nós, oferecendo um rápido aceno com a cabeça que retribuo tarde demais. — Senta aí.
Quanto tenho coragem de olhar para MJ, ela desvia os olhos e tira a mochila do ombro.
— Valeu, Parker.
Levo a mão para o copo com o chá, lutando contra a vontade de fugir. No entanto, essa tal vontade cresce quando noto a outra pessoa que entra na sala. Com uma calça branca estruturada, suéter creme com detalhes elegantes e saltos, Gwendolyn se parece com Pepper nos dias em que tem reuniões por longas horas, mas Stacy somente está vindo assistir uma aula de química. Seu rosto se ilumina quando nossos olhares se encontram, mas eu não me encolho, meus ombros erguidos ao sorrir de volta e erguer meu copo, apertando a boca devido ao leve desconforto e tendo certeza de que, se Tony estivesse aqui, iria cair na gargalhada. Michelle, Harry e Gwen. É hilário, não posso negar. Percebendo o humor da situação e sem autopiedade, levo o copo para meus lábios, evitando rir mesmo que queira muito.
— Como sempre, você tem o estilo mais street-clean de Nova Iorque, e eu fico morrendo de inveja — Gwendolyn fez um show de cruzar os braços diante de mim e revirar os olhos. “Somente se street-clean significa suéteres pretos sem graça, calças de bem maiores do que deviam ser e com claras alterações e... Certo. É com monumentais ressalvas que assumo que esse Trullem da Malene Birger ficou incrível na mineradora. Assim como as botas Ferragamo." — Quando vamos sair para fazer umas comprinhas juntas, ?
— Assim que você fizer o convite, Gwen — Dou de ombros, descansando meu copo sobre a mesa. — Conhece a Jen Atkin? — “Só pode ser piada…” — Ela vai estar trabalhando com a Carolina Herrera na Semana de Moda. Me disse que o Wes — Abrevio propositalmente o nome do designer que nunca ouvi falar antes e, desta vez, fico extremamente grata pelas conversas fúteis que as cabeleireiras tiveram na semana anterior. — Vai lançar uma coleção de florais impecáveis. — Sinto quando Peter se move ao meu lado, provavelmente surpreso por meu extensos conhecimentos, mas ele não diz nada, e eu permaneço com um sorriso brincando em meus lábios.
— Marcado! — Ela sorri animada, mesmo que esteja me xingando em sua mente.
Ainda devo perguntar à Pepper o que “mineradora” deve significar.
— O que foi isso? — Peter murmura para mim quando Gwendolyn segue para o final da sala. Ele não parece absurdamente surpreso, mas está tão confuso quanto MJ está, afinal, sentando tão perto, ela ouviu toda a conversa enquanto encarava Gwen descaradamente.
— Uma das cabeleireiras estava falando isso quando foi lá em casa — Murmuro de volta, tentando ter certeza que MJ não vai ouvir nada. Ela está se questionando se um dia me viu falar com Gwen, mas eu sei que não. — Não sei quem é esse Wes, mas acho que foi uma boa. — Meus dedos estão frios e meu rosto quente, pois é sempre assim que me sinto após uma interação com ela.
— Foi sim — A mão de Peter sobre a minha me conforta, assim como o seu sorriso. — Não entendi muita coisa, mas foi uma boa. — Ele afaga minha palma e eu aperto os seus dedos. Pelo menos ela não dirigiu palavra alguma a ele hoje.
Com dois toques no quadro branco com a tampa do pincel vermelho, o Sr. Harrington faz a introdução da matéria, o seu habitual nervosismo e o sua personalidade “sem jeito” não sendo assim tanta novidade para mim como foi no ano anterior. Como fez na última vez, não hesitou em convidar a todos os alunos para uma reunião experimental no Decatlo, e para o próximo seletivo na primavera, já que já tinha a lista de novos integrantes e as vagas se esgotaram. A reação imediata de Tony ontem quando lhe contei sobre a reunião foi de ligar para o Sr. Harrington, a sua desconfiança em mim não sendo assim tão passageira como eu esperava, afinal, mentir acerca da minha saúde foi uma falta grave, e eu ainda estou sendo castigada por isso. No entanto, sua perda de confiança em mim até mesmo para algo tão simples não deixa de me magoar.
— Agora que estamos todos sentados e apresentados, eu vou pedir que me entreguem os nomes dos seus parceiros de mesa. As duplas permanecerão as mesmas no resto do ano letivo, exceto casos específicos se eu precisar trocá-los. — Por um momento, o afagar de Peter em minha mão é pausado e eu sinto meus lábios formarem um sorrisinho.
— O Ned vai matar você. — Sussurro contra meu punho ao fingir coçar a garganta.
— Não se a MJ matar ele primeiro. — Parker pondera, inclinando a cabeça levemente pra mesa ao nosso lado, onde a cabeça dos dois está a mil. Ned somente quer que Peter cumpra com sua parte do acordo e MJ está considerando me agarrar pelo braço e levar para outra mesa.
Pete pega um post-it grande em sua mochila e uma caneta, sua caligrafia acelerada para escrever nossos nomes. B. e Peter P. Não sei o motivo de um sorriso querer surgir em meu rosto quando o B após meu nome é escrito bem redondinho, a fim de esconder a curvatura da letra que ele começou a escrever como um S. Stark e Peter Parker. Engulo em seco, balançando a cabeça e ouvindo inúmeros focos de conversa na sala. Algumas pessoas estão rindo e eu olho para o Sr. Harrington, ele que está inclinado sobre a mesa para ler algo no notebook, sem se atentar que a ponta da sua gravata azul de patinhos está dentro da xícara de café.
— Bom, já que estamos aqui, eu me chamo Peter — Viro o rosto para Peter, que está com a tampa da caneta na boca, inclinado sobre a mesa para ler o elemento na placa que identifica nossa dupla. Ele escreve nitrogênio no post-it antes de me olhar, sorrindo torto com a tampa plástica na boca. — Você vem sempre aqui?
— Somente nas terças e quintas. — Respondo o flerte que May havia me ensinado há uns meses, arrancando um sorriso ainda maior e mais adorável dele.
Apesar do Sr. Harrington passar uma boa parte da aula tentando chupar o café que está na gravata, sua aula é uma das minhas favoritas. Química, biologia e física sempre foram mais fáceis para mim, pois não é necessário um olhar mais amplo e filosófico sobre elas, assim como matemática e as suas demais ramificações. A exatidão é confortável, afinal, ciências exatas e linguagens foram os temas mais recorrentes durante a minha educação militar na HYDRA. Humanísticas nunca foi o foco da organização, uma vez que formavam soldados, não rebeldes. Minha educação enquanto prisioneira me guiava para um único objetivo: produzir e conquistar para eles. Produzir armas e conhecimento, bem como conquistar regiões e futuros membros. Me questiono a que extensão o treinamento iria se eu houvesse atingido a puberdade e fase adulta na HYDRA, bem como Natasha fez no Red Room.
No entanto, fui sortuda o suficiente para que isso não acontecesse e eu aprendesse sobre éteres e epóxidos em uma sala de aula muito menos hostil do que a que fui enfiada antes de ao menos ser ensinada a escrever meu nome. Aqui, o professor sorri abertamente para nós ao ensinar sobre um fenômeno de quebra ácida, os alunos não estão definhando e com hematomas nos rostos. Aqui, há um rapaz incrível ao meu lado, atento para cada palavra do professor, bem como atento para cada palavra que escapa ou não de mim. E quando me pega olhando as suas anotações, ele sorri gentil e vira o seu computador na minha direção, sua mão na costa de meu banquinho e dedos afagando minha coluna.
Aqui há carinho e paz, principalmente porque Peter está ao meu lado.
Quando a aula termina após uma hora, já preenchi um documento de quatro páginas, as anotações de Peter já estão confusas e sem negrito, e a gravata do Sr. Harrington já está seca e ele se despede após relembrar a turma sobre a reunião de inauguração da nova sala do Decatlo e a recepção dos novos alunos. Ainda estou guardando meus materiais quando MJ se levanta de supetão e deixa a sala e um Ned confuso para trás.
— A cada ano fica mais difícil entender como vocês duas são amigas — Ned resmunga ao colocar a sua mochila sobre o ombro, seu livro de mecânica debaixo do braço pois claramente não cabe em lugar algum além de seu armário. Ouço um riso baixinho de Pete enquanto organiza suas coisas. — Peter, tá me devendo um energético.
— O meu bem-estar vale um energético? — Pendo a cabeça para trás, questionando-me quanto tempo até Michele reconhecer seu erro e decidir conversar de forma civilizada comigo.
— Ia ser uma carona todo dia, mas o seu namorado não quer usar o carro novo — Peter passa o braço por meu ombro, claramente ignorando a reclamação do melhor-amigo, mas assumindo o papel que ele indica, pressionando um beijo rápido em minha têmpora. Ned revira os olhos. — Vocês dois são tão melosos. — Essa reclamação não é bem uma reclamação, é só um apontar de algo óbvio. Peter ri e eu passo o braço por sua cintura. — Quando eu vou arranjar alguém? — Leeds choraminga.
— Você está interessado em alguém? — É a minha vez de intervir. Não me recordo de Ned ter demonstrado interesse em alguma pessoa, então possivelmente não há ninguém de seu interesse. Ele balança a cabeça enquanto alguns alunos passam por nós. Não estar interessado em ninguém lhe incomoda mais do que não ter ninguém interessado nele.
— Então porque já tá preocupado? — Pete faz a pergunta do ano, me incitando a ir para trás e sair do meio do corredor, Ned também fazendo o mesmo já que a mesa atrás de nós está vazia.
— Acho que deveria aguardar até sentir interesse por alguém — Não me sinto confortável em discutir tal assunto tão abertamente enquanto a sala esvazia, mas somos amigos e eu sei cada um dos pensamentos de Ned. Não imagino que há outra forma de sermos mais íntimos que isso. — Quer realmente arranjar alguém só por estar entediado?
— Escuta ela — Peter dá de ombros. — A tem experiência nisso. — Abro a boca para retrucar a acusação, ciente que não há nada além de humor na fala dele, mas Ned bate palmas, sorrindo amarelo. “Essa é a minha deixa pra ir pra aula de economia doméstica?” Ned ri nervoso.
— Na verdade, é a minha de ir para a de Biologia Avançada... — Relembro com humor.
— Eu tava brincando — Peter ri com o nariz encostado em meu cabelo, firmando o braço ao meu redor e eu reviro os olhos. A onda de alívio que atravessa Ned é quase cômica. Ele não estava esperando que brigassemos pela brincadeira que não entendeu, mas estava pronto para dar o fora e deixar que Peter se virasse igual o ele fez ao colocá-lo pra fazer par com MJ. — Sem brincadeira agora, escuta a . — Peter prossegue. “Alguém já falou que vocês são insuportáveis?” Leeds cruza seus braços, claramente insatisfeito com nossas observações.
Sinto um toque delicado em meu braço, o sorriso prévio em meu rosto perdendo o vigor.
— Eu já pensei em dizer, mas nunca tive coragem, sabia? — É Gwendolyn que intervém em nossa conversa, um beicinho formado ao fingir ponderar se deveria ou não dizer isso. Ela ri junto a Ned enquanto, em sua mente, está satisfeita que o “balão”, como aparenta ter o apelidado, concorda. A expressão com que descreve Ned faz um amargor se espalhar por minha boca e me ajuda a lembrar o quão perversa Gwendolyn é na privacidade de sua psique.
— O seu autocontrole sempre me surpreende, Gwendolyn.
Aperto os lábios quando, pela primeira vez em quase duas semanas inteiras, ouço o som da voz de Harry Osborn tão próxima de mim, em diferença à última vez que nos falamos no corredor e eu lhe contei sobre Peter. Ele passa por nós com um sorriso sarcástico para a ex-namorada que revira os olhos para seu comentário, dando um tapinha no ombro de Ned e recebendo um joinha em troca pois os dois se conhecem da aula de economia. Instintivamente ou não, me aproximo ainda mais de Pete, seja para me afastar de Gwendolyn quando ela suspira insatisfeita com a intromissão de Harry, ou pelo tensionar de seu braço ao meu redor, assim como todo o seu corpo devido à aproximação de Osborn. Engulo em seco, questionando-me se este é verdadeiramente o melhor período para a aula de química, apenas para sentir um gentil afagar em meu braço e erguer meu rosto para Peter, que tenta sorrir para mim apesar de seu também óbvio desconforto com a situação.
— Você realmente vem aqui toda terça e quinta?


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Como havia comentado com Peter há algumas semanas, a última vez que estive presente na aula de educação física ainda foi na época que Liz Toomes estudava conosco, logo, faz muito tempo que o vi com o uniforme esportivo de Midtown. Então, quando entro na quadra, puxando a barra do short amarelo que visto, e meus olhos o encontram conversando com Ned em um canto, eu engulo em seco.
Minha memória é uma dádiva, seja pelas facilidades que me oferta no aspecto intelectual, seja pelo pequeno quadro comparativo que meu cérebro elabora nas menores mudanças que identifica sem muita dificuldade. É através de tal comparação que percebo o quão diferente Pete está em comparação à última vez que o vi usando o uniforme. Desde que o conheço, Peter nunca teve um porte físico que alguém consideraria não ser saudável. Mas é impossível não reconhecer como a sua bermuda de uniforme era menor menos de um ano atrás, ou como as veias de seus braços e mãos estão saltadas hoje em dia ou como a sua estrutura óssea foi afetada após poucos meses.
Como na noite em que nos beijamos pela primeira vez, eu identifico as súbitas mudanças com um breve olhar, uma vez que sempre prestei muita atenção nele. Sua cabeça está mais erguida ultimamente, bem como os ombros levantados e postura correta. Não demoro muito para perceber que foi tudo por conta de Maria Hill e os demais treinadores dele no Complexo que o colocaram nos eixos de um herói de filmes. Peter está mais forte, sim. Mas também está mais confiante e isso me deixa feliz por ele.
— Acho que eu tô sonhando — Ned me olha torto enquanto eu me aproximo, confusa em como alguns alunos, como Peter, trajam moletons azuis com a insígnia da escola mas eles não foram incluídos em meu uniforme esportivo. — É a primeira vez que eu te vejo nessa quadra, sabia?
— Segunda vez — O corrijo sentando-me na arquibancada de madeira desengonçada enquanto os dois estão de pé, Ned fingindo se aquecer e Peter fingindo não saber que seu rosto está ficando rubro. Toco em minhas pernas, desconfortável com a ausência de tecido para cobri-las, bem como incomodada por minha camiseta estar um pouco apertada também. — Na primeira vocês dois estavam tentando fazer flexões e alguém — Olho para Ned, evitando atentar-me às coxas de Peter e as veias no seu antebraço, as mangas de seu moletom erguidas. — Disse que o Peter conhecia o Homem-Aranha.
— O que é ridículo, é claro — Peter comenta, mãos nos quadris e rosto um pouco menos rosado. Ele também parece estar se esforçando para não olhar-me muito. — O Homem-Aranha já tá sem graça — Balanço a cabeça, observando o Sr. Wilson entrar no ginásio com um carrinho cheio de bolas de vôlei. Pete se vira para o professor enquanto mais alunos o acompanham, os meninos todos em um grupinho próximo às cordas. — Eu conheço mesmo é a Phoenix. — Mordo um sorriso quando Peter me olha, entretido com minha timidez.
— Vou ver se o Sr. Wilson me empresta uma corda pra eu me matar — Ned faz a mesma careta de hoje cedo e eu encolho os ombros, olhando na direção onde Betty faz algumas de suas amigas rirem. Novamente, me questiono como conseguir um casaco. — Vai de corda, Peter?
— Treinador me colocou no grupo de escalada hoje… — Sinto Peter virar-se para mim de novo, mas estou ocupada tentando decidir se seria perigoso usar meus poderes para transformar o short em uma bermuda e folgar minha blusa.
Aparentemente Peter não foi o único com muitas mudanças na aparência e eu somente percebo as minhas ao vestir uma roupa que não colocava há quase um ano. Lembro-me bem da aula que assisti da última vez, desde MJ me arranjando um cobertor para cobrir minhas pernas quanto ela também me emprestando seu casaco para me cobrir. Se tive dúvidas quanto a mostrar tanta pele com o vestido que usei em meu encontro com Harry, shorts curtos e blusas justas são absurdas demais. O apito do professor convoca todos a se aproximarem, de forma que Ned se afasta de nós, mas Peter se mantém comigo. Estou fingindo precisar amarrar meu tênis quando ele se ajoelha diante de mim, as mãos sobre meu sapato ao ajudar-me com minha desculpa esfarrapada.
— Quer meu casaco emprestado? — Concordo veemente antes mesmo que Peter possa terminar sua oferta bondosa. Ele sorri pra mim, parecendo entender minha vergonha. — O Sr. Wilson não vai ligar muito se você não quiser jogar com o resto do pessoal, — De meus pés, suas palmas agora afagam meus tornozelos, acima das meias brancas. Daqui de onde lhe olho, Peter parece mais adorável que nunca, sua dedicação e compreensão o deixando mais belo ainda. — Ele nem liga que a Betty passa a aula inteira fofocando, então acho que se você ficar quietinha ele vai até agradecer.
— Desculpa, é só que roupas assim não são a minha praia. — Cochicho com minha face quente, tensa com a situação e ainda sem entender como tive coragem de sair do vestiário. Engulo em seco, angustiada por lhe dar trabalho até nisso, mas Peter não parece se importar pois a justificativa o faz rir baixinho.
— Eu sei — Ele assente e seu sorriso cresce mais quando apoio os cotovelos nos joelhos e acabo por aproximar nossas faces um pouco mais. — A sua praia é vestido longo de verão, pijama dos Vingadores e roupa alheia.
— Eu ia comprar um pijama do Homem-Aranha, mas não vou mais. Ele é sem graça. — Uso a ponta de meu dedo em sua testa para afastá-lo, mesmo que queria sorrir e ele faça uma cara de desdém para minha brincadeira. — E vou devolver as suas roupas, Parker.
— Isso aí é mentira. — Ele sopra ainda rindo ao se levantar.
Peter começa a remover o moletom, primeiro encolhendo os braços para dentro da roupa e então o puxando para cima, o removendo do corpo segurando na costa da peça. E eu tento, mínima e culposamente, desviar os olhos quando sua camiseta sai junto com o moletom, expondo seu torso definido. A ágil exposição de seu corpo, bem como a maneira que seus músculos se tensionam com o mero movimento de remover o moletom são o suficiente para que eu queira enfiar a cabeça em um buraco no chão. Seu físico não é novidade para mim, mas no atual ponto em nosso relacionamento, é diferente e me deixa nervosa, seja por revisar o que já sabia sobre a sua aparência, seja por precisar entender que não devo mais ter tremenda vergonha de o ver exposto e vulnerável assim. Engulo em seco quando Peter puxa a camisa para baixo, um movimento tão rápido que demonstra como ele pode nem mesmo ter notado que eu lhe observei de maneira tão predatória e depravada.
— E-eu… — Minha voz falha e eu engulo em seco ao me levantar, minha mão pousando no moletom que Peter me entrega enquanto assenta o seu cabelo, empurrando-o para trás. — Eu vou sentar com as meninas. — Indico o pequenino grupo com meu queixo, ansiosamente vestindo a roupa e tentando prender minha respiração em razão do perfume de Peter estar impregnado na peça. Isso já é demais para mim. Quando tenho coragem de olhar para Peter, ele está tão confuso com a situação que quero apertar suas bochechas, mas ainda assim o seu assentir é encorajador. — Boa sorte na corda, Pete.
Betty Brant me recepciona com um sorriso agradável quando me junto a ela e as demais alunas de nossa turma em uma sessão da arquibancada, atraindo alguns olhares e fomentando certos pensamentos curiosos por estar usando a roupa de Peter, mas isso parece ser descartado bem rápido. Na ausência de meu celular ou demais distrações por me sentar alguns andares cima delas, me atento na conversa sobre o baile de boas-vindas deste ano e em como Betty será a responsável por ele que, no ano anterior, foi competência de Liz. Ao lembrar-me dos eventos que levaram ao último baile, questiono-me ansiosa se Peter ainda terá interesse em comparecer, agora que nada irá me impedir de ir a tal evento. Não há criminoso algum tentando matá-lo e meu castigo, com sorte, não deve se estender aos próximos dois meses. Com uma certa satisfação, imagino como seria se, na ausência de Liz Toomes no baile anterior, tivéssemos ido juntos para a celebração.
No entanto, as únicas memórias que tenho daquela noite estão manchadas com o sangue dele. Seja em Coney Island onde o encontrei escorado em uma rocha com sangue escorrendo pelo seu peito, seja quando não tinha forças para remover o uniforme que vestia e eu precisei rasgá-lo para que Peter pudesse tomar uma ducha e higienizar seus ferimentos. Com tais memórias amargas, torço para que a próxima experiência que dividamos em relação a um baile seja mais positiva. Estou dando um nó nos cadarços do moletom quando ouço um suspirar encantado vindo de Mia Harper. Antes mesmo que eu possa conter-me, utilizo meus poderes para poder olhar através de seus olhos e preciso engolir em seco com o que tanto a atrai.
— Quando o Parker ficou musculoso? — Eu fecho meus olhos quando a sua pergunta me alcança, mesmo tendo sido direcionada a sua amiga Beatrice Chapman que está sentada ao seu lado.
— Mia! — Chapman lhe dá uma cotoveladinha no braço, mesmo que esteja com a mão na boca para conter o seu sorriso cúmplice orriso.
Eu sigo os olhares curiosos delas na direção de Peter, entendendo com agilidade o que se questionam pois, ainda que sem querer, ele está dando um tremendo show. Com as mãos apoiadas no quadril e os braços flexionados ao erguer a cabeça para ver os outros alunos lutando com suas vidas e ainda assim falhando em subir a corda que eu tenho total certeza que não será dificultoso para ele. E, outra vez, o foco de Mia é nas pernas nada menos que torneadas e musculosas dele. A bermuda não faz nada para esconder o músculo bem definido das coxas de Peter e eu seguro-me com força em seu moletom, um tanto desconfortável com os olhares curiosos e interessados na direção dele. No entanto, eu encontro espaço em mim para um certo orgulho além do que é, indubitavelmente, ciúmes. Se elas estão o olhando dessa forma, é porque sua aparência as agrada bastante e, ainda assim, Peter está do meu lado. O orgulho transborda em meu peito
— Todo mundo já notou, Tish… — Harper murmura de forma sigilosa, mas utilizando os meus poderes, a ouço bem ao entrar na cabeça de Beatrice. — A camisa tá super apertada, ué!
Ela arregalou os olhos para a amiga, tentando convencê-la e diminuir a surpresa alheia. “Pensei que todo mundo já tinha percebido. Ou será que eu sou a pervertida aqui?” Entorto os lábios assim que Mia sente suas orelhas se aquecerem e ela começa a fingir prestar atenção no jogo de vôlei. Acompanhando-a, tento ignorar que Gwendolyn está participando ativamente do jogo, uma faixa azul mantendo o cabelo fora de seu rosto e seus shorts tão curtos quanto os meus não parecendo estar lhe incomodando tanto. E é claro que não lhe incomoda, pois é Gwendolyn e a única coisa que poderia lhe incomodar é não ser o centro das atenções, o que não acontece agora já que grande parte dos rapazes nas filas para subir a corda estão atentos para o jogo, principalmente quando ela se lança no chão e impede que a bola atinja o piso do ginásio. Preciso admitir que ela sabe como atrair olhares e como os fazer valer. Quando olho para Peter, ele está fazendo uma careta confusa para Ned enquanto o amigo o explica que escalar a corda é “pura tortura”.
— Eu gosto do cabelo dele. — Beatrice deu de ombros, se atentando para Peter e seu riso maldoso enquanto Ned discute sua teoria com o Sr. Wilson. Em sua mente, o professor está calculando quantas décadas ainda faltam até a sua aposentadoria. Controlo meu instinto de concordar com ela.
— Ele é bonitinho, vai… — A garota revira os olhos quando a amiga cutuca sua costela. — Tem um jeitinho meio nerd fortinho. Fora que ele é um doce. — Ergo a sobrancelha, interessada em saber como Mia sabe que Peter é um doce. Detesto o filete de ciúmes que sinto, mesmo ciente que qualquer um faria tal julgamento só de olhar para ele. — Se lembra que ele te ajudou na aula de física no ano passado? Depois que você voltou de Milão, perdeu duas semanas de aula, ele fez o trabalho de vocês sozinho e colocou seu nome por pena? — E é claro que Peter é um doce. Fazer todo o trabalho sozinho e ainda assim recusar todo o crédito é a coisa mais Peter Parker do mundo.
— Mas você tá sabendo que ele e a Black tão namorando? — Beatrice retrucou em uma tentativa de mudar de assunto pois “Claro, eu fui para Milão e não para a Suiça fazer uma rinoplastia tão perfeita que você nem sequer notou a diferença, Harper”. Estou surpresa pela notícia sobre o nosso relacionamento ter alcançado tantos alunos assim, mais ainda sou rápida suficiente para fingir estar atenta para um garoto asmático lutando com sua vida para ultrapassar dois nós na corda. Ele nem mesmo está a cinquenta centímetros do chão quando seu tempo se esgota e o Sr. Wilson apita em seu ouvido.
— Quem disse isso? Será possível que eu não tenho sorte? — Mia soa realmente ofendida e eu ergo a sobrancelha mesmo sem querer. — Mas, assim… — Nesse ponto, tenho certeza que minha sobrancelha já se misturou com meu cabelo. — Ela também é a maior gostosa, né?
O choque pela fala de Mia Harper me deixa sem reação exterior alguma, ainda que algo pareça ter estalado em minha cabeça. Aperto ainda mais a roupa de Peter contra mim. Cubro meus lábios para evitar deixar que meus pensamentos escapem, ou que possam reparar que meu rosto está queimando. Por fim, também me preocupo que alguém presuma corretamente que, para minha surpresa, o “elogio” me agrada um pouco.
— Trish, eu nunca tinha visto ela de shorts. Pelo amor de Deus! — A última exclamação é feita com um revirar de olhos e pender de cabeça para trás. Então Mia me olha sem querer e eu desvio o olhar a tempo. No entanto, é para Peter que eu olho agora, o que torna tudo ainda mais louco e comitantemente hilário. Ele está com ambas as mãos nos quadris, um triângulo invertido na sua testa e os lábios apertados de forma a formar um leve beicinho emburrado. — Você sabe que eu tenho uma queda por mulher alta.
— Decide — É a vez de Beatrice revirar os olhos, entediada. — Ou ela ou o namorado.
Aperto a boca para conter um sorriso ao perceber que, até o meu nome ser mencionado, Peter não prestava atenção na conversa alheia. Como se alguém houvesse mudado o tom de sua face com um pincel, Peter se ruboriza e a expressão alivia um pouco. No entanto, chega a um ponto no que me questiono se, uma vez que todo o sangue de seu corpo foi para seu rosto, se Peter não vai acabar desmaiando.
— Os dois — Mia dá de ombros. “É bem simples”. — O B de LGBTQIA+ não é de enfeite.


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Chega a ser adorável o sorriso que o Sr. Harrington dá para os alunos quando entramos na sala de reuniões do Decatlo, espaço que se tornou sua vitória pessoal por ter lutado com unhas e dentes com a diretoria para conseguir. Previamente, este era um ginásio de esgrima, mas após nossa vitória nas nacionais em Washington, Midtown decidiu investir na atividade e nos dar um espaço bom para estudarmos. No entanto, algumas das cadeiras novas estão envoltas em plástico e o professor se embola ao pagar o entregador que trouxe pizzas para nossa primeira reunião do ano, então não poupo tempo em guardar minha mochila atrás de algumas caixas de papelão e me aproximar, aguardando as instruções, afinal, fomos convidados a chegar uma hora antes dos novos membros para organizar o novo espaço.
, como vai? Como foi o recesso? — Aperto a mão do professor, sua animação sendo contagiante. — Ah, vocês também chegaram! — O Sr. Harrington faz questão de cumprimentar todos os alunos que chegam, mesmo que seja recepcionado com eventuais caretas, como Michelle faz ao entrar e evitar o tapinha nas costas. — Crianças, podem me ajudando com as decorações? Precisamos impressionar os novos membros do clube!
Evitando MJ, começo a desempilhar as cadeiras de metal, organizando-as em fileiras por não saber de que forma o professor as deseja. Betty também se junta a mim, comentando algo sobre a forma que conseguimos arrecadar mais dinheiro que o time de lacrosse pela primeira vez em décadas e como isso se deve a vitória nas nacionais. De certa forma, enquanto desembolo o cordão com letreiro de boas-vindas aos novos alunos, consigo me sentir um pouco orgulhosa por ter feito parte de algo que fez diferença, mesmo que tenha sido somente na vida do Sr. Harrington e de alguns alunos. Corto a fita com os dentes para poder pendurar o letreiro do lado de fora da porta, ficando na ponta dos pés para não precisar de uma cadeira.
Enquanto Betty remove nossos novos manuais de teste das caixas e alguns rapazes estão varrendo o chão, exceto Flash, começo a organizar os estojos que o professor havia pedido que nós montássemos e MJ resmungou algo sobre somente ser demandada para tal atividade por ser mulher. Coloco algumas canetas caríssimas com o logo de Midtown que muitos alunos nunca irão usar fora da escola, lapiseiras japonesas, borrachas artísticas e paginadores para os manuais. E, para uma breve surpresa, eu sinto a chegada de Peter na sala ao lado de Ned e alguns outros alunos. Toco o curativo em meu braço, o ardor da runa carvada em minha pele tendo se amenizado após algumas horas. Não me mantenho focada na dor, mas em como conseguiu ultrapassar, com tão pouco tempo, os limites que o chip no corpo de Peter havia me impedido de superar.
— Ei, você — A voz de Peter me alcança e eu viro o rosto na sua direção, o recebendo com um sorriso que uso para disfarçar a descoberta que, infelizmente, não posso dividir com ele ainda. Ele me oferece uma garrafa de água e um sorriso de volta, aproximando-se mais e colocando sua mochila e livro de biologia sobre o palco. — Seus remédios dão muita sede. — A justificativa antecede uma pergunta que estava na ponta de minha língua.
— Obrigada, Pete. — Sussurro ao buscar uma forma decente para o agradecer enquanto Peter abre a garrafa e gesticula para que eu a pegue de sua mão. Ao invés disso, segurando um maço de canetas de luxo, aproveito-me das botas que calço e somente me aproximo um pouco para beijá-lo rapidamente e sem poder aprofundar o selar, sendo este apenas um singelo toque de meus lábios nos seus que me faz torcer para que tenha lhe transmitido todo meu agradecimento pela sua preocupação.
— Imagina se eu trouxesse chá de novo… — Sua expressão satisfeita me garantiu que eu atingi meu objetivo mesmo que de forma tão simples.
Pete pega a caixinha com borrachas e começa a as distribuir nos estojos de couro, suas orelhas um pouco rosadas enquanto bebo da água gelada. Ele não vê necessidade de mencionar que pode ter lido a bula de meus medicamentos ou que pesquisou sobre efeitos adversos de psicotrópicos, muito menos, de me questionar se minha boca estava seca por causa deles, apenas trouxe-me água para ajudar como pode. Dando uma rápida olhada ao redor, me aproximo de novo e pressiono um outro selar, dessa vez na sua bochecha, uma vez que me toco que ele também me trouxe chá hoje cedo e foi pela mesma justificativa.
— Isso aí… — Peter assentiu devagar, balançando a cabeça e sorrindo largo como se tivesse ganhado na loteria. Meu coração se enche de carinho por ele e minha face esquenta. — O pobre do Sr. Harrington ia ter um treco se eu trouxesse chá pra você, . — Fecho a garrafa, ainda mantendo minha voz baixa ao sussurrar um outro agradecimento a ele e me encostar no palco enquanto toma as rédeas da organização dos estojos. Falo baixo pois não quero que os outros nos ouçam, ciente que meu amor por ele é somente seu e me sinto nervosa em o dividir com pessoas que mal conhecemos. — Notícias da MJ?
— Nada ainda. — Engulo em seco ao colocar as canetas enquanto ele abre outro estojo.
— “Ainda” significa que você tem esperanças — A resposta é por meio de um cantarolar e eu aperto meus lábios quando nossos olhares se cruzam rápido, o seu bom-humor sendo um antidoto para minha desilusão. Dou de ombros, um pouco mais distraída quando seu braço esbarra no meu e eu mordo a língua. — E eu “ainda” estou com a esperança de você me contar como se machucou.
Abro a boca mesmo sem resposta formada, abismada em como Peter é perceptivo e como precisei que uma runa rasgasse minha pele a fim de ter o mesmo nível de atenção que ele. Peter me olha com a sobrancelha erguida, como se estivesse aguardando uma resposta. Molho meus lábios, em uma tentativa de evitar deixar que perceba como a sua expressão facial e seriedade me deixam tensa.
— Ok… — Me sento sobre o palco, apanhando o rolo de fita vermelha que o professor deu para podermos montar os presentes para os novos membros do clube. Tento ponderar a melhor forma de explicar-lhe o que levou à runa em meu braço. Peter permanece atento aos kits e também em mim. — Quando o Thor voltou para a Terra depois do — Engulo em seco, a palavra não querendo deixar os meus lábios. — Ultron — Sinto como se tivesse engolido uma pedra de gelo e Peter é perceptivo com o vibrar de minha voz, deixando de lado a sua atividade para se atentar a mim. Seus olhos buscam um sinal em meu rosto que não consigo identificar do que, então a sua palma encosta a minha enquanto eu uso a unha para enrolar a fita. Não olho para o seu rosto de novo, apenas dando continuidade. — Ele deixou…
— Se isso envolver o que aconteceu em Sokovia, pode me contar depois. — A garantia é o seu apertar em meu pulso, o dedão dançando sobre minhas veias. Eu balanço a cabeça sem lhe olhar, me inclinando para pegar a tesoura do seu lado. — ?
— Não envolve — Repito o movimento. — Só estou dando o contexto, entende? — Ouço o “hmm” de Peter enquanto corto a fita e logo o olho, tentada a beijar o espaço entre suas sobrancelhas, bem onde uma ruga se formou. Somos jovens demais para rugas, não? — Quando o Thor voltou para a Terra depois do Ultron, depois que o Visão foi criado usando a Jóia da Mente e ele me conheceu — A perspectiva que tenho de nossa apresentação ainda é turva e confusa, afinal, eu havia acabado de ser resgatada e ele via o reflexo monstruoso de Wanda Maximoff em mim. Wanda que havia entrado em sua mente horas antes e mostrado Asgard em ruínas. — Ele decidiu que seria adequado que alguns livros asgardianos que pudessem ajudar a mim, Visão e Wanda, ficassem aqui…
O imediatismo no qual Peter fecha os olhos e pende a cabeça para frente me interrompe, e eu atento-me para a maneira que apoia as mãos no palco e dá um passo para trás, curvando-se e balançando a cabeça devagar. “O que?” Toco em seu ombro, ciente de que se sua saúde não fosse tão perfeita, suspeitaria que a sua pressão havia caído e ele estava tentando manter-se de pé.
— Nada — Peter esfrega o rosto com as mãos antes de as apoiar nos quadris, sua linguagem corporal se assemelhando com a de Pepper quando soube dos livros. — Nada, eu só…
— Está sentindo que já viu um filme de terror com a mesma premissa? — Repito a exata frase que Pepper grunhiu ontem ao saber que eu estava na Torre Stark para buscar os livros. — E só espera que eu não faça alguma magia e Nova Iorque vire The Walking Dead ou pior, The Last of Us? — Peter assente repetidamente, mas me olha com um sorriso quase entretido com as possibilidades que eu ergo. Mordo minha bochecha, fazendo um lacinho delicado. — Tem muitas coisas legais que não levam a isso, sabia? Essas são runas. — Explico com paciência. Peter deixa os kits de lado e cruza os braços, demonstrando que ainda não está perto de ser convencido. — É um método de leitura de oráculos, mas no caso, a que estou usando se chama verð varr e a utilizam para ampliar a percepção. É uma das centenas de runas criadas pela Rainha Frigga, e são os grimórios dela, e uns da deusa Freya, que Thor trouxe para nós.
Peter pisca algumas vezes, e eu reconheço o quão insano o que o contei pode soar. Ele parece estar tentando romper a barreira do ceticismo para tentar entender. Seguro seu casaco para chamar a sua atenção e indicar que o quero mais perto, o que Peter prontamente entende e se aproxima até que esteja com o quadril encostado em meus joelhos.
— Parece loucura, eu sei, mas… — Minhas explicações caem por terra. É loucura.
— É loucura — Ele corrige apertando os lábios e eu faço o mesmo quando apoia a palma larga em meu joelho, sua sinceridade sendo bem-vinda. — É loucura e o pior é que é verdade — Peter se permite um balançar alarmado da cabeça e um pequenino sorriso incrédulo. — Esse é o problema.
— Eu sei — Sussurro de volta quando afaga meu joelho com um suspirar breve, o sorriso tentando escapar por seus lábios com um pouco mais de crença. Deuses e magia, androids e aranhas radioativas. — Esse livro de runas, Fuþark, é brilhante. — Peter não esconde suas reações, os olhos se arregalando um pouco, como se essa fosse uma pílula difícil de engolir. — Mas o mais interessante de todos é um sobre os artefatos asgardianos, que fala sobre as Jóias do Infinito.
— A sua joia também? — Ele questiona baixinho, dedão traçando o osso de meu joelho.
— Ainda não tive coragem de ler muito sobre ela, apenas sobre as outras cinco. — O interrompo com um balançar rápido da cabeça. As Jóias do Infinito são receptáculos do poder do Universo cuja capacidade de destruição é inigualável. Me preocupa saber o que isso impôs a mim.
— Podemos estudar juntos, se quiser — Enquanto temo o que me tornei após o contato com algo tão perigoso, a gentileza inerente à Peter não parece se preocupar com o que a Joia da Mente fez de mim, mas com o que sinto. Engulo em seco, avaliando sua proposta. — Estudar os livros, procurar soluções caso alguma coisa te incomode sobre ela… — Quando toma minha mão na sua, dezenas de dúvidas surgem, a maioria acerca de como consegue conter a sua aversão. — Já tem alguma ideia se o seu castigo anti-Queens envolve uma visita minha? A gente poderia fingir que estava estudando pra escola… — Ele faz um beicinho que nem deve perceber, tentando formular alguma desculpa para meus pais.
— Senhores, um pouquinho de atenção, por favor! — Aperto seus dedos e escorrego para fora do pequeno palco, sendo desnecessariamente amparada de imediato por ele. Imploro com o olhar para que abaixe a guarda, mas sua mão na curva de minha coluna adverte que está fora de cogitação. O Sr. Harrington bate palmas para chamar atenção dos alunos mais afastados, mas permanecemos de fora, atentos a ele da melhor forma possível. — Como eu já tinha dito, nós temos novos membros este ano! — Como o resto dos alunos, bato palmas e Peter faz o mesmo, possivelmente mais orgulhoso que eu por já estar há tanto tempo no decatlo. O professor sorridente se dirige a porta, secando suas mãos suadas na calça cáqui e deixando impressões escuras que arrancam alguns risinhos. Peter não consegue evitar se render e encosta a cabeça em meu ombro, vibrando um pouco pelo riso ainda que eu sussurre o seu nome, intoxicada pelo seu perfume tão perto assim. — Recebam com muito carinho Luke Stevens, Noah Martin, Lucas Kirsten, Harry Belvoir e Gwendolyn Stacy! — O “uhul” do professor é sufocado por meu suspirar.
Evito fechar os olhos com os dois últimos nomes, mas me encolho e dou para trás, sem mesmo saber se é adequado rir ou lamentar a situação. Peter controlou o riso momentaneamente, no entanto, parecendo notar minha reação, volta a rir com mais intensidade, rosto em meu ombro e mãos em meus braços para usar-me como um escudo-humano. Do outro lado da sala, com uma caixa nas mãos, Ned está com os olhos arregalados como os meus e eu me sinto compreendida quando Michelle se engasga com a água que bebia.
— Senhores, eu quero dizer que é um prazer os receber aqui — Enquanto Harrington faz os cumprimentos de estilo, meus olhos se dividem entre Harry e Gwen que se mantém tão distante que duvido que alguém imaginaria que uma vez estivessem em um relacionamento. Ele se concentra no professor e Gwen, no entanto, se concentra em não demonstrar tanto desgosto com o local. Assim que ela começa a notar defeitos até mesmo em uma teia de aranha na janela, eu tento a ignorar. — Nos ultimos anos tivemos poucos novos integrantes, mas após uma vitória merecida nas nacionais — Harrington faz uma menção honrosa à MJ e eu contenho um sorriso para ela, mesmo que Peter bata os dedos em meus braços como algumas palminhas silenciosas para ela. Ned também o acompanha e dá uma leve cotoveladinha em Michelle. — Estamos recebendo um apoio maior da escola, então conseguimos abrir espaço para novos participantes.
— Com sorte, esse ano irão mudar as nacionais para outro lugar que não Washington. — Inclino a cabeça na direção de Peter, ciente que pode me entender. Quanto mais longe passarmos de Washington, melhor. Não me atrevo a considerar reviver o que passamos um ano atrás com Volture.
Uhum… — A sua resposta é distante, quase como se não estivesse atento ao que digo, então desvio minha atenção para o professor que permanece apresentando o programa do decatlo e os alunos, imaginando que Peter esteja agindo como eu também deveria: com responsabilidade e atenção às atividades. Nossos últimos anos são os mais importantes para conseguirmos bons resultados nas inscrições para universidades, algo que previamente me comprometi em conseguir. Faço uma notinha mental para dar andamento em meu artigo assim que chegar em casa essa noite e deixar as leituras para depois. — Você almoçou? — A voz de Peter soa um tanto entalada, lutando para escapar antes de ele limpar a garganta baixinho.
— Sim, senhor. — Confirmo e toco a sua mão que segura meu braço esquerdo, afagando os seus dedos momentaneamente antes de Peter os entrelaçar com os meus de maneira que deixaria o nosso professor nervoso se estivesse prestando atenção. O Sr. Harrington prossegue com informações básicas sobre o Decatlo, apresentando seu objetivo para Midtown e para os alunos, bem como suando e gaguejando algumas vezes como costuma fazer. Lhe dou toda atenção, cuidando para prender-me nos detalhes, incluindo em como selecionará monitores para cada uma das frentes de estudo. Estou tentando decidir em qual posso me candidatar quando sinto um suspirar breve vindo de Peter, quase soando impaciente. — Tudo bem? — Controlo o tom, falando baixo para não atrapalhar ainda mais o professor.
Uhum — A mesma resposta desligada o escapa e eu aperto seus dedos, o entendendo. Nós não teremos descanso daqui para frente e ele tem todo direito de se sentir chateado por isso.
— Acho que podemos dar início à nossa reunião, certo? — Alguns alunos concordam e eu também, a fim de saber o que faremos este ano e quais novos manuais precisarei estudar. — Betty e , vocês podem ir distribuindo os novos manuais?
Olho para Betty Brant, que prontamente se levanta de sua cadeira como se houvesse um escorpião em seu colo, o que me leva a perceber que dizer não deixa de ser uma opção se desejo o posto de monitora, precisando demonstrar mais interesse ainda nas atividades do clube. Concordo e aperto os dedos de Peter ao me distanciar e seguir Betty, começando a empilhar os manuais em meus braços para distribuir aos alunos que estão mais distantes e, como eu, foram os últimos a recebê-los no ano letivo anterior. Ethan e Nate Larson me cumprimentam ao pegarem os novos manuais, mas se voltam para suas cartas de Pokémon logo depois, diferentemente de Mia Harper, quem me oferece um sorriso gentil quando nossos dedos se tocam e eu preciso prender um sorriso, lembrando-me de ter de comentar isso com Peter assim que possível.
— Obrigado, — Ergo meu rosto, ainda sorrindo ao lembrar de sua conversa com Sasha na aula de educação-física, o mesmo sorriso perdendo a intenção quando percebo que é para Harry Osborn, não Belvoir, que estou entregando um novo exemplar e não um outro aluno qualquer. Ele aperta a boca, como se estivesse prendendo uma careta quando uma risada estridente soa há uns metros, vinda de ninguém menos que Gwendolyn, que recebe o livro de uma Betty igualmente risonha e que me faz engolir em seco. Aulas e agora Decatlo com Gwendolyn; a situação só decai. — Garanto que também não sabia sobre a transferência da Gwendolyn para Midtown. — Osborn suspira, o seu desconforto com o constante contato e intromissão da ex-namorada sendo palpável desde suas breves interações na aula de química. — Só tenta… Ignorar. — Harry balança o livro.
— Realmente acredita que é possível? — A sincera dúvida escapa e Harry se demonstra um tanto chocado com ela. Sinto minhas orelhas se aquecerem quando ele parece quase entretido e balanço a cabeça. — Desculpa.
— Não, não é possível — Harry pende a cabeça, também soando sincero. Ainda me lembro bem de como esteve na defensiva todas as vezes que vimos Gwendolyn durante a festa, então o seu desconforto com a aproximação dela também não me surpreende. — Mas não custa tentar. — Eu assinto, segurando um outro livro e tentada a distanciar-me o máximo possível dele, atenta para que a nossa pequena conversa não alcance o radar de sua ex-namorada e piore as suas brincadeirinhas e a indiscutível insistência dela comigo, bem como sua aproximação com Peter. — , está tudo bem entre nós, certo? — Seu tom é baixo o suficiente ao ponto que, se eu não estivesse tão atenta a tudo ao meu redor, fosse fácil ignorá-lo em meio a todo o burburinho na sala. Eu engulo em seco, segurando os últimos livros contra meu peito ao assimilar a sua pergunta enquanto Harry mantém-se de olho em mim da mesma forma que fiz quando conversamos da última vez e eu implorei que ele me perdoasse pelo o que fiz.
— Sou eu quem deveria estar fazendo esta pergunta, e você a pessoa a responder, Harry. — Relembro com um respirar raso. — Não foi você quem induziu o outro ao erro.
— Então estamos bem. — Harry decide ao assentir e balançar o livro como uma bandeira branca. Sua decisão me conforta, mesmo que não me faça esquecer de como eu pisei na bola com ele e pior, com Peter.
— Bem-vindo ao Decatlo.


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— Está tudo bem, Pete?
A pergunta é feita através de um suspiro, não direcionado a ele, mas sendo um som que eu emito devido ao clima agradável no jardim e a ausência de alunos por perto. Há um pouco de sol e a maioria dos outros alunos ainda estão escondidos da leve ventania dentro de Midtown ou apertados em banquinhos para descansarem ao aguardar seus motoristas. Ainda assim, com o clima agradável e caminho não obstruído, estou um tanto preocupada com a expressão de Peter; a mandíbula apertada e um semblante um tanto incomodado. Algumas vezes antes, já lhe vi chateado e, principalmente, o vi chateado comigo, mas não é esse tipo de descontentamento que identifico em seu rosto ao passearmos pelo jardim.
Apesar de meus olhos não me enganarem, Peter assente em resposta a minha pergunta, ainda que pareça nem sequer ter a registrado direito. A mandíbula se mantém apertada apesar de sua tentativa de me oferecer um sorriso que outrora faria meus joelhos virarem gelatina, mas agora valida a minha preocupação. Seguro em seu braço com a mão que não está entrelaçada com a sua, meu dedão afagando seu antebraço por cima do casaco escuro dele ao tentar identificar a justificativa para o seu distanciamento e, sem demora, imaginando que o que lhe contei sobre minhas descobertas nos livros asgardianos sejam o que tanto ocupa sua mente. Peter teve aquele terrível pesadelo quando nós mergulhamos de cabeça no treinamento intensivo preparado por meu pai após eu os contar sobre meu episódio de terror noturno, então faz sentido que alguma coisa nos guiando na direção de meu pesadelo lhe cause tanta preocupação. Reconhecendo minha óbvia responsabilidade, não me convenço de que um problema assim não mereça ser discutido, contudo, nós permanecemos caminhando pelo jardim na direção do prédio de botânica para buscar um livro que Peter havia esquecido durante sua aula, as nossas mãos entrelaçadas com o vigor de videiras.
— Tem certeza de que está tudo bem, Pete? — Entendo que estou exagerando ao repetir o apelido duas vezes, mas parece necessário pois desejo arrancar alguma reação dele. Peter parece quase entristecido e meu coração se aperta, a preocupação crescendo e se espalhando. — Aconteceu alguma coisa?
— Nada não. — Peter me responde com pouca atenção e sem me olhar por mais de dois segundos, sorrindo vazio como eu faço às vezes, como alguém que diria "eu estou sorrindo, está tudo perfeito, por favor, não se preocupe". Insatisfeita com a situação, ainda estou segurando em sua mão quando ando um pouco para ficar na sua frente apesar da baixa camada de neve que lhe faz segurar em mim com mais afinco, eu decido parar diante dele em uma tentativa de o impedir de fugir de mim. Seguro sua outra mão, erguendo o rosto para olhá-lo diretamente e sem duvidar de toda a paciência que tenho e posso fazer uso pelas próximas décadas até saber o que está lhe incomodando e descobrir como atenuar o problema. A sua face relaxa com um sorriso pequeno e, finalmente, verdadeiro. — O que aconteceu? — Peter questiona, as três palavrinhas adocicadas pelo som da sua risada quando eu desvio a cabeça quando tenta erguer nossas mãos em seu óbvio extinto de massagear a ruga entre as minhas sobrancelhas. Lhe dou um sorrisinho para que saiba que não estou chateada e somente quero que sua atenção permaneça em mim.
Você me aconteceu, Parker. — Remarco com um revirar de olhos, soltando suas mãos e movendo meus braços para que encontrem apoio em seus ombros, o que baixou minha guarda e lhe permitiu envolver os seus ao meu redor. Minhas botas estão quase em cima de seus tênis quando me traz para mais perto. Quando me segura, Peter não cruza os braços em minha costa; ele apoia minhas omoplatas com uma palma e segura em minha cintura no lado contrário. No fim, somos um embolado que não consigo imaginar nada melhor para substituir. — Fala comigo — Ainda que eu insista, não se passa de um pedido. Somente espero que ele esteja bem. — Por favor.
Peter me olha por uns bons momentos, claramente analisando as opções que tem e tento engolir o fato que a sinceridade não é a única, compreendendo como deve lhe ter feito se sentir com as minhas próprias incertezas. Ele desliza a mão na minha costa, desviando seus olhos para o que quer que esteja atrás de mim, franzindo suas sobrancelhas e apertando um pouco os lábios. Claramente, o que lhe incomoda é importante o suficiente para que fique na defensiva.
— Eu acho que… — Peter aperta a boca de novo e ergo mais o rosto, atenta para como engole em seco e balança a cabeça, descartando o que diz. — Na verdade, eu sei que… — Ele suspira e afaga a minha coluna. — Que o Osborn gosta de você. — Eu respiro, assimilando sua explicação. Sim, eu também sei que Harry tem algum sentimento por mim que pensei ter contido, mas saber que Peter também está ciente e obviamente intimidado pelo o que for esse tal sentimento… É estranho. — E eu também sei que não devia ficar nessa… — Peter prossegue, respirando fundo e molhando seus lábios, voltando a desviar os olhos de mim e os direcionando ao céu. — Nessa… Nesse ciúmes, mas eu tô vendo a forma que ele olha pra você e ele olha pra você da mesma forma que eu te olho e…
Pete faz uma careta de desconforto, seja pelo o Sol fraco ou como ele se sente. Eu quero me encolher contra ele, esconder meu rosto contra sua garganta e lhe garantir que eu não sinto, nem da forma mais remota, o mesmo que Harry pode estar sentindo por mim. Lhe dizer que os olhares dele não são sequer registrados por mim e que me preocupa que se sinta assim, pois entendo seu ciúmes e ainda assim reconheço que Harry não tem chance contra ele. Seus dedos se flexionam em minha costa, acariciando-me apesar da forma que se sente.
— E como você olha pra mim, Pete? — Questiono de volta, sentindo-me culpada devido a forma que meu peito se aquece.
Ainda está além de minha compreensão a forma que me sinto ao seu lado, p que acaba por intensificar a maneira que vejo dificuldades em compreender sua preocupação. Não há mais ninguém que me faça sentir da forma que Peter faz; nem todas as cantadas baratas de Flash ou toda a atenção que Harry me deu quando saímos chega a alcançar os níveis de felicidade e carinho que Peter provoca simplesmente por respirar ao meu lado.
— Você sabe o que eu quero dizer e sabe que me chamar de Pete é golpe baixo. — Ele se inclina um pouco até mim para murmurar, mantendo-se quieto apesar da expressão mais suave.
— Eu sei. — Concordo, dando de ombros. Minha reação o surpreende e Peter me observa, tentando decifrar o que passa por minha cabeça. — Você vai além da superfície e nós sabemos disso. Me enxerga bem do que os olhos captam. — Tento lembrá-lo de nossa conversa há algumas semanas. — Ninguém me conhece tão bem como você me conhece. E ninguém me vê como você me vê. — Lhe garanto, minhas mãos espalmadas em seus ombros e olhos buscando os seus que, enfim, reconhecem o que desejo lhe repassar. Harry pode ser quem for, agir como desejar e olhar-me como lhe couber: mas eu não poderia desejar estar com qualquer outra pessoa além dele. — A parte externa, essa que os olhos do Harry alcançam, não tem valor algum. Não para mim. E ainda assim eu entendo como você pode se sentir desconfortável com isso e peço descul…
— Não, não, não — Pete balança a cabeça imediatamente, aproximando-nos ainda mais e inclinando-se até mim, sobrancelhas franzidas ao beijar a coroa de minha cabeça repetidas vezes a fim de pontuar sua negativa. — Não é culpa sua e por isso eu não ia te dizer nada. — Peter segura em meu rosto, como se fosse necessário tal para que eu lhe olhasse. — Você é a última pessoa que tinha que pedir desculpas, ! — Ele garante com tanta sinceridade e preocupação na sua expressão que não posso fazer nada além de assentir devagar. — Sou eu quem tinha que estar pedindo desculpa por ficar chateado e deixar você se preocupar com isso. — Quase fecho os olhos quando beija minha testa, afagando o meu rosto enquanto o faz. Um dia Peter Parker irá me matar. — Eu confio em você de olhos fechados, , por isso tava engolindo isso pra que você não pensasse o contrário. — Sua afirmação me conforta e eu assinto devagar, segurando em seus pulsos; ele confia em mim o tanto quanto eu confio nele. — Só tô chateado que não consigo tirar da minha cabeça que o Osborn tá literalmente metido na nossa vida, e eu vou precisar aguentar ele, com justificativa, ficar com essa quedinha por você. O Flash é mais fácil, já que ele é um pateta. Agora o Osborn tem esse… — Ele fecha os olhos com demasiada chateação enquanto afago o seu antebraço. — As meninas que fazem aula com a gente dizem que ele tem esse “charme” que eu ainda não entendi e… E o Ned comentou hoje sobre ele ser “a competição” e…
— Não tem competição alguma, lembra? — Outra vez, tento lhe fazer lembrar de nossas conversas antigas, me aproximando mais, desejando os seus olhos em mim para que possa notar que falo a mais pura verdade. Peter engole em seco, então se permite assentir um pouco, boca um pouco franzida enquanto as memórias parecem voltar e sua face assume um pouco mais de cor. — Antes de estarmos juntos não tinha, então imagine agora.
— Desculpa — Peter mergulha até mim novamente, beijando a minha bochecha algumas vezes. — É bobagem minha.
— Pra mim não é bobagem — Retruco ao envolvê-lo em meus braços. Peter beija o meu nariz agora, parecendo estar se movendo para o centro do meu rosto enquanto tento me concentrar na minha respiração e não no seu hálito de chocolate quente com menta. — Não se te incomodou. — Lhe garanto, curvando meus dedos contra seu casaco como se acariciasse sua costa e não o tecido macio. Peter respira e eu posso ver um pouco da tensão escorregar dos seus ombros, contato e compreensão parecendo lhe acalmar. Ele se inclina para mim de novo, a testa encostando em minha têmpora e a pontinha morna de seu nariz ruborizado encostando em minha bochecha. — Obrigada por me contar o que estava sentindo.
Ele assentiu devagar e meu coração doeu por saber bem como se sente, as memórias de Liz Toomes retornando para mim lentamente. Escorrego a mão até seu peito no intuito de o confortar, sentindo o seu coração pulsar debaixo de meus dedos quando fico na ponta dos pés e lhe beijo. O seu lábio inferior desliza entre o meu e eu o beijo firme, respirando o ar que Peter exala e tentando manter minha sanidade, calor irradiando do ponto onde nosso lábios se tocam e lentamente espalhando-se pelo resto do meu corpo. A sensação é tão boa que eu seguro seu rosto, na mesma intensidade que ele faz ao amparar minha costa para nos aproximar ainda mais, tentando entender como pode crer haver alguma competição ou um risco. A mera ideia me faz querer rir e eu me afasto, dedos acariciando sua face encantadora enquanto respiro e conto as sardas em seu nariz.
Harry Osborn não tem chance alguma contra Peter e eu espero que ele entenda.


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A Arena está escura quando entro depois de terminar meu dever de casa e entregar uma cópia de meu artigo para Tony. Fecho as portas atrás de mim com cuidado para não emitir som algum que possa indicar para meus pais que é aqui que estou, e não em meu quarto, uma vez que o castigo que me foi imposto não foi oficialmente suspenso. Ainda no escuro, coloco os grimórios sobre a mesa mais próxima a porta e removo meu casaco, jogando no mesmo local antes de tentar acender as luzes com um movimento de minha mão, a erguendo um pouco acima da altura de meus ombros e girando igual vi personagens em filmes fazerem ao trocar uma lâmpada. O êxito não somente me surpreende por comprovar que os livros asgardianos estão certos ao recomendar adoção de gestos para reserva de energia essencial, mas ao demonstrar que os grimórios não são um amontoado de mentiras.
Balanço as mãos após folhear algumas páginas, atenta para cada explicação que traduzi em um pequeno caderno de bolso que também deixei aberto. Utilizando-me da mesa digitalizadora ao lado, seleciono um conjunto de 4 alvos físicos, esfregando minhas palmas quando surgem há uns doze metros de mim, manequins de material similar à resistência e integridade do corpo humano. Em cuidado ao primeiro indiciamento do grimório, tento controlar minha respiração e o seu fluxo, ciente que o controle interno é um dos pressupostos para que o resto funcione devidamente. Quando sinto a confiança que julgo necessária, estendo minha palma direita na direção do primeiro alvo. Transfiro o foco da concentração para o meu coração — para seu pulsar — e tento imaginar o sangue que corre por minhas veias. Ainda seguindo os ensinamentos dos livros, eu tento controlar a natureza volátil de meus poderes que começam a forçar uma tensão fervente em minhas palmas antes que eu me sinta pronta para eles.
O descontrole quanto à intensidade de minhas habilidades já feriu minhas mãos inúmeras vezes, ao ponto de queimarem e sangrarem quando os utilizei em Berlin um ano atrás. Então, agora, os manter sob controle, bem como me auto-preservar, se torna meu objetivo principal antes de sequer ousar utilizá-los contra um alvo. Antes que o calor intenso pareça queimar as minhas veias e me exauste como é de costume acontecer após os utilizar, devolvo a força para meu átrio, como se cortasse o elástico que impede meus poderes de escaparem por meu dedos e eles se recolhem em meu peito outra vez. Dando uma segunda olhada nos livros, me remeto ao que já sei: é necessário treinamento e autocontrole. Me dedico a repetir a mesma rotina anterior, imaginando meu respirar e o oxigênio em minhas veias como um bálsamo contra o fogo, mesmo que seja o exato contrário. Repito os preparativos algumas vezes até que o sangue deixe de se assemelhar a lava em minhas veias e, com um toque de concentração, eu consiga externar a energia que havia formado.
Prendo a respiração quando um amalgamado de energia se origina pelas extremidades de meus dedos, movendo-se e unindo-se no intuito de formar um disco protetivo. Já moldei escudos cuja capacidade de proteção ultrapassa a densidade do vibranium wakandiano, escudos que que já utilizei para proteger não somente a mim, como terceiros, então não demoro a reconhecer que, o que formei não é um simples escudo, mas um indiscutível núcleo energético que, pela primeira vez, mantém-se estável e sob meu indiscutível controle. Então, o mais cuidadosa que consigo, utilizo minha mão livre – nos moldes dos ensinamentos asgardianos que decido não mais julgar – como o elástico de um arco e flecha, a fim de gerar maior impulso quando disparar o núcleo na direção do meu alvo. Com a mira ideal, impulsiono o núcleo ao mesmo tempo em que torço a mão que o mantinha íntegro, e faço o novo movimento que queria testar.
O núcleo partiu-se em inúmeras partes, assumindo o formato que eu idealizei no silêncio. Após atingido, o alvo se manteve de pé, parecendo não ter sofrido dano, então decido me aproximar a tempo de ver o primeiro rastro de sangue falso escorrer há distância, se somando aos demais e, assim que estou há menos de um metro, o manequim com inúmeras perfurações se desfaz diante de meus olhos. Dou um passo para trás quando pedaços do material sintético começam a derreter e o sangue falso borbulhar com o calor, o líquido se infiltrando pelas frestas do piso de metal. Recolho minha mão contra o peito de imediato.
— Lâminas no treinamento não é novo — Viro o rosto pra porta tão rápido que sinto minha cabeça doer, surpresa por ouvir o som da voz de Maria Hill, mas nem tão surpresa assim. — Mas essas… Nunca vi igual. — Ela prossegue ainda entretida, fechando a porta atrás de si enquanto me recolho, tomando distância do que não passa de uma gosma negra no chão, o cheiro de plástico queimado me forçando a torcer o nariz.
— Gênese de Energia. — Engulo em seco, tentando não demonstrar meu susto conforme retorno para a mesa digitalizadora e recolho os restos destroçados com um rápido clique na tela. — O que…
— Quando o Tony me designou como sua segurança, não me limitou a aguardar fora do seu campo de visão — Respiro fundo para controlar qualquer palavra que soe mais infeliz do que deveria, afinal, sou a responsável por isso e não posso culpar meus pais por querer manter os olhos em mim. — Você foi atacada dentro do Complexo, então, até aqui dentro, na ausência deles, está sob minha responsabilidade. — Concordo devagar com o meu rosto em chamas, sentindo minhas pernas tremerem um pouco quando o cheiro de queimado me alcança de novo. — Gênese de Energia, certo? — Hill se aproxima dos meus livros e traduções, removendo o óculos no bolso de seu casaco e o colocando sobre a ponte do nariz, correndo os olhos sobre o grimório enquanto tento não lhe deixar notar o quão trêmula estou. — Porque escolheu as lâminas? A recomendação é de esferas maciças.
— São os óculos ou o seu treinamento foi diferente do meu? — Questiono devagar. Maria sorri gentilmente, passando a analisar a folha seguinte. — Não chegamos a aprender nórdico antigo.
— São os óculos. — Ela me responde pacientemente, dirigindo a sua atenção para o local onde o alvo antigo estava e onde ainda há plástico escuro grudado no chão. — Quando salvou aquela criança na Ponte do Brooklyn, você sentiu o fogo tocar em você? — O desviar de assunto é incomum e eu, ainda que confusa, balanço a cabeça. Senti o impacto e ouvi o som da explosão, mas não senti um calor característico de quem está envolto em chamas de uma explosão. Hill assente devagar e, antes que eu possa lhe questionar o motivo da sua dúvida, mesmo ciente que ambas reconhecemos a ironia, ela enfia as mãos nos bolsos e vira-se para mim. — Quando atingiu o seu alvo, você precisou recolher as mãos ou só o fez por medo? — Mantenho meus olhos em seu rosto, em busca de decifrar qual foi, dentre todos os horrores que passamos na HYDRA, que permitiram que Hill me entendesse tão bem. — Se aquele alvo fosse um monstro como os Chitauri, ou um dos androids do Ultron dois anos atrás, você teria o destruído com um mover das suas mãos. Faz ideia do quanto isso seria útil? Quantas das vidas perdidas poderia salvar se não tivesse tanto medo assim de perder o controle?
— Os livros indicam que a temperança é necessária para o controle da magia. Que devo me manter sobre controle antes de tentar a manipular.
— Os livros ensinam crianças a controlar magia, . Isso seria útil a você se ainda fizesse janelas de vidro se partirem quando gritava com enfermeiras e médicos. — Hill estava na Torre quando fui resgatada e eu me lembro bem dela, principalmente do episódio em que ela, Steve Rogers e Natasha Romanoff me observavam através do vidro blindado de meu quarto na enfermaria. — O seu problema é muito auto-controle e pouca experiência por causa disso. Lembro de quando criou aquele escudo de oito metros de altura e quase cem metros de raio quando estava em Sokovia — Maria dá de ombros. — Ou os androids que destruiu.
— Destruí os androids pois haviam matado o Pietro. — Meu coração se aperta. Ainda me lembro de o arrastar para o aerodeslizador e do sangue espirrando em mim enquanto Clint Barton lhe fazia uma massagem cardiaca inútil pois não tive coragem de contar que a brutalidade do alvejamento expôs o coração de Pietro. — A raiva que deu força aos meus poderes foi por ter perdido ele.
— Não estou dizendo que precisa de raiva e dor o tempo todo — Ela apoia-se na mesa ao me observar. Hill tem a invejável habilidade de controlar bem as suas expressões, sem jamais permitir que identifiquem como realmente se sente com algo; contudo, o movimento de sua boca demonstra a sua sensibilidade. — Fomos ensinadas que ódio e força significam a mesma coisa, mas não é verdade. Você me provou isso quando chegou aqui depois do atentado — Fecho minhas mãos em punhos, sem entender como o horror de quase perder May foi capaz de lhe ensinar que ódio e medo não significam força. Passei por coisas terríveis, mas não consigo me recordar de um episódio em que temi tanto que alguém morresse. — Você estava claramente apavorada, eu sei. Com os olhos arregalados e enrolando a língua ao falar; mas não estava só assustada. Você tem sentimentos fortes por ela, pela May, não tão fortes como o que tem pelo Peter, pelo Tony e a Pepper, mas você tem sentimentos que te ajudaram a abrir um portal que demorou cinco minutos para desaparecer que ligou a Ala 4 da enfermaria e o Rio Hudson. Tem ideia do cheiro podre de poluição que ficou naquele lugar?
— Não. Eu estava dominada pelo poder do amor… — Pouso a mão no coração ao cantarolar, um sorriso sarcástico em meus lábios. Hill desvia o olhar de mim, mesmo com um sorrisinho na boca.
— Humor não é o seu forte, sabia? — Entorto os lábios e assinto, rindo. — Só quero dizer que toda a concentração não gera grandes feitos como a suas reações naturais conseguem. Thor tinha motivos para dizer que você era natural.
— Sabia que o termo natural para os asgardianos significa incontrolável para nós? — Meu cérebro nunca me permitiu esquecer tal coisa, afinal, um deus de milhares de eons, em menos de dois dias após me conhecer, me deu o título de força da natureza. — “Uma imparável força da natureza”, se minha memória não falha.
— Imagine o que ele diria, ou melhor, o que a Romanoff diria se te visse agora — Retorno toda a minha atenção para a militar ao lhe ouvir mencionar Natasha. É tão raro ouvir seu nome neste Complexo que todas as vezes que isso acontece, sinto meu coração acelerar. — Ia ficar feliz, é claro, no entanto, só consigo imaginar que ela usaria uma única palavra para descrever você — Ergo a minha sobrancelha, interessada ainda que permaneça temerosa. — Dócil. — Mordo minha língua e ela parece notar, balançando a cabeça. — Sei que esse era o seu objetivo, mas para alguém que foi vítima de um atentado, você tem estado dócil demais, . Saiu do ponto de completo descontrole para esse em que parece estar usando uma camisa de força.
— Me chamou de desequilibrada? — Cruzo os braços assim de meu peito, mesmo ciente de que seria uma caracterização correta.
“Finalmente você entendeu, pensei que iriamos precisar ficar nesse tango a noite inteira” Hill revira os olhos, me fazendo rir ao esfregar as mãos nas pernas e se curvar, fingindo cansaço. Eu abaixo a cabeça também, sentindo-me revigorada por falar com alguém que não teme meus poderes e o efeito deles em mim. Também, faço questão de manter os seus apontamentos em mente, afinal, ela é cirúrgica ao propor a opinião recente que Natasha teria de mim. Antes de meu castigo e antes de meu pai iniciar os fins de semana de treinamento para nós, há meses eu não colocava os pés nessa Arena, tanto que ao considerar uma possível mano-a-mano, tenho surpreendentes dúvidas quanto às minhas habilidades.
Contudo, no mesmo nível que duvido de minhas habilidades de combate físico, sinto-me disposta a enfrentar um tanque no campo psíquico; os destroços do alvo sendo uma representação do quão adequada me sinto. Porém, com o passar do tempo, meus poderes têm crescido e evoluído, como Tony fez questão de pontuar há algumas noites; o que denota que sua potência também aumentou e eu não mais me vejo capaz de manipulá-los tão bem como desejaria. Ainda que o caráter físico de meu repertório de combate esteja duvidosamente alinhado, minhas capacidades de combate com os meus poderes ainda me preocupam. Preciso me aperfeiçoar o máximo possível com os livros asgardianos se desejar melhorar a manipulação destes.
Quando a Agente Hill se despede com um mero toque em meu ombro, avisando que estar presente enquanto testo magia anciã demandaria mais coragem do que estava disposta a demonstrar, acabo presa nas suas teorias quanto minhas habilidades estarem sendo sabotadas por mim mesma, principalmente ao atentar-me no pequenino aspecto que mencionou sobre o episódio em que levei May para a enfermaria através de um portal. Portais são diferentes da forma de teleporte que costumo usar habitualmente, uma vez que o simples imaginar do local que desejo é suficiente para que, se eu abrir os olhos, esteja exatamente onde quis. Um portal, ainda seguindo os ensinamentos asgardianos, não é de fácil criação, mas não deixa de ser impossível. Folheio as páginas do grimório, localizando as breves anotações à mão quanto a abertura de portais, a caligrafia em verde sendo belíssima, ainda que eu não entenda-a sem utilizar-se de minhas traduções.
Passo as duas horas seguintes falhando em algo que nem sequer compreendo.


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— Pelos velhos tempos?
A risada incrédula de Tony me alcança quando estou nas escadas, as meias me forçando a andar mais devagar para evitar escorregar no piso liso e me impedindo de flagrar a cara que minha mãe deve ter feito para ele. Pepper havia avisado uma hora atrás que teriamos massa para o jantar e a nossa presença era estritamente necessária, então não consigo diminuir a velocidade quando sinto o cheiro de manjericão, indicando que há algo com pesto no cardápio. Assim que chego na cozinha, eles estão de costas para mim, Pepper lutando contra um abridor de garrafa e Tony tentando utilizar uma concha de plástico.
— É um convite, Tony — Pepper esclarece o que quer que tenha o causado tanta revolta, apanhando três taças nos armários. Aproveito a distração de ambos para analisar as sacolas de papel e tentar contabilizar quanto da fortuna deles é utilizada apenas com delivery, uma vez que tweets com fotos de Tony Stark em um restaurante seriam o suficiente para a cidade parar e todos os paparazzis possíveis se espremerem na frente do local por uma mera foto valendo milhões. — Eles querem discutir negócios, provavelmente uma parceria com a Stark Industries. — Pep permanece tentando lhe convencer enquanto busco por alguma sobremesa nas sacolas. Quando pouso os olhos em três quadrados envoltos em papel alumínio, minha boca saliva. — As minhas fontes têm comentado que a Oscorp está planejando investir em inteligência artificial para uso médico.
A menção da Oscorp me faz apertar os dentes, principalmente em razão das informações que Tony expôs para mim e Peter há uma semana em face das atividades praticadas por Norman Osborn e seus cientistas que produziram a arma biológica responsável pelo desastre em Lagos. Sento no banquinho de sempre, colocando as sacolas sobre os demais para liberar espaço para meus pais, o som chamando atenção de Pepper, que se vira para mim com um pequenino sorriso. A sua clara intenção em dar prosseguimento ao que for que seja incitado por Norman Osborn me leva a questionar se ela sabe sobre toda a verdade ou Tony a poupou dos detalhes sórdidos das ações dos competidores da Stark Industries.
— A mesma coisa que a FRIDAY faz há três anos. — Meu pai a interrompe quando finalmente consegue vencer a concha e usa duas toalhas (apesar de já ter sido alvo de sérias reclamações de Pepper por sua habilidade de sujar inúmeras toalhas apenas secando uma remessa de louças) para carregar a travessa com penne ao pesto para a ilha, onde eu também lhe ajudo ao alinhar os descansa-panela, a fim de que não manche a pedra com a louça quente.
— Eles planejam lucrar com isso, Tony, o que não seria nada mal, considerando que para uma empresa de tecnologia, você tem evitado comercializar o serviço que é o mais vendido no mundo nos últimos anos. — Pepper reprova afiada ao se aproximar, colocando duas taças de vinho na mesa e uma garrafa de La-Croix para mim, bem como um canudo de vidro.
— FRIDAY e Jarvis não foram criados com a intenção de serem comercializados. Nem a Karen ou a Elena. — Tony balança a cabeça ao se sentar, fazendo uma careta de descontentamento e tomando um gole de seu vinho antes mesmo da comida ser servida. Pepper também nota sua ação, se ocupando momentaneamente em remover a garrafa de vinho de cima da ilha. O clima pouco amigável entre eles me desconcerta um pouco, o suficiente para que eu permaneça quieta quando Pepper pega o prato que estava diante de mim e coloca uma quantidade absurda de salada. — Como tudo que o Norman coloca as mãos, tem uma óbvia intenção de lucro — Meu pai revira os olhos, agitando a sua taça. — Fora que, não sei se você está ciente, mas a Oscorp vai ser penalizada pelo armazenamento de flamáveis no porto e usar a Stark Industries para uma parceria é dizer que nós não condenamos o que eles fizeram.
— Quando disseram que a minha presença era estritamente necessária, não imaginei que seria para impedir que pulem um no pescoço do outro. — Comento com um manear de minha cabeça, recebendo o prato de volta das mãos de Pepper quando ela se senta. Tony vira o rosto para tomar um outro gole de seu vinho, as sobrancelhas erguidas enquanto Pepper suspira. — É a possível parceria entre a Stark e a Oscorp que precisava da minha opinião? Porque se for… — Afasto alguns grãos que estavam em minha salada, abrindo espaço para a massa. Pondero minha opinião por um momento, as infinitas possibilidades de resolução do problema não passando despercebidas. — Se a Oscorp quer se utilizar da tecnologia da Stark Industries, não vejo problema de parte do lucro ser remanejada para os fundos de realocação dos atingidos pelo desastre no Porto. — O silêncio dos dois me surpreende e eu aproveitei a distração para pegar uma concha generosa de massa. — No mínimo a Oscorp ia se sentir obrigada a “fazer o bem também”. E a Stark Industries poderia embarcar nessa de Robin Hood, sabe? Ainda que seja a coisa mais… Controversa que uma empresa desse porte pode fazer.
Pego uma garfada cheia, meus olhos se fechando com o sabor do molho, o mesmo que um dia disse para Pepper que tinha gosto de sabão. Parto a burrata que estava no centro da travessa, enfiando um tomate cereja nela antes de comer a salada com molho de laranja e mel. Eu preciso admitir que, não importa quanto dinheiro seja gasto com nossa alimentação, certamente deve valer cada centavo. Confusa com o silêncio dos dois, ergo minha cabeça em meio a mais uma garfada robusta de massa, sendo recepcionada por um olhar surpreso de Pepper e meu pai, que ainda segura a sua taça, me olhando como se eu tivesse três cabeças.
— As vezes eu paro e penso se realmente não tem nenhuma possibilidade de você ser pai biológico dela, sabe? — Ela confessa, olhando o noivo sem tanta irritação como antes. Meu pai dá de ombros e acaba por assentir, dirigindo-me um olhar atento e incrivelmente carinhoso. Pepper suspira, um sorriso pequenino lutando para ser contido enquanto coloca comida em seu prato, apenas para o entregar para Tony, que lhe entrega o prato que previamente era seu a fim de que ela possa usá-lo. — Esse é o seu parecer, Srta. Hood? — Ela questiona sem mais conseguir conter o sorriso. — Aceitar a proposta e usar o dinheiro para ajudar aqueles afetados pela Oscorp? — Dou de ombros, bebendo da água saborizada de uva. Não faço ideia do que estou fazendo, mas a ideia de Norman Osborn ter a sua ideia usada contra ele não deixa de me agradar mais do que deveria, as únicas ressalvas que tenho se chamando Harry e Louis Osborn. — E o contrato que teríamos de assinar com a empresa? Como fica a boa-fé entre os contratantes se humilharmos publicamente a Oscorp?
— Não tinha nenhum carregamento da Stark Industries no porto? — A defesa de minha mãe soa como um pequenino ataque pessoal em face de minha decisão pender mais para as ideias de Tony do que para as suas. — Diz que a empresa, ciente de suas atribuições como grande exportadora e o que mais puder usar para dizer que vocês são muito ricos, se responsabiliza por qualquer dano que possa ter causado. — Olho para meu pai desta vez, o seu sorriso cúmplice me incentivando. — O local foi pelos ares, mamãe — Pepper está com as mãos cruzadas e queixo apoiado nos nós dos dedos, me observando como águia. — Não tem como saber o que seria, ou não, culpa da Stark e, no fim do dia, todo mundo ia saber o real motivo e ia ser o suficiente para humilhar a Oscorp e não render uma multa bilionária para vocês. — Pego mais uma garfada de massa e de alface banhado em molho. — Precisam de mais dinheiro para comprar esse macarrão incrível.
Enquanto pego uma cenourinha e a burrata, percebo a troca de olhares entre os dois.
— Eu disse que ela iria saber resolver. — O tilintar de suas taças chama minha atenção, semelhantemente aos sorrisos que me dirigem. Ergo a sobrancelha, ainda tentando entender o que foi toda a cena anterior. Tony ri e coloca mais comida em seu prato, pegando os camarões que enfeitam a massa. — Sua mãe tinha pensado na mesma coisa, porém a gente queria saber se você tinha alguma outra ideia.
— Muita coragem confiar a reputação de uma empresa como a Stark nas mãos de uma adolescente, sabia? — Balanço a cabeça ao sorrir um pouco pois querem saber a minha opinião sobre assuntos importantes da empresa, bem como Peter havia premeditado.
— Sua idade não determina se você tem ou não tato — Pepper intervém ao meu favor, se servindo mais vinho. — Ou, nesse caso em específico, bom-senso. — Ela aperta a boca, demonstrando a sua inconformidade com a omissão da Oscorp.
— Eles não querem pagar os atingidos, é isso?
— Nem a Oscorp, nem a Mittal. Vão deixar o processo judicial se arrastar por dez anos e aguardar uma sentença a favor deles — Tony acusa e tudo no que posso pensar são os milhões que já foram gastos pela Mittal em sua festa celebratória com a CLP Holdings. Bem como penso em Harry e se ele concordou ou não com as atitudes de seu pai. — A ONG da May está dando assistência aos que foram atingidos, mas isso não é garantia que eles vão receber as indenizações devidas. — Ele bebe do vinho, fazendo uma careta. — Por isso nós precisamos, por conta própria, resolver essa situação.
— Vocês tem uns advogados bem poderosos, não? — Solto meu garfo. Tony tem contatos com juízes e advogados que comandam quase todo o aspecto judicial americano, mas, ainda assim, os Mittal e os Osborn também têm esses mesmos contatos. — Já falou deles com a May ou com o Peter?
— A ONG tem uma parceria com um escritório em Hells Kitchen, meu bem — Pepper me informa, sua expressão mais suave. — E você conhece os Parker.
— Conheço. — Meu suspiro é mais pesado do que eu gostaria. Pete e May são orgulhosos e gostam de resolver seus problemas sem muita ajuda externa, mas isso não significa que estamos tão impedidos assim que nem mesmo podemos tentar intervir a favor das vítimas. — Mas vou tentar falar com a Tia May mesmo assim — Dou de ombros, voltando a dar atenção ao meu jantar. — Eu sou tão cabeça-dura quanto os dois. — A frase arranca concordâncias exageradas, tapas na mesa de meus pais, bem como me força a precisar segurar o riso. No entanto, não deixo de verificar que minha personalidade também é fruto de tudo que aprendi com eles, então não há muito que possam dizer que não vai ser uma tremenda hipocrisia. — Agora que todo mundo se divertiu e eu tenho a nova missão de convencer meus pais a me deixarem visitar a May…
Bebo uma longa golada de água, os observando enquanto o faço, bem como me escondendo atrás da taça quando Pepper cerra os olhos de forma humorística para mim. Só ver Peter na escola está me matando e eu sinto falta do Queens, bem como de May. No entanto, meus interesses egoístas não substituem meu interesse em ajudar a ONG da melhor forma possível.
— A parceria é para usar inteligências artificiais para detectar células cancerígenas e as mapear — Tony explica antes de minha pergunta, cruzando as mãos sobre a mesa. — A Oscorp tem o banco de dados, mas nós temos a tecnologia necessária.
— Então a Stark Ind só vai servir como ponte? — Questiono confusa. Não parece ser algo que Tony faria. Simplesmente emprestar sua tecnologia e deixar as rédeas dela alheia a terceiro, ainda mais se for de interesse da Oscorp, é perigoso e, sem descartar a periculosidade, é redundante. Além de dinheiro que iria para as famílias, o que ele ganha com isso? — Emprestar a tecnologia e deixar ele fazer o que quiser?
— O banco de dados vai ser compartilhado e tem mais de vinte anos de pesquisa que vai ser útil para criação de novas tecnologias que podem muito bem desbancar a Oscorp e esse método aí deles de “identificação por imagem”, que é o que radiologistas têm feito há séculos. — Pepper explica, virando-se então para seu noivo com um sorrisinho travesso. Ele está olhando para ela de uma forma que não consigo evitar sorrir. — Viu? Eu fiz meu dever de casa, Stark.
Molho meus lábios, considerando minhas próximas palavras.
— Já pensaram em investir de tratamentos? — Indago ao deixar meu jantar de lado mais uma vez, mesmo que um pouco envergonhada de atrapalhar o momento deles. Meus pais me olham, o questionamento deixando muito a desejar acerca do que desejo. — O Peter também está pesquisando algumas coisas para a feira e o assunto que quer discutir é um pouco parecido com isso que a Oscorp quer fazer, porém com uma aplicação em tratamentos. — Tony se atenta mais. — Ele está pesquisando sobre o uso de nanopartículas envoltas em sílica. São biocompatíveis e tem essa possibilidade de uso em transporte de medicamentos para terapias-alvo. — Assim que ele pende um pouco a cabeça para o lado, me sinto um pouco mais incentivada. — Podia dar uma olhadinha na pesquisa do Pete, pai. Acho que vale a pena.
— O nepotismo permanece forte nessa empresa — Tony pondera e eu busco o rosto de Pepper, sua opinião também sendo de extrema importância. Ela apenas dá um tapa no braço do noivo. — Piti mal entrou oficialmente na família e está sendo cotado para uma pesquisa de doze bilhões de libras. — O número absurdo me faria engasgar se ainda estivesse comendo. — Faz o seguinte, Monstrinha: fala de manhã com o Piti — Pepper revira os olhos em razão das provocações de meu pai. — E pede pra ele se acalmar, já que ele provavelmente vai ter um perecuteco — Limpo o canto da boca com o guardanapo de papel, ignorando que ele não deixa de estar certo. Minha mãe também riu, dando uma cotovelada nele. — E me enviar o projeto dele. — Concordo veemente, a ansiedade borbulhando em minha barriga. Já posso imaginar o quão feliz Peter ficará com a oportunidade. — Aviso logo que não é nada prometido, mas conhecendo vocês dois, eu imagino que… — Empurro meu banquinho, correndo em sua direção para envolver os braços em seu pescoço e tascar um beijo em sua cabeça grisalha. — Pep, tira isso de mim?



(Dez meses desde a queda dos Vingadores)


— Conhecendo o Peter como eu conheço, acho que vai acabar ficando bem mais ansioso do que feliz com a ideia de participar da pesquisa. — Respiro enquanto tiro as luvas que Pepper pediu para que eu usasse enquanto lavava a louça.
Logo após o jantar, Tony se recolheu para seu laboratório, acompanhado de uma garrafa de energético e a sua sobremesa que possivelmente irá derreter sem ser provada. A sua decisão por se unir a Oscorp uma segunda vez para esta nova frente de pesquisa é surpreendente. Removo meu avental, tentando distanciar-me da ideia de que esteja fazendo isso não tão somente para fazer a Oscorp pagar pelo o que fez com a Iniciativa Vingadores, mas de maneira a manter a Stark no topo.
— Acha que ele não vai aceitar? — Pep desvia meus pensamentos de Tony e os direciona para Peter. Pedir que meu pai o convocasse para compor a sua equipe não foi fácil, mas não é nada comparado ao trabalho que terei para convencê-lo de que é apto tal.
— Ele vai aceitar, mas não por confiar em si mesmo, mas para não desapontar ninguém. — A verdade é dura, pois não cabe a mim compreender como pode duvidar de seu intelecto e todas as suas habilidades desta maneira.
Meu treinamento me fez confiar, acima de todo o resto, em minha inteligência. Logo, não compreendo como alguém do calibre de Peter consegue dar para traz quando se trata de demonstrar suas capacidades.
— Especialmente você — Encolho meus ombros ao apoiar-me na pia, observando Pepper secar as poucas louças com cuidado, sorrindo cúmplice para mim. — Ele, de uma forma ou de outra, vai imaginar que foi você a convencer o Tony, meu bem. Não pode esperar que ele não sinta precisar te impressionar e fazer um bom trabalho.
— Mãe, acho que não tem maneira alguma do Peter me impressionar mais do que já faz. — Confesso apesar do aquecer de minhas orelhas. Ela havia utilizado a expressão “pacote completo” ao descrever Hugh Jackman em um filme e não posso deixar de encaixar Peter no mesmo molde e me questionar como ele não consegue se enxergar da mesma maneira. Pepper sorri para mim novamente, sem ser de forma a me provocar e deixar tímida. Sua satisfação é genuína. — O Peter é uma das pessoas mais brilhantes, boa e esforçadas que eu conheço. Porém não deixa de ser cabeça-dura e pensar o contrário.
— Você também não é a pessoa mais confiante que eu conheço, , mas desde que vocês dois começaram esse namoro — Mordo a língua. Namoro. Eu namoro alguém. Melhor, eu namoro Peter. — Tem se tornado mais aberta. — Ela usa suas mãos para dar ênfase ao que diz, gesticulando de forma a demonstrar o que se refere. — Fala mais, se impõe mais… Se bem que não foi só o Peter que ajudou com isso, o Harry também. — Aperto a boca enquanto ela pondera o que deve dizer a seguir. — Happy disse que você estava bem falante na festa e eu não posso negar que você estava bem segura na noite anterior e até no dia.
Contenho a intensa vontade de lhe contar que o meu “coração partido” foi o motivo de ter mergulhado de cabeça na ideia de sair com Harry. No entanto, preciso admitir que Pepper está correta. Há algo diferente em pessoas como Harry e Peter desejarem estar ao meu lado de forma romântica. Peter, principalmente. Não há outra maneira de estar junto a ele, com todas as suas qualidades e cada infinito detalhe que o torna tão extraordinário, que não faça crescer um leve pulsar autoconfiante em mim. A confiança, contudo, compete com a amarga inadequação, semelhante à que senti próxima a Harry.
É incrível e intimidador saber que alguém como Peter deseja estar junto a mim, e que, após as suas incontáveis e significativas tentativas de me fazer perceber minha importância para ele, é difícil considerar que está sendo o mais sincero possível quando minha mente ainda luta para tentar me convencer do quão inadequada sou para ele.
— Sei que quando a gente está apaixonada, parece que o resto do mundo se desfaz e para de existir qualquer coisa exceto a outra pessoa — Mordo o interior de minha bochecha, ciente que ela fala por experiência própria e o que sinto não é uma mera exceção à regra. — Mas nós somos atentos com vocês dois, tá? — Pepper acentua a sua afirmação ao balançar o pegador de macarrão para mim. — E o jeitinho que o Peter te trata — Ela balança a cabeça, instigando minha curiosidade. — A May deve ter lido algum livro sobre como criar bons meninos, porque aquele garoto parece que vive para ser o mais bem educado e cuidadoso que eu conheço. Principalmente com você.
— Eu sei. — Finjo coçar o nariz quando meu sorriso se torna largo demais para disfarçar e a timidez me faz querer esconder como me sinto. Minha mãe está certa ao dizer que o mundo deixa de importar quando estamos apaixonados pois, vez alguma consigo pensar em qualquer coisa além de Peter quando estamos a sós. Seu talento de me fazer esquecer qualquer coisa fora o espaço entre nós é admirável. — É estranho mas, quando eu estou com o Peter, é como se houvesse esse escudo entre a gente e o mundo exterior, sabe? — Apoio as mãos em meus quadris e olho para o chão, evitando os olhos de Pepper. — Falei com a Doutora Hall sobre isso hoje, sobre o Peter e o nosso… — “Namoro”, Pepper caracteriza. — Isso. Sobre ser semelhante a um bálsamo. Sobre a maneira em que esses momentos em que estamos juntos atenuar as preocupações. — Molho meus lábios, respirando fundo. — Eu só quero que ele se sinta dessa forma, também. — A confissão faz Pepper sorrir. — Tão querido como me faz sentir.
— Não quero apostar que ele já se sente assim, principalmente porque já tenho muito dinheiro e não gosto de jogos de azar, mas acho que iria ganhar de você. — Aperto a boca, obrigada a segurar o riso e discordar. Não sinto que faço o suficiente, muito menos que Peter se sinta tão querido por mim como me sinto por ele, principalmente ao considerar o que confessou hoje sobre Harry e pela maneira que não consegue enxergar como é a única pessoa para mim.
— Me ajuda? — Encosto em seu ombro, observando enquanto rasga as sacolas de papel para que possam ir no lixo reciclável. Tony e Pepper levam a reciclagem muito a sério.
— O que tem em mente? — Ela ri um pouco quando eu suspiro em derrota, pois não faço ideia do que posso fazer. — Ok… — Pepper pausa a batalha contra um adesivo. — Eu não acredito que vou dar uma de Dorothy Potts, mas porquê você não cozinha algo para o Peter? — Se não estivesse tão surpresa por sua proposta, poderia rir. Quão bom qualquer coisa que eu tente cozinhar sem magia ficaria quando nem mesmo sei fazer pipoca? Antes que eu possa indagar se chá conta como algo cozido, Pep prossegue: — É uma ideia retrógrada que eu jurei que nunca daria à minha filha? Sim, mas tende a funcionar.
— Lembra quando tentei fazer waffles? — Murmuro com o queixo apoiado em seu ombro.
— Cozinhar no sentido de preparar alguma coisa pro Peter que, pelo amor de Deus, não envolva fogo ou você perto de um fogão. — Pepper quase implora e eu pondero a possibilidade. “Então a minha melhor aposta é um sanduíche ou maçã picada”. Ela pausa seu embate com o adesivo outra vez. — A gente tem uns queijos e geléias muito bons, , você pode fazer algo legal pro Peter. Tenta começar pequeno.
— Um sanduíche, sério? — Considerando o quanto MJ riria de mim, começo a imaginar que pode ser uma boa ideia.
— Sim. E você coloca num guardanapo legal, com um bilhetinho e diz que fez correndo porque pensou nele ou algo bem meloso do tipo. — A ideia me faz franzir o nariz, incerta se estou tão confiante ao ponto de arriscar soar melosa demais. Peter me conhece bem o suficiente para estranhar algo assim. — O que o Peter costuma colocar nos sanduiches dele? Já viu alguma vez?
— Picles. Muito picles. — Torço o nariz de novo. — E mostarda.
— O Google está aí para isso, certo?


*


A tempestade de neve se formando me impede de chegar cedo em Midtown a tempo para a minha primeira aula, dando uma folga no dia para que eu consiga enfim organizar meu armário.
Estou jogando meu lixo dentro de um copo descartável quando sinto o aproximar de MJ, mas não lhe olho, voltando a recolher os descartáveis e canetas sem tinta. Ela abre o seu armário também, a proximidade dele com o meu sendo o máximo de proximidade que tivemos em semanas. Retiro o casaco grosso, o dobrando e colocando na caixa organizadora que Michelle me deu no ano anterior após reclamar que meu armário era uma bagunça. Aperto meus dentes ao pôr o casaco branco mais fino que havia guardado ali, satisfeita que combine com a ponteira dos sapatos “retrô” da Chanel que Pepper havia me presenteado. Com cuidado, também pego em minha mochila o pote com o sanduíche que preparei, sentindo o rosto esquentar quando pressiono o post-it amarelo na tampa.
Limpo minhas mãos com uma pequena garrafa de álcool enquanto Michelle permanece atenta a algo em seu armário, ainda que, em sua mente, ela esteja considerando falar comigo sobre o decatlo. Admiro seu autocontrole quando percebe que o único assunto que poderia invocar seria sobre o ingresso de Harry e que isso me deixaria mais enfezada com ela que antes. Continuo acompanhando os seus pensamentos ao testar algumas canetas, lhe ouvindo considerar o quão bagunçado o corredor ficou com os novos alunos e remanejamento de armários, como o som de conversas altas a incomoda. Os alunos do segundo ano também foram transferidos para a mesma área que nós, o que inclui nosso pequeno grupo de amigos, Betty Brant, Flash, Harry Osborn, Gwendolyn e mais alguns alunos. Mordo a língua quando penso em Harry e lhe questionar se estava a par das decisões de seu pai, mas a imediata raiva que sinto por Norman Osborn me atinge como um trem e a pergunta azeda em minha boca.
Esfrego minha nuca, percebendo como estou ficando cada vez mais parecida com Tony.
— Bom dia, tesoros! — Me orgulho por não bater com a testa no armário ao ouvir a voz de Gwen. — Dio santo, , esses jeans são The Row?
Para a minha absoluta surpresa, Gwendolyn usa jeans semelhantes aos meus, de igual e indiscutível semelhança. No entanto, ao contrário de minha blusa vermelha de primavera, com poás e mangas fluidas, ela veste um colete de lã sobre uma blusa branca de mangas bufantes. Sempre presa a tons de nude ou rosa antigo, Gwendolyn se destaca com seu cabelo loiro curto e lábios rosados. Ela passa por mim, tocando em meu ombro e então faz o mesmo com MJ. O choque que sinto quando MJ sorri para Gwen poderia me derrubar.
— O nosso trabalho está quase pronto, mas eu preciso que revise mais algumas coisas. — Gwen comenta com MJ, abrindo seu armário ao lado do dela. Volto a olhar para meus materiais. — Também estou fazendo aquela monitoria que comentei com você, lembra? — “Você também se lembra, querida?” Mordo meu lábio quando os pensamentos dela se desviam para mim. “Seria maldade perguntar sobre o Peter? Será que a ativistazinha sabe?” — Por falar nisso, -querida, você sabe se o Peter fez aquela dissertação? — Pendo para trás, olhando acima do ombro de MJ enquanto engulo o ciúme que sinto. Gwendolyn realmente decidiu roubar minha única amiga?
— Creio que sim, Gwen — Assinto mesmo sem saber. — Posso lembrá-lo se você quiser.
Ela sorri vibrante para mim e contenho a vontade de revirar os olhos.
— Deixa que eu falo com ele na aula mais tarde. — Gwen descarta minha oferta com o mover de sua mão e eu concordo, voltando a fingir cuidar de meus materiais.
“Para alguém que gosta de cuidar do namorado alheio, se demonstra tão defensiva quando a situação se inverte que chega a ser engraçado. Pondero lhe questionar sobre Harry e seus sorrisinhos ontem, mas só lembrar da forma que o rosto dele ficou corado em conversar com ela sinto uma pontada no peito. Meses atrás, eu era a única pessoa a fazê-lo sorrir tão fácil, mas agora os seus sorrisos que uma vez já foram tão raros, são todos reservados para .”. O seu desviar do assunto me incomoda pois é óbvio que Gwendolyn ainda está ferida por seu término com Harry e ainda tem sentimentos claros por Osborn.
— Temos decatlo hoje? — Ela indaga.
— Só amanhã. — A resposta de MJ é rápida e ela limpa a garganta.
Consciente como se demonstrou vezes e vezes mais, Michelle reconhece que Gwendolyn menciona Peter e seu vínculo com ele de maneira proposital, bem como está tão indigesta com o “-querida” como eu também estou, contudo, se demora na menção sobre meus jeans que “Podia jurar já ter visto iguais na Target”. Mordo meu lábio ao jogar alguns lápis fora quando ela pensa em dizer isso para Gwendolyn. MJ fecha o seu armário e coloca a mochila no ombro antes de ir para aula em silêncio e sem se despedir
— Vocês estão brigadas? — Mordo a língua com a pergunta de Gwendolyn. “Não vai me tratar com ignorância, certo? sempre é boazinha com todos todos ao seu redor, e sem dúvidas pegaria muito mal me tratar de forma contrária.” — Eram amigas, não eram? — “Não é surpresa que viva rodeada de rapazes e tenha uma única amiga. É ideal que esteja rodeada de homens, afinal, é a melhor forma de se entrosar entre eles” Ignoro os seus pensamentos venenosos e respiro bem fundo.
— Tivemos um desentendimento, mas vamos ficar bem — Sempre me admiro com a sua farsa, principalmente pela maneira que demonstra genuína preocupação por meu bem-estar, apesar de sorrir por dentro com a minha infelicidade sempre que pode. — Obrigada por se preocupar, Gwen.
— De nada, querida. — A forma que ela franze as sobrancelhas me garante que deseja que eu perceba como está exagerando e não hesito em lhe oferecer um sorriso complacente. Não sei se gosto do jogo que ela decidiu jogar sozinha, mas me recuso que considere que minha indiferença seja um sinal de desistência. — Vai ficar tudo bem entre vocês, eu tenho certeza. A Mitch é ótima e sei que irão resolver esse impasse de vocês. — Evito exteriorizar meu horror com o apelido que presenteia MJ, meramente sorrindo uma outra vez para ela de forma a retribuir seu falso interesse em um resultado que possa me favorecer.
Gwendolyn se despede não muito após eu devolver a atenção para a bagunça que está no meu armário, seus pensamentos se direcionando para Harry e sua aula de Economia em breve. Não é uma surpresa tão grande que tenha descoberto e decorado a grade de aulas dele, porém a trivialidade não deixa de ser bizarra. Desisto momentaneamente de tentar entender as suas intenções, mantendo meu foco em MJ. Suas palavras me feriram, contudo, Michelle continua sendo minha única e mais antiga amiga, e talvez possamos contornar a situação, por mais humilhante que seja permanecer próxima a ela apesar de tudo.
— Senhor Parker — A menção me faz virar na direção do som, onde um professor que se despedia das moças da secretaria chama por Peter, localizado um mar de alunos que entram em Midtown. — O gorro, por favor. — Estreito os olhos quando ele ergue a mão para remover o gorro, bem como mais alguns alunos que o imitam. — Srta. Larsen, que tal uma blusa com mangas amanhã? E Darren, tira esse boné!
Peter caminha apressado até mim enquanto luta para enfiar o gorro vermelho dentro do bolso do jeans, a case da câmera que lhe presenteei está embolada com a alça de sua mochila e eu dou um sorriso para ele ao finalizar com a limpeza de meu armário.
— Bom dia, — Inclino o rosto quando sinto o beijo quente em minha bochecha, sua mão encontrando apoio na curva de minha coluna.
— Oi! Estava pensando em... — Quando finalmente viro o rosto para vê-lo por completo, sinto meu sorriso se desfazer ao perceber o pequeno, porém fundo, corte na lateral de sua testa. — Isso é sangue? — Sussurro, ciente de que, como estamos em público, outras pessoas poderiam se preocupar e querer ouvir nossa conversa. No entanto, tenho uma leve vontade de erguer a voz pela surpresa, não mais acostumada a vê-lo ferido. Tem um pequeno rastro seco no rosto dele também, indicando que Peter pode ter tentado secar o sangue sem ter tido um bom resultado e tentado esconder o ferimento com o gorro. A sua expressão não nega o flagra, com um sorrisinho culpado ao notar que realmente me assustei com seu machucado.
— Teve um assalto. — Peter explica-se baixinho ao passar por trás de mim e eu lhe sigo com os olhos, atenta para o ferimento que é mais fundo do que eu tinha imaginado.
Me arrepio pela dor que deve estar sentindo, bem como meu peito dói por Peter estar machucado, mesmo que isso não pareça lhe incomodar muito quando se apoia no armário ao lado do meu quando o Sr. Grant passa por nós na direção de sua sala.
— Explodiram um caixa eletrônico. — Tateio o meu armário, sem desviar a atenção de Peter, procurando pela pequena caixinha vermelha com band-aids e antiséptico e tentando ignorar o afagar de seu polegar em minha costa. É ridículo que um toque tão singelo consiga me desconcentrar dessa forma. Peter segue meus olhos e remove a mochila do ombro, a descansando no chão ao lado de nossos pés. — Sei que tinha dado um tempo no negócio de herói, mas tinham reféns. — A justificativa não me surpreende, mas não posso evitar suspirar ainda que lhe entenda. Começo a escolher entre os band-aids pequenos e os grandes quando sinto um outro beijo, desta vez mais prolongado, em minha bochecha. É difícil não fechar os olhos e mais dificil ainda não cobrir seus lábios com os meus. — Eu fiquei com medo de só te ver mais tarde.
— Está machucado em mais algum lugar? — O tremular em minha voz me envergonha.
— Só um pouquinho, não se preocupa. — Sua garantia é complementada por um sorriso entretido e travesso, aparentando estar satisfeito em quase me tirar dos eixos. Abro um band-aid, me entretendo com o movimento circular em minha costa. — Como você está? Já tomou café? — O meu revirar de olhos é automático. Há um corte do tamanho de um Trident em sua testa e ele se preocupa se já tomei café. Mesmo sem olhar, eu sinto o seu sorriso quando ergo o cabelo que tenta cobrir o seu machucado, agora sendo apoiada por suas duas palmas largas e quentes em minha cintura enquanto colo a bandagem sobre o ferimento, finalmente podendo respirar. Assento as bordas adesivas com cuidado para não pressionar muito, mas sou interrompida por um breve selar sobre meus lábios. — Obrigado, .
Apoio um braço em seu ombro e seguro em seu pulso com o outro, balançando a cabeça.
— Exceto o fato de você ter estado na cena de um crime, estou bem. — Ainda mantendo a voz baixa, enfim o respondo e indico seu cabelo com um aceno. Rapidamente, Pete balança a cabeça e alguns fios ondulados caem sobre o curativo, disfarçando a diferença de cor entre ele e sua pele. Me prendo por um instante no fato de que ele não usa mais gel ou o que for para esconder a curvatura normal de seu cabelo. — Agora, tem certeza que não se machucou mais? — Deslizo meus dedos entre os seus, sentindo o calor de sua mão esquentar-me. — Tenho tendência a mentir sobre isso e acabo desconfiando dos outros.
— Sim. Eu juro juradinho. — Pete ergue a sua mão livre entre nós, levantando seu dedo mindinho. Busco seus olhos, confusa com o que deseja com tal ação. — Pera aí — Para minha tristeza e confusão, ele solta minha mão e dobra todos meus dedos, exceto o mindinho. — Faz assim — Peter me faz cruzar o dedo com o seu, concentrado no ato e me fazendo sorrir um pouco com a estranheza de tudo. — Assim. — Ele me olha, sorrindo satisfeito ao balançar nossas mãos como uma criança. — Promessa de mindinho tem mais valor que promessa normal.
— Hmm… — A ingenuidade do ato é adorável.
— Hmm... — Peter me imita, assentindo devagar ao admirar nossas mãos. Os seus dedos são maiores que os meus e suas unhas não estão pintadas de vermelho como as minhas. — Ah, May está perguntando sobre você — Ouvir que May sente minha falta, ou sequer se importa o suficiente para perguntar de mim me deixa feliz. O pequeno repuxar nos lábios de Peter indica que ele também gosta de saber disso. — Quer saber quando vai visitar ela, e eu quero saber quando a gente vai conseguir passar mais de cinco minutos juntos sem o pavor de ser suspenso.
— Posso ir visitar vocês amanhã, o que acha? — Proponho, ansiosa com o que “mais de cinco minutos” deve prometer-nos. Penso por um instante nos beijos que trocamos na marcenaria, e a vontade de visitá-los aumenta mais. No entanto, me mantenho ciente de que minha necessidade de ir ao Queens ultrapassa querer passar tempo com Peter, mesmo que não tenha tal diferença tão grande. — Eu preciso conversar com a May.
— Sobre o meu dote? — Peter entorta a cabeça ao pegar sua mochila, a case da câmera nunca saindo do contorno de seu pescoço. Apesar do humor, não precisa atenção para perceber a sua curiosidade.
— Talvez. — Dou de ombros ao pegar minha mochila, enfiando o pote de vidro dentro pra que não o veja ainda. O maldito post-it continua caindo. — História?
— Geopolítica. — Peter resmunga. Já lhe ouvi comentar com Ned que, para uma escola com foco em ciências e tecnologia, Midtown se importa demais com outras áreas do conhecimento. — Vem, te acompanho pra aula. — A oferta é impossível de ignorar, principalmente quando Pete estende a mão para mim. Ele entrelaça nossos dedos de imediato, afagando minha mão como sempre faz e me levando a ponderar sobre como posso não ser a única que aprecia tanto toque físico. — Você viu que prorrogaram as inscrições para a feira? — Pete questiona ao balançar nossas mãos enquanto caminho ao seu lado.
Certo, este é o momento ideal para lhe contar.
— Não, mas… — Engulo em seco, tentando imaginar a melhor forma de entrar no tópico. — Hum... — Molho meus lábios, incerta e ciente de minha conversa com Pepper ontem. — Posso ter comentado com o meu pai sobre a sua pesquisa para a feira... — No mesmo segundo em que a última palavra me escapa, sinto um momentâneo tensionar vindo de Peter. Faço uma nota mental de tentar me preparar melhor para lhe dar notícias, sentindo que o resultado seria melhor se Peter parasse de andar e simplesmente demonstrasse seu espanto. Mas ele não faz, apenas relaxa devagar. — E ele está considerando chamar você para um estágio na supervisão para o projeto que a Stark Industries vai fazer com a Oscorp...
— Oi? — Mordo o interior de meu lábio quando Peter se pronuncia, enfim diminuindo a sua marcha na direção do corredor de minha sala. Com a mão em meu ombro, ele tenta nos desviar da multidão de alunos no corredor, para que não atrapalhemos ninguém.
— E ele disse que a sua pesquisa se aplica bem. — Decido finalizar o que comecei assim que nos encostamos em uma parede, abaixo do quadro de avisos de Midtown. Peter se curva um tanto para me olhar bem, quase ficando na mesma altura que eu. Sua mão não se desprendeu da minha e eu opto por acreditar que é um bom sinal.
— Mas, , é só teoria… — Suas sobrancelhas se curvam e eu aperto a boca. Percebo que não exagerei ao comentar com minha mãe ontem e que o conheço bem o suficiente para antecipar suas reações. Peter tem um olhar quase amedrontado ao se explicar, a ansiedade e falta de confiança o comendo vivo.
— Teoria que vai ser aplicada e você vai poder participar de forma ativa ao em vez de ler o que os pesquisadores estão fazendo. E nós dois sabemos que bioquímicos são péssimos em escrever artigos — Coloco minha mão livre em seu peito, tentando ter um certo controle quanto suas reações e na expectativa que ele possa relaxar um pouco, principalmente em razão do suave rubor de seu rosto. — O meu pai vai coordenar tudo e você vai ajudar ele, Pete. — Tento diminuir a responsabilidade, na expectativa que isso lhe conforte. — Vai ter o seu nome na pesquisa, o que é mais importante ainda.
— Tem certeza que o Tony me chamou? — Desta vez, eu hesito em assentir mesmo sem querer, o que é suficiente para os olhos de Peter saltarem. — ! — Ele sussurra meu nome, quase como se o gritasse baixinho.
— Não é nepotismo! — O olhar que me dá é claro. — Ok, só um pouco. — Eu respiro, sem muitas justificativas para a acusação silenciosa dele ou para como Peter corre os dedos por seu cabelo. Sua reação entrega a preocupação que eu já havia previsto. — É só que você é tão inteligente, Peter… — Aperto sua mão, tentando atrair sua atenção para mim, mesmo que ele esteja ocupado apertando a ponte do nariz. — E é uma oportunidade que dificilmente alguém de fora teria, sabe? — Balanço sua mão, chegando mais perto que o aceitável para o ambiente escolar. — E vai ser tudo na Torre, perto para você e está tudo convergindo para dar certo.
— Você é impossível, sabia? — Peter se encosta no mural, olhos fechados apesar da leve sombra de um sorriso.
— Já me disseram isso. — Assinto, somente para vê-lo sorrir. Não sei o quão longe iria por seus sorrisos e a extensão de tal me preocupa. — Quando ele mencionou a parceria e a pesquisa, você foi meu pensamento imediato. Lembrei de você no mesmo momento e não podia ignorar o quanto isso ia ser bom. — Seguro no seu pulso também, atenta para expressão de Peter que se ameniza um pouco. — Ah! — Removo minha mochila dos ombros, ignorando a cara que ele faz de “Tem mais?”. Pressiono outra vez o post-it amarelo na tampa do pote antes de sequer ousar apresentá-lo a Peter. — Eu trouxe um sanduíche pra você. Parece que tinha adivinhado que ia precisar de energia extra.
Seus olhos se abrem com a menção do sanduíche e quase desejo que Peter os mantivesse fechados para que não visse o desenho estúpido que passei quinze minutos tentando fazer, ou o flerte embaraçoso. I “pickle” you. Contudo, talvez o sanduíche salve a pátria, afinal, se não fosse a cebola e o picles, eu comeria uns quatro desses de uma vez só. Queijo suiço, presunto curado fatiado, rosbife com azeitonas, mostarda, picles e cebola. A composição foi o suficiente para conquistar Tony quando o usei como grupo de teste ontem e ele me pediu por um segundo sanduíche que nunca fiz, focada em preparar o mesmo exato sanduíche para trazer para Peter. O “presente” lhe distrai suficientemente de minha intromissão em sua pesquisa, ao ponto em que Peter se inclina com um sorriso enorme para ler o que escrevi no post-it, bem como traçar o desenho de uma jarra de picles. Esfrego meu pescoço quando ele me olha, tentando amenizar o calor e garantir que não irei ter um colapso pela vergonha.
— É um cubano. — Indico, bem mais tímida, a bandeirinha no rótulo do desenho. O som da risada de Peter quebra minha tensão e eu mordo a parte de dentro de meu lábio para não sorrir. — Assumo que não sabia nada que tivesse picles e só achei essa receita na Internet, mas foi feito com carinho e um pouco de enjoo. Mas carinho. 60/40, pra ser sincera.
— Você entrou no Google e achou o meu sanduíche favorito, é isso? — A sua reação não é nem tão costumeira como esperei que fosse: Peter parece verdadeiramente maravilhado com o mero sanduíche.
— Esse é o número 5 no Delmar? — Questiono, igualmente surpresa com a coincidência.
— É — Peter assente várias vezes, segurando o pote com cuidado e sorrindo tão animado que sinto vontade de apertar suas bochechas. — E como esperado, você acertou em cheio. — No lugar disso, é ele que segura em meu rosto ao beijar-me outra vez, com um som estalado para enfatizar seu agradecimento desnecessário. O seu sorriso me deixa tonta. — Obrigado, .
Desconsidero a gratidão com um selar no seu queixo enquanto sorri para meu desenho.


*


Pai
visto por último hoje às 18:39

Vem no laboratório quando terminar de estudar.

Eu pedi jantar para a gente.



Vejo a mensagem somente vinte minutos após o seu envio, no momento em que guardo o livro em minha mochila e começo a juntar as folhas de papel que havia utilizado para os cálculos ao responder o novo manual do decatlo. Guardo meu notebook e o livro que leio para antropologia, com a esperança de que possa me ajudar a escrever algo para minha redação da faculdade. Desço a escada para o laboratório enquanto visto um cardigã para compensar o frio que sinto por estar descalça, meu celular enfiado no bolso da calça de pijama. Estou removendo o colar de dentro do cardigã enquanto passo pelo reconhecimento facial, assentando a flor e a abelhinha sobre meu peito.
Quando chego no laboratório de Tony, ele não está lá. Algumas telas estão ligadas, assim como o display no monitor principal indica que ele havia finalizado há pouco tempo um facetime com alguém chamado Benedict Young, mas a foto do desconhecido desaparece quando me aproximo mais do vidro. Ainda na procura por Tony, estou no primeiro degrau da escada quando ouço sua voz atrás de mim:
— Quando te dei o laboratório, não imaginei que eu ia ser a única pessoa a lembrar dele.
Meu pai está na porta do laboratório que havia me presenteado assim que minhas visões começaram. Seus braços cruzados sobre o peito poderiam ser indicadores de alguma preocupação se não fossem a sua pose clássica que ele tanto repetiu em capas de revistas anos atrás. No entanto, Tony não mais parece um jovem rebelde que havia acabado de herdar uma das indústrias mais valiosas do mundo. Os fios grisalhos se acumulam em sua barba, braços e cabelo, indicando que a idade chegou e ele amadureceu com ela.
— Eu esqueço dele. — Minto sem dar muita importância, ou ao menos tentando não dar.
— Esquece? — Daqui eu também posso ver os fios brancos na sobrancelha que ergue para mim. Ele é tão desacreditado na desculpa quanto eu sou em minha capacidade de enganá-lo. Nós dois sabemos que não sou fã do meu laboratório ou do motivo que o levou a me presentear com ele. — Tô precisando conversar com você — Outrora me preocuparia com a possibilidade de ter feito algo errado ou pela forma que Tony coça a barba, um tanto desconcertado, mas estou certa que me mantive longe de problemas nos últimos dias. A expressão dele se ameniza quando percebe minha confusão e uma sobra de um sorriso surge, mas não passa disso. É uma sombra. Quase uma ilusão. — Relaxa. Tá tudo bem.
Com um acenar, ele me chama para dentro do laboratório e eu respiro fundo ao segui-lo.
O local não mudou desde a última vez que estive aqui, a única diferença notável sendo a sacola do McDonalds sobre a mesa central e um notebook ligado. Me aproximo e pego o copo de Pepsi, preparando-me mentalmente para os comentários que fará sobre meu projeto de artigo. Tony prepara a mesa em silêncio enquanto me sento, colocando dois hambúrgueres na minha frente e um pacote de batatas fritas, sem esquecer do ketchup.
— Não é possível que o trabalho esteja tão ruim assim, Tony. — Resmungo após afastar a sacola de papel e encontrar os picles de meu sanduiche em cima de um guardanapo. Se Peter estivesse aqui, ele teria colocado no seu hamburguer.
— Ainda não tive tempo de ler o seu trabalho, mas sendo você, é certeza que não tá nada mal. — Quando ele aperta a boca e força um sorriso amigável, começo a me sentir ansiosa. São poucos os tópicos que poderia querer tratar com tanta urgência e que seriam discutidos diante de um cheeseburger. Eu tento sorrir também e desembalo a o sanduiche, tirando uma mordida grande para ocupar minha boca e não resmungar um “desembucha” mal educado pois ele permanece me olhando. Olhando e pensando e ruminando. Sua indecisão me distrai e eu forço a comida goela abaixo. Minha expressão desconfortável parece lhe incentivar a enfim respirar e começar a desenrolar seu sanduíche com baixíssimo interesse na comida. — Lembra que mandamos a Agente Hill para Seoul? Encontrar o corpo da Cho e...
Abaixo o sanduiche ao concordar. Cho está morta e, infelizmente, não fui a responsável.
— Pois é — O ranger de sua voz, demonstra a força que faz para conter algo íntimo seu. Tony percebe como sua voz está rouca e bebe seu refrigerante. Coca diet, é claro. — A Hill também foi em uma missão de resgate de arquivos em nome da SHIELD. E, na volta, no Reino Unido, localizou um arquivo que estava em um banco de dados que imaginaram ter sido perdido.
Click.
— É sobre o meu orfanato, então? — A sua tensão se faz mais fácil de entender, assim como a hesitação. O único laço que pode ou não me ligar ao Reino Unido é o orfanato no qual vivi até ser traficada pela HYDRA.
Aguardo por um sorriso dele, indicando que acertei em cheio o tópico de nossa conversa, mas a menção do orfanato não parece ser o ponto que pretende tratar comigo, muito menos um tema que é importante agora.
— Não exatamente. — Quando Tony deixa o lanche de lado, eu me acomodo melhor na cadeira. Sua tensão indica que também vou me sentir tensa com o que iremos discutir. — Você sabe que desde que o Barnes chegou na Torre e queria saber sobre a irmã Ruth… — O erro gritante, que não sei ser proposital ou não, em razão do estranherismo de Tony, me faz o interromper e corrigir. Rebecca. — Essa aí. — A ausência de um revirar de olhos ou pressionar impaciente de lábios me pega de surpresa, mas estou anestesiada. Família. Tony quer tratar algo sobre família. — Eu instrui um novo protocolo onde todos os novos dados inseridos no sistema rodam a nossa base prévia, verificando desde similaridades comuns até as mais específicas, incluindo parentesco.
— Acharam meus pais biológicos na base de dados antiga da SHIELD.
Não lhe questiono, mas afirmo a hipótese que me soa mais plausível no mesmo momento em que ignoro o frio intenso em minha barriga.
— Sim.
Eu prendo a respiração e aguardo por um sentimento que não recordo ter sentido antes. Meu pai me espera, cauteloso como um policial que observa um artefato explosivo engatado em na contagem regressiva. Permanecemos em silêncio por alguns instantes enquanto aguardamos a ocorrência de algo impensável, um surto meu ou que o mundo simplesmente acabe. No entanto, para minha surpresa, sinto uma estranha sensação de tranquilidade. A SHIELD encontrou meus pais biológicos, mas eu não encontro implicações que possam justificar a apreensão de Tony. Eles estão mortos, tenho certeza. Ou, se a rara possibilidade de estarem vivos se concretizou, não devem saber quem sou.
Ainda assim, eu espero e tento pensar. Como devo lhe questionar sobre aqueles que me deram a vida sem o machucar? Sem ousar indicar que quero realmente saber sobre as pessoas que me abandonaram em um momento de tamanha vulnerabilidade e foram causadores dos horrores que sofri e que são hoje responsabilidade de Tony e Pepper conter? Sinto a culpa amargar minha boca. Eu não posso pedir por informações sobre essas pessoas, principalmente não depois de tudo o que nós já passamos. Tony e Pepper irão se casar em breve. Eles têm cuidado de mim há anos. Como posso ousar querer saber sobre aqueles que não sofreram comigo tanto quanto eles?
— Sei que é muita coisa pra processar, — Fixo meus olhos nos seus, assentindo no mesmo momento que Tony faz. Sou o seu espelho, seu reflexo, pois sou sua filha e nenhum pai ou mãe biológico pode alterar isso. Apesar de minha tentativa de conter minha reação, Tony me conhece o suficiente para saber que estou balançada com a informação. — Está tudo bem. — Eu concordo novamente, pois é verdade. Tony toca em meu braço e eu sei que é verdade. Está tudo bem.
— Está. — Eu repito como o pássaro artificial de Jogos Vorazes. — Me chamou aqui para falar sobre isso, apenas? — Tony pende a cabeça levemente para frente, com um leve toque de seriedade. Ele sabe de meu blefe e sabe que não consegui absorver a notícia tão rápido assim e, acima de tudo, sabe que eu estou afetada com a situação. Toco na mão que colocou em meu braço, evitando encostar nele com meus dedos sujos de sal e ketchup que poderiam ser metáfora para algo que me foge a mente. É difícil pensar. — Desculpa. — Meu pai balança a cabeça, sem se importar com isso. E eu tento ser como ele e não me importar em sentir alguma coisa, porém, é difícil sentir e não lhe fazer um milhão de perguntas. Então eu respiro fundo e bebo mais refrigerante. Quando minha língua está dormente de tanta bebida gaseificada, eu molho os lábios e ouso questionar: — O que tem no notebook?
— Dados sobre eles — Seus olhos se desviam para a tela que está de costas para mim. O observo escanear as informações, algumas imagens distorcidas refletidas em seus óculos. Eu prendo a respiração de novo quando me olha. Em seus olhos, não há nada além de pena por mim e meu coração dói. — Quer ouvir sobre eles?
Sem confiar em minha voz, eu assinto. Quando Tony respira fundo, o medo me domina.
— Eles se chamavam Sophie e Benedict Hawke. — O tempo verbal me agarra pela garganta e sufoca. Não sinto tanta familiaridade com o cenário que montei sobre os pais biológicos que sempre imaginei que estariam mortos. Imaginar sempre foi menos leve do que saber a verdade e eu não posso evitar o choque. Em seguida, também não sinto familiaridade com os seus nomes. Sophie e Benedict não soam como mãe e pai. Não soam como Tony e Pepper. — Eram oncologistas ingleses, então… — Tony toca o óculos na ponte do nariz, coçando sua barba uma outra vez. — Você é mais britânica do que nós imaginávamos, Monstrinha.
Tento sorrir como ele, mas nossos esforços não passam de tentativas tristes. Sophie e Benedict Hawke são meus pais biológicos. Ambos estão mortos.
— Como… — O questionamento incompleto é compreendido por Tony e ele suspira.
— Morreram em um acidente de carro em novembro de 2000, ano em que você nasceu. Foi enquanto saiam da propriedade deles em Oxford e iam para Londres. — A ironia dos Hawke terem morrido em um acidente de carro assim como a família de Helen Cho não me passa despercebida, mas não desvio a atenção do Tony em momento algum. Não me atreverei a lhe indagar sobre isso nunca mais, portanto, devo absorver todos os detalhes possíveis neste momento. — Você estava no carro também e foi pronunciada morta ainda no local por uma unidade não identificada.
Minhas mãos estão geladas.
— Quando descobriram que havia sido vítima de um sequestro, imaginaram que pediriam um resgate do corpo. A ligação nunca chegou, então imagino que foi por isso que você foi parar no orfanato. — Não tenho palavras para agradecer meu pai por continuar a me contar e não aguardar que eu reaja a tudo o que me diz para prosseguir, apenas olhando em meus olhos para ter certeza que ainda estou aqui. Agora entendo a rouquidão em sua voz e o amargor em seus olhos. É uma história brutal de ser contada e pior de ser vivida, mesmo que eu não possua memória alguma de tal evento. — Eu acho que deve ter ido parar em um hospital depois de notarem que estava viva e, como estava uma tempestade péssima em Londres no dia, tiveram muitos óbitos, e possivelmente você foi transferida de hospitais. No meio de todo o caos, não encontraram você.
— Foram… — Engulo o nó em minha garganta. — Causas naturais, então? — Tony me observa por alguns instantes antes de reconhecer o que lhe questiono. Eles não foram assassinados? Esta é a pergunta que quero lhe fazer.
— Sim. — É o suficiente e eu concordo com cabeça, mais rápido do que gostaria, pois só o mero pedaço de hambúrguer que comi está fazendo meu estômago doer. —Pelo o que verifiquei, houve uma chuva muito forte, vários alagamentos, deslizamentos… Uma catástrofe. — Somente assim eu entendo o impacto que Tony pode ter sentido e como ele conhece a necessidade de saber se não houveram outros fatores para a morte dos Hawke. Até doze meses atrás, Howard e Maria Stark haviam morrido da mesma forma em um acidente numa noite chuvosa. — Mas eu estou aguardando cópias do laudo da autópsia para termos uma ideia melhor do que aconteceu.
— Certo. — Eu sussurro, ciente que este tópico é doloroso para ele. Meses atrás Tony foi em busca dos laudos dos legistas que receberam os corpos de seus pais, mas nada indicava que foram assassinados. Nada ali continha traços ou indícios de algo além de um grave acidente de carro. Uma catástrofe, como os Hawke.
— E… — Tony toca na tela do notebook e só assim percebo que ele elaborou um roteiro para discutir isso comigo. O seu cuidado é impossível de ser ignorado. — Eles, a sua tia Eloise, ela procurou você por anos, . — Tia Eloise. — Eloise é a irmã mais nova do Benedict. — Meu pai esclarece o grau de parentesco. — Ela procurou você sem parar por anos. Segundo a Agente Hill, quatro corpos foram exumados na esperança de ser o seu, mas não eram compatíveis com o DNA do seu irmão.
— Irmão? — A pergunta escapou sem que eu sequer pudesse assimilar tudo.
Tony me olha, incerto se deve prosseguir.
— Alexander. São gêmeos. Ele também sobreviveu. — O choque é o suficiente para que meu estômago revire. Além de uma tia, eu também possuo um irmão. Vivo. — O índice combinado de paternidade entre você e os dados que encontramos é absurdo. Fizemos o duo e o trio.
Tento imaginar a aparência da pessoa que Tony diz ser meu irmão. Talvez nossos olhos sejam parecidos ou até mesmo a nossa estatura. Eu mordo o interior da bochecha quando sinto algo que somente consigo identificar como crueldade. O que levou o destino a me escolher e não escolhê-lo? Meço meus pensamentos maldosos, ciente que não consigo desejar a crueldade a qual me impuseram a ninguém, principalmente uma pessoa inocente. Prendo a língua, incerta do que pensar nesta situação. No entanto, não é difícil reconhecer que não há nada diferente: o meu passado permanece o mesmo; cruel e destroçado, apenas com algumas peças a mais para completar o quebra-cabeças. E o meu presente se mantém estático. Os Hawke estão há, no mínimo, um oceano de distância.
— Contou pra mamãe? — Somente agora consigo pensar em Pepper. Em como ela reagiu com toda a história: se ficou feliz por sabermos mais sobre mim, ou se ficou triste e com pena, da mesma maneira que Tony.
— Não. — A sua resposta me surpreende, mas sou grata somente a certo nível. Não quero contar sobre isso para Pepper, mesmo ciente que ela deve ser informada sobre os restos da minha família biológica. — Sou eu quem roda os dados na base. Tenho feito isso desde chegou. — Meu pai se explica com cautela, o rosto apoiado nas suas mãos entrelaçadas. Nem sequer me prendi na possibilidade de alguém, um oficial da SHIELD, no caso, saber disso. Sou grata que apenas nós dois tenhamos conhecimento de minha árvore genealógica. — Não acho que ninguém deveria saber sem que você quisesse.
— Tudo bem. É a mamãe. — Eu suspiro, fingindo ignorar a comida se embrulhando em meu estômago. — E não significa nada — Sinto uma vontade intensa de me enrolar em um cobertor e me esconder debaixo da cama. — Você mesmo me disse que sangue não significa nada.
— Não se você quiser que signifique. — A sua resposta não é o que eu esperava. Gostaria de que me contasse que realmente não muda nada; que sua relação sanguínea com Howard Stark não significa nada além de genética. Que a família que temos é tão valiosa quanto. No fim, apenas quero que diga que sabermos quem são meus pais biológicos não muda absolutamente nada. — Você quer conversar mais?
— Não.
— Tudo bem — Sua surpresa é esperada, mas seu arregalar de olhos é engraçado. Tony obviamente havia se preparado para mais algumas horas de diálogo e talvez algumas lágrimas, porém não posso lhe entregar o que aguardava. Sou extremamente agradecida por seu cuidado e respeito pelo tema, mas não quero ouvir mais sobre os Hawke. Isso é o suficiente. — Qualquer coisa eu tô aqui pra você.
— Eu não… Não estou mais com muita fome. Posso...
— Claro — Nós nos levantamos ao mesmo tempo, porém o meu movimento é rápido o suficiente para que o guardanapo se erga e o banquinho arranhe o piso. Tony ainda está afastando o banco quando me preparo para sair, mas ao notar minha pressa, ele agiliza suas providências. Quero suspirar quando abre os braços com timidez, quase preocupado que eu vá negar me aproximar. — Só vem aqui primeiro, Monstrinha.
Buscar conforto em meu pai se tornou automático nos últimos meses, principalmente no momento em que abre os braços para mim como se seu fosse uma criança pequena que ralou o joelho. Eu me aproximo o suficiente para que ele dê o último passo, o que resulta em um abraço apertado de fechar os olhos. Tony me abraça com força, como se o seu intuito fosse garantir que eu tenho um lar ainda, possivelmente ciente do medo que se esgueira por meu corpo como uma serpente sussurrando ameaças em meu pescoço. Eu também o abraço com força, implorando com cada fibra de meu ser que entenda que nada mudou e que os Hawke não são nada além de resquícios do que eu podia ter sido e que ele e Pepper são minha família.
— Isso aí não muda nada. — Papai sela sua promessa com um beijo no topo de minha cabeça, esfregando minha costa e se afastando um pouco mais para poder olhar-me melhor. Evito me prender no pequenino traço de melancolia em sua expressão. — Continua sendo a minha filha e razão dos meus cabelos brancos. — Consigo sorrir um pouco desta vez, apertando meu lábios antes de lhe abraçar de novo. — Eu enviei para o seu servidor algumas pastas sobre eles, ok? — Abro a boca para murmurar que não quero mais saber nada sobre eles, mas Tony assobia um “shh” baixinho para mim de forma a conter qualquer reclamação minha. E me embala como o bebê indefeso que fui um dia. — Uma hora vai querer saber, . E está tudo bem.


*


Consigo resistir à tentação de procurar por fotos dos Hawke por algumas horas. Uma em que passo dentro da banheira fumegante que preparo para mim, e mais algumas enquanto tento me forçar a dormir. Quando atinjo a terceira hora, começo a ceder à possibilidade de não ser tão terrível como imagino. Talvez não exista qualquer semelhança entre mim e meus genitores, e que tudo possa ser exatamente como imaginei por anos: um par de estranhos. Pessoas que poderiam passar por mim nas ruas abarrotadas de Nova Iorque e sumirem na multidão. Anônimos. Mantendo tal possibilidade em mente, me levanto da cama com calma, desviando-me das montanhas de livros de magia no chão e seguindo até meu computador sobre a escrivaninha.
Respiro fundo algumas vezes enquanto procuro pelas pastas que Tony indicou, evitando pedir que FRIDAY as apresente diretamente para mim, de forma que ele não precise saber que cedi e busquei por mais informações sobre os Hawke. Somente quatro minutos depois de encontrá-lo, que me sinto preparada para abrir o folder “B., S., C., T. Hawke”. Cinco subpastas são indicadas, sendo elas: Benedict, Sophie, Alexander e Theodora. Empurro minha cadeira para trás e me levanto, dando uns passos para longe da mesa, tentando amenizar o peso em meu peito com os nomes, com ênfase no último nome listado. Esfrego minha nuca ao sentir o nariz formigar. Quando penso bem, toda ideia é tão melancólica como Tony a fez soar. Os Hawke escolheram um nome para mim, nome este que eu era pequena demais para lembrar-me e que foi substituído por um número e uma letra na HYDRA. Segundo a linha do tempo de meu pai, Benedict e Sophie Hawke morreram em 2000, antes de eu completar um ano, e três anos depois, Brock Rumlow me traficou para a HYDRA.
Theodora foi a escolha do Hawke. C5 foi a da HYDRA.
No entanto, apesar da curiosidade que se agita em meu peito junto a uma tristeza que não consigo explicar a mim mesma, seleciono a pasta de Sophie e me sento quando suas fotos surgem na tela do notebook. Tateio a mesa até que um espelho se forma em minha mão e, sem jamais desviar-me da imagem dela, eu posiciono o objeto em minha direção. E é de maneira temerosa que viro-me para meu reflexo, apertando os dentes quando percebo a indistinguível semelhança. Cubro minha boca com a mão que apoiava meu rosto, olhos viajando da fotografia de Sophie Hawke para o meu reflexo, a similaridade entre os ângulos delicados que formam nossas estruturas ósseas sendo quase assombrosa. Sophie é indiscutivelmente bela, tão bonita quanto Pepper e May Parker, porém com uma aparência tão delicada como uma boneca de porcelana que vi na loja de antiguidades que visitei há muitos meses.
Sua pele tem a mesma tonalidade que a minha, eu noto, assim como seu cabelo escuro cuja curvatura se assemelha ao meu. Mas é o seu rosto que me assombra: somos tão parecidas que dificilmente seria impossível ignorar um laço sanguíneo. Eu me olho novamente no espelho, com esperanças que possa estar enganada, mas quando retorno para a imagem da desconhecida, prendo a respiração. Nossos rostos são em formato de diamante, com entradas pequeninas em nossas testas que são facilmente ocultadas pelo cabelo. A linha do couro cabeludo de Sophie é um tanto mais recessiva que a minha, tornando sua testa maior, o que foi disfarçado pelo partir de seu cabelo na altura dos ombros. Seus olhos são um pouco mais caídos que os meus, a pálpebra superior ocultando parte da leve maquiagem em seus olhos, mas sem conseguir distrair-me de suas irises azuis-acinzentadas.
Toco em minha maçã-do-rosto e no pequeno afundar abaixo delas, que é mais proeminente que o em sua face, mas indiscutivelmente semelhante. Na foto seguinte, aparentemente tirada por um profissional, ela está sorrindo até que rugas se formam ao lado de sua boca, os dentes grandes, largos e perolados sem qualquer falha, pousando um pouco acima de seu lábio inferior. Mordo a língua quando faço contato visual no espelho, me contendo para não tentar imitar o seu sorriso com meus lábios trêmulos e coração apertado.
Respiro fundo quando começo a ler seus dados. Sophie Francesca Heathcote-Hawke, nascida em Frimley/UK, em 20 de janeiro de 1965. Sophie tinha 35 anos quando morreu. Toco em meus lábios ao navegar por mais informações sobre ela. Ela se formou em 1990 na Faculdade de Medicina da Universidade de Cambridge e fez residência médica em oncologia em Oxford até 1992, seguida de um doutorado em 1996. Sophie dedicou parte de sua vida a salvar pessoas, assim como Tony faz até hoje. E é impossível não ponderar se minha afinidade com biologia não seja uma herança sua.
Não sei quanto tempo passo lendo sobre Sophie até que as informações sobre ela se acabem. E quando isso acontece, meu coração se aperta como se uma mão de ferro o comprimisse. Devagar e igualmente mexida, eu abro a pasta com o nome de Benedict Gregory Hawke, sendo recepcionada novamente por documentos de identificação e um acelerador de meu coração.
Se minha semelhança com Sophie foi chocante, me faltam palavras para descrever o sentimento que me envolve quando a primeira imagem de Benedict Hawke surge na tela. Desvio minha atenção do computador, precisando de um momento para controlar as lágrimas que ainda não havia percebido ter deixado escaparem desde minha leitura sobre minha mãe biológica. Minhas mãos estão trêmulas enquanto procuro pelos lenços de papel na gaveta da escrivaninha, a menção feita pela mãe de Michelle há quase um ano atrás fazendo mais sentido do que jamais imaginei. Kate ria enquanto o marido abraçava MJ, e comentou comigo como pais e filha tem uma semelhança gigantesca. E eu havia subestimado seu comentário até agora.
Enquanto alguns traços isolados demonstravam a minha aparência similar a Sophie, quase tudo que vejo em meu reflexo parece uma versão mais delicada de Benedict.
As suas sobrancelhas grossas foram reproduzidas em meu rosto com mais delicadeza, um tanto mais finas, mas igualmente retas e sem nenhum arquear natural, criando uma aparência eterna de seriedade que ele transparece bem em sua fotografia. Logo abaixo, nossos olhos escuros são duplicatas, muito diferentes do azul de Sophie. E o nariz de ponte fina que herdei dela, possui uma ponta protuberante como a de Benedict. Sua estrutura facial se distingue da minha e de Sophie, sendo quase mais rígida, com menos traços flexíveis e fluidos, mas sem nunca permitir que eu me perca e não encontre vestígios seus em meu reflexo. Suas maçãs-do-rosto são altas como as minhas, mas sem o mesmo ângulo e lacuna abaixo dela.
Na foto seguinte, como a de Sophie, ele está rindo no mesmo fundo o qual a fotografia dela foi tirada, sendo esta uma cortina branca lisa. Seus caninos são proeminentes no sorriso de boca aberta e linhas surgem ao lado de seus olhos, pois talvez alguém tenha lhe dito algo engraçado o suficiente para tal. A mão sobre seu peito, no intuito de conter o acesso de riso, é a em que está a aliança dourada de casamento e, quando passo para a terceira fotografia, ele toca no nariz com a mesma mão. O nariz que se franziu assim como o meu costuma fazer.
Benedict Gregory Arthur Hawke, nascido em Londres/UK, em 10 de março de 1964. Apenas um ano mais velho que Sophie quando morreram. Desta vez, eu sinto quando as lágrimas retornaram e as amparo prontamente com um lenço ao perceber que ambos cursaram Medicina em Cambridge, mas ele permaneceu na mesma universidade para sua residência médica em genética-oncológica.
Encontro um último arquivo antes de passar para a pasta que contém dados de Alexander. E é devido a fotografia contida nela que se torna impossível conter as lágrimas silenciosas que caem e pingam em minhas mãos que cruzei diante do rosto. A câmera está mais próxima de Benedict, mas no intuito de capturar uma imagem dos dois bebês que ele carrega, um em cada braço. Sophie está logo atrás, entre o marido e a janela aberta para um jardim gigantesco atrás deles, com um sorriso iluminado e nem um tanto formal enquanto a sua atenção está direcionada às crianças nos braços de Benedict. O médico sorri gigante, o orgulho em sua face vibrando por todo o seu corpo enquanto olha para a esposa. Meus olhos recaem na pequena mensagem no rodapé da fotografia e que foi escrita a mão:

“Theo, Alex, mamãe-coruja e papai-babão. 14 de novembro de 2000.”


*


— Vocês já decidiram quando é pra começar o trabalho do Harrington? — Ned questiona ao remover o fone de ouvido.
Seguro na alça do vagão, mantendo minha costa pressionada na janela ao me preparar.
Na verdade — Peter respira fundo, balançando a cabeça devagar pois o metrô deu um tranco e Ned somente não caiu pois Pete o agarrou pela gola do casaco. Leeds dá um sorrisinho para o amigo e eu o imito quando Peter arruma a gola dele enquanto algumas pessoas se despedem na saída do vagão. — Vamos substituir por horas ativas no decatlo.
Sinto um pouco de orgulho por não ter me movido com o tranco, afinal, na primeira vez que andei de metrô com MJ, todo o dinheiro que tinha no bolso caiu com o movimento brusco. Ned é a personificação de uma criança birrenta quando houve a notícia, balançando os ombros e fechando os olhos. Lhe ofereço um tapinha no braço em um tentativa de o confortar.
— Quando isso foi decidido? — Ned resmunga ao enrolar o fone na mão. Sua parada é a próxima.
— Durante a aula? — Se não soubesse que Ned estava tão distraído durante a aula, teria ficado confusa como Peter. — O Harrington perguntou quem teria interesse em ajudar com o Decatlo em troca da nota. Metade da turma se ofereceu, mas você tava ocupado demais levando carão da MJ.
Ótimo. — Ned assentiu, fingindo dar de ombros e não se importar com o fato de que perdeu a chance de se livrar de uma bateria de 140 exercícios. Em sua mente, ele se questiona se eu aceitaria dividir a sua metade da lista para o ajudar e eu aceito, assentindo com gentileza pois sei que é uma quantidade absurda para dois dias. Pete estreita os olhos para a nossa comunicação telepática, mas eu dou de ombros. — E com quem eu faço o resto desse trabalho? — Suas preocupações retornam e Peter ri, esfregando a sobrancelha para tentar esconder o rosto e disfarçar que o desespero do amigo não é engraçado para ele. — Notem que precisa ser uma pessoa e não um robô sem sentimentos igual a MJ.
— Acho que a Betty Brant está sem dupla desde que a Karen pegou mononucleose. — É a proposta de Parker. Sei que, no fundo, ele se sente culpado por ter separado a dupla que formaram nos últimos onze anos e eu também me sinto assim.
— Na verdade, ela está na Finlândia com os avós. — Intervenho e Peter me lança um olhar similar ao que deu na vez que discutimos no telhado do Complexo sobre sabermos demais da vida das pessoas. Ele com sua audição impecável e eu conhecendo o interior de suas mentes. — Ela só conseguia pensar em salmão com compota de amoras, não é culpa minha que só investigando um pouco mais, dá para saber pra onde ela foi.
— De qualquer forma — Peter se esgueira mais para o meu lado, dando espaço para os passageiros começarem a transitar para mais perto da porta. A estação de Ned fica antes da nossa. Da sua, no caso. — Não custa tentar. — Ele incentiva o amigo e eu toco na barra de seu casaco, enganchando meu dedo no bolso da peça. Peter dá alguns passinhos até mim e eu tento não sorrir. — A Betty é mais "humana" que a MJ.
— Tem certeza? — O tom de esperança na voz de Ned é engraçado.
— Não, mas tô louco pra descobrir se é verdade. — Empurro o quadril de Peter, o que faz os dois sorrirem.
Mesmo brigadas você continua defendendo ela com unhas e dentes, não é?
— Infelizmente. — Respondo o questionamento de Ned e ele assente devagar ao entender o meu ponto. — Manda uma mensagem pra ela, Ned. — Desvio do assunto com cautela. Não desejo falar sobre MJ. Já tenho problemas demais. — A Betty também deve estar procurando alguém na ausência da Karen. E oferece logo uma proposta de divisão do trabalho, já que ela é bem organizada.
As luzes do vagão começam a piscar, indicando que estamos perto da penúltima parada. Desta vez, Leeds se agarra a um dos ganchos e eu não preciso me espremer contra a janela pois Peter segura-se em uma barra de apoio e a sua mão voa para minha costa. No momento do penúltimo tranco do metrô onde a maioria das pessoas já está cansada de todas freadas duras, quase não nos movemos. Ned se despede cansado e me avisa que irá mandar uma mensagem-teste para mim antes de enviar uma para Betty, destacando que eu provavelmente sou a única pessoa capaz de lidar com Brant e MJ.
O vagão fica mais folgado com a saída de parte dos passageiros e após olhar a hora no relógio que Pepper me emprestou, devolvo minha atenção para Peter, que mantém a palma em minha coluna, mas está atento para as movimentações ao nosso redor.
O tempo não me tornou imune à sua aparência.
Seja em face da incontestável atração que sinto por ele e que o tornou o ápice da beleza masculina aos meus olhos, seja devido à minha recente descoberta de que sou o reflexo fiel de duas pessoas que nunca conheci. Meus olhos percorrem a pele exposta em seu pescoço, subindo até seu rosto. A forma firme de seu queixo, seus lábios cheios torcidos em um sorriso confortável, a linha reta de seu nariz perfeito e os cílios curtos que emolduram o par de olhos curiosos e que também me contemplam.
Reviro os olhos para disfarçar o embaraço com o flagra, mas me inclino para ele em troca do beijo e a risada que Peter tenta abafar na linha de meu cabelo.
— A gente precisa conversar. — Devido a reincidência dessa afirmação nos últimos dias, preciso conter um grunhido. “Aconteceu alguma coisa?” O resmungar justificadamente exausto não parece ser o que Peter esperava e ele corrige a nossa posição, entortando a sobrancelha e usando ambas as mão para me segurar. Ignorando o atrevimento do ato em um espaço público, envolvo meus braços ao redor de sua cintura, o que acaba por lhe arrancar um sorrisinho tímido. — Foi uma pergunta, . — Parker se esclarece e eu sei que também sente meu corpo relaxar. Pela rápida expressão em seu rosto, sei que o tensionar e seguido relaxar acionou sirenes em sua cabeça. Muito bem, . — A gente precisa conversar? — Dessa vez ele ergue a sobrancelha, definitivamente curioso e atento aos mínimos sinais. Sua preocupação é palpável, mas eu faço pouco.
— Sim, mas não se preocupa. Já está tudo bem agora. — Afago seu braço, ignorando a tensão do músculo. Peter já era forte antes de começar a treinar no Complexo, e agora, os músculos estão massivos. As meninas estavam certas ontem. De volta ao tópico, : seu namorado e a constante preocupação que é namorar você. — É só uma coisa que aconteceu há um tempo e eu queria te contar. — Consigo sorrir por não estar mentindo para Peter, o que se tornou algo que detesto fazer.
— Certeza? — Acredito que nós dois sonhamos com o dia que Peter poderá confiar cego no que lhe digo. Eu concordo veemente, pois é verdade. Está tudo bem; somente descobri o motivo de minha aparência ser como é. Peter se inclina para beijar a ponta do meu nariz e eu luto com unhas e dentes para não seguir sua boca e beijá-lo. — Ok. — O telefone de Peter vibra em seu bolso e ele faz uma careta ao precisar soltar-me para pegar o aparelho. Me desvencilho dele também, somente com a sua mão na minha enquanto aproxima o celular do ouvido. — Oi, May! — A careta some e meu peito se enche de carinho, assim como imagino que o seu faz. — A gente chega em casa em… Dez minutos no máximo. — Peter entrelaça nossos dedos quando o vagão começa a, enfim, diminuir a velocidade de forma a impedir que passageiros caiam no chão. — Tenho sim, não se preocupa. Não, não, May. A gente se vira, é sério. — Ergo a sobrancelha e Pete fecha os olhos. — Acho que nós conseguimos passar duas horas sozinhos sem deixar o apartamento pegar fogo, sim.
Nós descemos na última parada do Queens e Peter me explica que May e a Enfermeira Marge saíram para um passeio, e ela pediu que comêssemos algo no Delmar.
— Claro que o sanduíche do Delmar não é tão gostoso quanto o que você fez para mim — Aperto os dentes contra meu lábio inferior para conter um sorriso pequeno e envergonhado que não reflete o de Peter, que é aberto e orgulhoso. Balanço a sua mão enquanto caminhamos pela calçada, o seu prédio ao longe. — Mas vale a pena tentar, certo?
— Você vai me matar, Parker.
O Marcadinho do Delmar fica uma rua antes do apartamento dos Parker, em meio ao costumeiro caos do Queens. Minha mão está firmemente segura na de Peter quando atravessamos a rua e ele incita que devo me manter próxima, principalmente pois uns sete ciclistas passam rápido por nós. E, apesar de todo o caos, eu não consigo conter um sorriso que se forma em meu rosto e a animação em meu peito. Talvez o Queens seja meu lugar favorito em Nova Iorque.
Quando entramos no mercado, a quantidade de informação me impressiona. Há engradados de cerveja no chão, raspadinhas de loteria (umas cinquenta marcas diferentes), gôndolas com salgadinhos, pães, biscoitos, material de limpeza e saúde, assim como um enorme expositor de frios. O sino sobre nossas cabeças quase não se sobressai ao som da música tocando em um radinho próximo a porta, bem abaixo de onde Peter pega dois saquinhos de minhocas ácidas, sem nem mesmo olhar para elas, só se guiando pela experiência que tem no local. Uma senhora de chapéu de palha e vestido longo passa por nós, dando um sorriso gentil para Peter, assim como um senhor que seleciona os melhores cortes de apresuntado.
— Oi, Sr. Delmar — Pete cumprimenta um senhor que está no balcão. Este é o famoso Delmar, então. Ele não parece passar dos cinquenta anos, a idade sendo mais destacada pelos fios grisalhos na barba grossa. Estou certa que é de descendência latina em razão da sua fisionomia e da música animada que toca. — Boa tarde.
— Olá, Sr. Parker! — O tom curioso do homem não passa despercebido e é intensificado pela sua pressa em colocar os óculos que estavam em seu cabelo. Ele olha bem para mim, apertando os olhos como se não pudesse me ver tão bem assim, mesmo que esteja sorrindo como se pudesse. — E quem é a mocinha bonita? — Sinto meu rosto esquentar, envergonhada com o elogio.
— Essa é a minha namorada — Peter me apresenta e eu estendo a mão para o homem, fingindo que ser oficialmente declarada sua namorada não me dá borboletas no estômago. O Sr. Delmar aperta minha mão com uma expressão indubitavelmente surpresa, incerto em qual de nós focar. — , esse é o Sr. Delmar, o dono do melhor mercadinho do Queens.
“E não é que o moleque tem jogo mesmo, rapaz? Eu esperava uma nerd de saia xadrez na altura dos joelhos e aparelho. Vi esse menino aprender a andar de bicicleta com o Benjamin não faz pouco tempo. Não é possível que já esteja namorando.” O Sr. Delmar remove os óculos, batendo na barriga rechonchuda ao ponderar: “O tempo voa, isso sim.”
— É um prazer. — Eu o cumprimentei. A gentileza de seus pensamentos, apesar da piada sobre as habilidades de Peter com garotas, não diminui o carinho de que tem por ele.
— Prazer é meu, moça — Ele me dá uma joinha. — Qualquer coisa que quiser é só pedir. — Seu indicar para cima é na direção do cardápio desbotado no painel, com várias marcas de fitas de todas as vezes que deve ter trocado os preços dos lanches. Localizo o número cinco de Peter pois é o mais barato e começo a me questionar se é mesmo o seu sanduíche favorito ou foi condicionado a gostar dele devido ao preço baixo. — E agradece o teu pai pela troca de óleo da minha perua, tá? Hoje é tudo por conta da casa para você. — A menção de meu pai me surpreende, mas Peter afaga minha mão e eu sei que irá me explicar. Somente assinto e agradeço pela gentileza. O Sr. Delmar aponta para Peter, os anéis de ouro brilhando na luz amarela. — Teu sanduíche continua dez dólares pela tua gracinha semana passada, Parker.
— Espera aí, Xavier… — Peter reclama com uma risada verdadeira. — Eu tava zoando! — Observo a interação dos dois, entretida pois Pete continua rindo enquanto o Sr. Delmar o chama de chato em espanhol. — Sabe, um dia a May vai realmente arranjar um namorado de verdade e eu tô só te acostumando com a ideia!
El día en que esta mujer se case es el día en que yo muero! — Quando enfim entendo o motivo da falsa rixa entre os dois, também começo a rir. — Vai comprar chocolate pra tua namorada e me deixa sonhar, garoto!
Prometendo garantir que esse dia nunca chegue, Peter me guia para a sessão de bebidas, rindo com a interação que tanto me surpreende e somente soltando minha mão para abrir a porta da geladeira de bebidas para mim. Eu não olho para ele, tentando imaginar se devo ou não mencionar se o termo o qual se referiu a mim foi verdadeiro, ou se foi mera conveniência narrativa. Pego uma lata de chá preto gelado e Peter escolhe um isotônico azul que já vi Tony beber algumas vezes, o colocando dentro de uma cesta plástica vermelha.
— Quer dizer que o Sr. Delmar conhece o To…
Sr. Black — Pete me lembra com um encostar do cotovelo em meu braço e um olhar minimamente corretivo, mas que não camufla sua leve surpresa por meu deslize. Correto. Black, este é o meu nome. Eu balanço a cabeça para me desculpar e toco seu braço. Há quanto tempo não me sinto como a boa e velha Black? A quantidade de vezes que fui chamada de Stark nos últimos tempos viabilizou meu deslize que até mesmo me surpreende. — O seu pai comentou que é mecânico e deu uma geral no carro do Delmar — Parker me explica, em partes, a dinâmica de Tony, muito provavelmente da vez que veio visitá-lo e ajudar com o carro de May. É difícil não admirar meu pai quando faz coisas do tipo e nem sequer comenta conosco. — E da Sra. Bowles do segundo andar. — Ele fecha a porta da geladeira e fica de frente para mim enquanto equilibra as bebidas na cesta. Seu cuidado é adorável. — Todo mundo gostou muito do Sr. Stark.
O seu cochichar é quase infantil, como se contasse um segredo.
— Difícil não gostar… — Pondero com os ombros bem erguidos.
Tony Stark é uma das pessoas mais generosas que já conheci, então não é uma grande novidade que, removido o véu de celebridade e herói, ele permaneça conquistando as pessoas com facilidade. Não menciono para Peter sobre a urgência de Pepper em nos colocar em uma autoescola, ou pergunto sobre o carro de May. Somente focada em duas coisas: meu pai disfarçado de mecânico no Queens e o fato de eu ser, oficialmente, a namorada de Peter Parker ao ponto de ele apresentar Tony como seu sogro. Quando o assunto parece acabar e o tópico sobre o título de namorada parece inevitável, desvio de uma gôndola de macarrão instantâneo ao voltar a caminhar pelo mercado, tentando distrair-me com a quantidade de marcas para diferentes produtos. Então, Peter toca em minha costa, no interesse de me guiar pelos corredores e eu não posso evitar estender minha mão para trás e entrelaçar nossos dedos.
— Então… Apesar da ausência de qualquer pedido formal — Respiro fundo antes de virar-me em sua direção. — Eu sou a sua namorada, Sr. Parker? — Peter pressiona os lábios juntos com a minha pergunta, fingindo pensar bem no que responder. Então ele simplesmente assente, seu dedão fazendo movimentos circulares na costa de minha mão enquanto um sorrisinho sagaz se forma. Eu gostaria muito de detestá-lo. — Sem nenhuma formalidade? — O imito, sendo a minha vez de provocá-lo. — O mínimo que eu esperaria seria um pedido em rede nacional — É uma mentira enorme, mas Pete deixa que eu prossiga, somente estreitando os olhos e torcendo os lábios. — Você sabe quem é o meu pai?
— Eu vou ficar de joelhos nesse corredor de salgadinhos se esse for o problema. — Peter sussurra para mim com a mesma intensidade distorcida que usei para mencionar Tony, sorrindo como eu fiz e como permaneço fazendo. Meu coração salta e eu detesto como a sobrancelha de Pete se move milimetricamente quando ele o ouve. — Bem aqui entre os Doritos e o Pringles de cebola. Eu juro.
— Pelo menos na sessão de chocolates ia ser mais romântico… — Reviro os olhos.
— Verdade. Desculpa — Lhe dou um puxão na mão quando balança os ombros, fazendo drama. Peter beija minha mão em seguida. Sinto que poderia ter um treco agora. — Está tudo bem eu te apresentar assim pras pessoas?
— Claro que sim. — Não sinto vergonha pela agilidade da minha resposta. Nunca vi nada brilhar tanto como os olhos de Peter neste momento. — Agora vou precisar conhecer pessoas novas para poder apresentar você como meu namorado. — Ele sorriu largo com a minha provocação, mesmo que eu considere realmente necessário encontrar novas pessoas.
— Do jeito que a sua vida social tem estado cada vez mais animada, não sei se vai precisar esperar muito. — Não há maldade em seu comentário, mas mesmo assim, a ideia de mais festas me deixa incerta.
— Nem me diga, Pete. — Imaginar ir para outra festa, como a que fui com Harry me deixa cansada. São muitas pessoas com ideais diferentes, fúteis e às vezes más. — Não faço ideia de como sobrevivi as últimas duas, principalmente sem você por perto.
— Você sequer se lembra como eu estava prestes a ter um síncope na festa da Liz Toomes no ano passado? — Peter ri ao afagar minha mão. — Seríamos nós dois tendo um perecuteco, . — Perecuteco é a forma que os Parker se referem à treco.
Nós caminhamos mais um pouco pela mercearia até voltarmos para a entrada onde o Sr. Delmar no aguarda, ainda incrédulo com o fato de Peter estar namorando. Em sua mente, ele jura que até ontem Pete andava de mãos dadas com May para atravessar a rua. Sinto uma vontade enorme de sorrir com a memória alheia.
— Mas, e aí? — O Sr. Delmar dá dois soquinhos na mesa. — Como tá a tia, hein?


*


Quando chegamos no apartamento, Peter me ajuda a tirar os sapatos, mesmo que eu não precise de ajuda para tal. Comento que isso já é demais, principalmente por não me ter permitido sequer carregar as sacolas que trouxemos, mas ele somente diz que é parte de ser o Homem-Aranha, e que não lembra a última vez que deixou May segurar alguma sacola de supermercado desde que lhe contou ser o herói. Considerando que Peter conseguiu manter um navio inteiro íntegro utilizando-se apenas de sua força absurda, imagino que meras sacolas de supermercado não são o suficiente para lhe deixar cansado.
Enquanto leva as compras para a cozinha e eu me encarrego de ligar a televisão, me deixo pensar naquele dia na Baía, quando mesmo após lutar por sua vida e salvar centenas de pessoas em um navio de 1.200 toneladas, teve força suficiente para me levantar quando nos encontramos no topo do prédio onde eu o encontrei. Em meio a tantas memórias, não ouso esquecer como ergueu um armazém que demoliram sobre ele, ou como salvou toda nossa turma do Decatlo em Washington. Mas, ainda assim, Peter não é nada além de delicado e cuidadoso quando se trata de nós. Quando abraça sua tia, cumprimenta meu pai, segura Ned para que não caia no metrô, ajuda minha mãe na cozinha ou me toca. Peter compensa seus poderes com cuidado e gentileza.
? — Viro para trás quando ouço sua voz soprar meu apelido de onde está de pé na cozinha. Peter removeu seu casaco, ficando apenas com uma camisa vermelha escura que o destaca na cozinha amarela de May. — Tudo bem? — Imagino que tenha sido meu silêncio que o preocupou.
— Uhum — Concordo ao enfim ligar a televisão, também aproveitando para remover os dois casacos que uso, mas que disse a Peter que poderia tirar sozinha. — Estava longe, desculpa. — Ergo as mangas de minha blusa, que é do mesmo tom da camisa dele, mesmo que não tenhamos planejado. — Precisa de alguma ajuda? — Quando me aproximo, toco em sua costa, deixando minha mão se curvar em sua cintura, onde músculos rígidos se contraem pois ele está curvado para cortar algumas fatias de maçã. Antes que eu possa roubar uma fatia, Pete estende um para mim.
— Só que escolha alguma coisa pra assistir e me ajude a procurar os porta-copos que a tia May fez esses dias. — Encosto o queixo em seu ombro, podendo ver pelo reflexo do micro-ondas que o ato lhe faz sorrir.
— Ela brigou com você de novo, foi? — Provoco ao pegar outra fatia da maçã verde.
— A mesa é de vidro, certo? — Ele interrompe o fatiar para reclamar. — É só passar um pano depois!
Lhe dou um beijo na bochecha.
— Vou ver se está na gaveta da mesinha de canto.
Na sala dos Parker, começo a procurar os porta-copos que May bordou. Inicio pelas mesas próximas ao sofá, onde há um potinho com caramelos de chocolate e chiclete, então nas gavetas debaixo do rack onde a televisão está disposta, mas somente encontro cabos, porta-retratos que precisam de conserto e pilhas. Quando estou prestes a desistir da caçada e simplesmente criar novos porta-copos para usarmos e proteger a sua mesa, os encontro sobre a estante onde tem alguns materiais de crochê. Analiso bem as criações de May Parker, percebendo que cada um possui uma inicial. Duas com a letra M, indicando ela e Margareth, um P para Peter, uma letra H, um N para Ned e uma com minha inicial para, quem imagino, ser eu.


*


— Chegou a vez da ! — May colocou um porta-copos violeta sobre a pilha colorida ao seu lado e contou quantos tinham, utilizando a agulha de crochê para fazê-lo.
May Parker está sentada no sofá de sua sala de estar, as pernas esticadas e com o seu tornozelo enfaixado em cima de uma almofada alta. Na televisão, reconheço a face de Kiera Nightky, e imediatamente sei que ela está assistindo Orgulho e Preconceito. May analisa todas as cores de linha, ponderando entre azul e cor-de-rosa antes de virar-se para trás, olhando para onde o sobrinho está sentado na mesa da cozinha com seu notebook aberto.
Peter está com um óculos que nunca vi, o rosto apoiado na mão e cotovelo sobre uma pilha de livros. Sua aparência muda um pouco com os óculos, o que me surpreende mais do que deveria, pois ele verdadeiramente parece um nerd assim. Somado aos braços fortes e sua expressão séria, é indiscutível que ele está impecável.
— Peter, qual cor para o porta-copos da ? — A pergunta de May, em um tom mais alto, chama a sua atenção e ele desvia os olhos da tela do computador. Sua expressão confusa faz a tia rir. Peter se levanta de imediato, possivelmente imaginando que May precisa de alguma coisa e deixa tudo para trás para poder atendê-la, mesmo que sua tia revire os olhos e erga a tela de seu celular para ele, onde um tutorial de crochê está sendo assistido por ela. — Perguntei qual cor pro porta-copos da .
— Ah… — Peter assente após prestar atenção. Ele passa por cima da costa do sofá, fazendo May apertar a boca em uma careta, pois alguns rolos de linha caem no chão quando Pete se senta. — Ela não precisa de porta-copos. Da última vez, ficou segurando no colo por não querer colocar na mesa ou apoiar no sofá. — Apesar de soar como uma reclamação, Peter sorri um pouco ao pegar as linhas caídas. Ele levanta os óculos sobre o nariz com o nó dos dedos ao dar uma olhada no cesto de linhas, procurando algo que goste. — Tem amarelo? É a cor favorita dela.
— Ai, que lindinho… — May prolonga a última sílaba ao apertar a bochecha de Peter que tenta conter um sorriso, e que acaba lhe escapando quando a tia bagunça seu cabelo. — Você sabe a cor favorita da sua namorada, bebê! — Tia May o provoca, ainda que ela mesma esteja sorrindo com intensidade. O bagunçar de seu cabelo se torna um afagar na nuca de Peter antes de pegar uma linha amarela no fundo do cesto.
Peter está sorrindo, o rosto e as orelhas vermelhas com a brincadeira da tia. Ele cruza os braços e morde o lábio inferior, tentando conter seu sorriso e fingir prestar atenção no filme ao se aconchegar no sofá e apoiar a cabeça no ombro bom da tia. May reinicia o vídeo no YouTube e, antes de dar o play, dá mais uma olhada para o sobrinho. A emoção em seu rosto não é algo abaixo de um enorme carinho. May observa o seu rosto da melhor maneira que pode dado o ângulo, ponderando se ele havia crescido tanto assim, mas a linha amarela em suas mãos lhe lembra que sim.
— Ela é uma menina muito boa. Escolheu a garota certa. — May comenta ao iniciar o vídeo. Peter se move, tentando olhá-la e evitando ser espetado pela enorme agulha. Ele sorri um pouco, o pescoço também ficando corado. May pisca para ele. — Tem bons valores, os pais são presentes, ela é muito bem educada… Difícil encontrar uma garota assim hoje em dia.
— A é incrível, May — Peter deita-se no colo da tia, recebendo o afagar no rosto em troca. Ele respira fundo, ou suspira. É difícil saber. — Tipo… Ela é tão inteligente e legal! — Ele começa a rir com a última parte, talvez percebendo o quão bobo pode soar. — Legal tipo, legal mesmo!
— Gente boa, você quer dizer?
— É! E ela fala umas coisas tão engraçadas as vezes, sabe? Eu fico rindo feito um idiota. Mas ela jura ser sem graça e não saber falar com as pessoas, sendo que é muito o contrário por que todo mundo ama a — Peter prossegue, sorridente e com as mãos cruzadas sobre a barriga. Ele hesita por um momento, então a tia ergue a sobrancelha. — E ela é linda, né? — Os dois começam a rir, May com a cabeça apoiada na costa do sofá e o sobrinho esfregando o rosto. — Caramba, May, ela é incrível! E tem esse jeitinho dela de falar e ela fica com uma ruga aqui — Peter pressiona o indicador entre as sobrancelhas — Quando briga comigo e ela se importa tanto com todo mundo e tem esse sorriso lindo que dói! — Ele segura um novelo de lã no peito, mostrando onde dói.



*


A cena se desfaz diante meus olhos quando Peter encosta em mim ao passar com a comida, colocando os potes com molho, batatinhas e as frutas picadas em cima da mesa de May.
— Viu o que a May faz pra você? — Ainda estou momentaneamente estática com o cenário que vi após segurar os porta-copos enquanto Peter esfrega as mãos na toalha de prato que estava em cima de seu ombro, se aproximando para ver as peças de crochê em minhas mãos.
— Ficou bonito, Pete — Contenho o instinto de lhe contar o que vi, optando por não fazê-lo antes de entender o novo poder que aparentemente adquiri neste exato momento. Temo precisar usar luvas novamente. Afasto tais pensamentos, ciente que tenho problemas demais. — E é amarelo! — Opto, no entanto, por me divertir o máximo possível com a situação.
O sorriso de Peter me faz sentir remorso, mas ele beija minha bochecha e eu deixo passar. Coloco os porta-copos com nossas iniciais em cima da mesa, perto do pote de vidro com frutas, roubando uma batata e um pouco de guacamole.
— Ah, eu preciso te dizer uma coisa — Peter me passa as bebidas que comprou antes de voltar e estender a toalha em um gancho próximo ao fogão. Estou abrindo a tampa do chá gelado ao me sentar quando ele finalmente se junta a mim no sofá, pegando seu refrigerante que eu segurava. — Nós estamos juntos a duas semanas, quatro dias e... Quinze horas. — Peter afirma com mais certeza ao olhar o relógio em seu pulso.
— Posso considerar o chá o presente de duas semanas, certo? — Indago em tom de brincadeira. Acredito que não saberia como reagir se Peter me desse outro presente como os que deu no Natal.
— Claro, foi por conta da casa, lembra? — Lhe dou uma cotovelada leve quanto volto a me sentar após pegar o pote com batatinhas. Pete ri ao se esticar e segurar o pote de guacamole e queijo nacho, também se acomodando melhor no sofá e um pouco mais perto de mim, nossos joelhos se encostando depois que coloco as pernas cruzadas para cima. — Ok, de volta ao assunto… — Peter apoia o guacamole em uma almofada e toma um pouco de seu refrigerante. — E fora isso, nós já nos conhecemos há quase um ano.
— Correto… — Murmuro, confusa com sua linha de raciocínio.
— Falei tudo isso pra lembrar que te conheço há um bom tempo, — Peter apoia a mão em minha perna coberta, a mesma em que levei o tiro há as duas semanas que mencionou antes. — E que eu sei quando quer me contar alguma coisa, mas não sabe como.
Lhe olho, reconhecendo que sim, Pete me conhece bem. Cada pedaço de informação que tem sobre mim, foi bem guardado e ele os conhece como a palma de sua mão. Sem pensar, eu toco na mão dele, envolvendo os seus dedos em busca de um alicerce para ter coragem de lhe contar os dados recentes sobre minha família biológica.
— O meu pai encontrou os meus pais biológicos — Confesso. — Na verdade, o Tony descobriu quem eles eram.
A expressão de Peter, apesar da situação, é impagável. Tenho certeza que, se tivesse bebendo algo, a bebida ia espirrar por quase toda a sala. A informação lhe gera tanta surpresa quanto fez comigo e eu quase posso ver o sangue drenar de seu rosto. Peter começa a devolver os potinhos de molhos para a mesa, bem como as batatinhas e o meu chá. Eu espero, entendendo que é uma pílula difícil de engolir, principalmente por ter só jogado a informação solta para ele desta forma.
— Juro que pensei que ia ser alguma coisa menos importante que isso! — Peter tateia o sofá em busca do controle da televisão, tentando desligá-la. Sua preocupação com o ambiente é de tamanha consideração. Quando está satisfeito com o silêncio e ausência de distrações, ele corre os dedos pelo cabelo antes de virar-se completamente para mim no sofá. — Desculpa, eu não devia ter feito piada, .
— Está tudo bem. — Lhe conforto e, antes que possa pega na sua mão, ele pega na minha ao se aproximar mais.
Suas sobrancelhas estão franzidas e os olhos desviam-se um pouco dos meus, como se buscasse as palavras corretas, mesmo que não seja necessário. Encosto a cabeça no sofá, o observando, pois mesmo sem ser sua responsabilidade, Peter se importa o suficiente para tentar colocar-se em meu lugar e me ouvir.
— Como eles levaram a notícia?
— Bem, os meus pais estão um pouco chocados — Respondo vaga, sem saber sobre quem se refere de imediato. Meus pais são Tony Stark e Pepper Potts. — Mas os biológicos, estão ótimos, considerando que estão mortos.
Contenho minhas palavras tarde demais, pois o fato me incomoda também. Sophie e Benedict estão mortos. Desvio minha atenção para Peter, que acaricia minha mão, ainda que sua expressão demonstre que ele não gostou da forma que me expressei, ou do fato de que meus pais biológicos estão, de qualquer forma, mortos. Peter tem uma conexão direta com situações como esta, afinal, o mesmo aconteceu com Richard e Mary Parker há 12 ou 13 anos. Apesar de ter tido seu tio Ben e tia May, ele não deixa de ser órfão e eu me arrependo de minha insensibilidade.
— Perguntei primeiro sobre eles pra ter uma ideia do que estou lidando aqui. — Pete me olha depois de um momento, entrelaçando nossos dedos, um sorriso compreensivo no canto de sua boca. — E pelo visto é humor pra disfarçar o que sente — Ele apoia o braço na costa do sofá, cotovelo curvado e rosto amparado pela mão. Peter demonstra simpatia, pois entende o que sinto, mesmo que não seja exatamente o mesmo que ele e eu espero que jamais seja. Ele perdeu os seus pais, mas os meus permanecem vivos. Tento sorrir um pouco para diminuir o aperto em minha garganta, mas seus dedos tocam em meu cabelo e eu fecho os olhos na mesma hora. Ele toca em minha testa, também, bem onde fios pequenos decoram meu rosto. — Está tudo bem? Como você tá se sentindo?
— Não sei. — Conto a verdade quando a costa de seus dedos afasta os fios finos. É impossível me imaginar tendo essa conversa com outra pessoa. É Peter que entende o que eu digo não saber. É ele quem coloca o cabelo atrás de minha orelha e massageia meus dedos mesmo com minha confusão. — Não sei se fico feliz por saber quem são. Triste por estarem mortos. Feliz por não terem me colocado para adoção propositalmente e ter tudo dado errado depois disso. Triste por eles. Por mim. — Forço para fora todos os questionamentos que rondam minha mente desde ontem. Gostaria de sentir uma coisa de cada vez, mas tudo me atingiu como uma avalanche. Alívio e luto. Quando sinto que posso respirar, a neve pesada de tristeza me afoga. — Eu não sei, Pete.
Abro os olhos quando Peter beija minha testa, prolongando o contato um pouco.
— Tudo bem não saber — Ele promete. — É complicado. — Concordo devagar e aperto sua mão três vezes. — Pode falar comigo o que precisar, tá? Sou todo ouvidos.
Assinto de novo, observando nossas mãos. Como posso falar de algo que nem sei?
— Você quer ver as fotos deles? — Proponho.
— Você quer me mostrar? — Sinto vontade de pular em seus braços. Seu respeito é além dos limites. — Tudo bem se eu olhar? — Concordo. Indico a ponta da mesa com o queixo, onde convoco uma pilha de fotografias. Sem demonstrar mais tanta admiração por meus poderes como antes, Peter se estica para apanhar as fotos e eu espero pelo seu veredito. — Ok.
Peter segura as fotos por um tempo. No segundo em que desvia das imagens de meus pais biológicos, suas pupilas se erguem na altura de minha mão antes de voltarem a olhar as fotos. O movimento indica que quis verificar algo em mim, mas não teve coragem. Eu respiro e me inclino para pegar o chá gelado, tomando um gole enorme da bebida antes de devolver ao porta-copos e esfregar meus lábios.
Gosto de pensar que sou um pouco parecida com Tony e Pepper. Meu nariz se parece com o de Tony e eu e Pepper fazemos as sobrancelhas juntas, então possuem formato semelhante. Também, meus olhos e os de Tony são da mesma cor. Porém ao olhar meus pais biológicos, entendo que gosto de pensar ser parecida com meus pais apenas para conforto próprio. Tenho o olhar firme e irises da mesma cor que as de Benedict. Também tenho o sorriso de Sophie e dentes como os seus. Meu cabelo tem a mesma textura que o dela e minhas orelhas possuem uma pequena dobra na ponta como as dele. Todos temos o mesmo tom de pele.
— Vi algumas semelhanças, mas não quis perguntar para o Tony — Comento sem dar muita atenção, mesmo que o que desejo perguntar seja: me pareço com eles, certo? Tenho o sorriso da minha mãe e os olhos do meu pai, não é? Peter respira fundo. — Sou tão parecida assim?
Ele abre a boca, mas fecha em seguida. Peter quer dizer algo, algo tão óbvio que sua boca traiu sua mente que pediu que se contasse. No entanto, ele me olha por baixo dos cílios claros, como se tentasse medir o quanto pode revelar, mas minha expressão deve ser tão esperançosa que percebo quando ele nota que pode falar a verdade.
— Você tem os olhos dele. — Eu respiro fundo, assentindo. Não me enganei. — E o sorriso e o nariz dela. Queixo também.
Não sei se ele se sente como eu, se possui esse sabor amargo na boca como se houvesse traído Tony e Pepper, mas Peter fala a verdade.
— Mas o nariz do Benedict nessa foto… — Peter assente antes que eu prossiga.
Ele também vê mais semelhanças.
— Estava tentando não falar. — Peter se desculpa quando mordo meu dedo e ergo as sobrancelhas para ele. Ele deixa transparecer a pena que sente dada a situação. — Você faz a mesma coisa quando sorri. Franze o nariz. — Sua tentativa de imitar o franzido involuntário que herdei de Benedict é adorável. Eu assinto. — E falando nisso, não tenta mudar — Ele pede ao passar para as outras fotografias. — É uma das coisas mais fofas que você faz e, se parar, vai partir o meu coração.
— Tudo bem. — Sussurro de volta, o observando. Peter me olha com carinho. — Enquanto eu olhava as fotos ontem, lembrei de quando May mostrou as fotos dos seus pais. — Suspiro, esfregando a boca. — Como você tem os olhos e cabelo da sua mãe e todo o resto do seu pai. — Lembrar-me das fotos de bebê dele me aquece o coração. — Quando me olhei no espelho, só consegui ver eles dois.
— São muito parecidos, — Peter justifica minhas desculpas para ter passado a noite observando Sophie e Benedict. — Algumas crianças não parecem nada com os pais, mas…
Seu raciocínio se corta quando Peter segura foto onde estou no colo de Benedict junto ao outro gêmeo e me olha, possivelmente indagando-se quando eu iria mencioná-lo.
— Eu tenho um irmão. — Conto, apesar de ser óbvio.
— Tem? — Parker tenta fingir surpresa, com zero ironia, e eu consigo sorrir um pouco. — Qual o nome dele?
— Alexander — É a primeira vez que falo seu nome em voz alta. Como se finalmente o reconhecesse. Me questiono se Alexander já chegou a falar meu nome de batismo em voz alta. Peter observa bem a fotografia, mesmo que o rosto do meu irmão gêmeo esteja mais visível que o meu, e ele parece procurar mais do consegue ver e me sinto tímida por estar tão investido em uma foto minha como nunca me viu. — E eu me chamava Theodora. — Revelo.
Os olhos dele imediatamente se erguem para mim e eu evito me encolher.
— É um nome forte, combina com você — Comenta após um instante, sorrindo. — Poderia apelidar de Theo.
Eu balanço a cabeça. É o apelido que os Hawke me deram.
. — É um pedido.
é melhor, mesmo. — Eu concordo com sua tentativa de me confortar. Como poderia prosseguir sem discutir isso com ele? Sem lhe contar sobre Sophie e Benedict? — O que eles faziam? E qual é o nome da sua mãe biológica, de solteira, no caso? — Não sei qual ponto me deixa mais grata: a ênfase no fato de serem meus pais biológicos ou Peter não perguntar qual era o nome dela.
— Sophie Heathcote antes de se casar. — Coço os olhos. Há um sentimento de paz se espalhando por mim apenas por poder falar dos Hawke. Tento não me sentir mal com isso. Os meus pais são Tony e Pepper, logo, eu não deveria me sentir dessa forma com meros estranhos. — Eles eram oncologistas. Ambos de Cambridge.
— Por isso que você é tão inteligente assim, . — Peter volta para a foto de toda a família enquanto tento fazer as pazes com tal comentário ser verdadeiro e não interferir em nada na minha vida atual.
— É… Eu pensei que... Na melhor das hipóteses, eles seriam usuários que queriam as cinquenta libras que estaria na mala de emergência quando me deixassem nos bombeiros. — Confesso a história que adotei como verdadeira por muitos anos. Era mais fácil aceitar que eles não me queriam. Peter deixa as fotos de lado e volta a atentar-se exclusivamente a mim, a sua reprovação sendo clara, pois não entende o que senti por tantos anos. Ele sabia ser amado. Eu não. — Nunca podia imaginar que... Que me quisessem mesmo. — Tento justificar-me. — E que o único motivo de eu não estar ao lado deles é porquê ambos morreram.
Peter segura em minhas pernas que estavam curvadas e me traz para mais perto no sofá, preparando-se para uma sessão incansável de choro. No entanto, eu me recuso a tal, ainda que me aconchegue pertinho dele quando passa o braço ao redor de meu ombro, minhas pernas sobre o seu colo e pés pendurados no braço do sofá.
— Eu não vou chorar por isso, relaxa. — Resmungo, encostando a cabeça no seu ombro. Peter suspira, mas não é de alívio.
— Mas você sabe que pode, não sabe? Que está tudo bem ficar triste por eles, pelo seu irmão — Fecho os olhos com o termo que usa. — Que pode ficar triste pelo o que perdeu e o que acabou acontecendo.
— Eu sei, mas não vou chorar porque tenho uma família — Me justifico, erguendo o rosto para olhá-lo. Peter aperta os dentes e sua mandíbula salta. Ele corre os dedos por meu braço em um carinho doce, por mais que saiba que o que eu disse não seja o suficiente, mas espero que me permita mentir em paz. — Tenho meu pai, minha mãe, Happy, Rhodes... — "Você e a May”, também quer dizer.
— Eles não iriam substituir seus pais, . Ninguém vai substituir o Tony ou a Pepper. — Gostaria que ele parasse por aí. Gostaria que não incentivasse meu coração traiçoeiro. — Mas não significa que não podem complementar a sua família.
— Anos atrás eu podia querer isso, mas agora sinto que mais gente vai bagunçar tudo. — É outra justificativa falha que Peter parece não entender. Nem mesmo eu entendo. Mas sei que desejo um pouco de paz. — Eu tenho a minha família e o Alexander tem a dele. — Quero muito acreditar que é verdade e que ele não está sozinho como estive por muito tempo. — Ainda não sei porque o Tony me falou sobre eles.
— Acredito que, como muita gente, ele gostaria de saber se estivesse no seu lugar. — Tento não pedir que Peter apenas olhe a situação pelo meu lado e evite me fazer vacilar nas decisões que tomei. — Não acha que pode ser um jeito de tentar se sentir menos triste por não ter conhecido eles?
Céus, você soa como a minha psicóloga. — Respiro fundo, não tendo sucesso em conter um riso triste. O peito de Peter vibra quando ri um pouco junto a mim, envolvendo os dois braços ao meu redor e me abraçando com vontade. Seguro em sua camisa, implorando a qualquer ser superior que jamais tire Peter do meu lado. Não sei de que forma conseguiria aguentar isso sem ele. — Me faz pensar em outra coisa?
— Muito bem, deixa eu ver… — Não tenho palavras para agradecer sua bondade em aceitar mudar de assunto tão rápido e sem maiores questionamentos. Na ausência de palavras, pressiono um beijo em seu ombro por cima de sua camisa. — Vou fotografar o jogo amanhã. — Me conta ao continuar afagando meu braço suavemente. — Tem previsão de "sol", então vai ser legal e você podia vir junto. — Considero o convite, me lembrando que amanhã o time de lacrosse vai mesmo ter um jogo e seremos liberados mais cedo para assistir. — Ah, e sabia que quem trabalha no jornal ganha gatorade grátis? Uhum — Começo a rir com o som orgulhoso que Peter emite. — Seu namorado tem muito a te oferecer além de conselhos meia-boca, tá? — Balanço a cabeça e cutuco sua costela. “Os seus conselhos são os melhores.” Sussurro pra ele. Peter suspende o carinho em meu braço. — E o Tony me ligou ontem à noite...
O mencionar de meu pai é o suficiente para que eu me desvencilhe de Peter e volte a me sentar corretamente, quase de joelhos no sofá de May Parker, mesmo que seu sobrinho mantenha o contato em meu braço no impossível caso de eu me desequilibrar.
— Meu Deus! — Exclamo e chego mais perto, apoiando as mãos em seus ombros fortes. Peter está mais que satisfeito por ter me distraído, o seu sorriso me revelando que deu tudo certo, mas, mesmo assim, o instigo ainda mais pois quero ouvir os detalhes que já sabe do projeto. — Como foi?
— "Você escreve direitinho pra quem fala gaguejando" — Sua imitação de meu pai me lembra daquela que fez na primeira vez que visitei o Queens e, mesmo após tanto tempo, me faz rir. A habilidade dele em imitar Tony se aprimorou após o contato com ele ter aumentado nos últimos meses. Seu sorriso me rouba o ar, bem como a palma de sua mão em minha cintura. — Vão começar as pesquisas na próxima semana se der tudo certo com a parte legal.
— Vai dar. — Lhe garanto. Mesmo que ocorra algum empecilho quanto às autorizações necessárias, os advogados e contatos de Tony podem contornar a situação com facilidade. Isso sem contar o que a Oscorp pode fazer. — A Oscorp está planejando isso há um tempo, segundo a minha mãe. — Explico-lhe e Peter assente, parecendo já estar ciente desta parte.
Me questiono o quando já conversou com meu pai.
— A S.I tem a maior base tecnológica do mundo acerca de inteligências artificiais, então a parte que depende de nós vai ser rápida. — Continuo. — Depois, onde sua pesquisa vai entrar, vamos usar os dados compartilhados pela Oscorp. — É impossível não sorrir, pois sua pesquisa vai ser um passo largo na direção do resultado que meu pai busca, bem como, será essencial para o futuro de Peter. O orgulho esquenta meu peito, mesmo que somente aqueça as bochechas de Peter.
— O Sr. Stark comentou que o importante é convencer eles de que o trabalho vai ser demorado. — Ele repete a mesma coisa que lembro ter comentado com meus pais ontem. Eu concordo com a cabeça, afagando o músculo saltado de seu ombro. Peter é todo músculos, tão semelhante a Steve Rogers e Bucky que chega a ser preocupante. — Não entendi o motivo — Ele confessa e o rubor em suas bochechas parece se intensificar por se sentir perdido. — Ele falou que é óbvio que a Stark Industries é mais tecnologicamente avançada que a Oscorp, então porquê fingir tanta dificuldade?
— Uma vez, após Sokovia — Me sento nos calcanhares, tentando fazer minha cabeça voltar a funcionar. — Visão disse que exibir armas e canhões também pode convidar o inimigo a desejar atacar.
— Então, quanto mais subestimados, mais seguros estão. — Pete conclui. Concordo ao mesmo tempo.
— Os ataques diretos aos Vingadores se encerraram no momento que o Garoto Propaganda sumiu do mapa —Sua expressão de reprovação não me incomoda, principalmente pois sei estar certa. — A face do que os Vingadores representavam como ameaça era o Steve, logo, no momento que ele fez o que fez, a equipe se demonstrou mais contida. Fragilizada. E quanto mais contida e frágil a Stark Industries se demonstrar diante da competição, mais fácil vai ser mostrar que está acima a da Oscorp quando o momento chegar.
Sei que, onde estiver, Tony Stark sentiu uma onda gloriosa de orgulho agora.
Nossa! — Peter arregala um pouco os olhos e ergue as sobrancelhas. Reconheço o motivo, uma vez que nunca demonstrei meu lado competitivo a ele, ou o lado que sabe sobre o papel da Oscorp no aprisionamento de inocentes como Bucky Barnes e Sam Wilson em uma prisão criada unicamente para os criminosos mais perigosos do mundo. — Por isso que quase soltou que era uma Stark do Delmar. — Peter dá risada e eu fecho os olhos, sentindo o calor se espalhar por minha nuca e pescoço. Encosto a testa em seu ombro, o que lhe faz rir mais ainda. Ele afaga minha costa apesar da posição desconfortável. — Já está se sentindo em casa, não é?
— Um pouco. — Suspiro embaraçada. Sinto-me mais próxima ainda do meu pai. Volto a sentar em meus calcanhares, sentindo a mão de Peter escorregar até pousar entre mim e o sofá, onde não fica por muito tempo, pois encontra pouso em meu joelho. Percebi que desde o acidente, ele tem me tocado sempre na mesma perna, como se buscasse garantir que estou bem. — Mas é isso, Pete — Afasto o cabelo de meu rosto, voltando a apoiar a cabeça na costa do sofá. — Vai ser perfeito pra ajudar com a pesquisa. — Lhe garanto, pois conheço suas inseguranças. Cada palavra é enlaçada com extrema sinceridade. — O meu pai sempre fez tudo sozinho, principalmente pesquisas e estudos desse calibre, então a maioria dos pesquisadores da Stark Industries não sabe como ele gosta das coisas. Mas, agora que ele treinou a gente, você sabe.
Ele me lança um olhar incerto. A sua dúvida está estampada na sua expressão.
— Está colocando muita fé em mim. — Seu sorrisinho fraco me desmonta.
— Claro que sim! — Balanço a cabeça. Não tenho dúvida alguma, principalmente no que tange suas habilidades. — Parte do meu papel é apoiar você em qualquer coisa, ainda mais se sei que há uma chance absurda de você se dar bem.
— Obrigado. — Meu rosto esquenta pois, mesmo cheia de dúvidas, sua face demonstra gratidão desnecessária a mim. — Sei lá... Às vezes acho que é loucura demais. — Seu murmurar faz meu coração apertar.
Decidida a ir a fundo, pego uma almofada confortável e sento direito no sofá, esticando as pernas sobre o pufe que vi May usar em minha visão com os porta-copos. No entanto, faço agora a mesma coisa que Natasha Romanoff fez comigo algumas vezes quando eu precisava de conforto e era orgulhosa o suficiente para não pedir. Assento a almofada em meu colo, e viro o rosto para Peter, que me observa curioso, um sorrisinho tentando escapar.
— Você não é o único pseudo-psicólogo do relacionamento, Parker. — Indico o ponto vago em meu colo e ele ri, esfregando os olhos. Rio um pouco também, seja por usar o termo “relacionamento” ou porque Peter é adorável.
No intuito de se acomodar melhor, Peter se levanta e senta-se novamente, bem mais perto de mim, inclinando-se para me beijar antes de qualquer coisa. Levo as mãos ao seu rosto, o aproximando mais, sentindo sua respiração espanar fios da minha franja. Peter tem gosto do chocolate que dividimos no caminho para o apartamento e maçã-verde, seu toque em minha nuca me derretendo no selar. Considero jogar a almofada no chão e me sentar em seu colo, imaginando que é a melhor forma de passarmos esta tarde juntos, mas quando ele corre os dedos por meu cabelo e sua palma toca em meu braço, percebo que um de nós precisa tomar a rédeas da situação. E considerando que sua boca está tão quente e que Peter beija tão bem, me sinto a pior pessoa do mundo quando afasto seu rosto e ele me olha com os mesmos olhos pidões de todas as vezes que nossos beijos se encerram.
— A gente tem que conversar — Eu arfo, não tendo percebido que estava sem ar. Peter roça o nariz no meu, apertando as sobrancelhas e beijando meu lábio ao fingir a mesma extrema tristeza de sempre que só serve para inflar meu ego. Parker me beija de novo, a sua distração tendo funcionado, o que somente percebo quando sorri um pouco entre os beijos. Defiro um tapa em seu braço, o que faz rir e seus dentes se encostam em minha boca. — Porque você é assim, Parker?
— Assim — Peter beija minha bochecha — Como? — Sua voz está rouca. Claro que ele vai se fazer de bobo. Como não? Estou respirando pesado, com a face quente e minha mão está firme onde agarro sua camiseta. — Não entendi, .
Eu respiro fundo e reviro os olhos, mesmo que esteja sorrindo como uma idiota.
— Por favor — Esfrego meu rosto, afastando o cabelo e tentando me centralizar. — Eu estava tentando conversar com você, Parker.
Sorrindo largo como o idiota que também é, Pete beija minha bochecha uma última vez antes de se comportar e deitar-se da melhor maneira possível no sofá. Suas pernas, como as minhas, estão penduradas no braço do móvel, mas como são muito mais longas que as minhas, posso apostar que seus pés estão quase encostando no chão quando pousa a cabeça na almofada em meu colo, fechando os olhos apesar de seu sorriso não vacilar.
A privacidade que seus olhos fechados me dão é suficiente para que eu não tenha sucesso em desviar minha atenção de seu rosto. É impossível dizer que Peter permanece igual a quando nos conhecemos, seja quanto a sua personalidade, seja acerca de sua aparência. Hoje, no mesmo passo que é mais maduro, seus traços mudaram igual, se refinando e amadurecendo junto com ele. Pete ganhou massa e músculo, mas seu rosto parece ter perdido o que Pepper já chamou de babyfat. Seu nariz está mais fino e seu sorriso se destaca mais. Ele está ficando mais bonito a cada dia.
Peter respira aliviado quando toco em seu cabelo, procurando pelo ferimento que ele escondia ontem, e que agora se assemelha mais a um arranhão. O seu cabelo também mudou, pois Peter não usa mais gel ou o que for, na mesma quantidade de antes e agora os cachinhos se sobressaem.
— Fala comigo — Eu peço, pousando minha mão em seu peito, lhe sentindo respirar. — Por favor. — Passo os dedos por seu cabelo, notando como sua face relaxa de imediato. Ah, sim. Esse é o seu ponto fraco.
— Ok… — Preciso manter a compostura quando Pete pousa mão sobre a minha, mantendo-a sobre seu peito e entrelaçando nossos dedos. Lhe permito respirar fundo quantas vezes forem necessárias, sem ousar apressá-lo, pois sempre foi tão paciente comigo que não me permito não fazer o mesmo por ele. — Esse projeto é pra ter um lançamento enorme, — Meu sorriso é em razão da manha que disfarça a preocupação. Ele franze as sobrancelhas, seus olhos ainda fechados, formando algumas rugas que só vejo quando ele sorri. Eu as adoro pois significam que tem motivos suficiente para tal. — E o Tony disse que é algo que vai mudar muita coisa no tratamento contra o câncer daqui há uns anos. — Toco em sua sobrancelha, penteando os fios com minhas unhas. Peter torce o nariz, desgostoso com a situação. — Parece que tô mordendo mais do que dá pra comer.
— Se o meu pai chamou você, é porque sabe que tem capacidade para estar ali. — Afirmo sem pensar. Tony não o aceitaria se não soubesse que Peter é capaz.
— O seu pai — Quando ele abre os olhos, não tem tanto humor estampado neles. — O pai da minha namorada — A última palavra suaviza um pouco a intensidade da justificativa. Eu aperto os lábios, lhe dando toda a minha atenção. — Por um pedido seu.
A carícia em minha mão garante que Peter não está sendo mal agradecido, algo que sei ser impossível para ele. Na verdade, ele é grato até demais. Até o ponto de duvidar de suas capacidades.
— Ele poderia dizer não, se quisesse. Mas não disse. — Lembro. Tony sabe, assim como também sei, que Peter é capaz de o ajudar de verdade. — Por que sabe que você tem o que é necessário para estar ali e conseguir muito mais oportunidades desse porte no futuro. — A atenção que ele direciona a mim é quase adorável, mas não se compara com o beicinho que Pete faz involuntariamente. Ele está tentando. — E ainda assim, se ele não acreditar, o que eu duvido muito, não muda o fato de que está te dando uma chance de provar o seu valor e galgar seu lugar na equipe. — Prossigo, mantendo o contato visual. Espero que consiga notar que as palavras me vêm fácil pois falo a verdade. — Porque pensa assim, Pete?
— Talvez porque não tem motivo pra tanta confiança. — Sua resposta me entristece.
— Não acho que seja verdade — Resmungo de volta, afagando sua orelha para lhe demonstrar que quero mesmo é lhe dar um puxão. Peter sorri um pouquinho. — Vai ser ótimo. Eu sei. E eu confio em você de olhos fechados e mãos atadas.
— Fora que o Osborn também vai estar na equipe e… — Peter revira os olhos. Oh, certo… — O cara passou a vida toda dentro de um laboratório, a Oscorp faz pesquisas assim há anos e eu vou parecer um idiota.
— Você já está parecendo um idiota agora. — Pendo a cabeça para o lado. Peter fecha os olhos de novo e solta o “” mais manhoso e amável de todos os tempos. — Sem isso de . — Me inclino e beijo sua testa, bem no espaço entre as suas sobrancelhas, como costuma fazer comigo quando me preocupo demais. — Você é muito inteligente. E muito esforçado, o que compensa por qualquer falha que houver, pois sei que vai aprender e não vai acontecer de novo. — Desta vez eu beijo seu nariz. Peter ergue o queixo, como se tentasse dirigir meu foco para seus lábios.
— Eu já vi o Harry resolver questões no smart board tão rápido que os professores ficam surpresos. — Seu sussurrar é tímido. — E quantos tutores ele não deve ter tido? — A sua expressão cansada me surpreende. Peter raras vezes fala acerca das lacunas financeiras entre ele e os demais alunos de Midtown, mas sinto que, por se tratar de Harry, a situação o incomoda mais. Eu balanço a cabeça, acariciando seu queixo, onde posso sentir alguns sinais de uma possível barba tentando se formar. — Quer saber, aposto que ele tá agora no laboratório da Oscorp descobrindo a cura do câncer — Acredito que reviramos os olhos ao mesmo tempo. Peter cutuca minha perna, insistindo. — Liga pro Tony e avisa que não precisa mais de pesquisa porque o Harry já resolveu o problema! — Seguro seu rosto e beijo seus lábios rapidamente. “Sou eu quem vai descobrir a cura, Parker”. Seu riso incrédulo contra minha boca compensa parte de sua autodepreciação.
— Eu também preciso provar ao meu pai que tenho capacidade de o apoiar na S.I, Pete — Comento ao afagar sua bochecha. Pela milionésima vez, Pete beija minha mão e eu sinto borboletas no estômago. — Por isso recomendei a pessoa mais competente que conheço, que, por coincidência, é você; quem está pesquisando sobre o assunto e é pupilo dele no mesmo eixo. — Quase posso ver as engrenagens girando em sua cabeça.
Peter está encarando um ponto no teto, o lábio inferior preso entre os dentes ao pensar. No entanto, não é a sua expressão adorável que chama minha atenção, mas o fato que está com a minha mão encostada em sua boca, sem sequer se preocupar com a extensão de meus poderes ou a tensão que reside nelas ou em mim. As mesmas mãos que cobri com luvas por anos são as que Peter segura pertinho de seu rosto e beija cheio de carinho, mesmo ciente de meus poderes que apavoravam os Vingadores.
— Promete que não vai fingir não me conhecer quando o Tony brigar comigo? — Há uma real e, mesmo assim, desnecessária preocupação que faz sua voz pesar mesmo que questione em tom de brincadeira.
— Já bati de frente com o meu pai por você, então não tenha dúvidas que eu faço isso de novo, mesmo que duvide que vá ser necessário. — É minha vez de beijar seus dedos. Pete demonstra uma surpresa delicada com o ato. Como ficamos tanto tempo escondendo os nossos sentimentos quando poderíamos estar desta forma há meses?
— Você vai estar lá, não vai?
— Prometo que sim. — Pondo em prática o que me ensinou, ergo o meu dedo mindinho e estendo para ele. Pete não hesita em entrelaçar nossos dedos para selar a promessa. — Minha mãe quer que eu passe as tardes com ela no escritório — Comento e descanso a mão em seu peito. Peter sorri de lado, demonstrando certa animação por mim. — Vou estar a um elevador de distância. — Uma piada me vem em mente. — Igual em Washington.
Observo enquanto ele morde o lábio inferior. Está quase sorrindo também.
— Já disse que você é muito romântica?
— Não, mesmo eu tendo feito um sanduíche para você. Com picles e cebola e mostarda. — Não estou reclamando. Depois de tudo o que fez por mim, o sanduíche é o mínimo. Ainda assim gosto de como sorri largo, as lindas linhas perto de seus olhos se acentuando. Seu sorriso é de tirar o fôlego. Como pude ter tanta sorte? — Eu sou uma ótima namorada, sei disso.
— É sim. — O embaraço me alcança logo que Peter concorda veemente, olhando em meus olhos. — A melhor do mundo. — Ele garante com a mesma naturalidade de quem garante que o céu é azul.
— Perde a graça quando você me deixa envergonhada. — Reclamo através de um sopro quando corro as mãos por meu cabelo para desenrolar os fios presos em meu brinco.


*


— Eu consegui, May! — Peter está sorrindo gigante, mesmo com neve nova-iorquina (tão suja quanto a cidade em si) salpicada no seu cabelo, seu rosto rubro de frio. Ele está quase todo coberto pela neve que acaba por sujar o chão conforme remove as camadas de roupa, iniciando pelo cachecol verde e o casaco azul desbotado. — Precisei barganhar com o cara da loja de quadrinhos, mas ele aumentou a proposta — May Parker corre para a sala, ainda em perfeito estado físico, com uma trança no cabelo, uma regata laranja e short azul escuro sujo de tinta. Suas mãos também estão manchadas com tinta quando cobre os lábios e tenta conter um sorriso tão grande quanto o alheio.
— Quais você deixou lá? — A expressão animada de May se ameniza, porém o seu sobrinho balança a cabeça, dispensando a pergunta enquanto a tia limpa as mãos em um trapo manchado de azul ciano. — Ele só iria dar trezentos dólares pelos bonequinhos, não era?
— Figuras de ação, May — Pete pressiona ao remover o segundo casaco. May revira os olhos, pousando uma mão no quadril enquanto abana a neve do cabelo dele com a outra. Ele se aproxima e dá um beijo apertado e risonho na bochecha da tia, enfiando as mãos nos bolsos do jeans. — E eu levei uns quadrinhos para ele também, então ele aumentou para quatrocentos.
— Você vendeu as suas revistinhas de colecionador? — May cobre a boca quando Peter esfrega a nuca. Mesmo que ela não demonstre estar confortável com a situação, o sorriso dele nunca vacila, aparentando estar orgulhoso consigo. — Peter… — A tristeza dela não é tão profunda, mas é clara.
— A merece, May — Peter tenta confortá-la, removendo do bolso uma caixa de veludo pequena. Relutante, May se aproxima dele, a mão sobre o peito quando vê o conteúdo. — Pérolas como você disse — Parker está sorridente ao prosseguir, apontando para a caixa. — E diamantes. São pequenos, mas a moça da loja disse que ficam muito elegantes e…



*


Peter está rindo quando volto à mim, os dedos tocando em meu pulso e rosto virado na direção da televisão desligada. Eu respiro fundo, tentando organizar meu pensamentos, mas é um pouco de informação demais e eu seguro a face de Peter, que me olha confuso pelo ato ser longe de delicado. Quando seus olho se fixam nos meus, buscando entender o que eu desejo, me sinto mais culpada ainda.
Você vendeu os seus quadrinhos para comprar os meus brincos?
Se não estivesse tão chocada com a situação, poderia gargalhar de sua cara. Peter parece muito com Tony, principalmente quando Pepper o pega fazendo algo que não devia. Seus olhos saltam, a boca aberta em choque com a pergunta.
— Como… — Seu choque torna-se curiosidade e eu cubro meu rosto com as mãos. Não acredito que fez isso. — Quem te falou? Como?
— E suas action figures, Peter!
Não tenho coragem de olhá-lo mesmo quando se levanta de meu colo de supetão.
Como vou conseguir lhe olhar sabendo que abriu mão de seus preciosos itens para comprar os brincos que uso com tanto gosto? Compartilho a surpresa de May, principalmente por saber como Peter cuidava bem de seus quadrinhos e action figures. Sinto que teria chance de conseguir ignorar isso se o presente não houvesse sido tão especial e eu não gostasse tanto dos brincos que lhe custaram uma pequena fortuna.
— Ei, ei — Seus dedos se curvam quando segura meus pulsos, tentando incitar pra que eu não mais cubra meu rosto e o olhe. — Como você sabe disso? — Sua risada me faz vibrar ainda que eu tente não reagir. Me sinto a pior pessoa do mundo. — E do nada, ? — Aperto meus lábios quando Peter toca em meu cabelo antes de segurar meu pulsos de novo e dar um beijo em minha cabeça. Ele vai acabar me matando.
— Meus poderes novos — Lhe explico através de um sussurrar, afastando os dedos para olhá-lo por entre as frestas. Peter está pertinho de mim, abaixado aos meus pés e com um sorriso tonto apesar das sardas estarem um tanto ocultas pelo leve rubor. Ele assente, então, parecendo entender a razão do súbito questionamento. Ao menos em parte. — Não acredito que fez isso, Pete… — Lamento embaraçada.
— O que? — Ele interrompe minha reclamação com um sussurro como o meu. Pete aparenta não sequer importar-se com o que fez. É preocupante. — Não acredita que eu comprei um mero par de brincos pra você? — Concordo com a cabeça, horrorizada pois ele também beija minha testa, afagando minhas panturrilhas. — , eu dou um jeito de comprar a Times Square se duvidar, só pra dar de presente pra você.
Luto contra a vontade de beijá-lo até ficar sem ar.
— Mas vendeu seus quadrinhos pra isso, Peter — Seguro em seus ombros. Ele não notou a gravidade disso? Peter dá de ombros e eu dou um soquinho em seu braço, sua falta de consideração com o que fez já começando a me irritar. — Tem eles há anos!
— E eu nunca ia me livrar deles se não tivesse um justificativa — Respiro fundo ao sentir a massagem que faz em minha perna. — Então que motivo melhor do que querer comprar um presente legal para a minha pessoa favorita no mundo todo?
— Eu não sei — Empurro ele de leve. — Aquecimento global, sei lá!
A gargalhada de Peter é sonora e gostosa, grave pois ele joga cabeça para trás ao rir. Quero permanecer brigando com ele e lembrar que presente nenhum é tão valioso para mim quanto sua felicidade e bem-estar, mas percebo que será em vão. Peter é orgulhoso e está feliz de verdade com sua decisão. O sorriso orgulhoso estampado em seu rosto em minha visão sendo a prova disso. Também percebo que não quero diminuir seus esforços, pois sei que discutir sobre dinheiro é complicado. Então, se Peter está confortável com o que fez, não posso ser a pessoa que forçará um arrependimento nele.
— Desculpa, Pete — Digo, arrependida por meus exageros. — Só fiquei surpresa.
— Eu notei — Ele garante, apoiando o queixo em meus joelhos. Afago a sua bochecha. — Também fiquei — Confessa rindo. — May jurou levar o segredo pro túmulo. — É em May que penso desta vez, lembrando-me de como foi ela que recomendou as pérolas. Eu me aproximo e beijo sua testa, perto de onde ainda está um pouco ferido, sussurrando o outro agradecimento por meu presente. — De nada, .
Peter me beija e eu suspiro com o selar, me rendendo a ele. Os seus beijos são intoxicantes, de forma que não me vejo conseguindo resistir a eles sem esforço extremo e muita força de vontade, o que raramente tenho ou quero demonstrar. É uma tarefa árdua dizer não a Peter e seus beijos, ainda mais nossa proximidade e os seus lábios focados em me distrair de qualquer coisa. Qualquer coisa exceto ele.



O primeiro pesadelo é o comum, o ponto-chave e que apenas surge para dar partida aos seguintes, esses que aumentam em quantidade e intensidade ao progredirem, a névoa me sufocando até que eu não mais consiga fisicamente resistir. Consigo ver, pelo lado mais acordado em mim, esse lado que tem resistido para se manter consciente, que isso é uma coisa boa. Como um alerta de furacão tentando me conscientizar que o choque irá vir e que não irei estar preparado, independente dos avisos que os precederam. Então, no momento em que a paralisia se finca, sei que não adianta resistir e que é o fim de uma noite que, outrora, poderia ser boa. As alucinações tendem a mudar com facilidade conforme meu nível de pavor aumenta, em sua maior magnitude enquanto tento — como um idiota — me mover.
É como estar soterrado de novo e, neste ponto, estou sem ar e nem mesmo consigo forçar os olhos abertos. Estou incapacitado de me mover, de mexer as pálpebras, de levantar a cabeça. O som do meu coração é um alerta como um despertador que não consigo desativar de forma alguma, os batimentos semelhantes aos tambores das paradas militares de 4 de Julho quando eu era menor. O pesadelo me lança de volta ao armazém e posso sentir o mesmo peso sobre mim que não esqueço desde aquela noite; acordando após bater a cabeça assim que o quarto pilar caiu e derrubou uma parede sobre mim. Também ouço a água dos canos pingando e formando poças, assim como noto o som da minha respiração entrecortada e o ar quente que a máscara espalha em meu rosto, piorando o suor. Alguns dedos se movem com muito esforço, mas é o mesmo movimento inútil de sempre e eu quero gritar, o estado de intermeio do meu cérebro, pendendo entre consciente e inconsciente, minhas cordas vocais dormentes assim como o resto do meu corpo.
Quando o pânico se instala e as vigas começam a rasgar o uniforme toda vez que respiro, eu tento manter a calma; mas já estou tremendo e, quando minha consciência surge no fim do túnel, me mover e me chutar até acordar de vez não é uma opção. Há uma pressão terrível sobre mim que apenas percebo ao abrir os olhos, o peso que me impede de respirar não tendo se dissipado mesmo quando consigo me ancorar na realidade. Vejo a mobília sofisticada no quarto que é muito diferente do meu, com a luz do computador novo piscando e a luz do despertador (já são quase duas e vinte e me lembro de ser uma e cinquenta antes disso começar), mas além disso não consigo ver mais nada devido a posição de minha cabeça, essa que também não consigo mover, exceto meus olhos embaçados. Ao registrar a fresta da luz que atravessa o vão entre o piso e a porta, tudo se amplifica ao ponto que jamais havia imaginado.
A pressão interna no meu peito aumenta conforme me esforço para respirar e faço força para me manter quieto e calmo pois não me atrevo a despertá-la nesse estado deplorável. Logo, uma segunda força vem ainda mais potente e me afunda no colchão, prendendo contra ao móvel igual ao teto do armazém fez há alguns meses ao me esmagar. Mas, desta vez, não é suor ou umidade que me impede de segurar-me em algo para poder erguer este peso, apenas a inutilidade do meu corpo perante os pesadelos.
Não posso mais discernir entre sonho ou realidade enquanto me afundo mais ao ponto de atravessar o colchão e ser lançado na beira de um fosso. Antes que possa cair, mãos me puxam para trás e registro o choque ao tomar nota que estou vestindo o meu uniforme e sei exatamente onde estou.
O Obelisco de Washington e o elevador em chamas.
É nesse momento que ouço o seu grito, tão brutal e apavorado que meu sangue congela nas veias. O timbre de sua voz é familiar, mas agora soa tão apavorado que toda minha linha de raciocínio escapa de mim e tudo o que tentei controlar perde importância. Apenas sei que preciso alcançá-la. Protegê-la de mim e do que fiz. São policiais que vem até mim outra vez e eu percebo que foram esses que me impediram de cair no fosso do elevador, mas eu os atravesso como uma bala, sem importar-me em lançá-los com força na direção da multidão, ou empurrar seus braços com força suficiente para quebrá-los — destruindo qualquer coisa que me impeça de alcançá-la. Gritos dolorosos das vítimas que fiz se mesclam ao seu, contudo, permaneço lutando contra meus joelhos que viram água, antes que eles me levem ao chão na beira do fosso e enfim me lanço no espiral em chamas.
Não conseguir vê-la é mais cruel do que o salto suicida; pior que o fogo queimando meu uniforme e cozinhando minha pele. É mais agonizante que meus engasgos sem ar. Porém, não é pior que seus gritos atormentados pelo fogo. Quando começo a perder a consciência e o fogo não me permite vê-la, é a minha vez de gritar, implorar e chamar seu nome da mesma forma que faz com o meu. É o meu nome que ela decide chamar enquanto a fumaça azeda está a intoxicando e o fogo está a consumindo na caixa de metal que conduz calor como um forno ao ponto de estar derretendo sua pele, cozinhando os órgãos e a matando de forma tão hedionda e desumana. É um coro de pânico bem orquestrado, os gritos excruciantes dela são tudo o que posso ouvir durante a queda infinita.
— Imploro com cada gota de esperança que consigo, tentando respirar o ar fumegante e seco sem umidade alguma. Talvez eu consiga alcançá-la e o fogo não a consuma por completo. Talvez ela ainda consiga aguentar até a chegada dos paramédicos sem entrar em estado de choque. Talvez eu não tenha a matado. ! — O grito é mais alto agora e ela o responde em berros profundos fazendo tremer as paredes do fosso. A velha dor em meu coração retorna, e imagino fissuras espalhando-se a partir dele por mim. Meu torso, braços e pernas, meu rosto, marcando-o com as rachaduras e eu quero que se cravem e me matem. está morrendo por minha culpa; está gritando pela dor terrível que as chamas causam ao rachar sua pele delicada, queimar seus olhos e a destruir por minha culpa.
O som que emito é áspero, como um náufrago engolido por uma onda sendo finalmente cuspido de volta e tentando respirar antes da próxima. É como reagi após o soco no peito vindo do Capitão Rogers no aeroporto quando nos conhecemos. Mas agora, o golpe foi bem-vindo e minha visão se turva, ondulando para alertar que são lágrimas que estão tomando forma. Encaro o despertador por mais dois minutos, segurando minha respiração pouco a pouco a fim de tomar as rédeas dela, tentando assimilar que estou desperto de vez. Não tenho nenhuma coordenação motora, nenhuma prova de que ainda tenho dedos e os movimentos não me voltam de imediato, um tremor aqui e outro ali enquanto tento, com tudo o que posso, flexionar os músculos. Ainda estou tremendo ao conseguir me sentar e perceber que, mesmo com todo o silêncio que tentei fazer por dois minutos de relógio, não consigo a ouvir.
Não ouço o respirar pesado de e o pavor volta a me consumir.
Os lençóis macios que estavam na cama estão grudados em mim da mesma forma que os meus ficam em casa, o suor os pregando a mim e eu os empurro quando minhas pernas voltam a funcionar, não que a dormência passe de vez e apenas avanço na direção da porta, arrastando os cobertores comigo até arrancá-los de minha costa e imergir no corredor. Sua porta obviamente está fechada e preciso só de um passo até ela antes de ouvi-la respirar. Pressiono minha cabeça contra a porta gigante ao ouvi-la. Então ouço também o coração de batendo camuflado pela camada de sons em seu quarto e o material que nos divide. Há o som da ventilação, baixa o suficiente para ela não notar, o tique-taque de um relógio e o ruído que deve ser seu movimento na cama.
Poderia reconhecer o seu coração de onde estivesse, sempre o mais calmo possível, como o de May durante suas meditações matinais. Prendo a respiração, a testa ainda apoiada na porta e tentando me convencer que, ao contrário de meu pesadelo, eu não a deixei morrer no obelisco. Que a carreguei para fora e me certifiquei que estava viva antes de ir embora. Que troquei de roupa em um banheiro enquanto bombeiros esvaziavam o monumento e a encontrei logo depois. Sei que a carreguei para fora do ônibus e para o carro de Happy quando chegamos em casa e sei que tivemos meses de calmaria após isso. Mas ainda assim, a inquietude é demais e estou sentindo o fomentar de uma das crises terríveis que nem mesmo tia May consegue me ajudar a controlar quando atingem seu ápice.
? — Chamo com a voz embargada e rouca como nunca, mas reconheço como o esforço a deixou assim. Esfrego o rosto úmido contra o meu antebraço nu, fungando ao perceber que já estou neste estágio e meus dedos batem devagar na porta para não a assustar. Prendo a respiração e engulo o choro, aguardando uma resposta que não vem. — ? — Me repito, arfando e fechando os olhos. Ela ainda está respirando devagar e calma como sempre, sem se perder nos seus sonhos horrendos e eu considero isso uma boa notícia. está a salvo. Está respirando e seu coração continua batendo mesmo depois dos meus erros e depois de quase matá-la.
O raciocínio é destrutivo, mas necessário.
Está cada vez mais difícil respirar e há um impulso, no fundo de minha mente, de garantir que o pesadelo não mais me afeta e que, de imediato, bater com a minha cabeça na porta vai me provar que estou no controle. Somente até o sangue sair e me garantir que foi tudo um sonho. Os impulsos se tornaram mais recorrentes e mais intensos desde o primeiro pesadelo com o que aconteceu na noite do Baile de Boas-Vindas no armazém quando Adrian Toomes tentou me matar pela primeira vez. Cortar a ponta do dedo ao montar um sanduíche ou simplesmente apertar meu braço com toda a força possível se tornaram métodos comuns para provar a minha consciência. Me afasto devagar, ainda respirando de forma irregular e decidindo que não acordarei com isso, ciente que as suas poucas noites de sono confortável não merecem interrupção mesmo que eu sinta vontade de esmagar meu crânio pois ainda posso ouvir os seus gritos excruciantes ecoarem em minha cabeça.
Quando consigo me afastar o suficiente do seu quarto, mantendo a segurança e a paz de como a prioridade que tenho sustentado em meu coração há semanas, começo a descer as escadas. E é somente na Arena, na mesma em que eu a vi atirar e lutar com uma habilidade previamente inimaginada, que consigo encontrar uma distração pendurada no teto — um saco de areia. Arranco a camisa pegajosa com meu suor e a jogo no chão enquanto busco luvas de boxe nos armários em uma parede distante, porém minhas mãos pinicam no centro da palma e a ponta de meus dedões estão formigando, logo jogo a busca pelos ares. Corro as mãos por meu rosto, lubrificadas agora com meu suor que se acumula acima de meu lábio superior e escorre pelo meu pescoço e atrás de meus joelhos dentro da calça. É ridículo e May morreria me vendo tão suado, mas esta é minha nova realidade — sujo, banhado de suor e sangue.
O primeiro soco faz o saco de pancada se agitar nas correntes, e é como se todo o Complexo dos Vingadores vibrasse com o choque. É comum o som ricochetear, é um fenômeno físico que qualquer um pode ouvir, mas é mais brutal em meus ouvidos. Ouço meus ossos vibrarem com o impacto e o som de minha pele no couro, seguido do som do golpe. A dor é boa o suficiente para meus olhos lacrimejarem, afastando o medo prévio que meu pesadelo — dentre todos os outros que apenas me mostravam a morte de ou tia May das maneiras mais brutais possíveis — era nada além de um pesadelo. Me perco nos golpes consecutivos que rasgam meus punhos, a dor lancinante sendo recompensadora e eu me concentro nela, não no fato de ver o rosto dos traficantes que auxiliavam Adrian Toomes na venda das armas alienígenas. Toomes também se une a eles em minha imaginação e os socos de tornam mais pesados ao ponto que uso uma perna para me apoiar melhor e forçar ainda mais todo o peso de meu corpo neles. Logo, a face do verdadeiro responsável pelo acidente que quase a matou surge na superfície do saco de areia e a dor em meus punhos é lancinante e crua.
Meus ouvidos estão zumbindo enquanto eu crio mais hematomas no meu rosto imaginário, exatamente o que mereço por ter lhe ferido daquela forma. As lágrimas prévias começam a escorrer e me sinto ainda mais furioso que antes, pesando os socos mesmo que minhas mãos escorreguem devido ao suor e o sangue que molham o couro vermelho.
Me perco nos ecos dos socos e da minha respiração que parece tão alta ao ponto de entupir meus ouvidos. Me perco completamente na dor e no sangue que nunca tinham me atraído e agora parecem reconfortantes quando necessário esquecer de toda dor que causei. Sei que estou ficando sem ar pelo esforço e que há detritos do teto caindo em mim pois o saco de areia está balançando com cada golpe e em algum momento as correntes irão falhar, mas não consigo conter a raiva que sinto, o medo e a dor. Não consigo mais escutar o barulho do sangue pulsando em meu ouvido. Não consigo escutar nada no momento e a realização me faz pesar ainda mais os socos, querendo expulsar qualquer som e pensamento de minha cabeça, a prévia vontade de sentir algo se tornando uma busca por infinita dormência. O último golpe, este que consolida meu desejo de completo torpor, lança o saco de pancadas na parede diante de mim. A força faz o saco se partir em dois com um estrondo ao atingir a parede que racha pelo impacto, os tijolos caindo em pedaços.
Então um segundo som, humano e fragilizado, acompanha a quase destruição da parede. Mínimo, porém não apavorado ou preocupado, apenas surpreso. Quando respiro fundo para tentar regular minha respiração, o perfume fresco que tem me acompanhado há mais de seis meses invade o espaço. Eu consigo sentir sua presença antes de vê-la, com o seu aroma tão forte quanto delicado: flor de laranjeira e âmbar, assim como May havia descrito uma vez ao elogiar o perfume de . O cheiro é reconfortante como o ar quente que entra pela porta aberta, mas não posso olhá-la, não com aquele estúpido saco de areia rasgado, a parede destruída e meus dedos ensanguentados. Me inclino pra frente, tentando evitar que possa ver meu rosto e as lágrimas. Apoio a mão sobre o elástico da calça de pijama, fingindo que a dor não é tão forte como realmente é e tento secar minhas bochechas com a outra mão.
— Desculpa — Forço a voz já rouca pelo nó em minha garganta. — Desculpa, eu...
— Eu conserto! — garante-me com tanta certeza de sua capacidade de solucionar o problema que não ouso me mover ou sequer respirar. É claro que ela será capaz de resolver qualquer coisa, mas um pedaço de mim se questiona se pode me consertar. Se pode apagar meus pesadelos e me fazer esquecer do erro que cometi. Um momento de silêncio me faz perceber que jamais permitirei que ela o faça: preciso me lembrar do perigo que correu por minha culpa para jamais repetir isso outra vez. Ao avançar decidida pela Arena, sinto que ela opta por manter distância como minha mente lhe implorava que não fizesse; quero tocá-la para sentir que está viva e bem. – Não é o primeiro super-humano que racha uma parede aqui, Pete.
O apelido queima, pois além de me ter sido presenteado na primeira vez que nos vimos após o acidente, demonstra acima de tudo como foi capaz de me perdoar com o peito aberto. ainda caminha um pouco letárgica, provavelmente tendo quase caído da cama para estar aqui, o que é mais evidenciado por seu cabelo com volume maior que o normal. A blusa escura também está amarrotada e prevejo May dizendo que estava guardada dentro de uma garrafa, mas não quero que saiba disso, então não lhe contarei sobre este dia. Seus braços estão um pouco marcados pelos lençóis, assim como as pernas, que é exatamente o ponto onde reconheço que não deveria estar observando o seu corpo desse jeito.
Quando alcança a parede, tenho a oportunidade de vê-la usar seus poderes ao vivo apesar dos meus olhos marejados. Me foco na energia que escorre pelas pontas de seus dedos tensionados, surgindo do vácuo e iluminando sua pele em um véu violeta delicado. Eu já a tinha visto utilizar os poderes na Alemanha e algumas outras esparsas vezes desde aquele dia, mas sempre foi tão reservada com suas habilidades que parecia mal-educado pedir que as usasse apenas porque eu as achava brilhantes e estava enfeitiçado com seus poderes. Com minha garganta apertada, consigo me distrair com a restauração da parede de tijolos, ocultando a outra Arena que podia ser vista através do rombo. Ela move os dedos devagar, uma palma se sobrepondo a outra como se a protegesse, mas o movimento não deixa de ser elegante como ela.
Diferente da calmaria de na tempestade, a minha respiração é balançada e frágil como na noite em que fui soterrado por Volture, ao ponto que temo começar a chorar com o pânico de sufocar de novo quando prendo a respiração. Somente havia chorado perto de uma vez e não quero que sua imagem de mim se fragilize, mas meu peito está doendo e vê-la aqui e caminhando em perfeito estado é um alívio tão grande mesmo que tão dolorido por saber o que precisou passar por causa da minha estupidez. aperta os dentes e ouço o som do choque deles, indicando que estava concentrada em algo além da parede perfeitamente igual a como estava antes. Apertar a boca é sua maneira automática de substituir o ato de tocar as pontas dos dedos nos lábios, mas suas mãos ocupadas a impediam de fazer a segunda opção, que não deixava de ser a minha favorita por léguas. No entanto, estou tão temeroso de como ela reagirá que não consigo pensar e me focar em seus pequenos hábitos para me distrair, somente com o leve bater repetitivo de meus dentes pois ainda estou tremendo apesar de estar forçando as mãos em punhos e tensionando meu corpo para controlar o tremor.
— Está tudo bem se eu tocar em você? — Sua voz sempre foi delicada e gentil, apesar de todas as coisas que já passamos, sua voz sempre foi enlaçada de bondade.
caminha descalça pela Arena e vem com calma até mim, atenta aos pingos do meu sangue no tatame enquanto luto contra meu coração acelerado que parece pronto para saltar para fora do peito, a pergunta inocente e preocupada me fazendo querer assentir apesar da falta de ar que me deixa um pouco tonto. Ela já parece mais acordada agora e segura uma caixa plástica branca entreaberta que não a vi pegar, exalando o ar em seus pulmões devagar ao estender a mão para mim, o medo de rejeição sendo óbvio. Detesto como a tristeza mancha o seu rosto, trazendo um franzido discreto para o lábio inferior e um inclinar para baixo das pontas de sua boca. Meu estado não a assusta como me preocupei que faria se invadisse o seu quarto, na verdade, a situação a entristece profundamente.
— Eu só quero limpar os seus dedos, Peter. — me explica com carinho ao me observar com os olhos tão expressivos. Nunca deixei de admirar como se entrega por completo por meio de seus olhos sinceros. Eu percebo então que meu silêncio, o peso de minha língua, indicou uma hesitação que jamais permitiria que me corrompesse quando se tratava de seu conforto, mesmo em momentos que meu mundo parece prestes a entrar em combustão. — Quer que eu faça isso? — Quando ela indaga outra vez, finco meus dentes no interior da bochecha, minha visão ondulando com mais lágrimas pois ela está aqui. Boa e amável e compreensiva.
Concordo devagar.
O sangue inunda minha boca quando mordo a bochecha com força assim que sua palma se vira pra mim ao demonstrar não esconder nada. Então pousa em meu rosto apesar do suor e eu bato os dentes como ela tinha feito. A sua mão, quente e macia, capaz de tamanho efeito e destruição, se acomoda contra minha bochecha e eu escolho a barriga com a força de meu inalar, fechando os olhos quando o perfume fresco em seu pulso domina meu olfato. Quero segurar sua mão e beijar os seus dedos, assim como o ponto onde o sangue corre em seu pulso, agradecido por estar ao meu lado, mas a timidez me vence como sempre tem feito e temo ir rápido demais ao ponto que não terei como suportar se me recusar.
— Certo. — Seus lábios se curvam em um sorriso minúsculo, o seu mero reflexo de alívio. —Vamos nos sentar aqui no chão, ok? — Seu tom é gentil, cheio de calma e cuidado.
Devagar e temendo morrer ao fazê-lo, tenho coragem de me afastar de seu toque e olhar para onde ela aponta, então a obedeço como sempre faço. Ainda tenho um bom equilíbrio apesar de tudo, então mantenho minhas mãos dilaceradas sobre meu colo e evito seus olhos, focado em suas ações e movimentos elegantes apesar da situação. Ela se põe de joelhos diante de mim e abre o kit de primeiros-socorros, tirando uma série de itens dele. A memória da noite do baile é tão vívida quando dolorida, mas eu me mantenho em silêncio ao lembrar-me também de como chorou agarrada em meus ombros quando contei sobre o desmoronamento. Logo, eu prefiro me focar em seus cuidados naquela noite e em como estava radiante enquanto os fazia, seja pela dose de adrenalina em meu sangue ou porque foi a primeira vez que realmente a olhei de verdade: com os o cabelo solto sobre os ombros e a concentração de sua boca apertada e o brilho da lâmpada amarela em seu rosto. Cada aproximar seu me deixava tonto e foi a primeira vez que considerei pressionar meus lábios nos seus.
— Desculpa, , eu... — Forço o pedido de desculpas para fora apesar de tudo, desejando elaborar meu pesar de alguma forma que fique claro, mas eu não consigo. Não com sangue nas minhas mãos e tantos sentimentos conflitantes no meu peito que se embaralham mais a cada instante. foi tão inesperada que posso a comparar como imagino que é ser baleado no peito, o projétil cavando seu caminho até o ponto mais frágil do meu coração. Mas não precisou lutar pelo espaço que ocupa dentro de mim, não precisou me ferir ou forçar coisa alguma. Ela apenas se encolheu contra meu peito e ficou ali, tão inesperada e bem-vinda como chuva de verão.
— Não liga. — Ela descarta minhas desculpas com cuidado para não soar ríspida demais, mas duvido que seria possível ser ríspida ou mal-educada, mesmo que queira. estende a mão para mim e eu sei que quer segurar uma das minhas, mas o mero considerar de fazer isso me causa dor, ainda que eu não tenha coragem de lhe negar coisa alguma. Quando minha mão pousa sobre a sua, meus dedos estão tremendo um pouco pelos espasmos da dor. — Está tudo bem. — Sua voz está tão baixa que quero fechar os olhos para me concentrar nela igual fiz na noite do baile em minha cama, mas busca meus olhos e não consigo desviar de suas irises. — Posso? — Aperto a mandíbula ao me preparar para o desconforto da gaze em sua outra mão e assinto antes que possa desistir, o ardor profundo me fazendo respirar fundo entredentes. O rosto de demonstra o mesmo nível de desconforto com vincos entre suas sobrancelhas apertadas. — Esses sacos estão velhos. Sujos. — Reprova com um suspiro lento e eu concordo, respirando fundo e inflando as bochechas. Assim que ela remove a gaze, sopro o ar que segurei. — Não devia ter se machucado e continuado socando-os. É pedir por uma bactéria.
— Eu queria sentir alguma coisa. — Me justifico com os dentes apertados, afinal, a dor é pior agora. descarta a minha motivação pelo nível de estupidez dela, balançando a cabeça, e suspirando devagar, sem diminuir-me apesar de como sua reação pode soar.
— Te entendo. — Sua resposta segue um momento de silêncio enquanto examina meus dedos, mordendo o canto do lábio rosáceo. — Queria ter certeza de que não estava mais dormindo? — Emito um grunhido para confirmar sua suposição, ciente que ela ainda me reprovaria sobre a escolha mesmo assim. nunca hesitou em me dizer que estou errado. — Ainda assim, é perigoso. Associar medo à violência é errado e pode se tornar viciante.
segura meu dedo indicador entre os seus ao limpar o sangue que escorreu para minhas unhas roídas e molha o lado inferior. Encosto a cabeça na parede e fecho os olhos, o ardor choro e o cansaço das últimas horas gerado pelos pesadelos sendo demais. Sinto o meu corpo aquecido, como estava no fosso do elevador há meses, quente ao ponto do suor acumular no meu cabelo e todo o resto do corpo. Sei que tem aversão a suor e sujeira em geral, mas ela não hesita comigo em momento algum, como se isso não a afetasse tanto. Seu rosto está concentrado quando volta a lhe olhar e ela está usando as próprias unhas envoltas de gaze para limpar as minhas, a boca apertada em preocupação e os ombros encolhidos para olhar melhor o estado de minha mão. Está concentrada apesar da clara inquietação na sua mente que está sempre a mil como o Sr. Stark havia comentado certa vez — está sempre dois passos na nossa frente e isso nunca deixa de ser preocupante.
— Sonhei com você queimando em Washington. — Seus movimentos se estancam quando, mais amargo do que podia esperar, confesso o motivo de minha automutilação. Tenho detestado o termo desde que May me viu saindo do banheiro quase queimado pela temperatura da água em que me banhei na última vez que tive esse pesadelo sobre . — Cheguei tarde demais dessa vez... — Com cuidado e um levíssimo tremor, cobre minha mão direita com um punhado de gaze seca. Apesar de sua presença aqui, seus gritos terríveis ecoam em minha mente, de um lado ao outro do meu crânio, perfurando meus ouvidos. — E te ouvi gritando. — Não há motivos para lhe contar isso exceto o meu desejo de fazê-la entender o quão arrependido estou do que aconteceu, mas minha garganta se aperta de novo e fica difícil respirar.
O arfar dela foi minúsculo, mas poderoso.
— Peter, como assim? — cobre o montante de gaze sobre minha mão com a sua e segura com sua palma livre o inferior da minha apesar do sangue. O apelido que usa pesa em meus ombros. — Não... — suplica com um fio de voz, incrédula pois não sabe que tem dominado meu subconsciente. Todos os meus sonhos e pesadelos igualmente relacionados a ela.
— Foi horrível, . — Continuo olhando para onde nossas mãos se tocam e, apesar da pontada afiada, curvo o indicador para segurar os seus dedos. Não são tão pequenos em comparação aos meus, apenas mais bonitos. Suas unhas são curtas e ovais. Sem pontas afiadas, como resto dela. — E foi tão... Eu só sabia que estava tentando te alcançar, mas não consegui. Só queria te alcançar, mas não consegui e você não parava de gritar e, e... — Meus olhos se enchem d’água, o ar não encontrando os meus pulmões de forma que a minha voz ondula. Detesto chorar, mas rever tudo aquilo, amplificado pela minha preocupação relativa aos constantes pesadelos de ... É demais para mim. — Você parecia estar... Soava sentir tanta dor e estava tão quente e eu acho que, acho que desde que falou aquilo ontem sobre... — Levo a mão livre para o rosto, fingindo secar meu suor quando, na verdade, são as lágrimas que escapam. solta a gaze. — Sobre os seus pesadelos e estar em chamas, acho que...
— Ficou no seu subconsciente, imagino. — Ela completa minha explicação com um sussurrar culpado que me dói nos ossos. Não é sua culpa, nunca foi. Eu entreguei a Pedra Chitauri para Ned e os coloquei naquela situação. Engulo em seco um possível engasgar quando as suas mãos mornas se pousam sobre meus joelhos e se aproxima mais, as irises inundadas de culpa enquanto se junta mais a mim. — Me desculpa, não imaginei que...
— Eu tentei entrar no seu quarto. — Assumo trêmulo e envergonhado ao sentir seu perfume intensificar-se no espaço entre nós. Me sinto nojento dizendo tais coisas no estado em que estou, com suor escorrendo por meu queixo e ficando sem ar com sua mera aproximação. Encosto a cabeça na parede e seguro meu cabelo úmido de suor ao fechar os olhos. Não consigo olhá-la nesse estado. Ela não merece mais esse problema. — Te chamei, mas acho que estava dormindo e eu não sabia a sua senha e não quis quebrar a porta do Tony. — Apesar do peito pesado e a leve dificuldade para respirar, a situação me dá vontade de rir e eu o faço, incerto se é uma risada ou um choro embolado que me escapa. deve me achar patético e eu não a julgo por isso. — E pensei ser outro sonho e vim para cá porque…
— Porque queria sentir alguma coisa. Eu sei. — Seus olhos expõem algo além da pena que imaginei que sentiria por mim ou a preocupação. me entende e seus olhos são o exemplo mais puro de compreensão e carinho. Observo imóvel enquanto ela encara os itens que removeu do kit de primeiro-socorros e simplesmente o empurra para fora de seu caminho, esse tal caminho que é até mim e termina com os seus braços macios ao redor do meu pescoço e seu peito pressionado no meu apesar do suor que outrora seria repulsivo.
Como as rachaduras que o fogo faria em mim em meu pesadelo e enfim me mataria pelo que fiz contra ela, o abraço de é abrasivo como as mais furiosas chamas. Só preciso de um pequeno instante antes de conseguir superar o medo de feri-la de novo; um único segundo sendo necessário para que eu deseje me afundar em como fiz uma vez. Passo os braços por sua costa e a trago em minha direção, querendo ser pequeno e poder me esconder nela. Somente até a dor e o medo passarem, ou até ela não me querer mais. Respiro seu cheiro e sinto seu cabelo grudar em meu rosto, porém não poderia me importar menos quando relaxa contra o mim, seus músculos menos rígidos enquanto pressiona o nariz no meu pescoço.
— Eu sei, Pete. — Minha garganta se fecha quando ela sussurra ao me confortar, me segurando mais próximo dela ao me abraçar com as pernas também ao encontrar pouso em meu colo. Nunca segurei uma garota dessa forma, mas não é de teor sexual algum, não com sendo tão gentil e não nesta exata situação. O seu peso é confortável e sinto meus olhos lacrimejarem quando a seguro com mais afinco e ela retribui a intensidade, respirando em meu ouvido. — Mas já passou e você precisa respirar, ok?
Meu concordar é arrastado na coluna morna de sua garganta, enquanto lhe sinto engolir em seco ao intensificar o abraço para me acomodar melhor. Tentar controlar o choro e o pânico que sinto é difícil, mesmo com o infinito conforto que encontro na presença de e no seu respirar regulado, assim como seu afagar no meu cabelo enquanto minhas lágrimas e suor se unem e formam uma poça no seu pijama. Apesar do estrago que causo, se mantém presente e mantém o seu coração cheio de carinho ainda que eu não o mereça, diferente do que ela se convenceu. Seu convencimento me atinge no alterar no ritmo de sua respiração, assim como o leve tremular se suas mãos em mim, uma única lágrima sua pingando na minha nuca. Detesto com todas minhas forças vê-la chorar. É uma dor física brutal, principalmente sabendo que sou o culpado por suas emoções ruins. Em retribuição, a seguro com mais força, meus braços que se cruzaram em sua costa lhe amparando quando me agarro na sua camiseta.
— Peter? — Sinto seu braço se desvencilhar de mim e as unhas curtas se cravam em meu ombro. Não ouso me mover além de um leve assentir, temeroso em estragar o momento como sempre acabo por fazer. — Vamos fazer uma coisa, ok? — Sua proposta é delicada, dando espaço para uma recusa que também jamais deixaria minha boca. pode me arrastar para o inferno se desejar. Engulo em seco enquanto ela se move em meu colo e eu me mantenho imóvel, preocupado que, se a ajudar, posso tocá-la de forma imprópria apesar do seu ajoelhar colocar seu peito em minha linha direta de visão. Lutando contra o embaraço, eu fecho os olhos ao sentir suas mãos em meu rosto e o beijo casto que pousa em minha testa ao direcionar minha face para o espaço morno acima de seus seios, suficientemente à esquerda, de forma que seu coração soa mais alto. Minhas mãos começam a tremer. — Sei que é estranho — Agora ela também soa temerosa pela situação. — Porém eu quero que tente ouvir o meu coração, pode ser? — As suas carícias cuidadosas atrás de minhas orelhas, os dedões fazendo o mesmo em minha mandíbula são tudo o que preciso para nunca discordar dela. — E tenta se concentrar no ritmo, tá bom?
Consigo entender sua intenção pois é exatamente como tio Ben me segurou no dia que enterramos meus pais e depois de duas semanas, eu enfim entendi o que havia acontecido. Mamãe e papai foram enterrados no Cemitério Calvary onze anos atrás, perto de onde minha avó Martha foi enterrada e eles me levaram para a visitar. Lembro de ter feito perguntas sobre ela e meu pai dizer que ela havia ido descansar e eu não poderia mais a visitar. Quando a ficha caiu, lembro de chorar o caminho inteiro para o apartamento e durante a noite inteira. Meus pais só tinham ido para uma convenção e agora estavam sete palmos abaixo da terra. Então, da mesma forma amorosa que me segura em seus braços, tio Ben me abraçou naquela noite e pediu pra que eu ouvisse seu coração. E da mesma maneira que faz, ele conseguiu me acalmar no meio da tempestade.


é o mais próximo que consigo ter de um nível de normalidade desde que a picada me deu tantos poderes que “normalidade” se tornou um conceito tão volátil. Antes dela, sentia que estava vivendo com um pé em cada mundo com as mentiras, mas não há nada disso mais. se tornou um ponto de equilíbrio ao encontrar pouso em mim da mesma forma que também encontrei paz em sua presença. Não preciso mentir para ela, afinal ela está ali em todos os lugares. Em Midtown, no Queens e aqui. O exato ponto de equilíbrio que me puxou para um estado de paz. Ainda assim, sua presença se torna mais preocupante agora, seja com todos os sentimentos que seu mero respirar faz borbulhar em meu peito, ou com os seus pesadelos que ameaçam lhe tirar de nós. Eu temo da mesma forma que o Sr. Stark pela sua segurança. Temo que um dia ela vá longe demais ou seus pesadelos, suas visões, a arrastem para longe.
Temo um dia não mais lhe alcançar.
— Pete, preciso cuidar das suas mãos. — me lembra e desperta com gentileza.
Não — E eu considero o quão ridículo é me negar a lhe deixar se afastar de mim, mas minha vontade de a ter perto é maior que qualquer embaraço. Não sou contra implorar, principalmente quando se trata dela e seguro sua camisa com a outra mão, evitando tocar em seu corpo e acabar lhe machucando com minha ansiedade. — Fica. — Sussurro com o rosto soterrado no tecido macio que cheira a e o chocolate que dividimos antes de irmos para nossos respectivos quartos. — Por favor, fica. Por favor, , não vai embora. Não. — Está além de mim a compreensão do que estou lhe implorando agora, o pedido sendo muito mais profundo do que eu havia imaginado que seria. Estou incerto se estou me referindo a afastar-se momentaneamente agora ou deixar-me algum dia. — Fica.
— Tudo bem. — não hesita em assentir. — Vou ficar mais um pouco. — Ela volta a ocupar meu colo, as pernas relaxando após ter ficado tanto tempo de joelhos e eu recebo seu peso com o mesmo cuidado de antes, somente segurando a sua cintura para lhe equilibrar e evitando me distrair em como o camisetão esconde seu corpo. Inclino-me para tentar encostar a testa em seu ombro, no entanto suas mãos cuidadosas me impedem e erguem meu rosto para ela. Mantenho os olhos fechados por uns instantes, contemplando se irei suportar olhar para o seu rosto. Então percebo que olhá-la é tudo o que desejo e afasto minhas pálpebras devagar, a longa cortina que o seu cabelo forma me protegendo da luz forte da Arena.
Nova Iorque é a cidade e o ponto de partida de grandes modelos, a grande maioria se mudando ou surgindo daqui para as passarelas mundiais. Muitas atrizes também passam pela cidade. É um ponto-alto de morar em uma cidade mundial. No entanto, não me recordo de nenhuma ter alcançado a mesma beleza de ou sequer chegar perto.
é alta e seu corpo entrega os anos de treinamento que deve ter feito, sem permitir que seja tão magra como as modelos que Ned e eu vimos serem fotografadas no Central Park há umas semanas. E o seu rosto não é tão feroz como os das modelos, também, mas é o mais lindo. Com declives e ângulos marcados abaixo de suas bochechas e lábios com rugas engraçadas nos cantos. possui um forte ar de autoridade que é difícil, em uma primeira interação como as que tivemos antes de tudo, considerar que nós temos a mesma idade. A natureza disso se torna mais evidente ainda em seus olhos sérios, que não escondem a luz da genialidade voraz. Isso até ela sorrir, como faz levemente para mim agora como um anjo. O seu rosto inteiro se ilumina com o mais tímido sorriso, como o Sol saindo de trás de uma nuvem.
— Ei, está tudo bem! — Me esforço para não fechar os olhos ao sentir seus dedões acariciarem minhas bochechas. A ver dessa maneira tão serena, senti-la tão perto e com a forma que me trata agora… É tortura. — Eu estou aqui. Você me salvou, lembra? — O esforço duplica pois não quero dizer que me lembro de lhe salvar em Washington e como sentei do seu lado no ônibus de volta porque tinha medo que iria desmaiar como fez ao chegarmos em Nova Iorque. Não conto que Happy estava apavorado no telefone com a Srta. Potts enquanto a carreguei para o carro de luxo. Não conto que, se fosse escolha minha, ela jamais teria ido na viagem se soubesse que acabaria daquela forma. — Lembra o que disse mais cedo? Que ia me proteger? — A sua voz é doce como o sorriso que usa para me convencer. parece quase angelical em meus braços. Eu assinto. — Você vai me proteger igual fez em Washington e eu vou te proteger, ok? Sempre vamos estar lá um pelo outro, não é? — Neste ponto, não sei qual de nós precisa desta confirmação. Seu rosto não oculta sua preocupação. — Eu estou aqui com você, Pete.
Sopro o ar que havia segurado assim que sorriu para mim, inclinando-me de novo para frente somente para sentir sua respiração soprar de volta em meu rosto quando deixo minha testa encostar na sua, seu nariz roçando minha bochecha ao respirarmos e tentarmos manter o controle de nossas emoções. Então, há um toque delicado de uma superfície molhada em meus lábios quando respiro fundo e me arrependo ainda mais de tudo o que fiz, suas lágrimas queimando em meus lábios quando enfim descansa em meus braços e deita sua cabeça em meu ombro. Pressiono a palma de minha mão em sua coluna para a apoiar e a outra mão em sua nuca, sentindo os fios de seu cabelo pinicarem minha mão ferida, mas não me importo com o incomodo quando ela encosta o nariz em meu pomo-de-Adão e posiciona sua mão em meu coração.
— Nós vamos ficar bem. — promete uma última vez.



(Dois meses desde o início da Fase I do Projeto Artemis)

Já se passaram três meses desde que primeiro fui informada sobre o Projeto Artemis.
Os dois meses iniciais somente foram suficientes para que eu passasse por um só setor da Stark Industries antes de ser necessário me juntar a minha mãe em seu escritório na presidência, um dia após a assinatura do convênio celebrado entre a S.I, Oscorp e o Médici Laboratories. Claro que, mesmo após quase dois meses de início do projeto, a costumeira celebração dos novos laços ainda não ocorreu e tudo tem sido mantido por baixo dos panos — com carregamentos chegando no meio da noite e cientistas britânicos, italianos e franceses ocupando cinco andares inteiros da Torre pelos próximos meses.
Meu pai já comentou sobre seus planos futuros de, junto à Margareth Médici e Norman Oscorp, anunciarem a sua parceria, mas não parecem ter planejado muito. A dificuldade para tal pode ser a agenda cheia de todos, ou o fato de meu pai fugir de Norman como se ele fosse a praga. E infelizmente não encontro justificativas para que ele pare de fazê-lo, apesar de ter conseguido evitar Osborn nos últimos meses por quase sempre ficar no escritório sem possibilidade de condicional por pelo menos 6 horas após a escola.
Entretanto, trabalhar com Pepper é edificante.
Pepper Potts, CEO da Stark Industries e o terror dos antigos sócios de Tony que flertavam ou a importunavam quando era a secretária dele. Não me recordo do número de vezes que vi homens riquíssimos e mais poderosos que o próprio presidente secarem os rostos suados antes de entrarem no escritório dela. E não ajuda que ela tenha instruído suas secretárias a manterem a temperatura elevada na antessala. “Fria como uma cobra” um deles já havia pensado após apertar a mão de minha mãe, ao mesmo tempo que se lembrava como era “Muito mais divertido quando o Tony não estava aposentado” e o recebiam com um whisky sem gelo.

Para: Pete <3 [16:09]
Você quer café?

De: Pete <3 [17:01]
Não posso sair do laboratório. O Dr. Richards está dando uma palestra sobre o sistema dele.
Já comeu alguma coisa?

Para: Pete <3 [17:39]
Reed Richards?
Aham. Comi uma barrinha de proteína que alguém colocou no bolso do meu vestido.

De: Pete <3 [17:41]
Esse mesmo.
Não faço ideia de quem pode ter feito isso. Mas a barrinha é de amendoim e caramelo, sua favorita.
Te vejo às 19h aí em cima, ok?

Para: Pete <3 [17:59]
Arrasta o meu pai com você.

Deixo o celular escorregar novamente para meu bolso, voltando a me atentar aos oito homens que estão no escritório e tentam decidir quanto da quota de suas plataforma de extração de energia irão ceder como garantia do contrato a ser firmado. Apesar de suas vozes serem baixas, a agitação deles não é tão facilmente contida com os resmungos e trocas de olhares. Os dois mais velhos parecem satisfeitos, pois acham ser uma troca justa e que sairão ganhando. Os três engenheiros detestam a ideia, pois sabem que o valor de mercado para gás não-convencional está crescendo e talvez percam a garantia. Os cinco irmãos, donos da empresa, não entram em um acordo decente há décadas e por este motivo minha mãe os deixou por último.
Minha mãe, enquanto isso, os ignora com um talento inimaginável.
A Srta. Pierce, sua chefe da secretaria, está bem atrás dela e, entrando em sua mente, posso ver o que Pepper pesquisa em seu computador: restaurantes que servem comida coreana. Meus lábios doem quando os prendo dentre os dentes, tentando não rir de toda a situação. A Família Yeoh está perdendo a cabeça para firmar um simples contrato de fornecimento de insumos e Pepper está tão segura que conseguiu sentir fome.
— Estamos dispostos a oferecer como garantia uma quota de 4%, Srta. Potts. — Um dos irmãos disse, apoiando o cotovelo na cadeira.
Pepper ergueu os olhos para ele, no meio da montagem de um prato.
— 4% equivale a quanto? — Ela me olha, entediada ao extremo.
— US$ 7.265.563,87, Srta. Potts. — Meu posto inclui ser a calculadora do escritório.
Ela não os responde e volta a montar o rámen com os ingredientes favoritos de Tony.
Os irmãos e seus engenheiros demoram mais trinta minutos, em meio a sussurros em coreano e anotações de suas secretarias e estagiários que também lotam o escritório, para optarem por oferecerem 21,01%. Minha mãe assente ainda muito desinteressada e vira-se para a Srta. Pierce, solicitando que seja elaborada uma minuta, o que arranca muitos suspiros aliviados dos homens ali presentes.
— Os senhores irão dispor de 45 dias para a análise contratual, sem ser disparado novo prazo para contatarem a Stark Industries quanto ao aceite das condições e dispor da garantia, nesse caso... — Navego pelo arquivo em meu StarkPad que requereu 4 senhas para ser aberto. — Suas alíquotas definidas nesta data, que a KTH Holdings dispõe nas plataformas extrativistas de gás de xisto no Brasil.
Foram necessárias algumas tentativas para que minha voz parasse de falhar ao me dirigir aos convidados de Pepper e outros funcionários de cargo elevado da Stark Industries. Tempo demais para Tony, que decidiu lembrar-me que em certo tempo, serão eles a tremerem quando me vissem. Foi o suficiente para Pepper o reprovar e para Peter engolir em seco.
— Sim, sim. — O irmão mais velho concorda enquanto se levanta e fecha um dos botões do seu paletó. Contenho minha vontade de revirar os olhos e o ofereço um sorriso educado, fingindo cortar minha faladeira, mesmo que tenha sido apenas o essencial. — Essas menininhas... Pelo menos quando o Stane era responsável, elas usavam sainhas curtas… — Ele cochicha em sua língua materna para um dos seus funcionários quando lhe é entregue sua bengala. Mordo a língua quando quase todos os olhares sujos se dirigem a mim, menos o de uma das secretarias deles. Ela apenas puxa a barra de sua saia para baixo, equilibrando os casacos e pranchetas dos homens. — Foi um prazer revê-la, Srta. Potts. Muito lhe agradeço por sua hospitalidade.
— Vou aguardar notícias, Dr. Yeoh. — Minha mãe responde com um aperto firme de mão.
Acompanho os quinze homens até a porta do escritório, onde uma estagiária os aguarda para escoltá-los até os elevadores e enfim os tirar de meu campo de visão.
— Obrigada pela visita, seu comprometimento e generosidade, senhores. — Dou o meu sorriso mais amigável que merecem. Provavelmente, é tão amigável como o de uma víbora. — Eu irei pessoalmente repassar para a Srta. Potts seus apontamentos quanto ao uniforme das funcionárias. — Um dos irmãos, o mais novo que deve ter na faixa dos 40 anos parece ter levado um tapa no rosto. O silêncio deles no longo corredor me faz sorrir um pouco mais enquanto se afastam. — Bom retorno.
Jogo o SrarkPad no sofá perto da porta quando finalmente a fecho, ouvindo a risada de minha mãe enquanto continua clicando em ingredientes. A Srta. Pierce se despede, coletando os seus pertences e avisando que o contrato estaria redigido pela manhã. Ela deseja uma excelente noite para Pepper e me chama de Srta. Black ao pedir que eu bata o ponto antes de sair da Torre Stark e que seja cuidadosa no metrô.
A Srta. Miranda Pierce não sabe quem sou, imaginando que sou sobrinha de uma das funcionárias responsáveis pela limpeza e que Pepper achou promissora o suficiente para contratar. Eu já havia solicitado que minha mãe lhe contasse a verdade, mas ela diz ser bom demais ouvir elogios sobre o meu comprometimento sem serem mera puxação de saco.
— O que ele falou? — Mamãe indaga enquanto sento.
— Que quando o Obadiah Stane era o Co-CEO, as funcionárias usavam saia mais curtas. — Evito cuspir as palavras dele, mas a minha repulsa é grande. Desde que se tornou responsável, Pepper instituiu um novo protocolo de uniformes, prezando pela modéstia de suas funcionárias com calças e vestidos que as preservem do olhar sujo de homens como GoMin Yeoh.
— Ridículo... — Pepper balança a cabeça, o rosto torcido em incredulidade. Não conto que ele estava se direcionando a mim, pois realmente precisamos dos insumos da KTH Holdings. — Na próxima vez, não seja tão explícita ou os ameace dessa forma, tá? Desestabiliza ainda mais só dizer que vai me passar suas transcrições depois.
— Sim, mãe. — Suspiro ao esfregar minhas pernas por cima do vestido jeans escuro. Louboutins são a marca registrada de sua gerência, mas os detesto. — Eu posso tirar esses saltos? Minhas panturrilhas estão me matando.
— Claro! Hoje você fez.... Três horas e sete minutos! — Sorri gentil ao olhar no relógio. — Bom trabalho, bebê! — Chuto os saltos e me deito, cobrindo o rosto com uma almofada. A ouço bufar e o som do pedido sendo enviado para o restaurante. — Uma das coisas que mais me preocupava com você é quanto a essas negociações frente-a-frente. Principalmente com homens como os da KTH. Tão antiquados como eles.
— A pior parte é que, apesar de você ser muito mais influente que eles e serem eles o elo mais fraco da negociação, ainda conseguem agir com esse ego enorme. — Removo a almofada do rosto e a olho, notando que Pepper sentou-se na cadeira anteriormente ocupada por um dos irmãos Yeoh. — Como se fossem eles a segurarem as rédeas e você dependendo deles, quando na verdade é o contrário e dentre mais de duzentas empresas, eles foram a sua escolha por serem os com o sistema de envio de cargas tão antigo quanto o Sol, que é alvo de inúmeras reclamações de outros contratantes… — Me sento quando a irritação começa. — E nós só queremos a quota deles para produzirmos energia.
Minha mãe concorda lentamente, balançando a perna.
— Filhota, você acabou de descobrir o que é o complexo de superioridade masculina — A sua expressão não demonstra muita surpresa, mas sei que Pepper também detesta a situação. — A questão é que você precisa se mostrar profissional e amigável o suficiente para que confiem em você como uma profissional e ao mesmo tempo, não te achem uma megera. — Ela explica, cruzando os braços. — Bom, é isso o que dizem. Então eu lembro que o seu pai é um chato sarcástico — O comentário me faz rir. — E ainda assim é visto como profissional.
— Quem é profissional? — É a pergunta feita por Tony antes mesmo dele entrar na sala, a sua voz tão alta que a ouvimos aqui de dentro. Pepper me dá uma piscadela e faz um sinal com seus dedos, indicando que podemos voltar para o assunto depois. Abrindo a porta com um bufar de desdém que serve para mascarar o cansaço, meu pai entra no escritório, a camisa do AC/DC com pó de donut.
— O Dr. Reed Richards. — A voz da minha pessoa favorita soa e eu viro para ela.
Peter entra em seguida, fechando a porta atrás de si antes de me olhar.
Imaginei que depois de um tempo, as borboletas no estômago e o carinho imenso iam se dissipando, mas estava errada. Quando ele sorri para mim, quero rir com o tanto que o adoro, tanto que não me importo que meus pais estejam aqui e me sento no sofá quando chega mais perto e ergo a cabeça, aguardando um dos seus beijos incríveis. E, como sempre, Pete não me desaponta ao encostar os lábios nos meus em um selar casto e educado no intuito de não alertar nossa audiência.
Da última vez, Tony fez um som de vômito.
— Ei, você — Ele cumprimenta quando lhe dou um espacinho para sentar-se, mesmo que tenha voltado a me deitar. — Perdeu uma aula incrível… — Sussurra para mim ao se inclinar remover o clipe de meu crachá. — Black. — Peter lê o nome que não mais se refere a mim como se ele fosse de uma pessoa desconhecida. Quem é Black? — Desculpa pelo café, .
— Ei, você — Suspiro com o que imagino ser um sorriso. Tenho fingido tanto nos últimos tempos que, se minhas bochechas não doem, não sei se realmente estou o fazendo. — Se te faz sentir melhor, você perdeu uma tarde incrível, Parker — Ele ergue um pouquinho as sobrancelhas e me dá o sorriso mais culpado do mundo. Eu balanço a cabeça. — Sinceramente, eu tomei café suficiente por uma semana só nesta tarde. Tudo para sair dessas reuniões. — Falo mais baixo, para que Pepper não me ouça.
— Não vai mesmo falar com os seus pais sobre isso? — Peter sussurra de volta, apoiado em uma almofada e manobrando minhas pernas para que fiquem por cima de seu colo. Ele quase se deita na costa do sofá para ficar mais perto de mim e eu seguro sua mão.
— “Mãe, eu acho o seu trabalho muito chato e quero ir para o laboratório do meu pai”? — Murmuro baixinho contra os nós dos seus dedos. Peter pende a cabeça para o lado, avaliando a proposta ao afagar meu tornozelo com a outra mão. É tão carinhoso e compreensivo que dói. — Se o meu pai me contou e permitiu ajudar com o planejamento, vai me chamar para fazer parte da equipe — Não sei quem conforto, mas Peter assente, levando minha mão para seus lábios e a beijando. Eu o olho, rezando que meus olhos possam demonstrar o quão grata eu sou por ele existir. Um outro selar na ponta dos meus dedos confirma que ele sabe. — Vou ser paciente.
— Essa eu quero ver! — Sua risada é como mel e eu reviro os olhos, afastando o seu rosto com suavidade. — Stark sendo paciente… — Parker balança a cabeça, continuando a gracinha.
— Ó o exagero de chamego aí… — A voz de meu pai perfura a nossa pequena bolha e eu o olho com minha melhor expressão de cansaço. É a mesma que usava com Natasha e Steve Rogers quando me levavam para correr de manhã cedo.
Tony faz a maior e mais debochada careta do mundo ao pegar a carteira do seu bolso enquanto se aproxima de nós.
— Dez minutos para o entregador chegar com o jantar — Informa ao remover o cartão das entranhas da carteira. — E não me façam pagar multa porque se perderam no caminho igual segunda-feira. — O seu olhar acusatório se divide entre mim e Peter. E ao contrário de meu namorado, que somente finge estar muito interessado no piso de mármore, eu dou um sorriso amarelo para meu pai. — Palhaçada.
— Deixa as crianças em paz — Pepper reprova, sentada em sua mesa e removendo papéis de cima dela para que possamos jantar ali. Tony se vira para ela com uma pose absurda, incrédulo. — Eles são estagiários agora — O sorriso dela é gigantesco e entrega que também vai aproveitar para nos zoar. Peter não consegue evitar rir e eu me sento, assentindo e pressentindo a humilhação que irá nos acompanhar por uns bons meses. — Recebem meio salário-mínimo e têm direito a serem tratados como gente.
— E desde quanto estagiário tem a prerrogativa de tratamento humanizado? — Tony ri.
— Nunca, pelo visto — Reclamo ao balançar um dos pares de sapato. Pete estala a língua ao olhar o instrumento de tortura e eu estou calçando o primeiro salto quando ele comenta após um suspiro:
— Entre dignidade e meio salário-mínimo, fico com meio salário-mínimo.


— Você acha que eu deveria me vestir de forma diferente? — Questiono a Peter enquanto aguardamos o elevador. — Ou se tem algo de errado em como eu me visto?
— Que tipo de pergunta é essa? — É a sua reação imediata e, além de me fazer rir, ela assenta parte das minhas preocupações. Sua mão está firme na minha, afagando minha pele com cuidado enquanto balança as nossas palmas no curto espaço entre nossos corpos. — Não tem nada de errado com a forma que você se veste, . — Peter me olha e levanto o rosto para lhe dar a mesma atenção. Ele me analisa de cima a baixo, mas de forma muito diferente dos homens de mais cedo. Peter está em busca de algo que eu não aprove, ao em vez de algo que falta para a sua aprovação. Quando os seus olhos encontram os meus, noto que ele está confuso com a pergunta.
As portas do elevador se abrem e nós entramos, Pete pressionando o botão do acesso.
— Um dos industrialistas coreanos que veio falou sobre a Stark Ind. em geral, e as roupas que as funcionárias vestem. Sobre serem sem graça. E ontem um engenheiro pensou que se eu sorrisse mais, não pareceria tão fria. — Não lhe conto todas as outras interações mortificantes que tive nos últimos meses, somente as mais recentes, mas, pelo reflexo da porta, noto que Peter já franziu o cenho em desaprovação. Eu aperto seus dedos e respiro fundo. — Me faz pensar se não estou sendo tão agradável como deveria.
Ele balança a cabeça e se apoia em uma das paredes. E eu o sigo sem pensar.
— Você é a pessoa mais agradável e educada que eu conheço — As palmas de suas mãos aquecem minhas bochechas quando as segura. A pele dele está um pouco mais seca pelo uso constante de luvas nos laboratórios, mas eu não me importo. Peter não faz esforço algum, pois talvez acredite nisso. E ele parece quase irritado que alguém tenha dito o contrário. — E eu posso dizer isso com propriedade pois já te imaginava dessa forma antes mesmo da gente começar a namorar! — Arregala os olhos agora. É caricato e adorável. Sua sobrancelhas estão apertadas e os lábios também, quase formando um beicinho. — E acho que você não deveria se preocupar tanto com as opiniões alheias — Quando seguro em seus pulsos e ergo a sobrancelha, Peter aperta a boca e pende a cabeça para baixo, em sinal de arrependimento. — Irônico vindo de mim, eu sei.
— Muito — Adiciono com um assentir dramático que me rende um beijo na pontinha do nariz e quase me esqueço o objeto de nossa conversa. Peter vai acabar me matando, e passar tanto tempo com ele está sendo demais para meu autocontrole. — E eu sei que não deveria me importar, mas desde que cheguei aqui, não consigo me lembrar de um dia em que não me portei da forma que imaginava ser a mais adequada para que gostassem de mim. — Justifico minha preocupação. — E essas pessoas que, aparentemente não estão tão satisfeitas assim, em algum momento, com sorte daqui há muitos e muitos anos, irão me olhar com certa... — Sou grata por ele simplesmente confirmar com a cabeça ao escorregar as mãos para os meus braços. Assim, sei que entendeu meu ponto. — Gostaria que gostassem de mim.
— Olha, eu estou aqui há umas seis semanas e, vendo a forma que o Sr. Stark e a Srta. Potts trabalham, é óbvio que são respeitados e que isso seria aplicado a você se soubessem quem é. — Peter afaga meus antebraços e eu tento não fechar os olhos, ou ficar preocupada que só gostariam de mim se soubessem quem sou. — Elas gostam do seu pai por que ele é um gênio e competente no trabalho que se coloca para fazer.
Ouvi-lo elogiar Tony desta forma é revigorante. E Peter fica lindo quando está sério.
— É um bom líder e trata todo mundo com respeito apesar das brincadeiras — Seu meio sorriso indica que também já foi alvo de brincadeiras de Tony e eu balanço a cabeça, apoiando as mãos em seus ombros. Preciso prender a respiração quando Peter abaixa a cabeça e apoia a bochecha na costa de minha mão, revelando o quão cansado também está. — Eles gostam da Srta. Potts pois era uma deles e os trata com dignidade. As pessoas gostam deles por todas as coisas que você também é.
— Peter…
— A filha inteligente, carinhosa e linda de Tony Stark e Pepper Potts. — Peter ergueu sua sobrancelha e eu dei para trás, sentindo meu rosto se aquecer até que ele ri e se aproxima para beijar minha bochecha. Me agarro firmemente em sua camisa e desvio o rosto para capturar seus lábios.
Ele me faz caminhar para trás apesar do elevador indicar já estarmos perto das garagens, mas eu não ouso soltá-lo ou evitar o ósculo. Sua boca ainda tem gosto de café e de canela, diferente do costumeiro sabor de menta que tornou-se o que relaciono a ele. Mas ainda são os mesmos lábios, as mesmas mãos gentis e o mesmo Peter de sempre, apesar de estarmos tão atarefados esses últimos meses. Seguro em sua nuca, os fios crescidos demais se infiltram entre meus dedos quando o puxo um pouco mais para perto, o seu nariz esbarrando no meu quando Peter pressiona os lábios com mais intensidade nos meus, afagando minhas costelas por cima do vestido.
Deixo meus dedos deslizarem por sua nuca para seu pescoço, sentindo o pulso acelerado abaixo de minhas digitais, minhas mãos começando a formigar. Tento redirecionar o desejo de beijar a sua garganta, mas fica mais complicado quando Peter segura em minha mandíbula e arfa abafado no momento que nossas línguas se tocam. É um som desesperado e eu o retribuo, sentindo meu coração acelerar quando seus dedos deslizam o cabelo para trás de minha orelha e acaricia minha nuca. Sinto que poderia derreter, também, quando afaga a veia pulsante em minha garganta.
“Acesso” o elevador avisa e, sem pestanejar, nos afastamos o suficiente para que aqueles funcionários que ainda estavam aguardando seus carros ou amigos no lobby da Torre, não suspeitem o que fazíamos no elevador.
Bonne soirée, Monsieur Parker! — Cumprimenta um homem baixinho com uma maleta e um jaleco com o logotipo do Projeto Artemis. Ele parece genuinamente feliz em ver Peter. — Nossa viagem para a Índia ainda está de pé?
Peter entrelaça nossos dedos quando descemos do elevador, mas segura a porta para que o homem entre, apesar de certa dificuldade com sua bengala. No entanto, somente consigo me focar na menção de uma viagem.
— Claro, Dr. Bourgouin! — Pete sorri divertido e cavalheiro.
— Muito boa ideia, monsieur Parker — O senhor elogia com uma risada franca. — Vamos nos organizar amanhã para conseguir esses scans, hein? — Ele acena sorridente para nós, fazendo um joinha para mim. — Até amanhã, Peter!
Acenamos para o idoso quando as portas começam a se fechar, mas não contenho uma risada, pois o mesmo é exatamente uma cópia francesa do Dr. Erik Selvig, que foi um dos brilhantes professores de física que Tony contratou para mim há alguns anos.
— Vai para Índia, monsieur Parker? — Questiono interessada na perspectiva de haver mais um cientista de olho em Peter, segurando não tão somente em sua mão mas em seu pulso. Pete vira o rosto para mim, sorrindo tímido e com um rubor que imagino que também apresento. — Ele parece ser um fofo, Pete.
— Dr. Bourgouin é um dos cientistas do projeto, praticamente o líder da equipe francesa e, pelo o que o Sr. Stark disse, foi professor da MIT por uns vinte anos. — A menção do MIT me anima mais. Um professor do MIT sabe o nome de Peter e gostou de uma de suas ideias! É um sinal glorioso para o seu futuro. — Ele me ouviu comentar uma coisa com o seu pai hoje e falou para o Dr. Richards — Toda a narrativa me anima e eu somente não paro de caminhar até que me diga tudo, pois já posso ver o entregador falando com um dos seguranças. — Sobre coletar scans de cidades e países com muita poluição atmosférica, como na Índia, já que os sinais precoces de câncer de pulmão seriam mais fáceis de identificar.
— Você é um gênio! — Cochicho ao beijar sua bochecha rapidamente.
Nós cumprimentamos o entregador assim que nos aproximamos e Peter o faz na medida do possível, em razão da timidez que colore suas maçãs do rosto. Além de agradecer por seu serviço, pago o mesmo valor da comida como a gorjeta, o que parece fazer o dia do rapaz que nos agradece mais vezes do que deveria.
— Sobre o que foi a palestra do Dr. Richards? — Questiono enquanto seguimos pelo caminho mais longo, a fim de conversarmos um pouco mais antes de chegar na hora de Pete ter de precisar voltar para o Queens. — E, por favor, conte todos os detalhes.
— Ok, me deixa lembrar... — Ele respira fundo, fazendo um beicinho típico. — Certo, ele começou nos mostrando alguns exames feitos em pacientes de um instituto médico alemão, as primeiras com o uso da tomografia computadorizada comum, e as outras com tomografias computadorizadas de baixa dose. — Fico atenta a cada detalhe, pois me recuso a ficar perdida quanto ao que está acontecendo no programa, mesmo que eu não seja parte dele. — Então ele selecionou as lesões, gerando uma equação com o volume em 3D de cada um. Depois aplicou o mesmo nas imagens feitas sem a baixa dose, onde foi "previsto" onde o câncer estava.
— Previsto?
— Com falhas. — Pete ressalva. Ele parece mais que satisfeito com a oportunidade de aprender com grandes cientistas. — Mas extremamente próximo. Tipo, uns 87%, .
— Certo... Então a ideia é desenvolver um sistema de inteligência artificial que vai prever a localização das células cancerígenas?
— Isso. É incrível! — Seu sorriso é enorme, com justificativa. Estão tentando prever a ocorrência de uma das doenças mais agressivas do mundo. — É um diagnóstico 100% digital, sem radiologista e cirurgiões torácicos para detectar os nódulos de baixa visibilidade — Eu concordo. É sim brilhante. Dificilmente alguém fora do seleto número de cientistas e ainda mais seleto número de estagiários teria a oportunidade de ver algo assim tomando forma. — Você se sairia muito bem na equipe, .
— Bom, não é como se eu pudesse fazer algo para conseguir entrar… — Comento sem me importar em transparecer minha infelicidade. Abro a embalagem de um biscoitinho de sorte e o parto no meio.
— Claro que não, você é a filha do chefe… — Peter suspira com falso desânimo e reviro os olhos, evitando sorrir pois ele está certo. Ainda me questiono se fiz algo errado e Tony está me punindo. — Tenta daqui hoje, tá? — Parker esbarra em mim com o ombro, me incitando. Assinto ao puxar o papelzinho e lhe oferecer metade do biscoito. — Obrigado. — Ele abocanha o doce e eu limpo a migalha no canto da sua boca.
— O problema é que eu sou a filha que ele não chamou para fazer parte da equipe, Pete. — Me justifico, pegando uma das sacolas que ele insistiu em carregar sozinho. Sua mão livre vai parar na minha cintura enquanto andamos. — Sabia que eu fico me roendo de inveja quando vejo a Gwen nos corredores com o jaleco do projeto? — Teria vergonha de assumir isso para outra pessoa, mas não para Peter.
Ele sopra um riso fraco, afagando meu quadril e eu pendo a cabeça para o lado.
— E eu tenho que usar esses saltos horríveis e ouvir pessoas chatas! — Reclamo e lhe mostro o tamanho absurdo do salto ao pararmos na passarela suspensa da Stark Tower. Peter dá um assobio que revela sua surpresa e beija minha bochecha quando imito seu beicinho. — Você sabe o que é um balanço patrimonial, Parker?
— Não, senhora. — Ele balança a cabeça e eu quero encher seu rosto de beijos.
— É um documento de quase mil laudas em que cada centavo da empresa está discriminado — Explico, uma mão na cintura enquanto o rosto de Peter se contorce em uma careta. — Extremamente chato e trabalhoso, tá? E sabe quem fez todas as contas para a Pepper ter certeza que estava correto?
— A minha namorada que é ótima em matemática financeira, né? — Mordo o interior da minha bochecha ao assentir, voltando a caminhar para que não veja o rubor em meu rosto.
Depois do jantar e depois de Peter ir para casa e Pepper quase desmaiar ao vê-lo saltando da cobertura do Torre Stark, somente para lançar suas teias em um prédio próximo e seguir para o Queens se balançando entre os arranha-céus de Manhattan, eu tento criar coragem o suficiente para enfrentar meu pai. O jantar, apesar de tranquilo, foi cheio de conversas entre Peter e Tony acerca do projeto, o Dr. Richards, scans e estudos do MIT. Enquanto isso, meu celular não parava de vibrar um minuto sequer, tudo graças as mensagens enviadas no grupo de estagiários da área administrativa, que discutiam sobre a visita da equipe de Norman Osborn que ocorrerá amanhã.
Café indiano e bolachas de leite. Evitar se dirigir diretamente a ele. Evitar contato visual. Todos os celulares devem ser descartados até a saída de Osborn da Torre Stark. Assinar, até às 10h da manhã, os termos de confidencialidade. Estagiários da classe C e D liberados de suas atividades presenciais. Todos esses sendo requerimentos e diretrizes básicas para que o responsável pelo fim dos Vingadores seja recebido em meu mais novo lar. Pensar em Norman Osborn caminhando pelos mesmos corredores que Bucky Barnes faz meu sangue ferver e foi por isso que Pepper foi gentil e me recomendou me ausentar da empresa enquanto ele estiver aqui, mas me recusei. Quero olhar nos olhos da pessoa que destruiu a primeira família que tive e tentar entender se ele considera que os seus atos foram corretos.
Apesar de já ser suficientemente revoltante imaginar Norman Osborn dentro da empresa de meus pais, após nosso retorno para o Torre Stark e seus andares residenciais, ficou mais difícil me acomodar com a sua “visita”. Com o redirecionamento do Centro de Operações para a Torre após Tony remover todos os seus funcionários do Complexo Stark, e o fato de começarmos a passar mais tempo em Manhattan, foi unânime a decisão de tornarmos a Torre a residência não-oficial da família, somente voltando para o Complexo nos fins de semana. Também, com as viagens que se tornaram mais constantes, Pepper preferiu que, sempre que eu precisasse ficar sozinha e não a acompanhasse, ficasse na Torre e não no interior.
No entanto, meu antigo quarto no andar em que os demais membros da equipe viviam, teve o seu acesso vedado. Quando decidiu visitar-nos em nosso novo lar, Rhodes comentou quanto a ser uma pequena lavagem cerebral orquestrada do meu pai. “Fingir que aqueles sete anos nunca existiram é a forma do Tony de pensar que está te protegendo das memórias. Mas é só a tentativa falha dele de se autoproteger.”. Então, aqueles seis andares onde vivíamos passaram a ser níveis fantasmas, cuja entrada dependia de uma senha especial no elevador, pois os dígitos referentes a eles haviam até mesmo sido removidos. Do andares 75 ao 82, não há nada além de um vácuo de uma vida passada.
— Pai, mãe? — Eu os chamo da ponta da escada após ficar algumas horas andando em círculos em meu quarto, até enfim decidir que questioná-los é mais maduro e correto do que fingir que estou satisfeita com a situação. — Preciso falar com vocês.
Estou tentando não demonstrar estar tão tensa com a situação que até mesmo envio uma mensagem de “Cuidado na patrulha!” para Peter enquanto espero uma resposta deles, mas somente a de Tony me alcança, sua mão surgindo por trás da cortina da sacada, indicando-me onde está. Deixo o celular sobre o sofá de couro, muito diferente do macio em nossa verdadeira casa, e vou encontrá-lo na varanda, abraçando meu corpo devido ao frio da neve que ainda não nos deixou por completo.
— Tudo bem? — Ele indaga, braços também cruzados e nariz franzido. A neve que cai em seu cabelo, proveniente do vento, quase se camufla nos fios brancos. — Cadê o casaco? Quer gripar, é? — Tony revira os olhos e acena para que eu volte para dentro, seguindo-me na direção do sofá que faz barulho quando sento.
Sinto saudade da nossa casa, do cheiro de nossos móveis e das almofadas macias, mas eu não ouso comentar com eles quando estamos na Torre. Afinal, como já disseram, todo o Projeto Artemis tem como objetivo garantir o meu futuro, no intuito de expandir os horizontes da S.I para mim, uma vez que o futuro parece ter se tornado a maior preocupação deles. Portanto, não ouso reclamar do seu esforço e das consequências dele, afinal, já sobrevivi a lugares muito mais hostis que uma cobertura de luxo.
— Queria conversar com você. — Eu me repito, observando enquanto meu pai se senta no sofá diante do meu, uma mesa longa e baixa de vidro nos separando. Há um único vaso vazio no centro e eu detesto ele. Não trouxemos os nossos porta-retratos do Complexo, então me sinto em um consultório médico. — Está ocupado?
— Não, só estava mandando uma mensagem pro Reed — Explica-se, guardando o celular no bolso. — Temos uma reunião amanhã. — Ele bate as palmas. — O que precisa?
Engolindo meu orgulho e a constante irritação, eu indago de primeira:
— Por que eu não estou no laboratório? — Minha voz é firme e eu fico satisfeita.
— Perdão? — Tony franze as sobrancelhas e olha no relógio. — Porque são nove e vinte da noite. — Mordo minha língua, ciente que ele sabe exatamente do que estou falando. E minha cara deve revelar a irritação que seu desvio me causa pois meu pai assente, fingindo só agora entender. — Você quer dizer, no projeto?
Esfrego a testa ao ficar em pé, minha irritação e vergonha crescendo. Não devia ter sequer ter descido aqui para falar sobre o projeto. Tony pensa que tudo é uma grande brincadeira.
— Eu sou inteligente, se você se esqueceu desse fato, ou o que quer que seja. — Faço questão de lembrar-lhe, tirando a mão do meu rosto e buscando não demonstrar que estou afetada com a situação, assim como Pepper me ensinou. — Eu sou inteligente. Muito inteligente, por sinal. Tive uma infância terrível, mas fui educada corretamente. Você foi parte disso. — Escorrego a mão para minha cintura, mordendo a língua quando meu pai sequer reage.
Mal consigo o reconhecer. O que fiz de errado ao ponto de ignorar minha capacidade dessa forma?
— Eu sou tão inteligente quanto Peter, Harry, Gwen e quem mais estiver lá. — Reformo minhas afirmações prévias. — A minha pergunta é: se eu sou tão capaz quanto eles, porque estou presa em um escritório e não estou no laboratório?
Tony encosta-se no sofá, entortando a boca como se fosse óbvio.
— Por que você não pediu. — Justifica-se simplesmente e eu sei que, se não estivesse tão arrasada com a pouquíssima consideração que tem comigo, iria rir.
Eu respiro devagar, erguendo a cabeça e mordendo o lábio para conter minha língua.
— Certo, entendi. — Pego meu celular de onde estava em cima do sofá, meu sangue frio ao decidir que é melhor sair de perto dele antes que comece a rir da minha cara. Certamente há algo errado e essa é a sua maneira de me punir. Talvez ainda seja sobre o atentado, ou o que for, mas esse tipo de humilhação que me desmerece é o limite que posso relevar. — Boa noite, Tony. — Ergo a barra da saia ao começar a subir as escadas para meu quarto, tentando ignorar o pinicar de meu nariz e a mágoa no peito.
— Você pediu uma vaga para o Peter — Ele prossegue conforme meus passos aceleram, falando mais alto para que eu possa lhe ouvir, mesmo que acredite já ter demonstrado que seu riso foi o suficiente para finalizar nossa conversa. — Não para você.
— É sério isso? — Freio no meio da escadaria, voltando-me para meu pai, que já ficou de pé. — O fato de eu ter pedido uma vaga para o Peter foi o motivo de você ter me colocado para fora do projeto? — Me recuso a acreditar em sua justificativa. Tony pode o provocar o quanto for, mas sei que adora Peter como se fosse seu filho e jamais iria me punir por lhe ajudar. É a mentira mais tola que já me contou. — Na verdade, não é como se eu sequer houvesse feito parte do Ártemis pois vocês nem me convidaram, ou deram a entender que eu era parte disso — Me apoio no corrimão, cruzando o braços para conter-me o máximo possível. — Então eu vou me repetir: é sério?
— Seríssimo, Madame Petulância. — Tony me imita, cruzando os braços e erguendo sua sobrancelha. Eu finjo concordar, ainda sem acreditar em sua justificativa mentirosa. — Você precisa aprender a advogar por si própria. Pelo seu benefício, não pelo dos outros. — Ele continua, sentando no braço do sofá desconfortável. — Não dá mais para te entregar tudo na mão, . Você precisa querer as coisas e pedir por elas, principalmente agora que as nossas vidas estão mudando. Que a sua vida está mudando.
A genuinidade de sua resposta me deixa desnorteada e eu mordo a língua.
— Você gosta do seu namorado e quer o melhor pra ele? Legal. Mas quem é que quer o melhor para você? — Tony não está mais sorrindo e sua justificativa começa a soar forte o suficiente para que me arrependa do pequeno desentendimento, mesmo que meu ego ainda esteja ferido. — Eu não vou estar aqui pra sempre, nem a sua mãe.
Apesar do horror da última frase, eu engulo minha irritação e suspiro.
— Eu posso fazer parte do Projeto Ártemis? — Meu pedido é feito entredentes e meu pai cerra os olhos momentaneamente antes de concordar com a cabeça com a mesma facilidade que teria há 2 meses. — Por favor.
— Claro. Tem um jaleco com o seu nome, dentro do armário que também tem o seu nome no andar 65 e que você nem se deu o trabalho de visitar, de tão certa que estava que eu te daria essa oportunidade de mão beijada. — Minha irritação e vergonha anterior se transformam em embaraço e eu me sento no degrau logo abaixo de onde estava, incerta de como isso tudo, todo esse estresse pode me ajudar e não me tornar ainda mais incerta de meu lugar aqui.
— Por que estão fazendo isso comigo? — Minha dúvida é sincera. — Me forçando a ouvir caras xingando a mamãe e reclamando da ausência de saias curtas e whisky. Dizendo que sou fria por não sorrir. E me fazendo implorar por algo que é, por mais mesquinho que possa soar, direito meu, como você mesmo disse. — Enumero os incidentes dessa única semana. — Olha, eu sei que preciso me impor, mas já...
— Precisa se impor porque é mulher. Porque vai ocupar um cargo que nenhuma mulher além da sua mãe ocupou e que, no meu caso, nenhuma mulher nunca ocupou. — Meu pai me corrige, parecendo tão insatisfeito com a situação quanto eu, e até mesmo um pouco culpado com tudo isso. — Precisa aprender a lidar com a covardia alheia, principalmente de pessoas como os irmãos Yeoh que são parceiros da empresa há décadas e acreditavam que com a direção mudando, teriam vantagens. — Eu suspiro, deixando meu cansaço e insatisfação transparecer. — Daqui em diante, você vai me pedir o que quer e demonstrar que merece, mesmo que eu já saiba. — Me forço a assentir, o embaraço esquentando minhas orelhas. — Infelizmente é a herdeira de uma indústria que nunca vai te ver como igual e precisa aprender desde cedo a galgar espaço.
— Mas...
— Mas? — Tony ergue a sobrancelha e eu suspiro. “Não tenho mais nenhum argumento” Sussurro ao cobrir meu rosto com as mãos. — Porém tem aula amanhã cedo, então vai subir para dormir e vai dormir tranquila sabendo que eu tô ficando apavorado com o ápice da tua adolescência rebelde.
— Desculpa, pai. — Murmuro sem lhe olhar, mas enfim relaxando ao sentir-lhe bagunçar meu cabelo.
— Desculpo, mas só porque na tua idade eu fazia coisa pior do que reclamar porque queria trabalhar. — Um beijo é a sua despedida. — Boa noite, Monstrinha.


Após um dos invernos mais brutais de Nova Iorque em séculos, Midtown Tech decidiu dar o pontapé na temporada de competições de lacrosse com um jogo amistoso com o time do distrito de Bayport-Blue, o que acabou por resultar em uma suspensão dos últimos períodos de aula para que todos pudessem assistir o jogo, suspensão que foi muito bem-vinda em uma sexta-feira. Desta forma, fomos liberados cerca de uma hora antes do jogo iniciar, a fim de os membros do time, os líderes de torcida e os membros do jornal tivessem tempo suficiente para se prepararem e, antes que eu sequer pudesse sair no corredor, Peter me interceptou.
Ele estava impossivelmente adorável com o moletom azul de Midtown que me emprestou na educação física há uns meses, um boné novinho do clube de jornalismo e a câmera que lhe presenteei pendurada no pescoço, o seu sorriso genuinamente animado complementando a sua beleza. Cheio de sorrisos, Peter indagou se eu sabia que o jornal tinha assentos incríveis para o jogo e que havia um para mim também. A sua animação para finalmente voltar a fotografar para o Clube de Jornalismo era tanta que nem tive coragem de lhe dizer que não sei como lacrosse funciona e somente deixei que me guiasse pela escola, pelos inúmeros carros no estacionamento e pela torcida agitada de ambos os times.
— Os dias de jogos são sempre assim? — Questionei alto, segurando firmemente em sua mão e permitindo que me guiasse pela fanfarra, tentando não saltar com cada batida dos tambores.
— Sempre! — Pete me confirma ao atravessarmos a banda que ainda ensaiava. Eu dou um aceno animado para Ned, que está soprando um trompete, mas me manda um aceno de volta. — A MJ te levava pra sair nesses dias, né? — Ele questiona, virando-se para mim. Eu não sabia que gostava tanto assim de dias de jogos.
— Vai fotografar todos os jogos? — Pergunto quando passa o braço por meu ombro assim que saímos do meio da bagunça e Peter assente, as bochechas um pouco rosadas.
Sua felicidade me deixa igualmente feliz.
— Parker! — O Sr. Harrington o chama e Peter se vira para ele na arquibancada. — Você trouxe as lentes que o Javi esqueceu na sala? — Agora segurando em minha mão de novo, Pete me leva consigo para o pequeno círculo de assentos separado para os membros do Clube de Jornalismo, também chefiado pelo Sr. Harrington. O homem parece amar extracurriculares.
— Trouxe sim, entreguei para a Misty! — Pete eleva a voz pois a banda voltou a tocar. As líderes de torcida começam a se dispersar abaixo de nós e mais pessoas lotam o espaço. Toda a agitação, que tem um motivo positivo, me faz sorrir devido ao meu coração disparado. — O Javi estava com ela!
Os dois surgem logo atrás do Sr. Harrington, e eu os reconheço pois costumam falar com Peter nos corredores e Javi Martinez estudou História Americana comigo no ano passado.
— Fomos falar com os meninos do time, professor — Misty informa, colocando o boné do clube por cima dos fios loiros e cacheados. — Mas, como sempre, o Travis botou a gente pra fora.
— Você não quer tentar não, Peter? — Javi questiona, cobrindo os olhos devido ao sol.
— Peter vai fotografar hoje — O Sr. Harrington informa e Javi dá um joinha para Peter. — Alguém pede para a Lottie ir falar com as líderes de torcida, então! — O pobre professor está rouco.
— Vou mandar uma mensagem para ela! — Misty avisa, mas seus olhos encontram os meus e ela entorta a cabeça, confusa. — Membro novo do clube? Se for, por favor, me diz que entende de design gráfico! — Ela juntou as mãos em uma súplica e eu ri, balançando a cabeça enquanto Peter remove um par de lentes de sua mochila.
— Minha namorada, ! — Igual aos demais membros do clube, Peter também está quase gritando, mas não deixa de sorrir ao me apresentar para Misty Saddeki, que estuda conosco há um tempo. — , essa aqui é a Misty! — Eu estendo a mão para ela e Misty me cumprimenta apologética. — Misty é quem faz a redação do jornal e muito bem, por sinal!
— Desculpa, eu estou entrando em desespero! — Ela se dirige a mim com um sorriso mais que gentil. Misty sempre foi bem quieta, então é surpreendente que esteja se soltando mais no clube. — Esse aqui é o Javi, ele faz resenhas de filmes e está odiando estar aqui!
— Oi, Javi — Cumprimento. — Assisti “Pânico 4”, é horrível mesmo!
— Eu avisei que as pessoas iam concordar! — Peter está gargalhando quando Javi coloca a mão no quadril e lança um olhar atrevido para Misty. Ele também começa a rir. — A Emma Roberts não tem um filme bom, é incrível!
Quando estão todos prontos para começar a fotografar, Peter remove seu boné e bota em minha cabeça, ajustando-o para que não me incomode e eu lhe agradeço com um beijo na bochecha, me sentindo mais que especial por poder ter lhe ajudado a voltar a fazer algo que ama. Peter não usa a câmera polaroid agora, apenas a digital, o que faz sentido. A polaroid está em seu quarto na Torre Stark, e até mesmo eu a uso para o fotografar quando estamos juntos, o que é quase sempre. Acredito que tem bem umas quinze fotos que fiz dele nos últimos meses. Quanto às que deve ter tirado de mim, devem ter umas trinta.
Fico bem próxima a ele, ao lado de Misty que faz anotações em seu tablet e Javi, que distribui protetor solar para todos. O jogo é tão confuso que, em certo ponto, quando Peter se senta para analisar as fotos que já tirou, eu me inclino até ele para questionar como o jogo funciona. Tão confusa quanto fiquei enquanto Harry jogava polo, estou começando a reconhecer não sei nada de esportes.
— Eu não faço ideia, — Ele responde bem pertinho ao me mostrar as fotos nítidas e bonitas dos jogadores. A câmera registra até mesmo o suor deles. Peter passa para uma foto do treinador Palmer, que está vermelho como um pimentão e me faz gargalhar, assim como Javi, que aproveita e tira uma foto direto de seu celular. Apoio a mão no ombro de Peter e ele afaga meus dedos. — Só fico de olho no treinador e quanto mais vermelho ele fica, mais perto tá de marcarem algo. — Explica com um riso frouxo, balançando a cabeça e beijando minha mão rapidamente. — Ei, a gente vai sair hoje, tá?
— Vamos, é? — A surpresa é boa.
Não temos tido tempo para ir a lugar algum, nem mesmo para o Queens, o que tornou minha rotina mais metódica que já foi anteriormente. Passo meus dias entre Midtown e a Torre Stark, seja no escritório de Pepper ou na academia, sempre na presença de Maria Hill, minha nova segurança pessoal e treinadora que tenta entender meus livros asgardianos junto a mim. Os medicamentos e exercícios têm me ajudado a ficar menos ansiosa com tudo o que meus sonhos me mostraram, mas não deixo de desejar pela oportunidade de poder me distrair de outras formas que não sejam tão exaustivas.
— Vamos — Peter apoia o queixo em meu joelho quando as líderes de torcida entram em formação para sua apresentação de half-time. Ele está sorrindo e demonstra estar empolgado com a perspectiva de fugirmos de nossa rotina agitada e atarefada. Eu passo os dedos por seu cabelo bagunçado pelo vento e seus cílios longos tremulam quando relaxa. — Cinema, pizza e Empire State. O que acha?
— Cinema? — Minha felicidade por sairmos aumenta após saber que o itinerário inclui uma ida ao cinema, local que nunca tive a oportunidade de visitar. Pete concorda enquanto ajusta e configura sua câmera, apontando para os líderes de torcida que fazem uma pirâmide humana.
— Cinema, — Pete confirma com paciência. Ele dispara inúmeras fotos, até mesmo quando a garota ruiva no topo da pirâmide dá uma cambalhota e alguns rapazes a impedem de cair. Afago o ombro de Peter com meu dedão, agradecida. — E a gente vai assistir Animais Fantásticos. — Ele sopra para mim enquanto mostra a fotografia para Misty. "Sério?" Exclamo mais surpresa ainda. Sabia que o filme estaria nos cinemas em breve e até mesmo havia feito planos para assistí-lo com MJ, porém com tudo o que aconteceu, já havia desistido. — Comprei ingressos para a pré-estreia de hoje.
Passamos o resto do amistoso em condições idênticas a como o começamos, com poucas palavras enquanto o jogo continua, com fotografias que Peter acha boas o suficiente para me mostrar e minhas expectativas atravessando o céu. Me mantive contida ao falarmos do passeio de hoje, apesar de ser o mais próximo de um primeiro encontro que teremos. Sim, já perdi as contas de quantas vezes saímos juntos, com os nossos amigos, ou apenas visitamos a casa um do outro, mas o planejamento de Peter não me deixa espaço para me questionar quanto a se tratar de um encontro.
No fim, o time de Midtown Tech venceu o amistoso, o que serviu para elevar os ânimos da plateia, cujos sentimentos efervescentes também me causaram um efeito animador. Igual ao reflexo melancólico que sinto ao visitar hospitais, a algazarra também me afeta, tanto que também me ponho de pé para aplaudir quando o time celebra o ponto vitorioso. Sinto meu corpo vibrar com a euforia dos espectadores e me questiono se todo o barulho não incomoda Peter, isso até perceber que ele usa tampões de ouvido e mesmo assim está atento para cada palavra que o Sr. Harrington lhe diz.
Peter está guardando seus materiais de fotografia quando Misty e Javi se despedem dele e de mim, questionando se irão nos ver esse fim de semana. Antes que Pete possa questionar ao que se referem, Travis Martinez está pedindo que acelerem o passo, chamando o irmão e a amiga para irem almoçar juntos.
— Tem mais algum jogo esse fim de semana? — Pergunto confusa, ajuntando a chave da picape de Peter e May que havia caído do bolso dele. Pete remove um papel do bolso do moletom e o analisa por um momento antes de mostrar para mim.
— Só na próxima sexta — Ele aponta para o calendário improvisado de datas dos jogos. — Javi deve estar confuso. — Parker dá de ombros ao terminar de guardar suas câmeras. — Vamos? Você ainda precisa conhecer o laboratório, — Com a sua mochila no ombro e um sorriso de claro incentivo, Peter estende as mãos para me ajudar a descer a arquibancada. Eu ergo a sobrancelha para ele, se mover um único músculo. É a terceira vez na semana que ele quase esquece a chave do carro. — O que foi? — Sua voz se eleva alguns oitavos, a cabeça pendendo para o lado como um cachorrinho.
— Lembra que você esqueceu a chave do carro ontem na minha mesa? — Peter bate seus dentes em um sorriso amarelo e eu enfim seguro em suas mãos, depositando o molho de chaves nelas. — A May mata você se perder a chave da picape.
Após muita insistência, May Parker aceitou uma oferta feita por Pepper e ficou com uma nova picape de alta qualidade, semelhante às outras nove que a Stark Humanitarian Fund doou para a ONG que May coordena. Logo, a picape que Peter e meu pai haviam consertado foi herdada por ele, que também foi presenteado com um curso intensivo de aulas de direção por parte de Tony e Happy. Em menos de um mês, Pater tirou a carteira que estava há um ano pendente. Claro que com alguns vícios na direção e traumas devido aos professores menos que qualificados e com uma didática questionável, mas o que importava era a sua carteira de motorista.
— Eu juro que eu sou melhor dirigindo do que sabendo onde está a chave, ok? — O rubor em seu rosto me dá vontade de rir, mas eu não o faço, ciente que deve estar um tanto nervoso por me levar até a Torre. É seu primeiro dia com a guarda definitiva da picape.
— Eu sei que sim — Garanto apertando seus dedos. — Ned vai com a gente?
— Não, ele disse que vai resolver uma questão da banda com a Betty — Pete informa, se atentando para onde piso nos degraus até estar na grama junto a ele. — Acha que ela vai botar ele na liderança, pois vai voltar pro jornal. — O som de aversão que emito não passa despercebido e Peter ri. — Aham, vai ser bem legal.
— A Betty é… — Mordo meu lábio na ausência de uma continuação adequada. — Muito inteligente.
— Com certeza. — Entorto a boca com a concordância dele. — Ela também é muito…
— Legal. — Prossigo, balançando nossas mãos.
— Aí já é exagero, .


De: Mãe <3 [12:41]
Posso escolher a sua roupa?
Achei um vestidinho lindo, bebê!


Para: Mãe <3 [12:59]
Por favooooor!
Mas brincos e colar, eu vou com os que o Peter me deu de Natal

De: Mãe <3 [13:01]
EU ESTOU TÃO ANIMADA!

— Viu, você chegou intacta, Srta. Stark — Peter sopra no meu ouvido ao caminharmos na passarela suspensa que leva para os laboratórios selecionados do Projeto Artemis. Eu lhe cutuco com o cotovelo, passando meu braço por trás de sua cintura quando beija minha têmpora. — Sem nenhum arranhão sequer.
— Nunca duvidei da sua capacidade de cuidar de mim, você sabe muito bem disso — Lhe conforto, encaixando meus dedos na curva gentil de sua cintura. É impossível não sorrir quando um só beijo em minha têmpora se torna uns cinco. — Que horas vamos sair? — Pergunto ao lhe olhar. — Não vejo a hora de comer pipoca de novo.
— É sexta-feira, então o expediente é somente até às 17h — Ele me guia, indicando esse fato novo. — E eu já expliquei para a Hill que não vou poder ir treinar, então contanto que o Sr. Stark nos deixe sair no horário combinado, acho que umas 19h? — Concordo, calculando quanto tempo vou precisar para trocar de roupa, tomar um banho e pedir que Pepper faça meu cabelo e me conte como foi a reunião com Norman Osborn. — O filme é às 20h.
— Seu chefe parece ser muito chato! — Curvo a mão em frente a boca, cochichando, pois alguns funcionários passam por nós e Peter gargalha.
Quando chegamos na ala dos laboratórios, ele segura em minha mão para me guiar até os armários e, eu comprovo a verdade das palavras de meu pai ao encontrar um armário com minha inicial e o sobrenome falso que também consta em meu crachá. Peter promete me encontrar lá fora, seguindo até o vestiário masculino para guardar seus pertences. Com a leitura de retina, o armário se abre, revelando dois jalecos com a logo do projeto e um espaço generoso para meus pertences, mas ao observar atentamente os jalecos, percebo que cada um me atribui um sobrenome diferente. Stark e Black. No primeiro, há um post-it amarelo escapando do bolso e eu o removo, logo identificando a caligrafia de Tony, em que me pede para “Usar quando estiver pronta”.
Prendo meu cabelo, calço os propés, apanho uma touca e visto minha identidade falsa.
Sigo o caminho que Peter havia me indicado e não demoro a encontrá-lo debruçado no corrimão diante de uma parede de vidro onde somos agraciados com a vista de quase toda Manhattan. Ele vira-se pra mim com um sorriso mais que satisfeito, revelando que está feliz por minha presença e eu sinto meu rosto se esquentar conforme me aproximo e ele remove o celular do bolso, estendendo a mão para que eu fique parada e ele possa tirar uma foto. Quando ouço o som do disparo, chego mais perto, percebendo que ele encaminha a imagem para ninguém mais, ninguém menos, que minha mãe.
— Apesar de adorável, a amizade de vocês está me deixando com ciúmes. — Minto. Nada me faz mais feliz que saber que meus pais o aprovam e gostam tanto de Peter. Ele me entrega o celular quando inúmeros corações surgem na tela, indicando que Pepper enviou um emoticon para ele. Não posso evitar sorrir.
— Ela pediu uma foto sua com o jaleco, Srta… — O sorriso de Peter perde um pouco de vigor quando seus olhos pousam no nome em meu jaleco, mas ele rapidamente o recupera quando me olha e eu balanço a cabeça. — Ainda não sente que está na hora?
— Não com tanta gente assim — Explico, indicando com a cabeça a janela de vidro do tão grandioso laboratório da Stark Tower. Há, no mínimo, uns quarenta cientistas dentro da sala, todos eles identificados com a logo de seus patronos no jalecos: Stark Industries, a Oscorp ou a Médici. No nosso caso, “Stark” está marcado em nossos braços direitos. — Quem sabe depois.
— Bom, quem realmente importa sabe quem você é — Ele corresponde a todas as minhas expectativas de namorado perfeito, colocando meu cabelo ainda curto atrás de minha orelha de forma reconfortante. — Reed Richards. — Cubro minha boca quando o riso me escapa, e dou um empurrãozinho em seu ombro, balançando a cabeça. — É sério! — Pete me garante, sorrindo amoroso e cheio de orgulho. — O Tony vive falando de você para o Dr. Richards: “Reed, tem que conhecer minha menina, ela fez o Rhodes andar” ou “Só tinha dezesseis anos quando criou o esqueleto” e “Vai pro MIT, com certeza”.
Me sinto estupidamente amada ao ouvir sobre pequenos momentos como esse que meu pai fez questão de dividir com um de meus cientistas preferidos.
— Melhor foi quando ele disse que eu era o seu namorado e o Dr. Richards perguntou se eu não era digno de tantos elogios assim — Peter esfrega os olhos. — E o Tony disse que só depois que eu fizer um paraplégico andar.
— E talvez nem assim!
Meu pai deixa o laboratório passando por um jato de ar frio, removendo gorro e máscara. É uma das poucas vezes que o vejo com todos os equipamentos de proteção individuais necessários para uma pesquisa do nível desta que está sendo feita. Ele se aproxima de nós enquanto remove o propé, descartando no lixo junto com o jaleco descartável.
— Sou o que teu hoje? — Ele toca no óculos que se torna transparente e permite a leitura do bordado em meu jaleco. Tony franze a boca e revira os olhos. — Noivo da tua madrinha, pelo visto. — “Tudo bem, padrinho?” Lhe ofereço um sorriso apologético que ele reconhece com um toque em minha costa. É a sua forma de me garantir que está tudo bem. — Richards vai te acompanhar hoje no teu primeiro dia e você vai ficar na equipe dele, então mantenha o logo da S.I no jaleco. Ele sabe quem é, então se apresenta pra ele e começa logo a trabalhar. — Ele informa, o gorro sendo enfiado no bolso do jaleco com uma faixa vermelha no braço direito. — Peter está na minha equipe de computação e você na do Reed de oncologia — Aponta para mim. Eu concordo. — Na semana que vem, continua com ele e depois fazemos a rotação.
— Rotação? — Questiono confusa.
— Cada semana estamos em um serviço diferente — Pete me explica. — Oncologia, I.A e fármaco. Oncologia devia ser somente da Oscorp mas… — Ele aponta para meu pai.
— Mas o Reed sabe que o Norman não é flor que se cheire — Tony justifica. — Portanto temos duas frentes de oncologia. O Osborn ainda está no prédio, então eu vou ver o que está acontecendo. Enquanto isso, você termina o nosso grande e trabalhoso projeto e vai para o laboratório agilizar os testes da sílica junto com o Reed.
— Em dois meses não conseguiram terminar o programa? — Ergo a sobrancelha e Peter abaixa a cabeça. — Está ficando bem lento, Sr. Stark.
— Mais ainda tendo que fazer malabarismo pros estagiários da Oscorp não notarem que o programa que o Norman pagou 16 bilhões para ser pesquisado e criado já existe há oito anos. — Tony esfrega a têmpora, bufando. — Volto em quinze minutos enquanto boto o Norman pra fora da minha empresa. — Olhando ao redor momentâneamente, Tony tasca um beijo rápido em minha têmpora. — Se comportem.
— Sim, senhor. — Respondemos em uníssono, o que é suficiente para Tony bufar.
Peter me guia para dentro do laboratório que é dividido em múltiplas alas e possui outros mini-laboratórios, aproveitando-se de todo o espaço do andar que foi disponibilizado para o projeto. No interior do laboratório, não tenho dificuldade em diferenciar cientistas, seus assistentes e estagiários, todo seguindo uma paleta de cores do vermelho ao verde, de forma que é fácil reconhecer Gwen Stacy na estação da Médici, delegando funções aos demais estagiários e Harry alimentando amostras sob a inspeção do Dr. Bourgouin que o orienta em um francês apressado.
— Vou terminar com o programa, mas quer que eu te leve até o Dr. Richards? — Peter questiona ao colocar sua máscara e me entregar uma também assim que termino de colocar a touca.
— Não — Balanço a cabeça. Querendo ou não, a Stark Industries é a chefe do projeto e, sendo a herdeira apontada por Tony, preciso me virar. — Vou dar um jeito. — Peter assente devagar, os olhos mais definidos revelando sua leve preocupação. — Tranquilo, Pete. — Sussurro abafada pela máscara, tocando em seu braço.
— Tranquilo — Ele repete e concorda de novo. — Qualquer coisa, estou no 1-C.
Atenta aos indicadores nos pisos e placas no teto, consigo encontrar o escritório de Reed Richards, mas não tenho tanto sucesso em o localizar, o que começa a afetar minha confiança apesar de tratar-se de uma tarefa simples. Estou tentada a tocar no colar no meu pescoço, chamar por Peter e pedir ajuda, mas ao desviar de uma cientista, lembro-me que Gwen está por perto e sua mente é de livre acesso por mim. Caminhando pelo curto corredor, invado sua mente e agilmente localizo Reed em um pequeno círculo com alguns assistentes de laboratório que identifico pelas faixas amarelas nos seus braços. Considero aguardar até que todos se distanciem para que possa me apresentar a ele, mas assim que os olhos de Gwen se dirigem a mim e ela me reconhece, desisto da ideia de ficar parada no meio do laboratório como uma tola e avanço decidida até o Dr. Richards, antes que Gwendolyn decida se pronunciar sobre minha presença.
Quando estou há poucos metros do cientista que é bem mais alto que eu, ele se vira em minha direção, segurando um copo de café fumegante. Atrás dele, um rapaz havia acabado de apontar para mim, a tempo dos olhos do geneticista se arregalarem ao pousar em meu crachá.
— Srta. Black, estava esperando por você! — Preciso de um momento para perceber que ele está se aproximando com entusiasmo, e não impaciência. Imediatamente após sua exclamação, os olhares de alguns outros cientistas e funcionários se dirigem a mim, mas ninguém mais, ninguém menos que Reed Richards, o pai da bioquímica moderna está estendendo a mão para mim e eu seria uma tola em não aceitar. — Reed Richards, é um prazer. — Ele balança minha mão de maneira intensa. — Ouvi maravilhas sobre você.
— O prazer é meu, Dr. Richards. — Lhe ofereço um sorriso agradável e recolho minhas mãos atrás do corpo.
— Seu pai me falou que tem habilidade com estudo de radiação gama, certo? — De imediato, a atenção de Gwen se foca em mim. Certo. Todos ainda querem saber quem são os meus pais. “Na teoria, claro.” Me preocupo em ressaltar. — Ótimo, mesmo assim! O seu pai é um cientista brilhante, mas a pessoa que eu realmente queria para esse trabalho é...
— Bruce Banner. — Me arrisco e o gênio concorda. Bruce, o maior estudioso da radiação gama deste século e que está desaparecido a quase dois anos. Uma chamada jornalística mencionou ser a pior tragédia científica, brincando com o Hulk e o cientista. — Estudei os manuscritos dele sobre a radiação gama e…
— O Hulk. — Seu sorriso é quase tenso quando completa minha frase. É um verdadeiro risco. — Quero contornar a mutação do nível Hulk — Ele indica o caminho para sua sala e eu o acompanho, sentindo olhares nos seguindo. — Tenho duas frentes de pesquisa nesse projeto, sendo a primeira a detecção prévia de nódulos cancerígenos e a segunda, com o apoio do Stark, minha pesquisa mais recente: um tratamento cancro através da radiação gama de alta dose.
— Uma corrida contra o tempo no segundo projeto, certo? — Radiação de alta dose, muitas vezes, é um último recurso que não leva a nada além de uma morte mais rápida.
— Sim. A maioria dos tratamentos demoram muito e, olhando tudo na perspectiva desse projeto, tempo é a essência. — Justifica-se. — Estamos detectando células cancerígenas de maneira quase individual, ou tecidos formados e muito pequenos. Mas não há como se esquecer de quem já perdeu essa janela. — Ele segura a porta do escritório para mim. — Portanto, quero iniciar os estudos com espécimes em estado avançado da doença. Todos eu consegui trazer do Egito, onde estava locado há uns meses para estudo.
No canto esquerdo da sala, alguns outros estagiários e assistentes de laboratório tratam dos tais espécimes, sendo estes ratos em jaulas de vidro. Tudo parece extremamente organizado e seu anteprojeto já é um projeto em si, com fases bem estabelecidas.
— No que posso ajudá-lo, doutor? — Entendo sobre radiação gama, assim como muitas outras coisas, mas não sei com precisão qual o meu papel.
— Quero entender a fundo as teorias do Banner, principalmente o motivo do Hulk. — Dá prosseguimento, deixando o café sobre uma mesa com uma pilha de livros. — Como o experimento dele falhou e a dose teoricamente “segura” de radiação usada por ele se tornou motivo para o Hulk.
— Meu pai comentou algumas vezes sobre o corpo do Dr. Banner não ter absorvido a radiação da mesma forma que outros absorveram se fossem o objeto do estudo — Conto a ele. — Objetos de teste como Steve Rogers, James Barnes ou até mesmo o Thor, devido a sua genética superior e habilidade de cura avançada, poderiam receber a mesma dosagem e resistir. — É a minha teoria, pois sei ser verdade. Radiação também não me fere como faria com outra pessoa e, dentre outros, o acidente de Washington é a prova disso. — Seu corpo se recuperaria de maneira integral e, talvez, destruiria as células cancerígenas durante o processo de cura. — A ideia de fazer testes com o meu sangue é um tanto convidativa.
— Bom, infelizmente Rogers e Barnes estão fora de cogitação. O Deus do Trovão, também — O Dr. Richards dá um riso baixo, cruzando os braços. — Por isso, na ausência de uma condição como a deles, precisamos reforçar os órgãos que receberão o tratamento e direcionar a radiação somente à ele, a fim de que o tratamento não seja tão fatal quanto o C.A. — Assinto devagar, contendo o meu desejo de sorrir. Estou na equipe de Reed Richards. É absurdo. — Conhece Isadora Vongricic, Liliana Pardella ou Sol Kukurizka? — O Dr. Richards indaga, segurando um calhamaço que estava na sua mesa. Pela formatação da capa, parecem ensaios e teses científicas.
— Não, senhor. — Faço uma nota mental para descobrir tudo sobre elas.
— São duas geneticistas e uma física uruguaias que estudam sobre a aplicação de nanopartículas para transporte de medicamentos para órgãos debilitados, principalmente acometidos por cirrose — Ele enfia um marca-pagina no meio do livro e o estende para mim. A peça é pesada e deve reunir pesquisas de muitos anos. — Um dos estagiários do seu… — Reed balança a cabeça rapidamente. Ele aperta a boca, demonstrando se desculpar pela confusão. Eu aceno com a cabeça, entendendo. — Um dos estagiários do Tony Stark reuniu as teorias delas em um estudo: "Emprego de nanopartículas de sílica mesoporosa para carregamento de fármacos quimioterápicos".
Peter. Meu coração salta e sinto meu rosto esquentar. Reed usará a sua pesquisa no projeto? É difícil não dizer, de imediato, que se trata do estudo do meu namorado genial, mas consigo conter o orgulho cego. Ele me estende o artigo de Peter, encapado e com um espiral azul. Peter Benjamin Parker está em caixa alta na folha de rosto. Irei pedir por um autógrafo dele, sem dúvidas. E conseguir uma cópia para May, com certeza. Ela ficará tão feliz!
— Obviamente, a quimioterapia e a radiação não ionizante são bem diferentes, mas sinto que algo pode ser retirado daí. — Tento voltar a me concentrar no homem. — Principalmente sobre como diminuir os efeitos da radiação causada pelo cobalto no resto do corpo. — Concordo veemente. — Eu nunca havia ouvido falar dessas cientistas antes por serem uruguaias e por mais da metade de todo o conteúdo científico que chega até a gente ser europeu — Reed aponta para o livro enorme que seguro. — Fala espanhol?
— Sim, senhor.
— Bom, eu não sei falar nada além de “guacamole”, então vou precisar usá-la como um tradutor. — Ele explica folheando alguns outros artigos. — O estagiário… — “Parker” Faço questão de lhe lembrar. — Parker, esse mesmo — Richards analisa outro artigo. — Usou referências latinas, e eu achei um olhar muito interessante, principalmente das faculdades sulistas, então gostaria que estudasse o artigo dele, e as teorias das doutoras que lhe entreguei. Encontrar qualquer detalhe que ele possa ter perdido na revisão bibliográfica e, se possível, entrar em contato com elas. Assim que tiver uma base, iniciamos a pesquisa de materiais com base no que formular.
— Sim, senhor.
— Quanto à radiação, vou precisar da sua ajuda como auxiliar teórica, principalmente por ter conhecimento da teoria do Banner — Ele cruza os braços, respirando fundo. — Meu contrato com o Stark é de cinco anos, mas não sei se vamos conseguir finalizar esse projeto nesse tempo. Ou se sairemos da fase de testes com animais, porém não quero que corra. Ele me contou que tem memória fotográfica, mas preciso que não somente decore, mas aprenda e se questione. — Concordo outra vez. Quero correr e contar tudo para minha mãe, pai e Peter. — Vou habilitar você no meu banco de dados, pode me entregar o crachá?
Enquanto aguardo mais instruções, folheio a pesquisa de Peter até a dedicatória.
“Para minha família e namorada. May e , obrigada por existirem.”


Quando removo o gorro no fim do dia, a minha testa arde pelo elástico, assim como minhas mãos ficam secas ao extremo devido às luvas de látex. Um dos assistentes do Dr. Richards, a Dra. Murphy me ensinou como cuidar dos ratos usados no experimento, em especial, daqueles em estado mais avançado. É diferente das ratazanas enormes e assustadoras com quem dividi cela na HYDRA; esta espécie é menor e me fez sentir horrível ao imaginar por ter de ministrar drogas. Aprendi a fazer acessos e os medicamentos corretos com a médica veterinária da equipe, também.
Imitando os demais estagiários, jogo meu jaleco num cesto de roupas perto da porta, mas o faço com pressa considerável quando ouço o já conhecido som dos saltos de Gwendolyn no corredor do lado. Agarro minha mochila e saio do vestiário antes que ela entre, somente parando de “correr lento” quando vejo Peter vestindo sua camisa de flanela do lado de fora, perto de onde nós encontramos meu pai mais cedo.
— Pete, Pete, Pete — Chamo baixo apesar da pressa em minha voz e ele está dobrando a manga da camisa quando me olha, olhos arregalados pelo meu desespero velado. Lhe dou um sorriso tonto para evitar que ele tenha um infarto e pense que alguém definitivamente perigoso está me seguindo para me matar. — Gwen, Gwen, Gwen!
Sussurro mais baixo ainda quando lhe alcanço, sua expressão relaxando minimamente ao entender o motivo de minha pressa. Peter pega a mochila do chão, sem precisar de informação adicional alguma antes de segurar em minha mão com um sorriso enorme e tão travesso quanto o meu e me incitar a caminhar com ele, usando o casaco que não teve tempo de colocar como uma coberta sobre meu ombros, o que não ajuda em nada na fuga e me faz gargalhar contra seu braço.
, querida!
Fecho os olhos por um mero segundo, o suficiente para Peter engolir o riso por sermos pegos no flagra ao tentar fugir de Gwendolyn, e nós virarmos na direção dela, que está com o seu jaleco dobrado sobre a bolsa que deve custar uma pequena fortuna. Sem jamais me surpreender, ela está bem vestida para um mero estágio, parecendo ter trocado de roupa desde que a vi mais cedo. Com uma camisa social creme e calça branca, ela parece alergica a sair de sua paleta. Mas não é nada alérgica a sorrir para nós.
— Que bom que achei vocês! — Ela sorri largo, não se preocupando em olhar para mim e sim, diretamente para Peter. Contenho a vontade de sorrir com sua coragem. “Não é como se ela pudesse ir longe com esse tênis ridículo. Quem ainda usa All Stars?”, meu bem, não havia visto você na listagem de aprovados para o estágio do projeto. Veio visitar o Peter? — Em sua mente, Gwendolyn é sádica ao se questionar se houve algum tipo de suborno que resultou em minha chamada quase 4 meses após início do projeto. E o sarcasmo quando claramente sabe que estou trabalhando para Reed Richards é terrível.
— Começou hoje sim — Peter responde por mim, sua mão em minha cintura. — Por recomendação do Dr. Stark, o Dr. Richards convidou a para a equipe dele.
Se não o conhecesse bem, poderia dizer que Peter está somente demonstrando estar orgulhoso de mim. Mas ao invocar meu pai, seu título acadêmico e Reed Richards, ele relembra à Gwen que todos estamos no mesmo nível. Talvez, uns mais altos que os outros. E a breve expressão de Gwen é o suficiente para que eu sinta uma onda de arrogância me envolver no momento.
— Sério? — Ela sorri. — Bom, lhe desejo muita sorte, querida. Não sei se reparou que ele não tem estagiários na equipe. É extremamente exigente — Gwen afasta o cabelo do rosto, de forma a expor mais de sua face e tentar me fazer pensar que está sendo sincera e que se preocupa. — Pior que ele, só o Stark. — Então, devido ao seu suspiro exausto e a ausência de um pensamento maldoso, percebo que talvez, sobre meu pai, ela esteja certa.
— O Stark é tão ruim assim? — Ignoro os comentários sobre o Dr. Richards. — É um velho amigo do meu pai.
“Ruim não. Pior. Principalmente se não vai com a sua cara, como foi o meu caso.”
— Rude e apressado — Ela responde sem mentir. — Ficou vinte minutos falando que tem uma assistente no laboratório pessoal que tem a nossa idade e é muito mais disciplinada — Stacy revira os olhos de maneira impaciente. “Uma santa, muito provavelmente”. — Peter está na rotação dele, então deve saber como ele é perfeccionista. — Essa é a única conversa sincera que já tivemos e, por se tratar de meu pai, me faz rir. Peter só coça a garganta e assente. — Ele ter te recomendando para o Richards prova que você, ou é uma robô, ou tem uma má sorte tremenda. — É bom tê-la de volta em suas raízes amargas. Concordo com bom-humor. — Mas, voltando ao que interessa — Gwendolyn joga o cabelo por cima do ombro. — Eu vou dar uma festa no sábado e vocês são meus convidados! — Ela sussurra baixinho. — Nancy Cosgrove da aula de bioquímica está me ajudando a organizar a lista de alunos, e eu não podia esquecer de vocês.
— Obrigada pelo convite, Gwen. — Peter se pronuncia, soando mais surpreso do que deveria. Me mantenho preparada para o dia que perceber que Gwendolyn está tentando, com tudo o que pode, dar em cima dele igual imagina que fiz com Harry e pode ter resultado no término dos dois.
— Um tanto em cima da hora, eu sei, mas não pensem que foi por maldade! — Seu riso é caricato. Peter sopra um riso que é claramente tão forjado quanto e me questiono o motivo de sua reação tão defensiva a ela hoje. Por este motivo, aperto seus dedos e ele retribui o toque para me confortar. — E, olha, sem muitas expectativas, hein? É um get together bem pequeno. Cento e cinquenta a duzentas pessoas. — “Se é possível chamar aquele monte de nerd de pessoas, mas ok.” — Mas não se preocupem que o catering é de morrer! O mesmo da Sarah Jessica-Parker. E, eu convidei alguns amigos para tocarem, então vai ter uma atraçãozinha ao vivo.
— Da New York Orchestra? — Indago com o mesmo falso interesse.
— Ugh, não! — Gwen sorri ao pegar o celular e chaves do carro da bolsa. — Ah, o dress code é livre, mas vou aguardar por um dos seus Chloé de morrer, .
— Pode deixar.
Gwen vai embora na mesma agilidade que surgiu, contudo, acompanhada de alguma outra estagiária da empresa de sua família, ambas com os braços dados e dando risadas.
— Você que decide. — Peter avisa e eu pendo a cabeça para trás, apoiando no ombro dele e o olhando. Quero muito beijar o sinal em sua mandíbula.
— Nós dois decidimos mais tarde — O corrijo, lhe fazendo sorrir. — Vou tomar banho e me arrumar — Aviso ao me afastar, sua mão ainda em minha cintura. — Sete, certo?
— Sim, senhora. — Peter assente e se inclina para beijar meus lábios rapidamente. — Eu só preciso levar um documento para o Tony e também vou me arrumar. — Concordo, sentindo um novo grau de ansiedade para nosso encontro. — E sim, ele sabe que vamos sair.
— Muito preparado, Sr. Parker! — Elogio e beijo sua bochecha para me despedir.
Para minha surpresa, quando chego na sala do apartamento, Maria Hill está junto com Pepper, carregando algumas malas e as estacionando perto do elevador. Eu dou espaço para elas, removendo a mochila do ombro e deixando também perto das portas duplas, confusa pelo motivo de uma repentina viagem que anteriormente não estava na agenda de minha mãe. E eu saberia, pois dois dias atrás fui quem a atualizou sobre todas as reuniões e almoços.
— Vamos viajar? — Questiono ao enfiar as mãos nos bolsos de trás do jeans que uso.
— Seu pai e eu vamos — Mamãe se explica, empilhando pastas e seu notebook sobre uma das malas. Ela se vira para mim, as rugas tensas em sua testa se dissipando com rapidez. — E é claro que não antes de ajudar você a se preparar para o seu primeiro encontro! — Seu sorriso é tão grande que consigo ignorar a viagem surpresa.
— Achei estranho, principalmente porque tinha uma teoria que o Homem de Ferro iria me seguir com um drone a noite inteira — Suspiro com as mãos na cintura. — Quando vão viajar e, se me permite, por qual motivo essa viagem não estava na sua agenda? — Pepper lança um olhar incrédulo e implicante para Hill, que apenas dá de ombros.
— Primeiro de tudo: não seria um drone, mas sim a Hill com uma equipe da SHIELD — Pepper corrige e eu nem sequer demonstro surpresa. Claro, é bem a cara de Tony, principalmente depois que se deu o trabalho de construir uma parada de ônibus climatizada e que funciona com energia solar bem na frente de Midtown apenas para que Maria se disfarçasse de mestre de obras e estivesse de olho em mim durante o dia.. — E segundo, mocinha: iremos jantar amanhã. Barbara Woodward, atual presidente do Conselho de Segurança da ONU. — Olho para Hill, que dá de ombros. Pepper acena para que nós paremos. — É um jantar de agradecimento em homenagem ao seu pai — Aponta para mim ao seguir para o sofá. — Pela prisão do Adrian Malick.
— Difícil saber que é mais impressionante: a demora em um agradecimento devido, o fato de ser um jantar em cima da hora, ou que o Tony concordou. — A sigo para o sofá, cruzando as pernas como faz. Pepper sorri, balançando a cabeça.
— “Concordou” é uma palavra forte demais, foi mais uma chantagem que fiz com ele… — Mamãe se explica, girando a aliança no dedo e piscando por trás das lentes do óculos. — E como o seu pai está muito investido na ideia de se tornar alguém que as instituições respeitem, a fim de que nada do que ele passou se repita com você, ele não tinha outra escolha senão ceder.
— Não estamos preocupadas que tentem levar a armadura do Homem de Ferro de novo? — É um risco óbvio, mas não tão provável.
Tony foi responsável por se livrar de Steve Rogers e Natasha Romanoff, as então piores ameaças que a Organização das Nações Unidas tinha contra o Acordo de Sokovia e sua efetividade. Ademais, seu comportamento no último ano foi mais que exemplar: raramente é visto em público, não intervém em questões internacionais e, mais recentemente, capturou Adrian Malick após os ataques na cidade.
— Nossa principal preocupação é no que os ataques podem resultar, ainda mais já que você não foi uma das pessoas que assinou o acordo — Ela remove os óculos, esfregando os olhos. — O convite da Bárbara chegou há alguns meses, mas eu achei interessante deixar isso para lá…. — Pepper morde os lábios, colocando o óculos novamente e tirando o cabelo loiro do rosto. — Isso é, até o Norman Osborn vir hoje com uma história de querer conhecer a “tão famosa Fênix”.
— Gostaria de estar mais surpresa — Murmuro, descruzando as pernas. — Desculpa.
— Não é culpa sua. — Mamãe me assegura sem hesitar. — Eu sei, você sabe, o mundo inteiro sabe que você é o motivo de não ter sido um desastre maior. Norman estava, como sempre, provocando o seu pai. — Ela respira fundo, demonstrando seu cansaço. Não ouso imaginar o dia que teve. Quero abraçá-la. — “Homem de Ferro, o líder dos Vingadores”... — Pep sorri sem humor. — Depois do General Ross querer informações sobre a Fênix, as provocações do Norman foram mais que suficientes para decidirmos que manter uma relação de relativa confiança e suporte com a ONU e o Conselho de Segurança é a rota correta.
Molho meus lábios, assentindo apesar do nó em minha garganta.
— Sinto que estou dando muito trabalho para vocês dois, com ênfase nas relações com outras empresas, organizações… — Sou o mais sincera que consigo pois, nos últimos meses, tenho procurado evitar ao máximo mentir para meus pais. Mas Pepper balança a cabeça, descartando minha opinião. — Quanto ao Norman Osborn, já havia imaginado que essa aproximação com ele ia ser trabalhosa, principalmente para o papai. Só gostaria de poder ajudá-los de alguma forma.
— Você nos ajuda parando de se sentir culpada por ser nossa filha! — Ela ri de verdade. Entreabro meus lábios, mas a imagem de Sophie Hawke surge em minha mente e opto por ficar em silêncio. Tenho pensado em meus pais biológicos mais do que gostaria. Foco em Pepper e no aperto gentil que dá em meu joelho, curvando-se sobre a mesa de centro. — Essas relações sociais turvas e só pensadas no futuro dos filhos não é algo exclusivo nosso, ! — Pep chama atenção. — Claro, nós não estamos puxando saco de um vizinho que pode te arranjar um emprego ou um professor por uma carta de recomendação… Só estamos jantando com a Presidente do Conselho de Segurança da ONU e formalizando alguns acordos e iniciando projetos. — Quando percebe a clara disparidade entre os exemplos, Pepper faz uma careta. — Todos os pais fazem isso. Está tudo bem!
— Fora que ninguém aqui precisou trocar fraldas sujas, então parece uma troca justa! — Viro para meu pai, que está segurando uma pasta enorme de couro e joga sua mala junto com a de Pepper perto do elevador.
— Quando vão voltar para casa? — Questiono, decidida a mudar de assunto. Se Tony entendeu o motivo da minha nova pergunta e o afastamento de qualquer tema relacionado com a minha primeira infância, não demonstra. — Gwen Stacy convidou a mim e ao Peter para uma festa amanhã. Queria saber se posso ir, mesmo que ainda não tenhamos decidido nada.
— Você não estava de castigo até 2030? — Pepper pende a cabeça para o lado.
“Eram só três meses…” Coloco o cabelo atrás da orelha, lhe lembrando do que foi decidido pelos dois. Mamãe olha para Tony da mesma forma que fez para Hill anteriormente, mas o seu amor por ele não se esconde por trás das provocações.
— O que acha, Pep? — Meu pai questiona com suas mãos nos quadris. Pepper aperta a boca, fingindo estar incerta. — Faz o seguinte: se a May autorizar o Peter a ir, você pode ir. Beleza?
“Boa!” Pepper bate as mãos, apontando para o noivo como se ele houvesse descoberto um novo elemento. Outra vez.
— Quando o Peter se tornou o símbolo de responsabilidade? — Me debruço no sofá.
— Acho que foi quando ele não escondeu ter um ferimento gravíssimo. — Pepper diz.
— Três vezes! — Tony enumera.
Certo, eu mereci.



(Dois meses desde o início da Fase I do Projeto Artemis)

Mesmo que jamais tenha ousado duvidar ou sequer questionar o senso impecável de Pepper, quando as portas do elevador se abrem no lobby quase vazio da Torre, a expressão no rosto de Peter é o suficiente para que eu reconheça e fique ainda mais grata pela excelente escolha dela.
Após um banho que durou mais do que deveria (com Pepper sentada na pia ao ouvir os detalhes de minha nova rotina no Projeto Ártemis), alguns longos minutos secando o cabelo e a mais demorada e vergonhosa lição por parte de Tony Stark sobre os perigos de cinemas escuros e “amassos” entre adolescentes borbulhando com hormônios, Pepper me apresentou o belo arranjo que havia planejado para meu encontro com Peter.
Trata-se de um simples vestido branco que reflete bem a primavera que se iniciou há pouco. Possui alças finas e uma delicada saia evasê que reflete a qualidade inegável do tecido e o elevado valor da peça que fica na altura da metade de minha panturrilha. O corpete interno abraça as curvas da parte superior de meu corpo, mas se expande junto a minhas costelas quando respiro, sem nunca ser desconfortável. Como Pepper disse, é um básico elegante e que funciona. Junto ao vestido, ela havia separado um cardigã vermelho rubi, na mesma cor do scarpin baixo que calço.
E, apesar da simplicidade da escolha de Pepper que não se desvia nem um pouco de minha zona de conforto, os olhos de Peter estão brilhando quando se aproxima de mim, a mão pesando no peito bem em cima de seu coração ao ponto que considero que meu rosto está no mesmo tom de vermelho rubi dos acessórios que uso. Porém, meu sorriso é tão verdadeiramente apaixonado que minhas bochechas doem quase na mesma intensidade que ele finge sentir seu coração reagir com minha aparência.
— Não morra antes de Animais Fantásticos, por favor — Peço ao me aproximar dele, as mãos segurando com firmeza em minha bolsa e celular antes que opte por puxá-lo para dentro do elevador comigo. — Gostaria muito mesmo de ver o filme.
É quase certo que a roupa que Peter veste é uma daquelas que foi anteriormente comprada por meu pai quando saíram para provar ternos para o casamento, sendo esta uma das poucas ocasiões em que ele usa uma das roupas novas. Lembro que comentou que May havia recomendado usar camisas sociais e suéteres para o estágio, mas que ele disse sentir como se estivesse se empenhado demais sem motivo, temeroso de como seriam os demais estagiários e que roupas chiques não fariam diferença se não o aprovassem.
Contudo, para nosso primeiro encontro, Peter não demonstra qualquer aversão a se esforçar, afinal, ele está tão polido que me questiono se realmente vamos só ao cinema e comer pizza. Eu reconheço o suéter polo azul índigo como um dos que o ajudei a dobrar no mesmo dia que meu pai lhe presenteou com um guarda-roupa quase todo novo, assim como reconheço os músculos que a roupa não oculta em sua totalidade, ou como a cor parecida com os detalhes do seu uniforme complementam a sua pele.
Juro que estou tentando não morrer, — Pete me garante com um riso bobo. — Só que você está dificultando muito!
O beijo que dividimos é casto, mas o carinho e o apreço dele é inegável pela maneira mais do que gentil que segura em meu rosto. Eu retribuo o selar brando com minha mão no espaço que sua destra ocupava antes sobre seu peito, sentindo o pulsar acelerado de seu coração logo abaixo de meus dedos, toda a ternura abrindo espaço para um infantil medo de que ele vá desaparecer no ar. Não prevejo um dia em que eu não me questione como pude ter tanta sorte.
— Tá linda — O beijo em minha bochecha me faz rir. — Sério, eu juro.
— Você também não está nada mal, Parker — Tento ser o mais suave que posso, mas o que realmente quero é o elogiar igual fiz há uns meses no Queens quando ele menos esperava e a sua reação foi adorável. Toco em seu cabelo macio, colocando uns fios atrás da orelha antes de por a minha mão na sua para sairmos. — Fica muito bonito de azul, Pete — Reformo o então elogio, me distraindo dos que fez para mim e tentando não deixar o calor de minhas bochechas deixar minhas orelhas vermelhas. — O seu cabelo também está muito lindo, sabia? Está sempre incrível, mas hoje está ainda mais.
— Eu sei o que está fazendo… — Ele comenta, mas o sorriso que ouço em sua voz e confirmo ao olhar para o seu rosto entrega a timidez que começa a borbulhar dentro dele.
— Dizendo que meu namorado é muito bonito, nada mais. — Dou de ombros, mesmo que me referir a ele como “namorado” me faça querer saltitar como uma criança. Peter solta o “Ok” mais baixo que já ouvi. — Vai me avisar se for morrer, não vai? — Instigo novamente ao atravessar a portaria junto a ele, tocando desta vez em seu pulso e o sentindo acelerar.
— Eu estou morrendo. — Peter avisa e eu abraço seu braço, o afagando para aliviar os efeitos de sua timidez, apesar de me sentir satisfeita por ser a pessoa que, desta vez, o faz sentir-se de tal forma. Agora entendo o motivo de sempre sorrir quando fico vermelha. É divertido. — Está se divertindo muito não é, Stark? — Ele leva minha mão aos seus lábios, dando um beijo na mesma.
O bistrô no prédio ao lado da Torre Stark está tão movimentado quanto me lembro ter estado na primeira noite que passei lúcida após ser resgatada da HYDRA. Devido à então pendente construção do Complexo dos Vingadores, foi para a Torre que fui trazida junto com Clint Barton no intuito de me recuperar dos ferimentos sofridos na investida dos Vingadores contra Von Strucker em Sokovia. A memória da vez que fugi da enfermaria e encostei o rosto na fria janela do 54º andar e olhei a cidade de Nova Iorque pela primeira vez ainda é vívida em minha mente. Assim como eu ainda posso sentir o sabor do chocolate-quente que Sam Wilson me ofertou após Sokovia e que foi comprado no mesmo bistrô que observo agora. Também me lembro da promessa feita por Pietro e Wanda de que, quando voltássemos, iriamos nos sentar ali como bons novaiorquinos.
Infelizmente, após a morte dele, nunca fizemos tal visita ao bistrô.
— Ok, são… — Peter olha no seu relógio quando paramos em frente à picape verde que ele parece ter se apossado de vez. Para quem não sabia dirigir há dois meses, talvez não seja o carro ideal, mas após as aulas com Happy, estou confiante nas suas habilidades. — Dez minutos até o cinema e então eu pergunto: você prefere o bom e velho Método Parker de levar porcarias para o filme, ou seremos cidadãos exemplares e vamos comprar essas coisas no cinema mesmo?
— O que envolve o Método Parker? — Indago com genuíno interesse.
— Envolve irmos no 7-Eleven ali da esquina — Pete aponta para a loja que Tony detesta por nunca ter a raspadinha de morango que ele gosta. Morango, nada de cereja, amora ou groselha industrializada. Morango. — Comprar quase um quilo de chocolate e bala de goma por dez dólares ao invés de comprarmos um Twix por U$ 6,99 no cinema.
— Método Parker. — Respondo.
— Ótima escolha!
Quando os doces estão comprados e devoro uma das embalagens de M&M enquanto caminhamos até o carro, o bistrô está fechando da mesma forma que me lembro de ver fazer nas noites em que ficava sentada próxima à janela, me recusando comer qualquer coisa que Natasha me oferecesse, ou os remédios que Tony me dava. Naquela época, o luto de Wanda era poderoso o suficiente para que se somasse ao meu. Porém, passando na frente no mesmo local com Peter, não há sinto nada além de sorte e gratidão.
— Deve ser a minha juventude regada aos excessos do cartão ilimitado do Tony que me faz dizer isso — O mero início do meu raciocínio arranca um riso de Peter. — Mas não imaginava que dez dólares rendiam tanta coisa! — Balanço a sacola com os meus doces bem na frente dele. As suas balas ácidas estão na outra. — Quatro pacotes de M&M, Pete. Quatro pacotes por cinco dólares! E o seu doce da infância horrível, é claro.
Ao contrário dos meus, o de Peter são vendidos ao quilo e ele agora tem quase meio quilo de amoras ácidas, minhocas de goma, cerejas com Tajin e marshmallows.
— Meu doce da infância é incrível! — Parker se defende com a mesma cara que Tony faz quando reclamam do café que ele passa. Aguado e sem gosto. — Você não enjoa de M&M? — É a sua gentileza de abrir a minha porta primeiro, como sempre, que não me permite lhe olhar com desdém.
— Por esse motivo comprei esse Reeces Cups! — Me defendo.
Entro no carro com cuidado, pondo a sacola e minha bolsa no banco de trás como faço quando volto com ele para a Torre após a aula. Só comprei o doce após insistência de Peter, que disse que o sabor é o mesmo de pasta de amendoim e talvez me agradasse. E sabendo que ele me conhece bem, aceitei sua recomendação. E eu também o conheço bem ao ponto que recolho minhas mãos e lhe dou espaço quando se inclina para dentro da picape, perto o suficiente que o cheiro de seu perfume fica impregnado na ponta de meu nariz quando esbarro no seu pescoço. Pete afivela o cinto de segurança com cuidado, checando a resistência do material como sempre faz.
— Sabia que eu sei colocar meu cinto? — Lembro da forma que Pepper sacudiu Tony de tão feliz que estava quando contei que Peter sempre faz questão de colocar meu cinto e faz bico quando saio do carro antes que ele abra a porta para mim. — Você tem uma leve tendência a se esquecer disso. — Brinco ao tocar em seu rosto no lado contrário a bochecha que beijo, fazendo um breve carinho na curva de sua mandíbula. Peter cheira bem.
— Eu estou aqui só pelos beijos mesmo. — Ele se afasta após beijar duas vezes o canto da minha boca. Quando fecha a porta do passageiro, é com cuidado e ele não demora muito a se acomodar no banco do motorista com um suspiro pesado ao enfiar a chave na ignição. Apoio meu braço na costa de seu assento, recolhendo meu lábio inferior entre os dentes quando Pete sopra o ar que prendeu. — Temos gasolina — Concordo. — O óleo foi trocado essa semana — Ele enumera nos dedos o mantra de todas as vezes que liga o carro. — Tem água, então não vai superaquecer — Seu olhar para mim é tão humorístico quanto esperançoso. Lhe ofereço um joínha, confiante. — Ele vai ligar.
— Vai sim — Dou um tapinha no painel grafite e que um dia deve ter sido preto. — Não vai fazer gracinha com a gente justo hoje.
— Rola um beijinho de boa sorte? — Pete pende a cabeça para mim, piscando os olhos brilhantes de forma manhosa.
— Aí não rola um beijinho de bom trabalho se precisar trocar o pneu. — A observação é inútil e nós dois sabemos, ainda mais quando me estico e beijo seus lábios de forma rápida, sem lhe dar tempo de reagir ou jamais sairemos do lugar. Esfrego as mãos de forma ansiosa quando coloca a mão na ignição. — Quero muito comer pipoca, Bruce, não faz isso com a gente…
“Bruce – a picape mais problemática do mundo”, como seu dono a apelidou, somente faz o mesmo som de batidinhas metálicas costumeiras quando Peter dá a partida, e nossas palmas ecoam pela cabine fechada; assim como riso derrotado de Peter e minha gargalhada quando rádio começa a tocar sozinho e o esguicho de água do parabrisa faz um show para nós.
— Tem que ter um climinha, não é? — Peter comenta ao abaixar o som, uma vez que o clima a que se refere é o jingle irritante do Subway da Times Square. Contenho o riso ao procurar os CDs que gosto no porta-CDs na porta do passageiro, dando tempo para que Pete lide com o temperamental Bruce. — O seu do Dayglow está lá atrás, .
— Qual é esse? — Indago mesmo que já esteja removendo o CD antigo. — KTF? — Leio as letras garrafais que Peter marcou no CD. — Kids That Fly? — Chuto e adoro o sorriso e assentir dele em troca do acerto. É uma das suas favoritas. — Ouvi “For The Night” — Guardo o CD e coloco o novo. O single novo do Dayglow é a primeira música que toca, indicando que Peter alterou a composição da playlist e eu o olho enquanto dirige pelo centro de Midtown Manhattan, passando pelo iluminado e sempre movimentado Madson Square Park. Há um outdoor de uma banda que desconheço. — Eu gostei bastante da ponte, mas “Goner” ainda é a minha favorita.
— “Trouble” também é boa — Parker comenta ao fazer uma curva no Flatiron Building, entrando assim na Park Ave, que ainda está vibrando com centenas de pessoas. Crianças saindo da escola pública mais próxima, vendedores de mapas para turistas e homens de negócios. — Gosto mais dos singles do que das músicas dos álbuns completos, não sei o porque — Quando sua mão pousa aberta e virada para mim no banco entre nós, imediatamente entrelaço nossos dedos. — Ah, a gente vai no AMC, ok? — Informa como se eu pudesse me importar com algo além da sua companhia. Sua presença é como um imediato respiro para minha mente e sei que o lugar que escolheu deve ser ótimo. — Aí de lá vamos em uma pizzaria perto do Empire State.
— Obrigada por planejar tudo, Pete — Acaricio sua mão com o dedão pois saber aonde vamos é uma grande ajuda para minha ansiedade. — De verdade.
— Eu organizei todo o nosso encontro — Me revela quando paramos em um sinal. — Tá tudo em uma planilha. — Eu lhe olho, resistindo a vontade de tocar em seu rosto pois não quero atrapalhá-lo enquanto dirige. Ele também me olha, sorrindo convencido. Não menti quando lhe elogiei: Peter é lindo. — Peguei os melhores assentos da sala de cinema que, segundo a May, são os nem muito longe, nem muito perto da saída. E a pizzaria é muito boa, também. Tipo, sem borda de creamcheese, mas é boa mesmo assim.
— Vai sobreviver a uma pizza sem borda de creamcheese? — O faço rir. — Se bem que a May diz que sua avó ia ter um infarto se te visse comendo pizza americana, então parece justo.
— Minha avó ia ter um infarto se me visse andando descalço e sem meia, — Penso em uma senhora baixinha e de cabelo branco correndo atrás de Peter na idade que tinha nas fotos que May mostrou para mim e Pepper. — Uma vez ela me levou na creche quando meus pais não estavam na cidade e a May disse que quando me buscou, eu estava de gorro e cachecol. Era verão.
Solto sua mão apesar do riso, permitindo que tenha ambas livres para estacionar perto de uma loja “engana turistas” como Happy chama. Há uma placa de imãs de geladeira de “I<3NYC” por dois dólares e noventa e nove centavos. Um imã por 2 sacos de M&M não parece a troca ideal. Apesar do milagre de conseguirmos uma vaga de estacionamento na Park Ave, ainda me sinto um tanto ansiosa pois, pelo o que parece, iremos cruzar a vizinhança esta noite e a ideia é revigorante, afinal, não lembro da última vez que saí para passear por Nova Iorque antes do acidente.
— Por favor, me espera abrir a porta, ! — Ergo as mãos, rendida após o pedido que Peter faz de maneira exagerada, voltando a pousar as palmas sobre meu colo quando ele salta do carro. O ouço lidando com as sacolas no banco de trás antes que abra minha porta, oferecendo sua mão para me ajudar a descer. — Não doeu, viu? — Provoca ao me entregar minha bolsa.
O AMC está cheio e sinto um sorriso se curvar em meus lábios, bem como uma onda de ansiedade enquanto observo as pessoas se juntarem em frente ao cinema cuja fachada é muito parecida com a que costumo ver em filmes. Do lado de fora, muitos casais, grupos de amigos e familias percorrem a entrada do cinema tirando algumas fotos, principalmente das crianças com capas como as dos personagens do filme e varinhas. Há um gigante poster de Animais Fantásticos e os Segredos de Grindelwald, assim como murais com fotos dos personagens e pessoas vestidas como eles. Posso imaginar a reação que Tony teria à cena e quero tirar uma foto para lhe mandar, mas estamos atravessando a rua e Peter deve ter guardado meu celular na bolsa.
Mais perto, o cheiro de pipoca domina o ambiente, assim como o de doces e caramelo.
— Vou pegar os ingressos, ok? — Peter me avisa quando entramos no lobby do cinema onde algumas famílias estão reunidas e há pipoca caída no chão.
— Sem problemas. — Aperto sua mão antes de soltá-la.
Peter caminha com certa rapidez até o stand de ingressos, possivelmente preocupado em me deixar sozinha em um lugar desconhecido, mas tento me entreter no meio-tempo com os posteres iluminados e todo o barulho do local. Há uma enorme área reservada para alimentação, o mero número de máquinas de refrigerantes sendo o suficiente para enlouquecer minha mãe e, ao mesmo tempo, fazer os olhos de Tony brilharem. Quando em quatro anos atrás eu iria imaginar que teria dinheiro e chances suficientes para vir ao cinema? Ao menos saberia o que é um filme, ou sequer teria interesse em algo além de sobreviver mais um dia? Parece loucura estar aqui e, a cada segundo, sinto-me ainda mais grata a Tony e Pepper por esta oportunidade de ter uma vida.
Talvez, em outra vida, nós três poderíamos visitar esse lugar como uma família — sem preocupações com paparazzis, supostos fãs mal intencionados ou um tratamento especial excêntrico. No momento que um casal mais velho passa por mim, com os braços entrelaçados e sorrisos gentis, me indago há quanto tempo meus pais não conseguem sair da Torre ou do Complexo para um encontro devido. Também, se eles sentem falta da liberdade que me ofertam hoje.
— Melhores assentos da casa — Viro na direção de Peter quando ouço sua voz chegar perto. Ele segura os dois ingressos para mim, ambos com a imagem promocional do filme. Seguro os tickets com carinho em minha mão quando Peter toma a outra na sua, me guiando até a fila da pipoca. — Nós temos vinte minutos para enfrentar a fila da pipoca, mas acho que vai dar tempo.
— Acho que sim, Pete. — Dou uma olhada na fila, sentindo o alto relevo dos ingressos com a ponta de meus dedos. Corro os dedos pela lateral do papel-cartão, sentindo as rebarbas e não contenho uma expressão satisfeita. — Nós podemos ficar com estes ingressos? Eles são tão bonitos, podemos guardá-los.
— Podemos, sim. Vai colocar em um scrapbook como a May? — Não há zoação na sua pergunta, mas um verdadeiro interesse em minhas intenções e podero a ideia enquanto nos aproximamos da fila.
— Estava pensando em guardar de recordação — Revelo minhas intenções. — É minha primeira vez em um cinema e nosso primeiro encontro, então é uma data a ser lembrada.
Os olhos castanhos dele se arregalam em uma surpresa palpável.
, essa é a primeira que... — Ele parece não acreditar, os olhos ainda bem abertos e um sorrisinho quase sem graça, mas sem motivo. — É a primeira vez que você vem ao cinema? — Concordo com a cabeça, uma pontinha de timidez ao entender sua confusão. Realmente não me lembro de ter comentado isso com ele ou qualquer outra pessoa. Nem mesmo com MJ. — Eu não sabia…
–– Devo ter esquecido de comentar — Toco no seu braço para me desculpar. — Perdão.
A fila anda um pouquinho antes de parar, mas Pete quase fica no mesmo lugar.
, você já foi à praia? Ou a um lago? Um parque de diversões? — Suas perguntas me pegam desprevenida. Contudo, é Peter que as faz e não identifico nenhum humor ou tom vexatório nelas, então somente balanço a cabeça. — Por que nunca disse isso?
Volto a lhe olhar, meu rosto um pouco quente.
— Bom, eu nunca pude sair do Complexo ou da Torre para a segurança das pessoas e “minha” — Estou falando baixinho e ele assente interessado, garantindo que pode me ouvir. Busco seus olhos, aliviada por não encontrar pena neles, somente interesse genuíno. — Então, tem um monte de coisas que eu nunca fiz. Muitas mesmo. — Dou de ombros, complacente com as limitações que me foram impostas e, mesmo que eu lhe dê um sorriso fraco, Peter não demonstra confiar nisso. Ele me conhece bem demais. — Tipo, ir em um Starbucks, num posto de gasolina tomar slushies, uma padaria, um… Não sei. Muitos lugares e experiências.
— Então a gente podia fazer uma lista, que tal? — Pete propõe ao remover o celular do bolso da calça, o desbloqueando tão rápido que nem consigo ver as horas na lockscreen. Porém, não evito o espiar com afeto, pasma com sua iniciativa ou por sequer se preocupar em saber algo assim. Resisto ao impulso de pressionar um selar em sua bochecha no momento que coloca um título: “To Do With You” e compartilha a nota comigo. — Praia, Coney Island… — Seus dedos se movem rápido ao digitar. — O que mais? Qualquer coisa que queira fazer.
Mordo meus lábios, tentando pensar em algo.
— Museu. — Aceno com a bolsa para onde imagino ser a direção geral do Museu da Sociedade Histórica de Nova York. Peter adiciona isto à lista diligentemente. — E... Piquenique? Eu nunca fiz um piquenique. Sabe aquele filme Up? Eles sobem na montanhazinha e ficam debaixo da árvore e fazem um piquenique — Reparo a sombra de um sorriso no rosto de Peter. — Ir a um casamento. Claro que vai ter o dos meus pais agora, mas...
Peter me olha, por baixo dos cílios castanhos e fica muito difícil não sorrir.
— A gente vai fazer tudo isso até irmos para a faculdade — Evito erguer a sobrancelha em desafio, mas provavelmente minha expressão me entrega e Peter cruza os braços acima do peito ao me olhar, seu nível de confiança bem alto. — Você nunca tinha ido ao cinema e aqui estamos, né? — Não menciono que ele não sabia de antemão, satisfeita demais com o rubor leve que se apossa de sua face, as sardas claríssimas das extremidades sumindo.
— Obrigada por se esforçar por mim. — Aponto com o queixo para o celular ainda em sua mão, dando agora uma olhada nos preços das bebidas no banner na nossa frente. — Cinema e tudo.
— Não tem que agradecer. — Sua voz é gentil e seu dedão acaricia o topo de minha mão enquanto andamos, os meus dedos se apertando contra sua destra quente em um reflexo. As borboletas em meu estômago estão dando estrelinhas e jogando confete quando Peter passa o braço por meu ombro, soltando a minha mão e me trazendo para a lateral de seu corpo. — Acho que dá pra gente ir ao Museu amanhã…
— Por falar nisso, como ficou a questão da festa da Gwen? — Imagino que, levando em consideração toda a situação com Gwendolyn, eu deveria abominar a ideia de ir na festa dela. Mas a oportunidade de testar algo novo com Peter ao meu lado soa confortável. Quase divertido. — A gente vai?
Corro os dedos pelo cinto dele, lembrando que também foi presente de Tony.
— Comida de graça? Por mim… — Dou risada, tentada a concordar. — Boa noite! — Ele cumprimenta o senhorzinho do caixa cujo crachá lê “Stan”. Antes que eu possa pegar o cartão em minha carteira, Peter remove a bolsa de minha mão e a segura do outro lado, demonstrando a sua aversão a minha tentativa de pagar. E obedecendo à recomendação de Pepper, não insisto, mesmo que dê uma beliscadinha na cintura dele. — Duas pipocas grandes e dois refris… — Pete me olha e eu dou uma espiada no tamanho dos copos. Aponto para o maior. — Giga.
— Estão com muita sede… — O idoso comenta e eu evito sorrir. — E fome.
— Fase de crescimento — Tento me explicar enquanto Peter aproxima seu cartão da máquina. — Adolescência é fogo. — Repito as exatas palavras de May Parker quando ela nos viu devorar quase um saco de pães de forma inteiro. Peter ri com o comentário. — E quanto à comida gratis — A menção chama sua atenção enquanto Stan prepara nossos pedidos. — Da última vez que eu fui em uma festa, fiquei na cozinha comendo pizza com um nerd…
— Dessa vez pode ser aquele quitutinhos!
O sorriso dele é puro humor ao indicar o tamanho dos quitutes com os dedos.


A vista do Empire State é assustadora, para dizer o mínimo.
— Incrível, né? — Pete tenta ser ouvido apesar do vento forte no topo do arranha-céu e eu também faço esforço, mas é para assentir, apertando a sua mão com tanta força que temo estar cortando o fluxo sanguíneo dele. A falta de uma resposta verbal lhe faz me olhar, rindo alto. — Não vai me dizer que está com medo de altura, !
Nova Iorque não passa de um conjunto absurdo de milhares de prédios, o que foi algo que percebi muito cedo quando vim morar aqui. No entanto, a perspectiva no topo do prédio mais alto da cidade é motivo para susto. A cidade, contudo, não deixa de ser linda, com as ruas abaixo de nós brilhando com os faróis amarelos e vermelhos, enquanto as luzes dos prédios são azuladas e alaranjadas. É uma vista de tirar o fôlego, sem dúvidas — tanto pela beleza da metrópole mundial abaixo de nós, quanto pela altura que estamos do chão. Estou longe de temer altura, mas, neste nível, não consigo evitar sentir-me um pouco acanhada.
O vento açoita meu o rosto sem piedade e lança meu cabelo para trás, e eu estou apoiada contra uma parede e segurando firme em Peter, tentando não tremer com o sopro frio e nem sequer me atrevendo chegar perto do parapeito. Mas, apesar do meu horror, um número revoltante de turistas fazem exatamente o que evito, se debruçando no parapeito e tirando fotos.
— A grande — Movo o rosto devagar para olhar Peter, que está secando seus olhos. O riso incrédulo dele até mesmo o fez chorar. E eu me esforço para não sorrir, mesmo que a minha reação esperada fosse brigar por rir de mim. — Tem medo de altura! — Parker gargalha ao me abraçar, seu corpo inteiro vibrando quando o abraço de volta, sem me afastar da parede ou dar um passo a mais para frente. — Meu Deus, eu não tô acreditando! — Seu riso é pressionado contra a minha bochecha enquanto me encolho, acabando por rir junto a ele ao caminharmos em passos de pinguim para dentro do prédio novamente.
Somente quando tem quatro paredes e um teto me separando de uma queda brutal, eu ouso soltar da mão de Peter, ainda um pouco petrificada, e corro os dedos por meu cabelo. Ele apoia as mãos nos joelhos e se curva todo ao rir baixinho. Suas orelhas estão vermelhas e eu suspiro, me encostando em uma pilastra para recobrar o ar que o susto havia soprado para fora do meu peito.
— Isso fica — Engulo em seco, tentando manter a pipoca e a pizza dentro da barriga. — Isso fica entre a gente.
— Tá bom, — Peter está secando os olhos de novo quando se aproxima e beija meu nariz, que devia estar gelado pelo vento do lado de fora. — Sua fobia de altura vai ficar entre a gente! — Seguro em seu casaco e aperto os lábios, aguardando um outro beijo que vai aquecer a minha boca. Peter atende o pedido silencioso, afagando minhas bochechas para enxotar o frio.
— Eu sei voar — Suspiro com a mão no peito, sentindo meu coração agitado. Peter ri de novo, balançando a cabeça. — Não era pra ter medo disso. E não quero que pendure mais o Flash aqui — Sopro ao esfregar meu peito. — Ele vai desmaiar no caminho.
— Você fica quantos metros acima do chão? — Dou de ombros, ainda tentando pensar. Seu afagar em meus braços me aquece e acalma, mas sei que Peter está segurando o riso e eu balanço a cabeça. — , o Empire State fica a quase quatrocentos metros…
— Não acha que está se divertindo muito para quem desbloqueou um medo novo da namorada? — Aperto ambas as mãos dele ao olhá-lo, ainda escorada na pilastra. Agora entendo o desespero de Pepper quando Peter saltou da Torre Stark outro dia.
Peter sorri para mim, tão amoroso que é impossível ficar brava.
— Precisa entender que até uns cinco minutos, eu podia jurar que a minha namorada era a pessoa mais corajosa da face da Terra — Ele se explica, curvando as sobrancelhas para dentro, demonstrando toda a sua inocência. Eu dou risada, pois percebo que sua reação é meio justificável. — E agora descubro que ela tem medo de altura. Mais especificamente da altura do prédio em que venho quase todas as noites que faço patrulha. — Sussurra sua justificativa para mim e eu arregalo os olhos.
— Eu sei voar. — Tento me acostumar com a ideia de realmente ter medo. E Peter ri de novo, afagando minhas mãos para me assentar. É loucura, no mínimo. Após tudo o que vi e fiz na vida, é loucura que sinta medo de altura. — Isso não faz sentido!
Quando meu coração se acalma e Peter coloca para fora todo o riso que segurou, nós deixamos o topo do arranha-céu, descendo de elevador com mais uns turistas que cimentam meu argumento de que visitar o último andar era insano. Uma senhora italiana estava se abanando ao descerem em um andar onde identifico uma lojinha de souvenirs.
— Podemos olhar? — Questiono enquanto Peter segura a porta aberta para todas as senhorinhas que lhe chamam de “docinho”. — Podemos, docinho?
— Podemos — Ele revira os olhos e me acompanha para fora. — Vou pegar uma água.
Passeio pelas seções de presentes, observando alguns outros turistas conversarem em diversas línguas, e encherem cestinhas com inúmeros souvenirs do prédio e de Nova Iorque. Fico tentada com algumas latinhas de Altoids que possuem uma arte do Empire State, mas um garotinho que passa por mim segurando um peso de papel com o Hulk abraçado no prédio chama minha atenção para uma seção especial.
O título "Heróis de Nova York (E Asgard)" fica mais claro conforme de aproximo das enormes prateleiras com várias opções. Há um quebra-cabeças com uma ilustração de Tony e Rhodes em suas armaduras, tudo em forma do prédio. Camisas com Tony, o Hulk e Thor, xícaras de Thor erguindo o prédio, meu pai voando ao redor do último andar. Mas o meu favorito é um globo de neve onde o Homem de Ferro sobrevoa o Empire State. Seguro a lembrança, a agitando para o glitter vermelho cair.
— Águinha gelada para dar vontade de viver de novo — Peter me apresenta a garrafa que deve ter sido caríssima, mas eu lhe agradeço e não reclamo por gastar seu dinheiro comigo. E sei que Pepper ficaria orgulhosa por, ao em vez de reclamar, eu só o beijar na bochecha enquanto abro a água. — O Tony ia gostar do glitter. — Peter segura o globo quando lhe entrego, balançando o objeto ao concordar. Lembro que Natasha tinha um que era de Papai Noel. — Você quer um? — A pergunta dele é mais rápida que tudo. E eu consigo evitar olhar o preço do souvenir ou tentar imaginar o preço da água.
— Acho que sim… — Testo as águas e satisfação de Peter é óbvia, assentindo veemente e pousando a mão em minha costa. Antes que eu possa dizer alguma coisa, ele avisa: “Vou pegar uma cestinha”.


No sábado, noto que o pequeno get together” de Gwen é uma festa enorme.
O prédii é magnífico, e um só apartamento deve custar, no mínimo, uns bons milhões por tanto espaço no metro quadrado mais caro da cidade. Ou ao menos é isso o que Peter me diz ao estacionarmos no fim da rua entre um Rolls Royce e uma Lamborghini.
— É intimidador — Suspiro e vou assentando o tecido leve da saia longa que visto, principalmente tentando ignorar a manchinha de pó facial que deixei cair ou me arrumar sem Pepper. Ela havia sido mais que solicita, escrevendo todos os passos e combinações de roupas que ficariam boas com cada maquiagem, então fico um tanto insatisfeita com a mancha. O miúdo deslize parece mais grave quando vejo uma garota loira e com porte de supermodelo descer de um carro de luxo, seu vestido preto da Versace a destacando ainda mais. — Bem intimidador.
Mordo o interior de minha bochecha, suprimindo um outro suspiro quando Peter segura em minha mão.
— A sua lista ainda tem um monte de coisas para serem cumpridas… — Eu o olho, tão grata por sua paciência que ele fica ainda mais bonito aos meus olhos. A luz amarelada do poste de luz acima de nós faz o seu rosto brilhar.
— Eu estou tentando atravessar algumas pontes na minha vida social — Peter assente, apertando meus dedos. — Acho que aguento uma horinha. — Molhos meus lábios, ainda um tanto incerta com a situação.
— Se vamos realmente entrar, quero que saiba que podemos ir embora na hora que se sentir desconfortável… — Ele me garante. Tem mais um monte de carros chegando e eu jurava que atrasarmos meia hora iria ser falta de educação.
— E se vocês dois forem realmente se beijar na minha frente, quero que saibam que eu não tô nem aí pros bancos: eu vou vomitar aqui dentro!
Viro para Ned no banco de trás, soprando um pedido de desculpas.
Ned está usando um chapéu muito parecido com o que usou no ano anterior na festa de Liz Toomes, e fazendo uma cara de quem está passando mal. Dou uma olhada para Peter, que só balança a cabeça. Diferente do que eu tinha imaginado, Gwen não convidou somente os estagiários do Projeto Gemini, mas muitos alunos de Midtown, o que também explica a quantidade de carros.
— Eu preciso arranjar alguém, ou comprar um carro. — Leeds solta um suspiro sôfrego.
— Recomendo tirar o chapéu se for com a primeira opção... — Peter não reage com a cotovelada que lhe dou e apenas solta seu cinto de segurança, piscando para o amigo.
— Se você está satisfeito com o chapéu, não liga pro Peter — Dou apoio a Ned. — E quem sabe não arranja alguém hoje? Tem muita gente aí.
— Você é uma amiga de verdade, — Ele coloca a mão em meu ombro e eu dou risada. Sendo brincadeira ou não, após tudo o que aconteceu com MJ, ouvir algo assim me deixa feliz. — Diferente do Peter!
Aguardo Peter abrir minha porta como de costume e, pela janela, observo como ele pausa para dobrar a gola da camisa de Ned e comentar algo que faz os dois rirem. Mordo a ponta da língua, evitando pensar que, em outra oportunidade, Michelle também estaria aqui conosco. Ainda é complicado pensar no que aconteceu e como nossa amizade tomou tamanho baque após apenas algumas palavras, quando eu pensava que tínhamos um elo forte.
Nas últimas semanas, as coisas estão ficando um pouco mais pacíficas entre nós, mas não é como antes. São meros "bom dia" quando nos encontramos na frente de nossos armários, ao ponto que nossas gargalhadas, almoços juntas e passeios parecem ter sido cenários criados em minha mente; ou memórias de uma outra vida. Sinto saudade de nossas conversas e de seus comentários ácidos que não eram direcionados a mim.
Compreendo que deveria ser mais flexível, mas talvez este seja o problema associado à telepatia: as coisas que MJ pensou sobre mim durante a nossa discussão não foram proferidas por ela – ela se conteve – mas há uma dor afiada que segue o reconhecimento de que ela, ainda assim, as pensou sobre mim. Outrora, eu sei que teria perdoado sua reação. Justificado tudo e ignorado a sua honestidade brutal, a ocultando sobre um véu de tolerância. No entanto, se torna difícil ignorar a imagem que tem de mim.
E após tantos meses, sinto que o timming para por abaixo o muro que nos separa já passou. E não sei se realmente quero pulá-lo.
— Quer que eu coloque um alarme para uma hora? — A oferta de Peter me desperta do incessante remoer. Ele me ajuda a descer da picape quando lhe digo que não, decidindo ficar até minha bateria social de esvair ou ele desejar ir embora. — Prometi pro Sr. Stark que você estaria em casa antes da meia-noite. E ele prometeu que ia cortar a minha bolsa se eu atrasasse.
— Acredite em mim: se não estiver de banho tomado até às vinte e três, alguma coisa deu muito errado. — Peter sorri e leva minha mão aos seus lábios, beijando com rapidez antes que Ned nos flagre e finja ter outra ânsia de vômito.
SoHo é uma vizinhança relativamente nova, segundo as palavras de Peter, tendo sido "redescoberta" a pouquíssimo tempo por aqueles que Pepper categorizaria como os "novos ricos". O que não me surpreende ao se tratar de Nancy Cosgrove, ela que os pais "por sorte" herdaram uma coleção de artes há menos de dez anos, pelo o que Ned soube nos informar. Comprindo com minha previsão, a festa de Gwen não acontece em seu lar, afinal, não seria nada compreensível que a filha do Secretário de Segurança da cidade fosse a anfitriã de uma festa que, com toda certeza, ainda irá acabar com uma visita da Polícia de Nova Iorque em razão do barulho que podemos ouvir apesar da festa ocorrer na cobertura do enorme prédio residencial.
Após apresentarmos nossas carteiras de identidade na portaria, um segurança que não nega o sério desinteresse ao fazê-lo, nos acompanha até o elevador.
— Bom começo. — Peter comenta quando as portas do elevador espaçoso se fecham.
— Esse é, de verdade, o lugar mais chique que eu já entrei — Ned se admira com um arfar, erguendo a cabeça para olhar a decoração no teto — E tipo, é só o elevador!
Molho meus lábios com exclamação mais que encantado de Ned, também observando o retângulo de metal e firmando mais meus dedos entre os de Peter. O elevador não é tão diferente daquele da Torre, mas é tão bonito quanto o do Empire State, o que me faz refletir de maneira rápida sobre os espaços que me acostumei a frequentar e se tornaram costumeiros ao ponto de não mais me admirar com a beleza deles. Anos atrás, lembro-me de adorar o quão espaçoso, limpo e elegante a Torre Stark e o Complexo eram.
Lembro-me, também, de como Peter se admirava com tudo o que via e hoje caminha pelos mesmos corredores com leveza.
Quando as portas do elevador abrem após a rápida escalada de doze andares, percebo que a festa organizada por Gwen nada se assemelha a aquela que fui há um ano atrás.
Muito diferente da festa de Liz Toomes, há mais pessoas na espaçosa cobertura do que posso contar. Ao em vez de caçarmos copos de refrigerante e alguns drinks batizados nos cômodos da casa, são os inúmeros funcionários devidamente uniformizados que estão servindo bebidas que imagino não serem virgens. Enquanto alguns posicionam pequenos copos com alguma bebida de duvidosa procedência em copinhos de vidro, os quitutes anteriormente mencionados por Peter são servidos pelos demais junto a mais algumas coisas que não identifico, mas que colorem várias bandejas e se assemelham muito aos copinhos de gelatina que tomei no hospital quando cheguei em Nova Iorque.
A verdadeira festa, no entanto, é do lado de fora.
Enquanto o espaço interno é a área mais "intimista", para assim denominar o local onde alguns alunos que nunca vi cruzarem o caminho um do outro estão se beijando de maneira fervente nos sofás, derrubando seus drinks e deixando-me extremamente desconfortável, a área externa é onde o resto dos convidados estão. De primeira, apesar da escancarada lotação, identifico uma longa mesa com comida e fontes de queijo derretido, chocolate e ponche azul e amarelo nas cores de Midtown, assim como demais aparadores espalhados na borda da piscina com baldes de cobre contendo as mais variadas bebidas alcoólicas.
Há, também, uma área específica onde bartenders preparam drinks, e é nela em que eu identifico metade do time de rugby de Midtown dando gritos e batendo palmas para encorajar um outro aluno a beber o conteúdo de um copo plástico de uma vez só, sem respirar. E o barulho aumenta quando o rapaz consegue, mesmo que regurgite a bebida amarelada de volta no mesmo copo. Desvio os olhos quando os amigos sacodem seus ombros e cabeça, o fazendo derrubar a tal mistura.
— Aham, tá bom… — Peter está esfregando a testa com a mão livre quando o olho, demonstrando estar tão enojado, confuso e perturbado com a situação como eu. — Certo. Ok. — Ele balança a cabeça, ainda incrédulo. Seria engraçado se eu não estivesse na mesma, ou pior. — Eu vou botar o alarme para daqui a uma hora — Peter avisa para nós dois, falando alto por cima da música agitada e configurando seu relógio enquanto Ned balança a cabeça e ombros ao som da batida. Bato os dentes, preocupada quando ele aceita um copo vermelho plástico com uma bebida que não consigo sequer identificar. No entanto, o cheiro é forte como o vinho de Pepper. — Dou duas horas pra policia bater aqui — Parker resmunga ao tirar o copo da mão do amigo que quase bebeu o líquido desconhecido.
Faço questão de pegar uma Coca-Cola Diet oferecida por um garçom e entrego a Ned.
— Melhor decisão que pode tomar, Leeds. — O show de luzes do lado de fora me faz ter de piscar algumas vezes para identificar a figura que surge ao lado de Ned e o cumprimenta com um tapinha no ombro. Harry Osborn, com seu suéter e sapatos sociais, parece tão desconexo com a festa como imagino que nós três estamos, principalmente quando um membro do time de rugby passa correndo sem camisa por nós, com a cabeça do mascote do time cheia de salgadinhos de queijo.
— Não imaginei que essa seria a festa da Gwendolyn! — Como Peter, elevo minha voz para ser ouvida e Harry me olha por trás de Ned, seus olhos quase fechados para escapar das luzes esverdeadas que emanam do lado de fora.
— É a forma dela de conquistar Midtown — Osborn responde no mesmo tom alto, chamando a atenção de Peter de uma vez. Pete o cumprimenta com um aceno de cabeça, a óbvia má-vontade escapando pelas frestas do ato. Por óbvio, Osborn também está no Projeto Gemini e foi seu parceiro de laboratório há uns meses antes de Peter ser definitivamente locado na estação de Tony. — Estilo americano. — Harry também balança a cabeça para Peter. — Mais americano que isso só celebrar o 4 de julho.
Ned faz menção ao respondê-lo, mas há uma movimentação na área da piscina que chama nossa atenção. Mais precisamente, é alguém correndo até nós e pelos cachos loiros, noto ser Misty.
— Peter, Ned! — Ela chama ao atravessar a linha de fogo dos sofás que se tornaram um local ideal para adolescentes se amassarem. — ! — Misty está segurando uma garrafinha com energético, mesmo que sua personalidade seja energética o suficiente sem a bebida. De qualquer forma, ela está sorrindo largo ao parar na nossa frente. — Oi! — Cumprimenta Harry, acenando. — Nós arranjamos uma mesa incrível perto da piscina e — Ela cobre a boca e sussurra: — Da cozinha!
Quando olho para Peter, ele já está me olhando com a sobrancelha erguida. Deja-vu.
— Por favor, nos mostre o caminho, Misty! — Tento acompanhar sua animação e, para minha surpresa, Misty segura em minha mão, revelando seus pensamentos e aura brilhante ao me puxar consigo.
Caminhamos pela festa desta forma, Misty segurando em minha mão e eu segurando na de Peter, que trilha atrás de nós com uma mão também em minha cintura. A decoração do lado de fora é azul e violeta neon, diferente do vermelho e verde de dentro, o que na teoria, deveria ser razão para tanta libido acumulada de nossos colegas de escola. A piscina é gigantesca, com espaço suficiente para um DJ e um palco em cima da água, indicando que há planos para um show ou algo do tipo. Há também fumaça e espuma na água, que se espalha para as bordas e torna difícil saber no que piso até o local que Misty nos leva.
Com sorte, chegamos ilesos (dos alunos correndo com garrafas de bebidas nas mãos e dos rapazes sem camisa que pulam na piscina) em uma das mesas abaixo de uma cabana com uns símbolos tribais no tecido escuro. Javi e Betty estão sentados no sofá em semi-círculo, também se escondendo da massa de adolescentes selvagens com suas primeiras experiências com álcool e, se minhas apostas estiverem corretas, algumas substâncias que não deveriam estar nos seus sistema por mais três ou quatro anos.
A acusação de Harry estava correta: uma festa sem supervisão e regada a álcool é ideal se Gwendolyn deseja conquistar o favorecimento dos demais alunos de Midtown. Liz Toomes não precisou apelar tanto, afinal sua bondade e educação eram suficiente, mas Gwendolyn não parece ter visto necessidade de tal coisa, apenas jogando dinheiro e alimentando os vícios alheios. A falta de esforço demonstra sua facilidade em conseguir o que quer, mesmo que precise sair de sua zona de conforto.
— O Belvoir não veio? — Javi questiona com um brilhinho nos olhos e pisca para Misty no momento que ela passa por ele e senta do seu lado. A imediata reação dela é de querer beliscar o rapaz. Ela se sente tão embaraçada que nem nos olha, apenas volta a beber seu energético. Olho ao redor enquanto me sento, afastando o suficiente para que Pete sente do meu lado, percebendo que Harry sumiu. — Achei que finalmente a gente ia finalmente se tornar popular.
— Não. Que pena. — Peter responde ao sentar-se comigo, cuidadoso ao afastar minha saia para não sentar-se sobre o tecido, mesmo que esteja com uma leve caranca se formando. A expressão dele se subdume um pouco quando um garçom se aproxima com latinhas de Coca-Cola e ele pega duas. — Obrigado. — Parker usa o guardanapo da mesa para limpar a boca das latas antes de abri-las e me entrega uma.
— A gente conversou sobre isso… — Sussurro baixinho ao apoiar a mão em seu ombro, lhe dando um meio abraço. Peter me olha de soslaio enquanto toma um pouco de refrigerante. E é somente assim que percebo o singelo rubor na sua orelha causado pelo comentário de Javi. Espero Peter abaixar a latinha antes de pressionar um beijo casto em sua bochecha, ciente que a presença de Harry ainda é motivo de insegurança apesar de nossas conversas.
— Desculpa. — Ele aperta a boca, devolvendo o refrigerante para a mesa e se encosta de maneira ainda desconfortável no assento. O olhar que me lança é sincero, assim como o pedido. Peter ainda se sente ameaçado por Harry, mas também sabe que já lhe garantir não haver motivo para tal, o que justifica seu embaraço. Afago sua mão, apertando seu pulso também. O entendo.
— Não comecem… — A reclamação em tom de choro vindo de Ned nos distrai e eu lhe dou um sorriso em agradecimento. “Relaxa” Ele me acalma. “Ele ainda tá se acostumando a sentir ciúmes, mas tá quase lá”.
Betty toma um gole enorme de seu drink pálido e cremoso, cheio de morangos.
— Quando vocês dois começaram a namorar? — Brant questiona de súbito e minha única reação é erguer as sobrancelhas. — Tipo, foi depois de você levar a maior rejeição do mundo vinda da Liz, Peter?
Começo a beber um pouco de meu refrigerante, evitando rir para não engasgar.
— Quase um ano depois, Betty — Pete a responde com surpreendente humor, o que faz quase todos na mesa rirem, menos ele. — Quem me dera ter sido antes. — Os incessantes “awns” e “oh” que emanam dos demais fazem meu rosto esquentar o suficiente para que eu pressione a latinha de refri na bochecha, meu sorriso doendo no rosto. De qualquer forma, eu aperto a mão de Peter, agradecida.
As palavras de Misty são confirmadas quando, ainda fumegantes, garçons trazem para nós alguns sanduíches prensados e cheeseburgers gourmets, muito diferentes daqueles que Tony diz ser seus favoritos e também tornaram-se os meus favoritos. De qualquer forma, toda a mesa massacrou as primeiras porções que nos foram servidas, assim como o round de carpaccio de salmão defumado, cebola roxa e brusquetas. Os barquinhos de salmão que seguem são os meus favoritos, principalmente o molho apimentado que Peter me pede pra pegar leve e eu o ignoro até sentir que minha língua nunca mais irá se recuperar.
— Se era isso o que tinha na festa que foi, eu entendo ter trazido batata-frita pra casa e ter deixado sobrar hambúrguer — Peter suspira com os olhos fechados. As trouxinhas de polvo são as suas favoritas e não posso culpá-lo. — Muito mais incrível que o elevador, Ned! — Ele avisa o amigo que também está para desfalecer com sua tagliata de filé wagyu, rúcula, boursin e azeite trufado. É mais que justo.
— A festa dos meus pais, que você perdeu, tinha um cardápio melhor do que aquele. — Eu garanto, cobrindo a boca ao mastigar um pouco de gengibre fatiado.
A comida, com toda certeza do mundo, foi escolhida por Gwen.
— Confio no gosto da sua mãe com a minha vida — Sua resposta me faz rir, bem como a carinha de Peter ao me garantir tal confiança cega em Pepper. — O mac&cheese dela é insano.
— Isso é verdade. — Concordo e tintilo nossas garrafas de vidro de refrigerante.
A menção sobre minha mãe faz inúmeras conversas surgirem na mesa. Misty conta sobre sua mãe Brianna O’Brien, que é esposa de Jack O’Brien, simplesmente um dos nomes mais cotados em produções da Broadway, tendo até mesmo dirigido Hairspray. Javi é filho de Aymoré Rojas, treinador chefe do Yankees. Os pais de Betty, obviamente, são médicos famosos. Ned fala sobre sua avó e mãe que o criaram sozinho trabalhando na ONG chefiada por May Parker, o que também leva Peter a falar sobre May.
— E os seus pais, ? — Misty indaga após engolir um pastelzinho. — Fazem o quê?
Essa é uma pergunta excelente cuja resposta ainda estou lutando para desvendar!
Gwendolyn está magnífica como imaginei que a anfitriã estaria e com a mesma língua afiada de sempre. O vestido dourado e drapeado ficou estonteante em seu corpo, assim como seus saltos altíssimos que não parecem nada confortáveis para uma festa que aparenta querer durar por tempo suficiente para a comida infinita acabar.
— Fico muito feliz que veio, ! — Como Pepper também havia me recomendado, eu a cumprimento de pé e também retribuo o abraço apertado que me dá. “Será que Harry já a viu aqui? Tão juntinha do pobre e lindo Peter?” — E você também, Peter!
Dou um passo para trás ao permitir que possa abraçar Peter, também. Mordo o interior de minha bochecha quando ela afaga a costa dele com mais vontade e carinho do que devia, o que de imediato o faz se afastar. Não me surpreendo quando a mão de Peter encontra a minha como um imã e ele entrelaça nossos dedos, ainda que Gwen permaneça com a mão no braço dele, sorrindo cheia de veneno. “Ciúmes?” Ela festeja em sua mente quando volta a me olhar.
— Não pensei que viriam. — Ela também acena com os dedos para o resto da mesa.
— Não podia perder a sua festa. — Faço questão de usar o pronome possessivo. “Claro. Minha festa.” Gwen finge sentir arrepios e toca o dedo nos lábios, pedindo que mantenhamos segredo, mas somente lhe oferto um sorriso complacente.
— E por falar em festas, não vi você na Semana de Moda como tinha me prometido! — Ela troca o drink de uma mão para outra, finalmente tirando as garras de Peter. — E olhe que eu fiz questão de procurar você.
— Mas achou uma medusa — Indico seu vestido. Não terei como agradecer Pepper o suficiente por me lembrar da menção que fiz sobre a Semana de Moda. O vestido de Gwen é da Versace. — Combinou com você. — O engasgar de Javi e o soprar baixinho de Peter me fazem sorrir mais um pouco.
Estou quase conseguindo respirar aliviada quando noto quem se aproxima.
— Aerin! — Tomo a dianteira, tentando soar o mais agradável a cumprimentar a herdeira da indústria dos cosméticos de luxo, mas que se parece uma supermodelo com um slipdress prateado. Aerin Lauder, sem hesitar, caminha até mim e me envolve em um abraço afável, mesmo que seja a proximidade de meus amigos que a impede de revirar os olhos para Gwen ao fazê-lo. — Como vai? — Também forço o cumprimento para fora, voltando a encontrar conforto na proximidade do corpo de Peter quando ele toca em minha lombar.
— Oi, querida! — Ela sorri ao entrelaçar o braço com o de Gwen. — Veio com o Harry? — A menção de Osborn, e o tom cínico de Aerin são mais que suficientes para formar um aquecer visceral em minhas veias. Ela e Gwen estão se divertindo com a situação, adotando um raciocínio falho de que, ao manterem a memória de meu encontro com Harry viva, será o suficiente para provar-me que eu não tive o que era necessário para mantê-lo atraído. E eu sei que deixei minha irritação um pouco óbvia quando Peter afaga minha cintura, me segurando ainda mais perto de si. — Vi ele conversando com Ravi Mittal perto do bar. — Lauder aponta para o tal bar, as unhas bem feitas enquanto agarra seu drink amarelo. "Ravi e o escroto do Nicholas", ela suspira internamente. — Lindo Cuccinelli, por sinal.
— Obrigada. — Sim, meus sapatos realmente são lindos. — E não, vim com meu namorado Peter. — Também passo um braço por trás de Peter, decidida a tentar cortar o mal pela raíz da melhor forma que consigo. Quando o olho, sei que Peter detestou conhecer Aerin e reconheceu exatamente qual o objetivo dela. Seja por o conhecer bem, ou saber um pouco de linguagem corporal, tanto a postura quando o singelo movimentar da boca e acirrar dos olhos dele deixam clara a sua aversão. — Pete, essa é Aerin Lauder. Aerin, este é Peter Parker.
— É um prazer, Aerin. — Diferente de como fez com Gwen ou faria com qualquer outra pessoa na face da terra, Peter não a cumprimenta de forma física. Sem um aperto de mão ou beijo na bochecha, ele permanece impassível e seguro ao meu lado, senão ainda mais descontente com a presença dela conforme os segundos passam.
O seu instinto protetivo me acalma.
— Ainda não vi o Nick. — Faço questão de comentar, atenta a cada pensamento dela e como se referiu ao então namorado quando me indicou onde Harry estaria. A menção do outro rapaz faz Gwendolyn se enrijecer minimamente e o ar escapar de Aerin, bem como sua aura acompanhar a cor da água da piscina: um azul entristecido e um tanto amargurado. Sei que Gwen está me olhando, e sei, ademais, que há fogo por trás de suas crises, mas estou tentada a fazê-las pagar na mesma moeda. — Imagino como ele deve estar se sentindo. Soube da queda das ações da Hilton Enterprises após a Stark Industries ter lançado um projeto com a Oscorp. — Gwendolyn se sente ultrajada com a ausência do nome da empresa de sua família quando me refiro ao projeto. No entanto, acredito ser necessário que ela seja lembrada da insignificância da Medici Laboratories no ditame.
— Nós terminamos. — Aerin me responde. Está claro que não superou o término. Em sua mente, vejo rápidos flashes de uma briga em um balcão antes que decida que seria maldoso demais me prender nisso.
— Oh, eu sinto muito. — Franzo as sobrancelhas e curvo a boca para baixo, tentando parecer compreensiva e um pouco solidária quando, na verdade, não consigo me importar muito. O fato de tentarem me diminuir e consequentemente fazerem isso com Peter, mesmo que por associação faz meu sangue ferver. — Talvez se eu também tivesse as irmãs Seo nos meus contatos de emergência saberia mais cedo. — Um rapaz muito bem vestido faz menção ao chamá-las e Gwen se vira para ele, enquanto Aerin coloca o cabelo atrás da orelha, verdadeiramente afetada. O triunfo é um pouco amargo. — Foi um prazer revê-las, meninas. — Aceno educada ao me voltar à mesa junto com Peter, que está com os lábios um pouco torcidos, tentando não sorrir.
Estou quase me sentando quando sinto uma mão fria em meu braço. É impossível não revirar meus olhos ao voltar-me para Gwendolyn, e em seguida amansar a minha expressão da forma mais cínica e forjada possível, assim como ela fez meia dúzia de vezes comigo. Para a minha surpresa, Gwendolyn está sorrindo divertida para mim, sua mente agitada com a perspectiva de um desafio agora que optei por encará-la à altura que ela parecia ter almejado todo esse tempo.
— Você está fogo hoje, Black. — Seu elogio é verdadeiro. Gwen está surpresa.
Eu coloco minha mão sobre a sua ao responder, conduzindo uma onda tenra de calor: — Contanto que não me jogue na piscina.
— Ah, não me provoca… — O riso dela é agradável. Um último pulso de calor, este como fogo, é o que a faz remover sua mão de debaixo da minha. Assimilo a marca quente de meus dedos em sua mão quando ela se afasta, voltando para o centro da festa.
O resto da nossa presença na festa é relativamente calma, com Misty, Javi e Ned tomando um pouco de cerveja, Peter e Betty quase tendo uma síncope pelo mesmo motivo enquanto tento ignorar o fato de que Peter está extremamente atraente após ter sido "rude" com Aerin - ou que o fato de ele ser tão protetor comigo passou de ser algo adorável para algo que mexe comigo de maneira um pouco menos voltada para a inocência do ato e de suas intenções. Ou o fato de que Peter fica adorável quando emburrado, a mandíbula apertada e braços cruzados ao dizer que Ned e Javi vão precisar de carona, e se organizar com Betty quanto a uma possível carona para Ned.
Quando ele volta a se apoiar no encosto do sofá, a sua mão pousa em minha perna em um toque reconfortante e eu seguro em seu braço, tentando ignorar o músculo tensionado e o som da risada de Peter ao conversar com um Javi Rojas muito bêbado e que deitou por cima dos colos de Misty e Betty para perguntar quais eram os nossos personagens favoritos de School Art Online e nos oferecer cinco motivos pelos quais Yuuki Konno deveria ser a nossa escolha.
— Servidos? — É impossível não torcer o nariz com o cheiro dos copos altos que um dos garçons nos oferece. A cerveja dourada é rapidamente recolhida por Javi e Ned, mas Misty só pede um refil para sua Coca-Diet e vodka. Quando o homem oferta as duas últimas cervejas para nós, eu balanço a cabeça.
— É impressão minha ou cerveja fede? — Tiro a dúvida com Peter ao pegar um outro rolinho de melão e presunto de parma.
— Não é impressão. — Pete afirma ao tomar um pouco mais de seu refrigerante. Além de Betty, somos os únicos sem beber nada. — É amarga e tem cheiro azedo.
— Por isso que você não quer beber? — Pondero. Se o cheiro e sabor são ruins, me questiono o motivo de Ned e Javi gostarem tanto.
— Por isso e por que vou te levar pra casa. — A explicação de Peter é acompanhada de um beijo em minha bochecha.
Permanecemos sentados por mais uns minutos até que a atração musical prometida por Gwen chegue e convoque a todos para a piscina recém-coberta que se tornou uma pista de dança. Após muita insistência de Misty, nós os acompanhamos até lá, mas ocupamos um espacinho mais para trás, longe da intensidade na frente e no centro da pista. Foi Peter quem me informou serem os tais cantores e o motivo do sucesso: aparentemente, o 5 Seconds of Summer ainda existe e os rapazes são bons amigos de Gwendolyn Stacy. O baterista faz questão de dar um beijo enorme em Aerin, também, o que esclarece todas as minhas dúvidas sobre o término dela com Nicholas Hilton.
Reconheço algumas músicas, mas a maioria que tocam é de um álbum novo, ainda que quase todos pareçam conhecer cada palavra, até mesmo os nossos amigos. Quando Javi tenta me tirar para dançar com ele e Misty, me agarro com tanta força em Peter e na mesinha perto de nós, que ele acaba ficando sem forças de tanto rir, assim como meu namorado que me trás para perto de si e beija minha têmpora ao me abraçar por trás, envolvendo os braços forte ao redor de mim. Mesmo mediante minha expressa recusa em dançar, Peter faz questão de nos balançar de um lado para o outro no som da música, igual Pepper faz ao cozinhar. E eu não ouso negar ficar tão pertinho de Peter.
— Se um dia me ver dançando, pode ter certeza que estarei sendo obrigada.
— Sabia que tem danças em casamentos? — Peter lembra. — A Srta. Potts vai querer que você dance.
— Vou me repetir: estarei sendo obrigada! — Repito mesmo com a música altíssima. Seguro o pulso de Peter, olhando a hora no relógio dele. Já são mais de onze da noite e, muito provavelmente, a música alta deve lhe estar dando dor de cabeça. — Todo o barulho e a música não estão te incomodando? — Sua audição sensível deve estar sendo muito testada essa noite e eu me sinto mal por ter topado vir para a festa.
— Tá um pouco alta, mas tá tranquilo. — Pete descarta a preocupação e eu me viro em sua direção. De maneira automática, as suas mãos quentes deslizam para minha cintura, o dedão acariciando minha barriga, mas Peter não está me olhando, apenas mantém sua cabeça virada na direção oposta, a expressão séria que adorna sua face sendo mais que preocupante. — Pete?
Assim que seus olhos encontraram os meus, ficou óbvio que ouviu algo.
— Gwen e Aerin — Me diz antes que eu possa perguntar e eu pouso as mãos nos seus ombros, sentindo um indiscutível amargar em minha disposição. Será que ambas não fizeram mais que o suficiente por hoje? — Estão comentando com uma estagiária da Oscorp que você e o Harry tiveram um rolo quando ele veio pra Nova Iorque. E que por isso eles dois terminaram. — Encosto a língua contra minha bochecha, mesmo que a acusação não seja nova. O esforço de Gwendolyn em manchar a minha reputação é algo a ser levado a sério, principalmente agora com o Projeto. — E a Aerin está dizendo que está usando esse nosso suposto namoro pra tentar deixar o Harry com ciúmes. — Acima de tudo, o que me causa mais espanto é o sorrisinho no rosto de Peter. — E eu sinto que a gente devia deixar bem claro que esse não é um suposto namoro e você e o Harry não tiveram nada.
— Como? — Dou de ombros. Estou cansada. — Não adianta, a Gwen não me escu…
O beijo de Peter me pega de surpresa, sendo o primeiro a dividirmos e certamente um dos mais quentes de todos os que demos. Sinto que poderia derreter com a intensidade do ósculo, a sua boca pressionada na minha e seus dedos em meu cabelo, me guiando até ele. Meu coração está acelerado quando seguro em sua camisa, retribuindo o selar da melhor forma que posso em razão da surpresa e a timidez que sinto por estar fazendo isso na frente de tantas pessoas. Porém, Peter continua sendo viciante, e o calor do seu corpo me atrai para si, meu peito pressionado no seu enquanto acaricio sua nuca e pescoço. Consigo conter um arfar necessitado quando sua língua encosta na minha antes de ele se afastar e pressionar um outro beijo em minha bochecha.
A música e o intoxicar do ósculo são péssimos para a minha concentração.
— Acho que elas devem ter entendido o recado… — Deslizo as mãos por seus ombros.
Gwen entendeu bem. O suficiente para beber todo o seu drink. Com toda sinceridade, fomos realmente um espetáculo que mereceu sua atenção.
— Tô segurando esse beijo desde que elas apareceram — Pete me garante, beijando minhas bochechas de maneira casta, muito diferente de antes. O beijinho miúdo na ponta do meu nariz é seguido de um sorriso bem comportado. — Você brava e respondona é sempre um evento.
Encosto o rosto contra o peito de Peter, lhe sentindo dar para trás ao caminharmos um pouco, nos distanciando do centro da bagunça e voltando para perto da mesinha onde deixamos as nossas bebidas.
— Vamos pra casa? — Meu implorar é patético, mas Peter sorri gentil, beijando minhas mãos, seus olhos nos meus. O amor que sinto por ele é tão grande que chega a ser assustador. — Tomar sorvete e ir pra casa?
— Em que sorveteria você quer ir? — Mantenho a atenção nele enquanto Peter afasta o cabelo de onde cobre meu rosto, empurrando para trás das orelhas e afagando os lóbulos. Estou usando os brincos lindos que ele me deu. — Está tarde, .
Em uma outra vida, jamais me permitiria sentir e agir com tanta vulnerabilidade assim como faço com ele, com minha guarda baixa e atenção fixa somente em Peter e na forma que me dá tanto carinho e me permite sentir rodeada por paz. Em meio a tantas pessoas, sei que não há nada mais que paz e proteção quando estou em seus braços.
— Num posto de gasolina — Cochicho, lembrando de quando paramos no 7Eleven perto da Torre. Não sei por que a escolha da noite foi sorvete, mas soa como a sobremesa ideal para resfriar meu corpo que senti pegar fogo minutos atrás. Pete arregala os olhos e assente, analisando com cuidado a minha proposta. — Comprar um pote de 1L de sorvete e tomar na caminhonete. Com M&M! — Ele segura um sorriso ao olhar no relógio. Sei que temos tempo ainda. — Por favor…
— Tá bom, princesa. Você que manda. — Mordo minha língua ao assentir, sendo pega de surpresa pelo apelido que flui dele com extrema naturalidade. Peter não parece notar o que ele deixou escapar, apenas começa a tatear os bolsos do jeans ao se aproximar de onde nossos amigos estavam. — Ned, a gente tá indo! Quer caro... Jesus.
Me inclino, desviando de Peter e bem a tempo de ver Betty Brant nos braços de Ned. É impossível não rir, seja do desespero dos dois, a felicidade de Misty ou as caretas de Javi e Peter.
Segunda-feira vai ser um evento.


Abro os sorvetes que compramos e que insisti muito que Peter me permitisse pagar.
— Você é muito inteligente, mas essa foi de longe a melhor ideia que já teve, .
O 7Eleven escolhido acabou sendo o ao lado da Torre Stark, para onde Peter dirigiu até e estacionou na garagem de funcionários a fim de que pudéssemos comer as sobremesas sem nos preocuparmos com interrupções dos outros clientes ou atrapalhássemos os funcionários do posto. Lhe entrego seu pote de sorvete de chocolate onde espetei uma colher de plástico. Peter ergue o braço para que eu me encoste na lateral de seu corpo e estique as perna no banco, seu braço ao redor de minha barriga quando encontramos uma posição confortável. Pego o meu sorvete de caramelo e M&M, tomando uma colherada cheia.
No rádio, tem alguma música desconhecida tocando baixinha.
— A May morria se visse isso. — Peter reconhece, mas eu lhe observo pegar um colher generosa de sorvete, ciente de sua transgressão. Ele também cata um M&M em meu pote e eu dou um tapinha em sua colher.
— Pepper teria uma síncope — Também tento imaginar a reação de minha mãe e pai, mas sei que Tony ia acabar reclamando por não termos comprado um sorvete para ele. A ideia me faz sorri e eu olho pela janela, observando os carros que também estão estacionados ali. Um deles tem a logo do Richards Laboratories e eu engulo meu sorvete. — Ah, eu esqueci de dizer para você, mas o meu pai disse que o Reed está muito satisfeito com o seu trabalho na pesquisa! — Falo para Peter, pendendo a cabeça para trás até lhe ver. Ele ergue as sobrancelhas como se isso fosse uma grande surpresa para algum de nós. Estou prestes a reclamar que sua surpresa é boba, mas ele passa o dedo por meu lábio para limpar o sorvete e eu abandono a ideia. — Eu fiquei com muito ciúmes, é claro, mas estou tentando fingir que não.
— De mim ou do Dr.Richards? — Ele provoca, cerrando os olhos na brincadeira. Eu faço o mesmo, o que lhe faz rir um pouquinho e desviar a atenção ao lamber o dedo que estava sujo.
— Difícil decidir... — A resposta é recebida com um beijinho mentolado. Tomo mais sorvete, me aconchegando contra Peter e sorrindo com seu bom-humor apesar do que ocorreu hoje com Gwen e Aerin. — Apesar de tudo, eu gostei muito de hoje. Obrigada por vir comigo.
— Também! — A ausência de uma menção a meu agradecimento é óbvia e eu reviro os olhos. Peter detesta que eu lhe agradeça por qualquer coisa. — Cada vez que eu ia atrás de algo na festa, me perguntavam por você. E a Maisie e o Aaron do Decatlo perguntaram se você tinha ido junto por que não te viram. — Me permito sorrir ao ver que nossos colegas estão cientes de nosso namoro e o respeitam, ao contrário de Gwendolyn. — Será que vamos vencer o prêmio de casal do ano no anuário? — Peter soa genuinamente curioso, o que me faz rir.
— Se depender da Betty... — Pondero e sinto quando ele finge se arrepiar com a ideia. Eu balanço a cabeça, tentando esquecer a cena que vi de seus beijos afobados com Ned. — Ainda tô em choque.
— Eu não sei o que foi aquilo — Peter me garante, tão balançado quando eu. — Você sentiu alguma coisa? Tipo, conseguia prever aquilo?
— Nada. — Mordo um M&M particularmente congelado. — Mas, olha, depois do beijo, eu tentei identificar o que tinha acontecido e o Ned só me pediu pra te mandar catar coquinho.
Peter ri com a reação do amigo para seu convite a ir embora e eu encosto a cabeça no seu braço musculoso, encontrando um ponto muito confortável.
— Eu nunca em um bilhão de anos ia imaginar eles dois juntos. — A sua reação é igual a minha e eu concordo com a cabeça, afagando seu braço ao tentar olhar a hora em seu relógio. Ao notar minha intenção, Peter vira o pulso para mim e eu suspiro. Já são quase doze horas. — Você precisa subir, mesmo?
— Preciso. — Ele encosta a bochecha em minha cabeça, me abraçando com mais força e eu faço questão de me encolher. Gosto tanto de passar tempo com ele que parece errado ter de ir embora. — Eu não quero.
— Nem eu — Sinto seu beijo em minha cabeça e Peter volta a pressionar a bochecha ali, também parecendo derrotado com a ideia de nos afastarmos. — Só que a gente saiu junto; de noite; dois dias seguidos. Sinto que estou provocando o Tony.
Entrelaço nossos dedos, fechando meus olhos um pouco para melhor apreciar a sua presença e o abraço em que me envolveu.
— Ele te adora. — Eu suspiro um pouco cansada. Comi muito e minha bateria social já está acabando, mas detesto a ideia de ir embora. Talvez se Peter dormisse na Torre, poderia ir me deitar em seu quarto. No entanto, irei para meu quarto estranho e solitário. — Se duvidar, ele confia mais em você do que em mim. — Ainda assim, faço questão de lhe assegurar sobre meu pai. — Não preciso ler os pensamentos dele para saber que está feliz com o nosso namoro, por mais bravo que finja estar.
— Não preciso te dizer que a May é louca por você, preciso? — A menção me faz sorrir. — Ela ficou mais feliz do que nós dois, se duvidar.
— Não mais que eu, Pete. — Murmuro com um sorriso nos lábios.
— Ok, posso ter exagerado. — Ele beija minha bochecha. — Fiquei mais feliz também.
Precisamos de mais quarenta minutos para que eu tenha forças de sair do carro, e é só com muita insistência que Peter aceita que não precisa me deixar lá em cima. Nosso beijo é rápido e eu lhe peço que me mande uma mensagem assim que chegar em casa, tão preocupada com a sua segurança tão tarde da noite, quanto com o fato de que não iria lhe deixar ir embora se subisse comigo e se despedisse com outro beijo de tirar o fôlego como fez na festa. Não confio no fato de que estou ficando cada vez mais sem controle perto de Peter, principalmente quando cada toque faz um calor intenso crescer em minha barriga.
— Só não fiquei preocupado porque estava com o Peter!
A voz de Tony me desperta de meus pensamentos assim que as portas do elevador se abrem e eu removo meus sapatos aos chutes antes de correr em sua direção.
— Pai! — Após menos de dois dias sem o ver, seria esperado que não reagisse assim, mas é impossível não sentir sua falta. Ele me abraça com uma risada surpresa pelo ato, mas não deixa de me apertar com força, retribuindo a intensidade que coloco no abraço. — Como foi o voo? — Questiono quando ele afaga minhas omoplatas. — A mamãe veio?
— Viagem foi boa — Tony me garante com um sorriso suave ao se afastar. Ele ainda está de terno, algo que nem notei na correria para o abraçar. Devia ter acabado de sair do jantar com a presidente do Conselho de Segurança quando entrou num voo para casa. — Sua mãe ficou roncando no meu ouvido, mas foi boa. — Dou risada e ele segura em meu rosto, beijando minha testa ao se afastar e começar a remover o paletó. Deve ter acabado de chegar também. — Mamãe ficou em Paris. Volta amanhã. — Ele usa o mesmo termo que eu, mas não faz careta, apenas sorri genuíno. — E onde vocês estavam? A polícia ainda não bateu na festa da Gwen?
— Ela manda na polícia, pai — Faço questão de lhe lembrar do poder de Gwendolyn, mas não menciono para ele sobre todo o álcool que tinha na festa. — A gente saiu antes das onze e foi tomar sorvete.
Nossa saída antecipada faz Tony revirar os olhos ao folgar a gravata.
— Vocês são os adolescentes mais sem graça do mundo. — Dou de ombros ao sentar, removendo minhas meias também. Ele me imita e senta no sofá na minha frente. — Mesmo assim, eu queria conversar com você. — Assinto com a cabeça ao cruzar as pernas, curiosa com o que se demonstra tão importante para discutirmos tão tarde da noite. Ou que o fez sequer esperar trocar de roupa para tal. — Sua mãe e eu chegamos à conclusão que está na hora de apresentarmos você ao mundo. Pelo menos, para parte dele.
Eu permito meus lábios se afastarem, mas contenho o resto do choque, ciente que é mais que óbvio que este momento chegaria. Contudo, ainda tinha expectativas de ter mais tempo para me preparar. Meu pai, atento para a minha reação, ergue as mãos para que eu tenha calma.
— O Norman e a Cristina Médici virão de novo para a cidade no outro fim de semana e acho que seria um bom começo — Ele se explica, mantendo os olhos fixos em mim. Mesmo estando incerta com a ideia de conhecer Norman Osborn e a mãe de Gwen, me forço a assentir. — Nós dois Iremos trabalhar com eles por mais uns anos e, pra mim, soa como um bom começo. — Tony encosta a mão no peito, esclarecendo o motivo de sua escolha e pressa. — Estou dizendo isso após pensar muito, mas você pode vetar essa proposta, . A escolha é sua agora e sempre vai ser. — Tony prossegue, a sinceridade estampada em seu rosto. — Ir a público é um passo muito largo e que, se você não tiver certeza, não precisa dar.
— Isso envolve muita coisa, certo? — Eu suspiro. — Eles serão os únicos a saber?
— Sim. Irei reforçar a ideia do NDA, é claro. Mas no momento que nós seguirmos nessa direção, vai precisar saber de mais alguma coisas. — Meu assentir demonstra que desejo que ele prossiga. Tony engole em seco, como se esperasse que eu fosse dar para trás. — Bom, a começar, tem um risco muito grande que correrá com a Hydra, principalmente quando seu rosto começar a aparecer na mídia. Se a reconhecerem, as coisas mudam. — Quando vejo a sua expressão mudar, noto que este é um dos motivos que lhe incomoda muito, possivelmente mais que os outros. — O outro risco é a sua privacidade. Os encontros com o Peter, pelos menos fora daqui ou do Queens, acabam. Ao menos por uns bons meses até a poeira abaixar. Nós controlamos a mídia, mas não tanto. — Sou extremamente grata por sua sinceridade e lhe peço que prossiga. — E ainda tem a questão que você vai ir a público como minha filha, então a sua segurança vai ser mais reforçada. Ao ponto que Midtown, pelo menos por um tempo, vai precisar ser evitada.
Eu respiro fundo, recostando-me no sofá para poder pensar bem na proposta, isso é, até lembrar-me que é meu pai que a faz. O mesmo que cuida de mim há quase cinco anos e nunca permitiu que coisa alguma acontecesse comigo exceto nas vezes que eu mesma me desviei de sua orientação. E ninguém manobra a mídia com tanta facilidade quanto ele e minha mãe.
— Por enquanto, somente os Osborn e os Médici ficarão sabendo? — Busco saber um pouco mais. Tony assente de imediato. — Quanto tempo até irmos a público?
A pergunta o pega de surpresa e a mim também.
— Caramba, Monstrinha… — Tony esfrega o queixo, franzindo os lábios. — A mamãe tá prevendo que em outubro nós vamos receber um prêmio, na verdade, que eu vou receber — Ele diz, mas ainda parece incerto com a minha coragem. Eu também estou. — Mas que faria sentido que você nos acompanhasse. Então… Setembro?
É tempo suficiente para que envie minha inscrição para o MIT e receba uma resposta quanto a admissão antecipada. É o suficiente para que o nome de meu pai não interfira no aceite e em meu futuro tão diretamente. Eu esfrego as mãos, respirando fundo ao ponderar que há mais do que a faculdade para me preocupar.
— Sei que deveria me preocupar muito com o que disse sobre a HYDRA, mas você me mantém segura por quase cinco anos agora, pai — Lhe olho, buscando transparecer a confiança de que nós dois precisamos. Tony suspira e assente de maneira que, se não o conhecesse bem, eu me deixaria imaginar ser timidez. — O que aconteceu com a Cho foi inevitável. E eu sei que você, a Hill e a mamãe sempre fizeram tudo para cuidar de mim e me proteger de todo o mal. — Eu penso em Peter, então. Em como ele também fez o seu melhor para me proteger apesar de nem saber tudo o que realmente aconteceu comigo por muitos anos. — Eu aceito dar esse passo, mas primeiro quero conversar com o Peter. — Papai assente sem relutância. Não vê espaço para brincadeiras. A HYDRA não é objeto de piadas e, para ele, minha segurança e bem estar também não é. E tudo isso apenas corrobora em minha decisão de ir a público com sua ajuda.
— O Peter vai entender de onde essa necessidade vem — Tony suspira, enrolando sua gravata na mão. A forma que ele desvia os olhos para a lareira me deixa pensativa. — E isso não vai mudar nada no relacionamento de vocês dois, ou afetar a segurança dele e da May. Claro, a galera vai pegar um pouco no pé bem no começo… Querer saber quem é o cara que namora a herdeira da Stark Industries, a mais nova socialite de Nova Iorque… Os paparazzi vão incomodar um pouco, mas não é nada que uma ligação para o Stuart Jones não resolva. — Curvo a boca, afinal, Tony não sabe exatamente ao que me refiro, porém, o fato de ter um plano me acalma. — Nós também podemos fazer um acordo com os jornais e revistas. Nenhum fotógrafo vai conseguir vender fotos suas ou deles que não sejam divulgadas pela nossa empresa, ou que você autorize.
— Por mais que o fato de vocês terem tudo planejado e sob controle me conforte, pai — Me permito sorrir para ele, que possivelmente permaneceria listando todos os seus métodos pra garantir minha segurança e privacidade se eu permitisse. — É sobre a HYDRA que quero falar com o Peter. — Tony busca meus olhos, os seus um pouco arregalados por minha coragem. — Eu não sei se quero dar esse passo tão largo na direção do futuro se não consigo enfrentar meu passado. — Me justifico com um bufar. O peso do meu segredo é doloroso, principalmente quando penso em Peter que sempre foi tão aberto comigo. — Acho que está na hora de ele saber a verdade.
— Ele é um bom rapaz — É estranho lhe ver elogiar Peter tão abertamente, mas a sua visão positiva sobre Pete reforça aquilo que lhe disse no carro: meu pai gosta muito dele. Tony se permite suspirar pesadamente, demonstrando seu cansaço pela viagem e todos os planos que ele deve ter repensado inúmeras vezes. — Ele ainda era muito imaturo quando se tornaram amigos, o que me preocupava muito e me fez querer que se afastassem. Mas depois do que aconteceu com o tal do Volture, com ele renegando os Vingadores… Comecei a confiar mais nele. — Tony revela, um sorriso beirando seus lábios. — Então você começou a ter aqueles pesadelos e visões e eu vi, com os meus próprios olhos, como o Peter começou a mudar. Aí aconteceu o atentado e eu vi ele virar um homem naquele dia.
Tony aperta a boca, as memórias ainda o afetando duramente.
— E hoje ele é o meu braço direito no projeto, pois confio nele. Vi como aprendeu com os erros e tenta fazer melhor todo dia. — Meu pai me olha nos olhos, verdadeiro. Então me oferece um sorriso singelo, quase frágil. — Da mesma forma que o Peter se demonstrou merecedor da minha confiança, e ainda mais ainda merecedor de você, eu sei que ele merece saber a verdade e vai lidar bem com ela.
— Não tenho dúvidas de que ele vai entender, mas… — Pendo a cabeça e Tony assente.
— O Peter gosta muito de você — Tal garantia, vinda de Tony, me deixa comovida. Ele balança a cabeça, também notando o que diz. — Fazer o que… — Seu dar de ombros me faz rir. — Ele é um bom menino, está virando um homem de moral, é trabalhador e dedicado, trata você com respeito… Não tenho o que reclamar do moleque. — Ele dá de ombros de novo, quase revoltado por ter um genro incrível. — E o que ele sente por você não vai mudar com o que descobrir.
— Eu espero que não. — Lhe revelo minha incerteza.
— Não vai, relaxa. — Meu pai promete, o fim das reclamações demonstrando que ele, apesar de tudo, entende meu medo. — Em tudo o que aconteceu, você foi uma vítima. E o Peter é capaz de entender isso.


Os dias seguintes passaram como um flash.
Após o susto inicial na segunda-feira de ver Ned e Betty tão inebriados pela paixão e o início do namoro mais relâmpago do mundo, principalmente pela forma que ambos estão dominados por completo pelo sentimento tão novo e bom, tivemos algumas provas preparatórias para o S.A.T em Midtown e meu trabalho ao lado de Reed foi intenso.
O Dr. Richards solicitou que eu entrasse em contato com as pesquisadoras que Peter usou em seu projeto, algo que consegui fazer sem muita dificuldade, em especial pela extrema felicidade delas ao serem contatadas por um cientista tão influente. Em segundo lugar, li tanto sobre os estudos de Bruce Banner e as teorias delas e de Peter que as tinha na ponta da língua quando Richards questionava algo, o que foi uma vitória pessoal minha. Mas, infelizmente, a perda de alguns dos objetos de estudo dele, os pequenos ratinhos, foi suficiente para diminuir um pouco a moral da equipe.
Enquanto isso, a parte da pesquisa que era realizada junto ao resto do Projeto Gemini estava seguindo um caminho de vitórias consecutivas. O Dr. Bourgouin havia obtido êxito em conseguir os scans indianos que Peter recomendou, o que resultou em uma menção honrosa à ideia dele durante uma das reuniões com meu pai ao discutir os avanços da pesquisa. E claro, tais avanços deveriam ser discutidos juntos à Cristina Médici e Norman Osborn, mas a óbvia preferência do Dr. Richards por Tony motivava as informações chegarem primeiro a ele.
No entanto, minha filiação não parecia ser muito importante para o Dr. Richards que, consciente de meu papel como estagiária, passava inúmeras “tarefas de casa” que, somadas aos preparativos para depósito de meu projeto na feira de ciências de Nova Iorque, estudos para os futuros eventos do Decatlo, prática para o SAT e estudos de magia asgardiana, causaram preocupação em Pepper. Isso até eu lembrá-la que o SAT e o Decatlo não deviam ser objeto de preocupação e minha memória fotográfica cuidaria disso, assim como conseguiu me garantir nota máxima em todas as matérias aplicadas e comuns. E eu saboreei o trunfo até lembrar-me que, mesmo sem tal “facilidade”, Peter havia feito o mesmo.

Para: Pete <3 [19:52]
Pete, onde está? Já foi pra casa? Terminei agora com o Dr. Richards. Preciso de um abraço e jantar..

De: Pete <3 [19:52]
Tô na cozinha do andar de vocês, . E ouvi falar que dou ótimos abraços, tá?

Assim que as portas do elevador se abrem, Peter é a primeira coisa que vejo.
Ele ergue a cabeça para me olhar e é encantador perceber como seus olhos brilham, o sorriso nascendo com leveza em seu rosto ao abaixar o StarkPad. Pete se levanta da poltrona perto da janela, colocando a almofada de volta no assento enquanto removo meu tênis e ignoro seu riso baixo ao olhar minha meias do Homem de Ferro. São vermelhas e amarelas e adoráveis.
— Quando a Gwen falou que meu pai é exigente, acho que foi por não ter conhecido o Richards ainda — Eu resmungo sem mais delongas, removendo também o cardigã que vestia e o pendurando em um cabideiro que Pepper comprou há pouco tempo. Os ganchos já estão tortos pela quantidade de roupas penduradas. — Ele tem uma fonte favorita no Word. Parece o Tony.
— Os dois são complicados — Peter concorda comigo, empurrando meus sapatos pro cantinho próximo ao seu, usando as suas meias azuis e com bolas de basquete. Quando lhe olho, queixo erguido para receber um beijo que ele não me dá, noto de imediato que algo está errado. — Quer jantar? — Seu questionamento é quase ansioso, como se precisasse pensar para sequer me oferecer tal opção.
Na ausência de nosso “Ei, você”, de costume, é comum que Peter me cumprimente com um beijo. No entanto, ele está mais concentrado em mordicar o interior do lábio superior e alinhar meus sapatos, apoiando uma mão na parede. Tento não me apavorar com a sua quebra de rotina ainda que meu estômago se revire.
— Aham — Concordo com incerteza e ele assente com rapidez, virando na direção da cozinha enquanto eu aperto minhas mãos em punho, sem saber qual seu uso agora que não servem para segurar as suas ou sequer agarrar a barra do seu moletom da Stark Industries. Toda a estranheza dele me deixa confusa ao ponto que me sinto quase doente. E ao atravessarmos a sala de estar, noto que há uma bolsa vinho de couro sobre uma das mesas, indicando que May também está aqui. — Onde está todo mundo?
Peter se afasta ao seguir na direção da geladeira enquanto me sento no balcão da pia, sentindo os ossos em minha coluna e ombros rangerem com o movimento após tantas horas em uma posição nada confortável ao digitar. Cruzo minhas pernas quando ele ergue as mangas ao se abaixar para procurar algo na enorme geladeira, a barra do moletom se erguendo e expondo a sua pele, os sinais em sua costa aparecendo rapidamente. Devido a falta de uma recepção calorosa como de costume, eu desvio os olhos para o relógio na parede.
Algo certamente aconteceu.
— May e a Srta. Potts estão vendo os testes para o vestido lá em cima — Sua voz está um pouco apertada pela posição, mas Peter faz questão de me responder antes de se agachar na sua busca por algo que eu possa comer. E o conhecendo bem, eu evito mencionar que há torradas e geléia na porta da geladeira, afinal, duvido que vá conseguir comer algo me sentindo tão enjoada assim. — E o Tony ainda está no laboratório com uma proposta que está lendo… — Sua celebração é curta ao se levantar e balançar um pote de vidro para mim, lábios torcidos em um sorriso fraco. Pela aparência, está claro que é algo caseiro e muito melhor que torrada, mas não sei se consegui demonstrar alguma animação. — Seu jantar, Srta. Stark.
— Lasanha da May? — Indago com uma tentativa de soar satisfeita, mesmo que meus ombros encolham-se instintivamente com a desconfiança que sinto. Peter assente ao abrir a tampa ao chegar mais perto de mim, a deixando solta antes de pôr o pote no microondas. — Obrigada. — Suspiro ao esfregar as mãos no jeans que uso, aguardando que ele termine de configurar a temperatura do microondas. — O que está lendo?
— O Tony comentou sobre querer implementar o uso dos chips para os estagiários — O moreno se apoia na pia, cintura pressionado na lateral de meu joelho e uma das mãos grandes apoiada em meu quadril. Apesar da altura do balcão, eu ainda preciso erguer um pouco o queixo para receber um selar delicado em meus lábios e um breve acariciar de seu nariz no meu, ambos os toques singelos fazendo meu coração acelerar. Certo. Estamos bem de novo? — Então estou lendo sobre eles.
— Ah… — A informação me pega de surpresa. Sim, eu havia comentado com Tony sobre os chips em um momento anterior ao meu inicio no projeto, mas é estranho que Peter seja o encarregado disso. Minha reação parece confirmar algo, principalmente pela forma que Pete se afasta um pouco e corrige a postura, e eu logo entendo o motivo da sua então falta de entusiasmo ao me ver. Ele está nervoso. — Bom, eu acho que é ótimo que aprenda sobre eles.
— Ele me disse isso, mas... — Quando engole em seco e desvia o olhar do meu, a sua hesitação se escancara. A forma que ele me olha revela o motivo de sua estranheza e desconforto nos minutos que se passaram, a mandíbula apertada deixando bem clara a sua irresignação e irritação, e seus olhos atentos a cada piscar meu. — Sinto que tô traindo sua confiança. — Justifica-se, o alivio de falar a verdade lhe fazendo suspirar. — Entendo o “medo” de vocês — As aspas no ar são feitas cheias de ironia e eu abaixo a cabeça. Peter ainda não entende que não há ironia na minha condição. Apesar de conhecer, até certo ponto, a extensão de meus poderes, Peter sente que está me traindo ao tentar se proteger deles. E eu poderia me encantar com sua ingenuidade, se ela não me preocupasse. — Mas não consigo pensar na possibilidade de um dia não poder confiar em você ao ponto de precisar deles.
— Mas eu tenho medo de que um dia vá precisar, Pete — Levo minha mão para o seu rosto, afagando a curva abaixo de seus olhos. Peter respira contra minha palma, ainda mantendo os olhos fixos em mim e estudando minha expressão apesar da sua poder ser resumida na mais pura descrença. É amável, senão assustadora. — Por isso, quanto mais pessoas souberem deles, e mais pessoas os usarem, mais seguros todos vão estar.
, eu não acredito. Estamos falando de você, não de alguém em que não podemos confiar. — Seu toque em meu pulso é quente e eu sinto quando seu dedão caça o pulsar das minhas veias. — May tá aqui porque você pulou num rio congelante pra salvar ela, eu tô aqui porque você salvou a minha vida na noite do último baile, o Sr. Rhodes anda por que você ajudou ele... — Os argumentos lhe escapam quando Peter respira fundo, apoiando a outra mão em minha perna. Eu afago a sua destra, tentando me distrair com as veias saltadas e ignorar a sua teimosia. — Olhando ao redor e pra tudo o que fez, as vidas que salvou, o amor que demonstra, o seu cuidado… — Ele vira a mão e entrelaça nossos dedos assim que solto seu rosto, buscando chamar a minha atenção. O leve puxar da minha mão me faz lhe olhar: — Não pode me pedir para acreditar nisso.
— Também não quero acreditar mas isso me faz sentir segura — Tento lhe convencer, mas Peter balança a cabeça, mais irresignado ainda. — Eu preciso saber que vão estar seguros caso o pior aconteça. Caso um dia… — Eu respiro fundo, escorregando da pia para segurar em seus braços e tentar soar os mais segura que posso. — Caso um dia as mesmas pessoas que me forçaram esses poderes consigam me tirar daqui e me... — A mera ideia de um distanciar é rápido em lhe assustar, a menção de quem me tornou quem sou, também. Peter franze as sobrancelhas, formando rugas em seu rosto. — Me ferir ao ponto que eu me torne alguém como eles e, nesse caso, quero ter certeza que estarão a salvo. — Assento as mãos no seu peito, olhando em seus olhos ao confessar: — Tenho medo do meu passado, e tenho ainda mais medo de pensar no meu futuro.
A justificativa faz Peter frisar as sobrancelhas e umedecer os lábios. Ele ainda não crê.
— Já que estamos falando de futuro, eu… — Se Peter ainda resiste, não vejo momento melhor para ser sincera com ele, mesmo que sinta um queimar atrás de meus olhos e um aperto no pescoço. Quando noto o quão atônito a menção do futuro o deixa, faço questão de respirar fundo e afagar seus braços. A falta de comunicação quase nos separou antes, e eu me recuso que isso aconteça outra vez. — Os meus pais estão planejando me apresentar para os Osborn, a família da Gwen e do Dr. Richards, como filha deles.
— Caramba… — Ele sussurra com a notícia, mas sua voz se esvai quando o microondas apita. Eu mordo o lábio com força quando Peter se afasta após um pedido rápido de desculpa, remove o pote de vidro do interior do eletrodoméstico e descansa a refeição fumegante na pia antes de virar-se para mim de novo. — E o que você acha disso? — Pete apoia as mãos em meus quadris, respirando fundo assim como eu fiz. — Nós estamos feliz ou tristes?
Fico na ponta dos pés e beijo seus lábios. Nós. Pete não decide seu posicionamento até saber o meu. O fato de se importar assim é tão valioso quanto ele é.
— Por mais louco que seja, eu concordei — Confesso com um suspiro. — Concordei pois sinto que estou em uma fase boa. Estou tomando meus remédios, às vezes apareço na terapia… — Peter faz a gentileza de fechar os olhos um milissegundo antes de os revirar. E eu beijo seu queixo em um pedido de desculpas. — Mas, eu falei para eles que, antes de definitivamente assumir quem eu sou hoje, preciso deixar o meu passado de mão. — Seus olhos se abrem para mim, e ele não aparenta confusão, portanto, sei que me entendeu. Eu removo as suas mãos de mim, mas as seguro firmemente ao prosseguir: — Somente quem sabe de tudo são os Vingadores, a Dra. Hall, minha mãe e a Agente Hill — Eu lhe explico com calma, ciente que o seu peito sobe e desce com um pouco mais de rapidez. Se fosse outra pessoa, eu não repararia. Mas é Peter e eu me orgulho de o conhecer. — O Happy e Rhodes não quiseram saber e eu respeito a escolha deles.
— E agora é a minha vez de escolher. — Peter sussurra, assentindo devagar.
— É.
— Eu escolho saber. — A sua resposta é mil vezes mais segura do que eu imaginei que seria. Quase me surpreende. — As vezes me preocupo de exagerar demais o que imagino, então eu lembro dos seus pesadelos, dos seus poderes e dos seus sacrifícios. — Peter deseja conhecer a verdade e agora meus medos e pesadelos parecem despertar. Como eu lhe direi a verdade? A sua sinceridade me acovarda. — Sempre que considero que pode ser algo nem tão terrível, me lembro de como você aguenta sentir dor por muito tempo e conseguiu ignorar uma perfuração que quase atravessou a sua perna. Ou a exposição a radiação da Jóia Chitauri. Os tiros na Arena. — Ele balança a cabeça, afastando tais memórias e eu engulo em seco. Seus olhos se mantêm fixos nos meus ao garantir: — Se é mais uma parte de quem é e que quer dividir comigo, eu quero saber.
Reunindo toda a coragem que consigo, eu solto as suas mãos devagar, correndo meus dedos por meu cabelo bagunçado pelo gorro que usei, tentando o arrumar enquanto luto para pôr meus pensamentos em ordem.
— Certo. — Esfrego minha boca com os dedos, decidida a prosseguir antes que minha covardia saia vencedora, afinal, não imagino que terei forças para lhe contar a verdade em uma outra ocasião. Ou sequer tocar no assunto. — Sabe sobre meus pais biológicos, sabe do acidente. Mas o Tony descobriu que, muito provavelmente, eu fui dada como morta no acidente e somente perceberam que eu estava viva na ambulância. — Peter apoia a costa na pia, os olhos fixos no chão. Ele concorda com a cabeça após um instante, localizando-se na linha do tempo. E eu suspiro.
Decido prosseguir, mesmo que sinta nada além de medo.
“Fui para um orfanato, como você sabe. E lá, nesse orfanato em Londres, um homem demonstrou interesse em me adotar. O nome dele era Brock Rumlow e ele me adotou pagando uma quantia absurda para uma das Madres para “pular a parte da papelada”. E ela aceitou. O Rumlow então me buscou no orfanato e levou até um avião, que ao invés de me levar para a linda casa que ele prometeu à Madre Kavnosh, me levou em uma jaula até Sokovia. Lá, eu fui admitida em um projeto chamado EXODUS, que era apadrinhado por um grupo seleto de cientistas da HYDRA, onde o nome que eu havia recebido no orfanato foi substituído por C-5, identificando minha idade e a suposta nota que recebi na avaliação. Eles avaliavam o porte físico, habilidades de fala, motora, bem como a saúde dos objetos de estudo. Na primeira fase, eram vinte e quatro crianças, mas somente eu e mais cinco sobrevivemos ao treinamento."
"Nos treinavam em combate, manuseio de armas, técnicas de sobrevivência, primeiros socorros, linguagens, ciências... Todo o treinamento que um soldado teria, nós recebemos sem obstáculo algum apesar da pouca idade. Mas, antes disso, passei sete a oito meses presa em uma cela no porão do Castelo, e que fazia parte da técnica da HYDRA de nos desumanizar. Antes de sermos "presenteados" com os “nossos” poderes, todos fomos torturados das piores formas possíveis, variando de criança para criança a depender de como reagiamos ao ambiente ao nosso redor. E sendo crianças, cada dor nova era a pior das nossas vidas e nós tentávamos evitar não precisar senti-las de novo.”
“Lembro de uma ocasião onde fui ferida durante um dos treinos, já que estava tão anêmica e fraca que quebrei alguns dedos antes, e outros depois de ser punida pela performance deficiente. E quando o Rumlow veio visitar a minha cela, quando tentou tocar em mim, eu cuspi nele. O que demonstrou que a lavagem cerebral feita até o momento, não havia funcionado. Então passaram a me torturar com mais afinco que os demais, tentando quebrar o resquício de dignidade que havia restado para que eu recusasse o suposto conforto que somente a HYDRA poderia me oferecer. Pau de arara, afogamentos, choques elétricos, geladeira, cachorros selvagens, espancamentos... Tudo isso para conseguirem ter controle sobre nós.”

— Até hoje eu tenho pesadelos com ele. Com demais oficiais também, mas o Rumlow é o mais recorrente. Tenho pesadelos que ele está ferindo os meus pais, ferindo a Natasha e me ferindo de novo. Por sorte, por saber quem é, eu sei que não conseguiria machucar você e sei que é o único motivo de não estar nesses episódios. — Minhas unhas estão rompendo a pele de minhas palmas pela força de meus punhos. As memórias me causam uma dor física tão grande que preciso me distrair com outra. — Algumas vezes, eram os médicos que pediam que ele evitasse me bater. Pois estavam frustrados demais em consertar meu rosto se ele só ia estourar os pontos de novo toda vez que eu fosse insolente. E até um ano atrás, tinha pesadelos em que ele me encontrava e me levava de volta. E eu tinha mais medo de me levarem viva, do que me matarem aqui.
“Então, quando fiz doze anos, começaram os experimentos utilizando o Cetro do Loki, que Rumlow havia roubado enquanto se passava por um oficial da STRIKE. E, longa história curta, foi devido ao nível de radiação a que fui submetida nos meus últimos dois anos na HYDRA, que aquela Jóia Chitauri em Washington não me matou. Muitas vezes saía arrastada da sala de testes, com sangue escorrendo dos ouvidos, quase cega e tão doente que até mesmo cavaram uma vala para mim enquanto os médicos tentavam me consertar. Isso até descobrirem que a única coisa que poderia impedir que a radiação matasse os objetos de teste era o Soro do Super-Soldado. Então injetavam doses enormes da fórmula que criaram, mas que matava as crianças de febre e choque, ou afetavam tanto a cognição que elas se matavam batendo a cabeça nas paredes, enfiando bisturís nos olhos...”
“Para surpresa de todos, eu que entrei como a mais fraca e insolente de todo o projeto, fui a única a sobreviver à última fase. Assim que consideraram que eu havia tido um bom resultado, fui realocada de volta para Sokovia na época que os Gêmeos Maximoff se juntaram à HYDRA. Quando demonstramos o mínimo de controle sobre os poderes, eles começaram a nos mandar em missões.”
“Assassinatos, em sua maioria. A HYDRA me transformou em uma arma, mas tudo o que fiz, tudo o que fui obrigada a fazer em nome deles, foi… Foi tão cruel contra as vítimas, quanto foi para mim. E a Dra. Hall me ajudou a entender isso. Me ajudou a entender que as mortes que me forçaram a causar evitaram a minha própria. Me mantiveram viva para viver essa vida aqui. A culpa pela dor que eu causei em nome da HYDRA, ela não vai embora, mas saber que era uma peça no jogo de outra pessoa alivia o peso.”

— Tem todo o tempo do mundo para absorver isso, Peter — Aperto meus dentes com força suficiente para meu rosto doer como se houvesse levado um soco. Peter não se moveu, mantendo a mesma posição de quando comecei a falar e eu sinto vontade de chorar. — E… Eu entendo que, que pode ter mudado a sua opinião sobre mim e que esteja repensando tudo o que… Tudo. — O aperto em minha garganta é sufocante quando lhe garanto: — É mais que justo que o faça. — Apesar de minhas palavras, sinto minhas mãos tremerem e meu sangue correr frio.
Não me recordo de sentir tanto medo. Ou sequer sentir medo perto de Peter.
— Essa é a última coisa que guardei de você e agora que tudo vai mudar, não quero carregá-la comigo. — O pavor por sua reação, no entanto, me devora viva. — Eu… Não quero pensar no futuro agora, como já disse. Só estou deixando que as coisas aconteçam da maneira que devem. Então… — Arquejo com o choro que se forma em minha garganta, ondulando minha voz. — Da mesma forma que o respeitaria se você optasse por não saber, eu respeito a decisão que tomar agora que sabe da verdade.
Não me movo quando ele se afasta da bancada e vem até mim, mas começo a chorar quando Pete me abraça com tanta força que expulsa um soluço para fora de meu corpo. Ser digna do seu toque após lhe confessar a verdade me faz chorar ainda mais, todo meu corpo tremendo ao fincar minhas unhas em sua costa e deixar todas as lágrimas que segurei pelos longos minutos de minha confissão cascatearem por meu rosto. Sinto suas mãos em meu cabelo, minha costa e suas costelas se chocarem com as minhas quando Peter também soluça, os lábios apertados contra a minha cabeça e suas lágrimas também molhando a minha testa.
Eu choro contra sua camisa por uma quantidade de tempo que não consigo cronometrar, baixinho e soluçando tanto que ele se preocupa e dá para trás no limite que meus braços permite, me olhando através de suas próprias lágrimas. Soluços me escapam enquanto Pete esfrega meu rosto com as pontas dos dedos, sua própria face vermelha e úmida por lágrimas incessantes não lhe preocupando ao tentar secar meu rosto.
— Antes do Natal, no restaurante, você me agradeceu por não contar tudo pra May — Fecho os meus olhos com força. Sua voz embargada e tão mexida me causa uma dor física. — Porque as pessoas mudavam ao saber de tudo. Eu disse que não mudaria e não vou mudar — Peter é interrompido por um fungar, então um respirar fundo que se obriga a dar antes de me abraçar outra vez. Ele o faz com toda a força que pode sem quebrar os meus ossos. — Eu jamais vou mudar com você, . — Sua boca está pressionada em minha têmpora quando fala, a vibração reverberando por mim em ondas que lutam para me acalmar junto à sua promessa.
E eu confio em Peter mais do que em qualquer outra pessoa.
— E é horrendo que precise se curar sozinha de coisas que não são a sua culpa. Que esses pesadelos não vão embora de vez. Que precisou passar por tudo isso. — Peter se afasta, segurando meu rosto entre suas mãos igualmente trêmulas. Seus olhos estão avermelhados e seu nariz também, escancarando a força de suas emoções. — Não deveria ter passado por nada daquilo que fizeram com você ou deveria ser assim depois de tudo o que passou.
Eu seguro nele com força, tentando respirar fundo, mas sempre sendo interrompida por uma onda de choro.
— Não consigo entender como ainda levanta da cama, come e respira. — Peter soluça, beijando minha bochecha ao me abraçar de novo, me mantendo tão perto que sinto que poderiamos nos tornar um só. Estou com os olhos fechados quando os lábios quentes dele se pressionam contra minha pálpebra, mas mesmo assim estou chorando, me retraindo novamente quando enterro meu rosto em sua clavícula, respirando contra sua pele morna. — Eu não sei como sobreviveu a tudo aquilo e não deixou que isso te matasse.
— Matou um pouquinho — Consigo suspirar, fechando meus olhos e tentando me acalmar da melhor forma que posso. — A minha infância morreu ali — Eu o seguro com mais força. — Mas quando eu cheguei aqui e tive tempo de viver, a Natasha me contou sobre como nossas circunstâncias eram semelhantes.
“Como mataram a infância, adolescência e parte da vida adulta dela. E eu pensei a mesma coisa que você. Não dessa forma que pensa, porquê não conhecia nada além da Hydra e a cada minuto olhava para porta, esperando que viessem me buscar. Mas a Nat me lembrou que, apesar de terem matado muitos anos dela, ela ainda teria vários. E eu mais ainda. A Hydra enterrou a minha infância, não a minha juventude. Não levou todos os meus anos consigo. E com o meses, o tempo que eu passava encarando a porta e esperando eles me encontrarem foi diminuindo.”
Peter volta a tentar secar meu rosto, tão gentil que chega a ser absurdo. Lhe contei a verdade sobre minha origem, sobre os horrores que passei e pratiquei em nome da sobrevivência e, ainda assim, ele me toca como se eu fosse feita de porcelana. Meu coração dói quando noto que a gola de seu moletom está escurecida pelas lágrimas que ele deixou cair e, mesmo com o tremor que ainda não foi embora, eu também me dedico a enxugar o seu rosto enquanto tento conter o choro quando ele funga e seus ombros sacodem. O fazer chorar ou sofrer me causa dor como um tiro e eu pressiono os lábios na sua mão que seca meu rosto.
— Não chora — Imploro com a voz embargada. — Se não eu vou chorar mais e não sei se ainda tenho lágrimas.
— Desculpa. — Peter ri choroso, afagando minhas bochechas e fechando seus olhos, um rio de lágrimas molhando sua face com o ato simples.
— Não precisa pedir desculpas — Sussurro para ele, me desculpando. — Não contei a verdade antes porque não queria que se sentisse assim. Não queria que sentisse pena de mim.
— Você não sente? — Há uma certa revolta em sua voz ao enxugar suas lágrimas com um esfregar da manga do moletom. A rispidez deixa sua face mais rubra ainda, mais lágrimas se formando em seus olhos ao me olhar com horror. — Sabe que pode sentir pena, certo? Sabe que... — Peter mantém o mesmo raciocínio de quanto ouviu sobre meus pais biológicos, apoiando que eu deixe meus sentimentos falarem alto, mas eu me recuso. — Que pode gritar e destruir o mundo inteiro e ainda não vai ser o suficiente?
— Eu prefiro sentir paz. Agora. Aqui, com você — Aperto meus olhos quando usa a outra manga da roupa para secar meu rosto, com uma suavidade dispare da que aplicou nele mesmo. — Acabou. — Eu sussurro, abrindo os olhos após Peter correr a ponta do dedão por meus cílios e coletar as gotas deles. Suas irises ainda estão tempestuosas ao focarem-se nas minhas. — A HYDRA ainda existe e o risco ainda existe, mas eu estou aqui. Mais forte, mais preparada. — Vejo a sua luta interna para assentir.
Peter é mais forte do que pensa e eu sou grata por isso. Talvez nós tenhamos que conversar muito mais sobre isso, mas ele se demonstra satisfeito por enquanto e eu não consigo imaginar como lhe agradecer por engolir toda a sua revolta e preocupação.
— Eu não quero viver o resto da minha vida com medo.
O toque de sua boca na minha é úmido, quente e rápido, mas não menos amoroso.
— Eu não ligo, antes que pergunte — Peter sussurra para mim, sua testa encostada na minha por um momento antes de ele a beijar também. Meus lábios estão tremendo quando ele os beija de novo, selando a promessa de que jamais mudaria. — Não teve escolha. Não como a que foi dada aos Maximoff. — A menção de Wanda e Pietro me faz suspirar, balançando minha cabeça ao tentar lhe explicar a situação deles. Mal consigo sussurrar um “Peter, eles eram…” Antes dele Peter me interromper, os olhos voltando a assumir a escuridão de sua raiva justificável. — Eram mais velhos que somos agora. Deveriam saber melhor. — Não ouso lhe contradizer, principalmente por saber ser o mesmo que minha mãe pensa sobre os gêmeos. — Mas você não tem culpa do que precisou fazer. Não pediu para estar ali. Não pediu pra ter de escolher.
— Ainda assim eu escolhi.
— Não altera nada — Suas mãos seguraram meu rosto com firmeza, como se pudesse chacoalhar até que suas palavras penetrassem bem em meus ouvidos. Há algo poderoso debaixo da superfície dele agora que Peter sabe a verdade. Uma raiva obscura que somente vi em Tony e em Pepper. Ao passo que pensei que ele sentiria pena, há uma óbvia vontade de bater de volta em quem foi responsável por me machucar. É vil e compreensível. — Eu já esperava algo assim. Talvez menos cruel e horroroso. Mas esperava algo assim. — Ele é sincero e não mede suas palavras. Minha vida foi cruel e ele deseja que eu saiba. Não para me ferir. — Não muda nada. — Peter me garante, olhos fixos nos meus. — Continua sendo a mesma pessoa que era um minuto antes de me contar e em quem eu confio cegamente. — Vejo quando a ferocidade em sua face se amansa. Peter respira e afaga meu rosto, os dedos calejados arrepiando minha pele. — Eu amo você.
A força de sua declaração me faz sorri e chorar um pouco mais.
— Eu também te amo. — A resposta é automática, semelhante ao acelerar de meu coração.
— Você me ama? — Peter sussurra a pergunta, lábios úmidos por suas lágrimas e um sorriso tentando surgir neles enquanto me olha.
— Sim — Eu fungo, assentindo e sem saber como parar de sorrir. — Tipo, pra caramba. — Confirmo novamente. O farei quantas vezes for necessário. Há algo se espalhando por mim, tao puro e límpido que não lembro jamais ter sentido. É lindo como o sorriso de Peter e puro como a sua risada com minhas palavras.
— Pra caramba… — Ele arfa, a testa encostando na minha.
— Aham — Garanto. Eu respiro o ar que ele sopra. — Já estou até falando como você.
— Eu te amo — Peter repete e a sensação se amplifica. É felicidade, eu sei. É a mais pura e inalterada felicidade. Poderia lhe ouvir falar isso por toda a minha vida. As palavras são belas e o seu tom ao soprá-las para mim me deixa sem ar. “Eu sei” Tento lhe lembrar, sentindo-o beijar os meus dentes pois é impossível que eu deixe de sorrir. — Eu te amo muito.
— Não é pra tanto. — Tento intervir, mas Peter me abraça e eu perco as forças para tal.
— É sim. — Ele balança a cabeça, beijando cada pedacinho de mim que consegue, o seu sorriso enorme evidente em sua voz ao repetir: — Te amo, te amo, te amo...


Continua...

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Nota da autora: FINALMENTE SAIU UM “EU TE AMO” DESSE CASAL! <3
e Peter, meus protegidos, finalmente falaram as três palavrinhas mágicas.

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