Codificada por: Sol ☀️
Última Atualização: 20/04/2025.— Escuta, eu não queria te deixar na mão. Você é um cara esforçado, sabe? — ele disse, com aquele tom que misturava pena e alívio por não ser ele quem ia ficar desempregado. — Então, consegui algo temporário para você. É uma experiência curta, mas com potencial.
Potencial? Eu devia ter desconfiado.
— Você vai ser o novo secretário da CEO da Domus Enterprises. Ela é… única. — Ele disse a palavra "única" como se fosse um eufemismo para algo inconfessável. — A ideia é que você fique lá enquanto o RH encontra alguém definitivo.
Não era bem uma proposta — era mais um ultimato.
— Se você aguentar até eles encontrarem uma nova secretária, eu te dou um aumento quando você voltar. Mas se ela te demitir antes disso... bem, boa sorte por aí.
Eu estava sem escolha. Aceitei, pensando que, no máximo, teria que aturar alguma chefe autoritária e com mania de grandeza por umas duas ou três semanas. Como dizia minha irmã, “todo mundo tem um preço, e o seu é bem baixo”. Naquele momento, o preço era a promessa de um aumento e a esperança de não voltar para casa morando com ela e dividindo o último pacote de macarrão instantâneo.
No dia seguinte, eu me vi em frente ao prédio da Domus Enterprises, tentando não suar nas mãos enquanto me apresentava à recepcionista. Eu estava prestes a conhecer a lendária CEO que fazia todas as suas secretárias fugirem como se o próprio inferno estivesse as perseguindo.
Eu não sabia como seria meu futuro ali. Mas tinha certeza de uma coisa: esse emprego temporário não seria apenas mais uma linha discreta no meu currículo. Alguma coisa me dizia que, ao fim disso, eu teria histórias o suficiente para escrever um livro. E talvez, se sobrevivesse, até mesmo um aumento.
— Primeiro dia? — ela perguntou, como se não fosse óbvio.
— Sim. Alguma dica? — tentei soar descontraído, mas meu nervosismo vazava em cada palavra.
— Boa sorte, é o que posso dizer. — E riu, como se eu fosse o protagonista de uma comédia de erros que ela já assistira muitas vezes.
O elevador chegou com um ding que parecia mais alto do que deveria ser, ou talvez fosse apenas meu coração disparado ecoando em meus ouvidos. Quando as portas se abriram no andar da presidência, a atmosfera mudou completamente. O silêncio era tão absoluto que eu podia ouvir o som dos meus sapatos contra o chão impecável de mármore.
Uma assistente com um sorriso forçado me conduziu até a sala principal, onde ela aguardava. Minha nova chefe.
O escritório dela era uma obra de arte do design minimalista e luxuoso. As paredes eram de um branco impecável, interrompidas apenas por prateleiras embutidas que exibiam livros de negócios, prêmios e algumas poucas esculturas modernas. A mesa dela, feita de vidro e aço escovado, estava impecavelmente organizada, com um notebook prateado no centro e uma caneta de tinta preta estrategicamente posicionada ao lado. Atrás dela, enormes janelas iam do chão ao teto, oferecendo uma vista espetacular da cidade, com prédios que pareciam competir em altura com o céu. O contraste entre a vista vibrante e o ambiente frio do escritório deixava claro que aquela sala era feita para impressionar e intimidar.
Uma mulher estava sentada em uma cadeira que parecia mais um trono de couro preto. A luz que atravessava as janelas enormes dava à sala um ar teatral, destacando seus traços impecáveis. Ela tinha um semblante firme, os cabelos presos em um coque elegante e uma postura que exalava autoconfiança. Por um momento, enquanto tentava processar toda a cena, não pude evitar pensar: "Incrível como ela é bonita." Era o tipo de beleza que intimidava, algo que combinava perfeitamente com o ambiente frio e calculado daquele escritório. Seu olhar atravessou o espaço até mim com a precisão de uma flecha. Eu não precisava de apresentações para saber que aquela era a CEO da Domus Enterprises, .
— Então você é o substituto improvisado, é isso? — ela perguntou, sem levantar os olhos da tela do computador.
— Sim, senhora. Quero dizer, sim, sou eu. — Eu odiava o som da minha voz naquele momento.
— Não me chame de senhora. Parece que estou contratando um mordomo. Me chame de... Srta. . — Ela finalmente olhou para mim, com uma expressão que misturava impaciência e curiosidade. — Qual é o seu nome mesmo?
— .
— . Certo. Vamos ver se você dura mais que o último. — E com isso, ela voltou sua atenção para o computador, claramente me dispensando.
Os minutos seguintes foram um borrão de ordens rápidas e instruções confusas.
— Quero que você pegue a planilha de desempenho da equipe de vendas. Ela está na pasta compartilhada e, por favor, me diga que você sabe usar o sistema interno.
— Sim, claro! — Respondi, mesmo não tendo a menor ideia do que era "pasta compartilhada" naquele contexto.
— Depois, ligue para o fornecedor da campanha de mídia e pergunte por que a apresentação de layouts ainda não foi enviada. Você consegue fazer isso em 15 minutos? Porque eu preciso disso antes da próxima reunião.
Eu apenas assenti freneticamente enquanto anotava as instruções em um bloco de notas improvisado — uma folha sulfite que eu encontrei em cima da mesa.
— Ah, e café. Forte, sem açúcar. Você vai encontrar a cafeteira na sala ao lado, mas não demore. E nada de café frio.
Antes que pudesse responder, ela continuou:
— Aproveite e imprima as notas da última reunião com o comitê financeiro. Estão no meu e-mail, enviei para você agora. Você sabe usar o e-mail corporativo, né? Se não souber, bem… aprenda rápido.
Enquanto corria para cumprir a lista interminável, percebi que ela nem sequer esperava confirmação de que eu entendera tudo. Era como se minha presença fosse algo tão automático quanto um aplicativo respondendo a comandos. Entre idas e vindas, os detalhes da minha missão pareciam aumentar a cada passo.
Primeiro, o café. A sala de café, escondida em um canto pouco iluminado, parecia um labirinto para alguém que estava ali pela primeira vez. O café era forte demais e o copo tremia na minha mão enquanto eu voltava para entregá-lo. Ao colocá-lo à mesa dela, ela sequer olhou para cima.
— Finalmente. Agora me explique por que ainda não ligou para o fornecedor?
— Já estou fazendo isso — menti, enquanto abria o meu notebook em uma mesa improvisada na sala dela, se é que aquilo poderia ser chamado de mesa. Eu estava mesmo ferrado nesse trabalho.
Quando consegui acessar o sistema, percebi que as planilhas que ela mencionou estavam em uma pasta que exigia permissões que eu não tinha. A chamei para perguntar, mas ela levantou uma sobrancelha e apenas apontou para o telefone.
— Resolva. Se precisar de permissão, fale com TI. E não venha me perguntar sobre coisas que você deveria saber resolver sozinho.
Eu me senti como uma criança sendo repreendida pela professora e voltei correndo para o telefone. Ligar para o fornecedor foi outro desafio. Eles não atendiam, e quando finalmente consegui falar, a pessoa do outro lado parecia não ter a menor ideia do que era a apresentação que ela mencionara. Enquanto tentava esclarecer, senti o olhar dela atravessando meu crânio.
— Alguma novidade? — ela perguntou, cruzando os braços.
— Eles estão verificando — respondi, sem mencionar o fato de que ainda não sabiam do que eu estava falando.
Ao final da tarde, minha folha sulfite improvisada parecia uma zona de guerra. Havia setas, palavras rabiscadas e lembretes de coisas que eu provavelmente não entenderia mais tarde. Quando finalizei a impressão das notas do comitê financeiro e as entreguei, ela pegou os papéis, folheou por dois segundos e disse:
— Você imprimiu isso em preto e branco? Da próxima vez, quero em cores. Estamos em 2025, . Não em 1998.
Assenti, sem energia para discutir que ninguém havia me dito nada sobre isso. Quando finalmente me sentei para respirar, ela me chamou, de novo.
— Preciso que você me envie por e-mail um resumo das notas para o time de marketing. Mas revise antes. Não vou tolerar erros.
No fim do dia, percebi que não tinha comido nada e que minha energia estava no limite. Cada vez que eu pensava em ir comer, ou pensava em ir ao banheiro, sentia como se fosse avaliado em uma escala invisível de competência. Era oficial: eu não passava de mais um peão no xadrez dela. Necessário, mas facilmente substituível.
Minha casa era um pequeno apartamento no terceiro andar de um prédio antigo, mas bem cuidado. O prédio tinha um charme peculiar: as janelas tinham caixilhos de madeira pintados de branco, e a entrada era decorada com plantas em vasos de barro, cortesia dos vizinhos do térreo. Subir as escadas era quase um ritual. Os degraus rangiam a cada passo, lembrando-me do peso do dia que eu carregava.
As paredes do corredor de entrada do meu apartamento estavam decoradas com alguns dos meus desenhos, emoldurados de forma improvisada. Eram retratos que eu fazia para passar o tempo, misturando pessoas imaginárias e paisagens surreais. Clara dizia que isso fazia o lugar parecer mais nosso, menos um aluguel genérico. Sempre tive vontade de seguir no ramo da ilustração, mas nunca pude devido a fatores financeiros, então havia se tornado um hobby para mim. Quem sabe um dia eu possa me dedicar mais a isso?
A sala de estar, embora pequena, era aconchegante, com um sofá cinza que eu comprei em uma promoção e uma mesinha de centro cheia de livros e HQs, equilibrando o caos com algum charme. A TV, que ocupava boa parte da parede oposta, era provavelmente o item mais moderno do apartamento. Clara tinha insistido que era um investimento para nosso “tempo de qualidade”, embora ela passasse mais tempo maratonando séries do que eu.
Em casa havia sempre um cheiro de café misturado com a lavanda do aromatizador que minha irmã insistia em comprar. Clara dizia que o cheiro tornava o ambiente mais acolhedor. Eu achava que era uma forma de esconder o odor persistente do tapete velho que não importava quantas vezes fosse lavado, parecia nunca mudar.
Clara e eu vivíamos sozinhos em São Paulo. Ela havia passado no vestibular e, sem pensar duas vezes, abri as portas do meu apartamento para acolhê-la. Enquanto isso, nossos pais continuavam morando no interior do Tocantins, distantes da correria e das luzes da cidade grande.
Joguei minha mochila no chão da sala assim que entrei e me sentei no sofá como se fosse um sobrevivente de um apocalipse corporativo. Minha irmã mais nova apareceu na porta da cozinha com um saco de pipoca na mão e uma expressão confusa no rosto.
— Você parece que foi atropelado por um caminhão. Tudo bem? — perguntou, jogando um grão de pipoca na boca.
— Não, Clara. Definitivamente não. — Suspirei e fechei os olhos. — Primeiro dia de trabalho e eu já quero pedir demissão.
Ela riu e se sentou ao meu lado, empurrando o saco de pipoca para mim.
— O que aconteceu?
— A chefe. Ela é… infernal. Um demônio em salto alto. Eu mal entrei na sala e ela já estava me jogando uma lista infinita de tarefas. E o pior é que ela não explica nada. Só manda. E se você não adivinha o que ela quer, é tratado como idiota.
Clara arregalou os olhos, pegou mais um punhado de pipoca e respondeu:
— Parece até cena de filme. Mas você conseguiu fazer tudo?
— Na verdade, não. Quase tudo deu errado. Café errado, impressão errada, telefonema perdido… Eu me senti como um extra em um filme de desastre.
Ela me deu um tapinha no braço, tentando me animar.
— Relaxa, . Amanhã vai ser melhor. Talvez ela só estivesse testando você.
— Testando minha sanidade, isso sim.
— , pensamento positivo, hum? E como ela é? Tem quantos anos? Fiquei curiosa.
— Ela é uma mulher bonita, isso é... evidente. — As palavras escaparam antes que eu pudesse me conter, e Clara imediatamente levantou uma sobrancelha, me encarando com aquele olhar que só ela sabia dar.
— Bonita? Isso foi muito mais informação do que eu esperava. — Ela se inclinou na poltrona, claramente esperando mais. — Anda, me conta mais. Eu sei que tem algo aí.
Suspirei, percebendo que não conseguiria escapar.
— tem cerca de trinta e dois anos. Ela é inteligente, exigente, e dá para ver que a pressão que ela coloca nos outros é a mesma que ela coloca em si mesma.
— Trinta e dois? — Clara arregalou os olhos. — Relativamente nova para ser CEO de uma grande empresa. E só cinco anos mais velha que você! Isso não te intimida nem um pouco?
— Clara, ela intimida qualquer pessoa. Mas não é a idade, é a presença dela. Quando ela entra na sala, parece que o ar simplesmente muda.
Clara deu um sorriso debochado, claramente se divertindo com a minha descrição.
— Então, ela é tipo uma vilã de filme, só que muito gata?
— Não ajuda. — Revirei os olhos. Clara soltou uma gargalhada e se ajeitou no sofá. Depois de uma pausa, ela mudou de assunto, talvez percebendo que eu precisava de um respiro.
— Você acha que seu dia foi ruim? Meu professor de cálculo hoje resolveu passar um monte de exercício de revisão, como se não bastasse a quantidade de trabalho que eu já tenho. Sério, ele só pode estar de implicância.
Eu ri, balançando a cabeça. Clara cursava engenharia, então matemática fazia parte de sua rotina.
— Você sempre acha que os professores estão de implicância.
— Porque eles estão! — Ela deu um sorriso irônico. — Mas olha, nem tudo foi péssimo. Eu acho que estou me apaixonando pelo Marcos.
Aquilo me pegou de surpresa.
— O Marcos? Aquele do seu grupo de estudo? Achei que vocês eram só amigos.
— É, mas ele é tão atencioso, sabe? E tem umas conversas que… Sei lá, acho que ele gosta de mim também. — Ela desviou o olhar, como quem não queria admitir muito mais.
— Então vai em frente. Só tome cuidado para ele não te distrair tanto que você acabe errando as contas no cálculo.
— Pode deixar… Aliás, você falando de romance… E ai, ainda solteiro?
— Por escolha. Acredite, é melhor assim. Um relacionamento agora só ia complicar minha vida. Quer dizer, ainda estou vendo a Amanda de vez em quando, mas não é nada sério. Ela entende que não quero compromisso.
Clara arqueou uma sobrancelha, claramente intrigada.
— Amanda? Essa é nova. E ela tá ok com isso?
— Sim, tá tudo tranquilo. A gente sai, se diverte, mas sem pressão. É algo casual, e eu gosto assim por enquanto.
Clara balançou a cabeça, rindo levemente.
— Você é inacreditável, . Mas, se isso funciona pra vocês dois, quem sou eu pra julgar?
Ela me deu um olhar cético, como se não acreditasse muito na minha desculpa, mas não insistiu.
— Bom, se você vai continuar nessa vida de solteiro convicto, pelo menos me ajuda a escolher um filme. Hoje eu quero comédia.
Acabamos assistindo a um filme que, honestamente, nem consegui prestar atenção. Mas só o fato de estar em casa, ouvindo Clara falar sobre seus dramas da faculdade e suas paixões, já era um alívio depois daquele caos corporativo. No final das contas, a noite foi menos sobre o filme e mais sobre relembrar que, apesar de tudo, ainda havia um mundo fora daquele escritório.
Quando já estava quase pegando no sono no sofá, o som do meu celular vibrou na mesa de centro. Estiquei o braço, ainda relutante, e olhei o número: desconhecido. Suspirei, já prevendo que aquilo não seria coisa boa, mas atendi.
— falando.
— Preciso de você. Agora. — A voz autoritária da Srta. veio direto ao ponto, cortando qualquer ideia de que poderia ser uma chamada rápida.
Sentei-me imediatamente, agora completamente acordado. Como aquela mulher descobriu tão rápido meu celular?
— Ah, olá, Srta. . O que aconteceu? — tentei soar profissional, mesmo que minha voz ainda estivesse arrastada de sono.
— Preciso que você revise e envie o e-mail com o relatório de marketing que pedi. Algo tão simples não deveria demorar o dia inteiro, mas, aparentemente, você esqueceu. — Ela fez uma pausa curta, o suficiente para eu começar a formular uma resposta. — Ou talvez tenha achado que poderia deixá-lo para amanhã.
— Não, claro que não! Eu já estou com tudo pronto. Só… vou conferir uma última vez para garantir. — Levantei-me e comecei a procurar meu notebook pela sala, tropeçando em minha própria mochila no processo.
— Ótimo. Espero isso na minha caixa de entrada em quinze minutos. — E, antes que eu pudesse responder, ela desligou.
Clara, que havia observado toda a cena com uma sobrancelha levantada, deixou escapar uma risada.
— Era sua chefe, não é? A "demônio em salto alto"?
— Ela mesma. — Respondi, ainda buscando o notebook entre os travesseiros do sofá. — Parece que minha paz foi oficialmente cancelada.
Clara jogou um travesseiro em mim.
— Boa sorte, irmão. Parece que você vai precisar de mais do que quinze minutos para sobreviver nesse emprego.
Enquanto conectava o notebook e abria o e-mail, não pude evitar pensar em como ela parecia dominar até mesmo o meu tempo em casa. Era só o primeiro dia, mas, de alguma forma, a Srta. já havia invadido minha vida de um jeito que eu não conseguia ignorar.
Eu tentei chegar cedo, esperando impressionar — ou pelo menos evitar um sermão logo de cara, mas não deu muito certo, acabei chegando apenas 20 minutos antes das 08h00. O ambiente da Domus Enterprises era quase como uma cena de filme futurista: impecável, com uma decoração minimalista que fazia questão de lembrar aos funcionários que ali não havia espaço para erros. Ou para personalidade. Tudo era silencioso, exceto pelo som ritmo das teclas dos computadores e pelo ocasional clique de um salto mais apressado. Era um ambiente que quase exigia que você segurasse a respiração para não perturbar a ordem estabelecida.
Adentrei o escritório com passos apressados, quase como um vulto, e segui diretamente em direção à sala de . No entanto, ao entrar, percebi que a sala estava vazia. Sobre a mesa impecável, um pequeno post-it chamava minha atenção. A caligrafia elegante e firme era inconfundível, mesmo com apenas um dia de trabalho, eu já sabia exatamente de quem era.
Uma mensagem simples, mas escrita com a precisão de quem não admitia desculpas. A letra, claro, era da Srta. .
Olhei para o relógio e senti um leve aperto no peito: 07h48. Doze minutos. Era tudo o que eu tinha para encontrar a bendita sala de reunião número 3. Segurei o post-it em minhas mãos como se fosse meu único mapa de sobrevivência naquele labirinto corporativo e saí da sala às pressas. No entanto, antes que pudesse dar mais alguns passos, uma voz me chamou pelo nome, me fazendo parar no meio do corredor.
— , certo? O novo secretário temporário da ?
Me virei rapidamente e me deparei com uma jovem bonita de estatura baixa, traços delicados e olhos atentos que me analisavam como se estivessem decifrando cada detalhe sobre mim. Ela tinha um sorriso educado no rosto, mas havia um brilho curioso em seu olhar, como se estivesse testando a peça nova desse tabuleiro corporativo.
— Sou eu. Alguma coisa errada? — perguntei, tentando manter o tom neutro, mas já me preparando mentalmente para o pior.
— Nada de errado. — Ela estendeu a mão com naturalidade. — Sou Anelise, trabalho no administrativo. Só vim te dar algumas informações úteis... e, quem sabe, um pouco de solidariedade.
Apertei a mão dela, forçando um sorriso apesar do cansaço que já me consumia.
— Solidariedade? — arqueei uma sobrancelha, desconfiado. — Isso é um aviso? Eu devo me preocupar?
Anelise soltou uma risadinha, balançando a cabeça com um ar divertido.
— Ah, você já vai entender. Mas antes, vim te avisar que você não precisa mais ficar na sala da . Arrumaram uma mesa pra você ali, do lado da nossa. Tá vendo?
Segui a direção do olhar dela e vi uma mesa simples, mas equipada com tudo o que eu precisava. Um alívio imediato percorreu meu corpo.
— Sério? Graças a Deus! Aquela sala dela... parece que o ar pesa dez vezes mais lá dentro.
— Eu acredito. — Ela riu de leve, cruzando os braços. — E então, como foi seu primeiro dia? Sobreviveu?
Eu soltei um riso curto e cansado.
— Sobreviver é um termo otimista. Foi... intenso, pra dizer o mínimo. tem um radar especial pra perceber quando você tá começando a respirar aliviado, só pra te jogar mais trabalho.
— Bem-vindo ao mundo de . — O tom dela tinha um toque divertido, mas também empático. — Não vou mentir, ela não é fácil. Aliás, sabia que ninguém dura muito tempo nesse cargo?
Eu já tinha sentido isso na pele, mas levantei uma sobrancelha, curioso.
— Eu tinha ouvido rumores... mas não achei que fosse tão grave assim.
Anelise deu um passo mais perto, como quem fosse compartilhar um segredo.
— Aqui no escritório, a gente tem um bolão para adivinhar quanto tempo o novo secretário vai aguentar.
Minha boca se entreabriu por um instante antes de eu soltar uma risada incrédula.
— Bolão? Você tá de brincadeira.
— Nem um pouco. — Anelise riu junto, inclinando a cabeça como se compartilhasse um segredo proibido. — Teve uma menina que durou só três dias antes de sair daqui chorando.
— Três dias?! — exclamei, genuinamente surpreso. — E o que vocês apostaram pra mim? Já criaram um prazo de validade pro meu cargo?
Ela cobriu a boca com a mão, fingindo confidencialidade, mas claramente se divertindo com a situação.
— Ah, isso é segredo... Mas ouvi uns palpites interessantes. Vamos ver se você surpreende alguém. Pelo menos o seu é temporário, né? Quem sabe a pressão seja menor.
Soltei um suspiro, balançando a cabeça.
— Não é bem assim, Anelise. Eu preciso trabalhar bem para não ser demitido. Se isso acontecer, eu estou ferrado. Não tenho lugar para voltar.
O sorriso dela diminuiu levemente, substituído por uma expressão mais compreensiva.
— Sério? Eu não fazia ideia. — Ela franziu a testa, visivelmente surpresa. — Isso deve ser complicado.
— Pois é, mas pelo menos agora eu tenho uma mesa só minha e um pouco mais de distância daquele olhar mortal dela.
Anelise voltou a rir, mas logo apontou para o post-it amassado que eu segurava com firmeza.
— Não se empolgue muito. Esse bilhetinho aí? É só o começo. sempre encontra um jeito de te achar, mesmo que você se esconda do outro lado da cidade.
Revirei os olhos, soltando uma risada seca.
— Maravilha... Valeu pela motivação, Anelise. Aliás, você sabe onde fica a sala de reunião 3? Tenho que chegar nela em... — olhei para o relógio e engoli em seco — quatro minutos.
Ela arregalou os olhos e soltou uma exclamação de falsa pena.
— Nossa... Você realmente está ferrado. Eu te mostro o caminho. Vem antes que mande alguém te caçar.
E assim, segui Anelise pelo corredor, passando por um mar de mesas organizadas em fileiras impecáveis, onde funcionários digitavam freneticamente ou falavam ao telefone. O chão impecavelmente polido refletia a luz fria dos painéis no teto, enquanto o som ritmado dos saltos dela ecoavam pelo ambiente silencioso. Viramos à esquerda em um corredor mais estreito, onde as portas das salas de reunião estavam alinhadas, cada uma identificada com uma placa discreta ao lado. Anelise caminhava com facilidade, claramente acostumada com aquele labirinto corporativo, enquanto eu tentava memorizar o caminho para não me perder da próxima vez.
Chegamos diante de uma porta de vidro fosco com a identificação "Sala de Reunião 3". Ela parou e apontou com a cabeça.
— É aqui. Boa sorte, .
Soltei um suspiro profundo antes de agradecer com um aceno. Entrei na sala e me esperava junto com dois colaboradores, desconfiava que eram parte do time de contabilidade, mas ainda não havia decorado rostos. Ambos estavam arrumados como se tivessem acabado de sair de um editorial de moda corporativa.
, por outro lado, tinha algo de diferente naquele dia. Ela usava um vestido preto muito bonito, o tecido ajustava-se perfeitamente ao seu corpo, moldando suas curvas com uma precisão que parecia quase proposital. O corte do vestido desenhava sua silhueta de forma elegante, mas não havia como ignorar como ele também destacava sua bunda, perfeitamente delineada. Era impossível não notar como ela estava bonita naquele dia, algo que, para minha própria irritação, deixou minha atenção levemente dispersa por um momento.
Eu não sabia se era o vestido impecavelmente ajustado ao seu corpo ou o olhar de desdém que ela lançava com precisão cirúrgica para todos ao seu redor, mas havia algo em sua presença que tornava o ambiente ainda mais gélido que o ar-condicionado. Era como se sua postura e aura de autoridade redefinissem a temperatura da sala, impondo uma atmosfera de respeito e intimidação que ninguém ousava desafiar.
— Você está atrasado dois minutos, eu falei 8 horas! Sente-se logo — ela disse, sem nem sequer olhar para mim enquanto folheava alguns papéis. Logo depois de eu me sentar, ela sentou-se também. — Hoje será um dia cheio, e eu não tenho tempo para explicar tudo duas vezes.
“Nada como um bom dia caloroso para começar”, pensei, mas me limitei a assentir e sentar na cadeira mais distante da cabeceira.
— , preciso que você organize uma planilha de custos detalhada. Quero cada despesa categorizada e comparada com o orçamento anterior. Sem erros, porque estarei apresentando isso ao conselho amanhã.
Assenti rapidamente, anotando tudo com a maior pressa possível.
A Domus Enterprises, até agora pouco mencionada em detalhes, era uma das principais empresas do ramo de Marketing e Publicidade. Especializada em criar campanhas impactantes e estratégias inovadoras, a empresa era reconhecida no mercado pela sua habilidade em transformar marcas em verdadeiros ícones. Era um ambiente competitivo e exigente, onde cada projeto carregava o peso de expectativas altíssimas — algo que fazia todo sentido, considerando que estava no comando.
— Além disso, há um evento na próxima semana. Você será responsável por supervisionar a entrega dos materiais. Certifique-se de que tudo esteja no local correto e no horário combinado. Qualquer atraso será inaceitável.
Ela fez uma pausa breve, apenas o suficiente para folhear outro documento, antes de continuar:
— E revise minha agenda para o restante da semana. Quero garantir que não haja conflitos ou reuniões desnecessárias. Preciso que cada minuto do meu tempo seja aproveitado.
Eu senti a pressão aumentar a cada palavra dela, mas tentei manter uma expressão neutra.
— Alguma dúvida? — perguntou, finalmente levantando os olhos para me encarar. Seu olhar era firme, como se estivesse pronta para contestar qualquer resposta que não fosse a esperada.
— Não, Srta. . Tudo claro — menti, tentando soar confiante enquanto segurava meu caderno de anotações com força suficiente para amassar as bordas.
Ela estreitou os olhos, claramente desconfiada, como se estivesse esperando que eu entrasse em pânico a qualquer momento. Mas, para meu alívio, não insistiu. Apenas balançou a cabeça de leve, como se tivesse mais coisas importantes para fazer, antes de passar para o próximo tópico da reunião.
A reunião seguiu seu curso, com distribuindo instruções em um ritmo tão rápido que minhas anotações pareciam mais um emaranhado caótico de palavras e setas do que algo compreensível.
Os outros dois colaboradores ao redor da mesa pareciam muito mais acostumados com aquela rotina. Um deles, um homem de terno cinza e expressão neutra, apenas balançava a cabeça de tempos em tempos, como se já soubesse exatamente o que fazer antes mesmo de falar. A outra, uma mulher elegante de cabelos presos em um coque meticuloso, digitava no notebook com a precisão de um robô programado para acompanhar a CEO.
Eu, por outro lado, tentava não parecer perdido no meio daquele furacão de ordens.
— — a voz dela cortou meus pensamentos como uma lâmina. Eu imediatamente ergui os olhos.
— Sim, Srta. ?
— Você parece distraído. Algum problema?
Neguei rapidamente.
— Nenhum problema, estou apenas garantindo que tudo esteja anotado corretamente.
me observou por um momento, como se estivesse analisando minha credibilidade, antes de desviar a atenção de volta para os documentos à sua frente.
— Muito bem. Porque erros não são aceitáveis.
Soltei um suspiro interno. "Sim, claro, como se já não estivesse óbvio."
A reunião seguiu por mais alguns minutos, até que finalmente fechou a pasta que tinha diante de si e se levantou.
— Estamos terminados por agora. Voltem ao trabalho. , fique.
Meus ombros enrijeceram automaticamente.
Os outros dois colaboradores recolheram seus materiais e saíram, deixando-me sozinho com . O silêncio que se instalou na sala era quase opressor, e a maneira como ela me observava, agora sem testemunhas, só tornava tudo pior.
Ela caminhou lentamente até a cabeceira da mesa e apoiou as mãos na superfície de vidro, inclinando-se ligeiramente na minha direção.
— Você tem certeza de que não há dúvidas?
Engoli em seco.
— Tenho, sim.
Ela franziu os lábios, como se não estivesse convencida.
— Espero que sim, . Porque se eu tiver que corrigir qualquer erro seu mais tarde, não serei tão paciente quanto fui agora.
Ah, então aquilo foi paciência? Bom saber.
Assenti, lutando para manter a expressão neutra.
— Vou garantir que tudo saia como o esperado.
me analisou por mais alguns segundos, então se afastou, pegando uma caneta da mesa e brincando com ela entre os dedos.
— Ótimo. Pode ir.
Levantei-me rápido demais, quase derrubando minha caneta no processo. Peguei minhas anotações e me virei para sair, mas, antes que eu alcançasse a porta, ouvi sua voz novamente.
— .
Me virei.
— Sim?
Ela me observou por um instante antes de apenas balançar a cabeça e dizer:
— Nada. Apenas faça seu trabalho direito.
E com isso, me dispensou.
Saí da sala ainda tentando decifrar se aquilo havia sido um teste, uma ameaça velada ou apenas mais um dia comum no mundo de . O peso das expectativas dela parecia ter se instalado nos meus ombros como uma mochila cheia de pedras, e, enquanto voltava para a minha estação de trabalho, percebi que minha lista de tarefas estava mais para uma missão impossível digna de filme de ação.
O primeiro obstáculo do dia surgiu rápido: localizar o fornecedor de materiais para o evento da próxima semana. Simples? Não. O problema? Eles tinham trocado o endereço de entrega, e os itens estavam, naquele momento, a caminho do outro lado da cidade. O telefone parecia pesar na minha mão enquanto eu tentava, pela terceira vez, explicar a situação para alguém do outro lado da linha que claramente não estava tão interessado quanto eu em resolver o problema.
— Senhor, vamos verificar isso e retornaremos assim que possível — disse o atendente, com um tom arrastado que fazia "assim que possível" soar como "talvez nunca".
Fechei os olhos por um instante, tentando controlar minha frustração. Respirei fundo e respondi, com a firmeza que eu não sentia internamente:
— Não, "assim que possível" não é suficiente. O evento é daqui alguns dias e preciso da confirmação agora. — Minha voz soava firme, mas meu cérebro já estava em pânico, pensando em todas as maneiras que aquilo poderia dar errado.
Enquanto eu argumentava, senti uma presença ao meu lado. Era como se o ar tivesse ficado mais frio e mais pesado ao mesmo tempo. Olhei de relance e, claro, lá estava ela: , parada com os braços cruzados, me observando como se fosse uma predadora avaliando sua presa. Seus olhos estavam fixos em mim, impassíveis, e eu não sabia se ela estava apenas analisando meu desempenho ou mentalmente atualizando meu prazo de validade no cargo.
— Algum problema? — perguntou ela, com a voz tão firme quanto sua postura. Seu tom não era exatamente hostil, mas carregava uma curiosidade cortante, como se ela já soubesse que algo estava errado e só quisesse ouvir a confissão.
Desliguei o telefone com mais rapidez do que pretendia, tentando parecer que estava no controle.
— Nada que não possa ser resolvido — respondi, segurando o caderno de anotações como se fosse um escudo. — O fornecedor confundiu os endereços, mas estou corrigindo isso agora.
Ela arqueou uma sobrancelha, dando aquele olhar característico que fazia qualquer um se sentir dois passos atrás. Então, deu um passo à frente, inclinando-se ligeiramente, como se quisesse examinar meu trabalho de perto.
— Espero que resolva rápido. Não temos margem para erros. — Como se eu já não soubesse disso. fazia questão de reforçar essa mensagem a cada cinco minutos. Era sua maneira particular de me lembrar, sem palavras, que qualquer deslize seria inaceitável.
— Vai ficar tudo certo, Srta. . — Garanti, embora uma parte de mim ainda não soubesse exatamente como eu ia conseguir isso.
ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse avaliando a credibilidade da minha promessa. Então, finalmente, assentiu de leve antes de se virar e sair, voltando para sua sala. Mas, mesmo depois de sua partida, era como se sua presença ainda pairasse no ar. A pressão parecia ter se impregnado no ambiente, como um lembrete invisível de que qualquer erro seria imperdoável.
Quase no mesmo instante, o telefone tocou novamente. Atendi rápido, esperando que fosse o atendente do fornecedor, e, para meu alívio, desta vez a pessoa parecia mais disposta a colaborar. Com algumas instruções rápidas e um tom mais firme, consegui corrigir o erro e confirmar o novo endereço. Desliguei o telefone e soltei um suspiro pesado, sentindo o alívio percorrer meu corpo por alguns segundos.
Após me chamar em sua sala no começo da tarde, ela saiu por um instante para ir ao banheiro, deixando-me sozinho. Resolvi aproveitar a oportunidade para impressioná-la, organizando os papéis que estavam espalhados pela mesa. Contudo, minha tentativa de bajulação rapidamente se transformou em um desastre cômico.
Eu estava tão focado em entender de onde os documentos eram, franzindo a testa e balbuciando para mim mesmo, que não percebi sua entrada silenciosa na sala. Só notei sua presença quando, em um movimento desajeitado, meu cotovelo derrubou sua caneca de café — felizmente vazia — no chão, produzindo um som estridente que ecoou pela sala.
— Esse é um método interessante de organização, — disse ela, com um leve sorriso que pendia mais para a ironia do que para diversão, enquanto cruzava os braços e inclinava levemente a cabeça para me observar.
O calor subiu para o meu rosto imediatamente. Eu me abaixei rápido para pegar a caneca, sentindo minhas orelhas queimarem de vergonha.
— Desculpe, Srta. . Eu… me distraí. Vou pegar isso agora mesmo — murmurei, tentando esconder o embaraço, embora minha voz trêmula entregasse tudo.
permaneceu no mesmo lugar, me observando de cima com aquele olhar que parecia atravessar a alma.
— Se distraiu? — Ela ergueu uma sobrancelha, o tom de voz firme. — Espero que não seja com algo irrelevante. Temos um evento para organizar e uma agenda cheia. Não posso me dar ao luxo de desatenções.
Engoli em seco e me levantei rapidamente, segurando a caneca como se fosse uma relíquia.
— Não, claro que não, eu só me distraí lendo estes documentos. Quanto ao evento, está tudo certo. Foi… só um momento de desatenção. Prometo que não vai acontecer de novo — garanti, com uma tentativa de confiança que, internamente, parecia falhar miseravelmente.
Ela deu um passo à frente, pegou a caneca de minha mão e a examinou como se estivesse verificando algum dano.
— Espero que não. Não tenho tempo para lidar com caos desnecessário, . — Sua voz era séria, mas o canto de sua boca se curvou ligeiramente, quase formando um sorriso. Quase.
colocou a caneca de volta na mesa com um gesto preciso, como se até isso fosse ensaiado, e lançou um último olhar na minha direção. Esse olhar... demorou mais do que o necessário, carregado de algo que eu não conseguia decifrar. Era avaliação, divertimento, ou apenas seu jeito de me lembrar quem estava no comando? Eu não sabia.
— Agora, volte ao trabalho e me deixe sozinha! — disse ela, com o tom firme que encerrava qualquer conversa, antes de se virar com a elegância que parecia natural a ela.
Por um momento, fiquei onde estava, segurando a respiração e processando a situação. Apesar do tom autoritário e da postura impecável, havia algo nos olhos dela que brilhou por um breve instante, como se, talvez, ela tivesse achado a cena discretamente divertida. Ou talvez fosse só minha imaginação tentando aliviar o constrangimento esmagador.
Não fiquei mais para tentar entendê-la. Peguei meu caderno, ajeitei a postura e saí da sala, sabendo que, por mais que tentasse, continuaria sendo um enigma que eu dificilmente resolveria.
Ao fim do dia, quando finalmente terminei de revisar a agenda de , fui arrancado da minha concentração por sua voz firme e inconfundível.
— Alguma atualização sobre os materiais?
Meu coração deu um pequeno salto e minha cabeça se ergueu tão rápido que quase derrubei a pilha de papéis ao lado do teclado.
— Sim, estão a caminho. Devem chegar a tempo para o evento — respondi, tentando manter a compostura, embora minha voz entregasse um leve resquício de hesitação.
inclinou a cabeça, analisando-me com aquele olhar clínico que sempre parecia pesar a credibilidade das palavras alheias.
— Espero que sim. Porque, se houver atrasos, você será o responsável por dar explicações ao cliente.
A forma como ela pronunciava cada palavra soava como uma sentença. Respirei fundo, engolindo em seco, e assenti com determinação.
— Não vai acontecer. Eu garanto.
Ela permaneceu ali por um instante, como se quisesse se certificar de que eu realmente acreditava no que dizia. Finalmente, deu um passo para trás e virou-se para sair.
Foi então que percebi, mais uma vez, o quão graciosa era a maneira como ela caminhava. não apenas passava pelo ambiente — ela dominava o espaço ao seu redor. Cada passo era meticulosamente calculado, carregado de confiança e controle absoluto. E, bom… o vestido que ela usava só reforçava ainda mais aquela presença avassaladora. Meu olhar se demorou um pouco mais do que deveria, fixando-se na forma impecável como o tecido moldava suas curvas, especialmente a maneira provocante como realçava sua bunda.
Antes que eu tivesse tempo de me repreender mentalmente por aquilo, parou de repente e olhou por cima do ombro.
— Mais alguma coisa, ? Ou prefere continuar admirando enquanto eu saio? — Sua sobrancelha arqueada e o tom meticulosamente casual, mas carregado de um certo divertimento, me fizeram congelar.
Meu rosto ficou em chamas na mesma hora.
— N-não, Srta. . Tudo sob controle! — gaguejei, voltando meus olhos para a tela do computador como se minha vida dependesse disso.
Ela esboçou um sorriso sutil — o tipo de sorriso que fazia questão de deixar no ar se era pura diversão ou apenas condescendência — e continuou andando, sumindo pelo corredor.
Fiquei ali, tentando afastar os pensamentos que insistiam em surgir.
Isso é problema. Um grande problema., conclui, exalando o ar que nem percebi estar prendendo.
Quando finalmente cheguei em casa, joguei minha mochila no chão da sala e desabei no sofá. Clara estava na mesa de jantar, cercada por livros e cadernos, com o rosto franzido enquanto resolvia algum cálculo complicado. Ao ouvir o barulho da porta, ela levantou o olhar, ajustando os óculos e deixando escapar um sorriso divertido ao me ver completamente derrotado.
— De volta do campo de batalha? — perguntou, sentando-se ao meu lado.
Suspirei profundamente, sentindo o peso do dia ainda sobre meus ombros.
— Se aquilo é um campo de batalha, eu sou o soldado raso que esqueceram de treinar — respondi, cobrindo os olhos com as mãos.
Clara riu, claramente se divertindo com o meu drama.
— O que aconteceu hoje? Mais missões impossíveis?
— Você não faz ideia. Primeiro, o fornecedor resolveu confundir os endereços e quase perdi metade do dia tentando resolver isso. Depois, derrubei a caneca de café da minha chefe. — Eu parei por um instante, lembrando do olhar dela. — E, para piorar, fui flagrado encarando a Srta. enquanto ela saía da minha mesa. Foi… constrangedor.
— Espera aí! Como assim "encarando"? Você ficou olhando para ela? ! — Sua risada ecoou pela sala.
— Não foi isso! — protestei, levantando as mãos em defesa. — Foi mais… um momento de distração. Ela estava saindo, e eu… bem, minha mente desligou por um segundo.
— Me conta tudo — Clara comentou, claramente ansiosa pelos detalhes mais embaraçosos.
— Não foi nada demais. Ela só fez questão de comentar algo como: “Ou você prefere observar enquanto eu saio?” — imitei o tom dela, com um toque exagerado para dramatizar.
Clara quase caiu de tanto rir.
— , isso é hilário! Você está começando bem nesse emprego. Primeiro caneca derrubada, agora olhar de cobiça. O próximo passo é declarar seu amor.
— Para, Clara. Não tem nada a ver com isso. — Eu balançava a cabeça, mas sabia que minhas orelhas estavam ficando vermelhas. — Ela é minha chefe. É fria, exigente e, sinceramente, quer minha cabeça a qualquer momento.
Clara levantou uma sobrancelha, ainda sorrindo.
— Fria? Exigente? Não é o que parece. Se ela fez piada, talvez esteja te testando. Ou talvez… — Ela fez uma pausa dramática, apoiando o queixo na mão. — Talvez ela esteja te achando interessante também.
— Clara! — exclamei, pegando uma almofada e jogando nela, o que só a fez rir ainda mais.
Ela se levantou do sofá, ajeitando as almofadas antes de ir para a cozinha, mas continuou rindo enquanto lançava mais um comentário:
— Só digo uma coisa: essa sua chefe parece mais interessante do que você admite. E talvez… só talvez… ela esteja notando você mais do que você pensa.
Fiquei ali no sofá, cruzando os braços atrás da cabeça enquanto encarava o teto. Tentei ignorar as palavras da Clara, mas elas ecoavam como um tambor. "Mais interessante do que você pensa"? O que ela queria dizer com isso? Balancei a cabeça, tentando afastar as imagens que surgiam. Eu sabia que, no fundo, aquela última frase dela não era tão fácil de descartar quanto eu gostaria. Havia algo perturbadoramente incômodo — ou talvez intrigante — na ideia de que pudesse estar me notando mais do que eu imaginava.
O evento era amanhã. Passei os últimos dias mergulhado nisso, ajustando cada mínimo detalhe, revisando fornecedores, antecipando possíveis crises. Mas a verdade era que eu nunca tinha feito algo dessa magnitude antes. Nunca tive tanto em jogo. Ser secretário de já era um teste de resistência diária, mas agora parecia um verdadeiro campo minado, onde qualquer erro, por menor que fosse, poderia custar caro.
E o peso disso estava esmagando meus ombros.Passei a mão pelo cabelo, soltando um suspiro pesado. O cronograma piscava na tela do computador, cada linha carregada de compromissos, horários e responsabilidades. Já tinha revisado tudo pelo menos dez vezes, mas a sensação incômoda de que algo estava errado não me abandonava.
Talvez fosse apenas o nervosismo natural de um evento desse porte.
Ou talvez fosse .
Pisquei algumas vezes, tentando afastar o cansaço que pesava nos olhos. Ainda não era hora de parar. Pelo menos, não até eu ter certeza absoluta de que tudo estava alinhado. Peguei o celular e comecei a disparar mensagens para a equipe, reforçando prazos, confirmando entregas. Alguns responderam quase de imediato, ainda tão alertas quanto eu. Outros, provavelmente já estavam dormindo.
Sortudos.
Depois de mais uma hora de checagens e ajustes, não havia mais nada que eu pudesse fazer ali. Peguei minha mochila, vesti o casaco e saí do escritório, sentindo a exaustão pesar no corpo.
Amanhã seria um dia longo.
E eu precisava, pelo menos, fingir que ia descansar.
Chamei um Uber. Não queria perder tempo no transporte público, só queria chegar logo em casa. O trajeto foi rápido, cerca de vinte e poucos minutos, mas senti cada segundo se arrastar. Quando finalmente atravessei a porta do apartamento, o silêncio me envolveu.
O ambiente estava escuro, exceto pela luz fraca da luminária na sala.
Soltei um suspiro, jogando as chaves sobre a mesa de entrada. Tirei os sapatos, aliviado por me livrar deles depois de um dia exaustivo. O plano era ir direto para o quarto, tomar um banho quente e, quem sabe, tentar dormir pelo menos algumas horas. Mas, ao passar pelo corredor, notei a porta de Clara entreaberta.
Me aproximei e, ao olhar para dentro, a encontrei adormecida sobre a escrivaninha. Livros de cálculo, folhas rabiscadas e uma xícara de café já pela metade a cercavam como se fossem parte dela. O rosto descansava sobre um dos cadernos abertos, os óculos levemente tortos.
Sorri, balançando a cabeça.
Minha irmã sempre foi assim — determinada, teimosa e completamente obcecada com os estudos. Faculdade de engenharia não era fácil, e Clara levava aquilo a sério. Talvez até demais.
Com cuidado, fechei o livro onde ela repousava a cabeça e tirei os óculos do rosto dela, deixando-os ao lado. Peguei o moletom jogado na cadeira e cobri seus ombros.
— Clara — chamei baixinho, tocando seu braço de leve. Ela se mexeu, soltando um murmúrio incompreensível.
— Ei, dormindo assim você vai acordar com a coluna destruída. Anda, vamos para a cama.
Ela resmungou algo, ainda de olhos fechados.
— Só mais cinco minutos…
Revirei os olhos, sorrindo de canto.
— Sem "cinco minutos", Clara. Levanta.
Passei um braço por seus ombros e a ajudei a se erguer. Meio sonolenta, ela se apoiou em mim, tropeçando levemente enquanto caminhava até a cama.
— Odeio cálculo… — murmurou, afundando no colchão assim que se deitou.
— Jura? Nunca teria adivinhado — brinquei, puxando o lençol sobre ela.
Ela soltou um som indefinido, já voltando a dormir antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa. Balançando a cabeça, apaguei a luz do abajur e saí do quarto em silêncio, fechando a porta com cuidado.
Mal tinha encostado no guarda-roupa para pegar meu pijama quando o celular vibrou sobre a mesa de cabeceira.
.
Óbvio.
O cansaço bateu com força, como uma onda me puxando para baixo, mas ignorar a ligação não era uma opção. Respirei fundo, tentando afastar a exaustão, e deslizei o dedo pela tela antes que chamasse mais uma vez.
— falando.
A voz dela veio afiada, cortante como um bisturi.
— Você esqueceu de checar a entrega dos brindes personalizados. — Não era uma pergunta. Era uma acusação.
Senti o estômago afundar.
— Eu… eu chequei. A transportadora garantiu que chegaria pela manhã — tentei manter um tom firme, mas o tremor quase imperceptível na minha voz me denunciou.
— "Garantiu" não é certeza, . — não hesitou. Seu tom era frio, controlado, sem um traço de paciência. — Você sabe o que acontece quando algo dá errado em eventos como esse?
Minha garganta secou.
— Eu… eu sei, , mas eu conferi, de verdade. Eles me deram certeza…
— E você confiou? — O silêncio que se instalou do outro lado da linha foi pior do que qualquer grito.
Meu peito apertou.
— Eu… achei que estivesse resolvido. — Minha voz saiu mais baixa do que eu queria, quase um sussurro.
— "Achou" não é suficiente.
Fechei os olhos, sentindo o peso das palavras dela esmagando meu peito.
— Esse evento não pode ter erro. — Agora o tom dela era mais comedido, mas nem por isso menos implacável.
Minha mente girava, revirando cada detalhe do cronograma, tentando encontrar um ponto de falha, uma forma de garantir que tudo saísse conforme o planejado.
Passei a mão pelo rosto, tentando conter o suor frio na nuca.
— Eu vou ligar para a transportadora de novo. Te mando uma mensagem assim que tiver uma resposta definitiva.
ficou em silêncio por um instante, como se estivesse decidindo se minha resposta era suficiente.
— Certo. Eu vou esperar.
A chamada foi finalizada.
O ar saiu dos meus pulmões em um longo suspiro enquanto eu deixava o celular cair sobre o colchão. Meu coração ainda martelava contra o peito, e eu podia sentir o aperto ansioso na garganta.
Ótimo. Isso significava que eu não ia dormir tão cedo.
Peguei o celular novamente e, com os dedos trêmulos, disquei o número da transportadora. O telefone chamou três vezes antes de alguém atender.
— Transportadora Estrela, boa noite.
— Boa noite… — engoli em seco. — Aqui é , da equipe da . Eu preciso confirmar a entrega dos brindes personalizados para o evento de amanhã.
O atendente demorou alguns segundos para responder, o som do teclado ecoando através da linha. O silêncio entre cada clique parecia se estender por uma eternidade. Meu estômago apertou.
— Deixa eu ver aqui… certo, temos a entrega agendada para às sete da manhã.
Exalei um pouco do ar que estava prendendo.
— Ótimo, então está tudo certo?
— Na verdade…
O sangue gelou nas minhas veias.
— O quê?
— O caminhão com essa carga saiu para entrega hoje à tarde, mas houve um problema na rota. Uma peça quebrou, e o motorista teve que voltar para a base.
O peito ficou pesado, como se um bloco de cimento tivesse sido jogado em cima de mim.
— E quando o caminhão vai sair de novo?
— Provavelmente pela manhã, mas não temos um horário exato ainda.
Fechei os olhos, sentindo uma onda de desespero subir pela garganta.
— Isso não pode atrasar. O evento começa cedo, e os brindes precisam estar no local antes da montagem final.
— Entendo, senhor, mas dependemos do conserto do veículo. Podemos tentar transferir a carga para outro caminhão, mas não posso garantir nada até a equipe técnica avaliar.
Minha mente corria em círculos, buscando soluções que eu não tinha. Passei a mão pelo rosto, tentando manter a calma.
— Eu preciso de uma confirmação o mais rápido possível. Isso é essencial.
— Vou encaminhar sua solicitação para o setor responsável. Podemos te dar um retorno em até…
— Não, não, eu preciso de uma resposta agora! — interrompi, e só percebi a urgência na minha voz quando já era tarde demais para disfarçar. — Por favor, esse evento não pode ter erro.
O atendente soltou um suspiro audível do outro lado.
— Vou ver o que consigo fazer. Me dá dez minutos.
Dez minutos. O que eram dez minutos quando minha noite já estava arruinada?
— Tudo bem. Vou aguardar.
Desliguei e encarei o teto.
Meu coração batia acelerado, e eu sentia o suor frio nas mãos. Peguei o celular, abrindo a conversa com .
: Estou resolvendo. A transportadora teve um problema com o caminhão, mas estou pressionando por uma solução.
O status ficou online, e em segundos, a resposta veio.
: Como assim um problema? Você não confirmou isso antes?
Engoli em seco.
: Eles disseram que estava tudo certo. Só descobriram o problema agora.
: Isso é inaceitável. Você tem certeza que vão entregar a tempo?
Eu não tinha. Mas não podia dizer isso.
: Estou pressionando para garantir que sim. Vou te atualizar em dez minutos.
Ela visualizou, mas não respondeu.
Ótimo. Agora, além do estresse, tinha a expectativa dela pesando ainda mais sobre mim.
Olhei para o relógio. Três minutos se passaram. Me joguei na cama, encarando o teto, o celular ainda firme na mão. O sono já não era mais uma possibilidade. Tudo o que eu podia fazer era esperar.
O relógio marcava exatos nove minutos quando o celular vibrou novamente. Atendi antes mesmo do segundo toque. A voz do atendente agora parecia mais firme, mas ainda carregava aquele tom burocrático que me irritava.
— Senhor, conseguimos transferir a carga para outro caminhão. A entrega dos brindes está confirmada para às seis e meia da manhã, sem atrasos.
Soltei um suspiro tão profundo que meu corpo inteiro pareceu relaxar por um instante.
— Isso é certeza?
— Sim, senhor. O novo caminhão já está carregado e sairá daqui a pouco. Podemos compartilhar o contato direto do motorista caso precise acompanhar a entrega.
— Sim, por favor. Isso ajudaria muito.
Peguei um bloco de notas e anotei os detalhes enquanto ele ditava o número. Mesmo com a garantia da transportadora, eu não podia correr riscos.
Abri a conversa no WhatsApp e, com os dedos menos trêmulos, digitei:
: A transportadora conseguiu transferir a carga para outro caminhão. A entrega está confirmada para às 6h30, sem atrasos. Me passaram o contato direto do motorista caso precisemos acompanhar.
O status ficou online quase no mesmo instante.
: Ótimo. Me manda o contato do motorista.
Fiz isso imediatamente.
Encostei a cabeça no travesseiro, sentindo o peso do dia esmagar meu corpo. O celular ainda estava na minha mão, mas, pela primeira vez naquela noite, não vibrava.
Fechei os olhos.
Amanhã seria um dia longo.
E tudo que eu podia fazer agora era esperar.
A noite havia sido cruel. Depois da ligação com a transportadora, das mensagens trocadas com e da adrenalina que me manteve desperto por horas, o sono veio em pedaços, fragmentado e instável. Cochilei por duas horas, talvez três, antes do despertador ecoar pelo quarto como um soco direto na cabeça.
Cada músculo do meu corpo protestava quando me arrastei para o banheiro. O rosto refletido no espelho me encarava com olheiras profundas, denunciando o cansaço que eu tentava ignorar. Tomei um banho frio, na esperança de afastar a exaustão que parecia grudada em mim como um peso invisível.
Sem tempo para café da manhã ou qualquer resquício de descanso, me vesti rápido, conferi as últimas mensagens no celular e segui para o local do evento.
O dia passou em um borrão de ajustes finais, confirmações com fornecedores e reuniões rápidas com a equipe. Quando percebi, o relógio já marcava 16h30, e o salão começava a ganhar vida.
Agora, parado no centro do espaço, vendo tudo tomar forma diante dos meus olhos, percebia que cada segundo de tensão, cada nó no estômago e cada ameaça de desastre tinham valido a pena.
Às 17h em ponto, os primeiros convidados começaram a chegar. Respirei fundo, deixando o olhar percorrer o espaço. Tudo estava exatamente como eu tinha planejado. Não, melhor do que eu tinha planejado.
As luzes estavam na intensidade perfeita, destacando os arranjos florais e a decoração sofisticada. A equipe de garçons se movia com precisão, servindo champanhe e aperitivos como se tivessem ensaiado aquilo por semanas. O burburinho de conversas e os murmúrios de admiração preenchiam o ambiente, sinalizando que tudo estava seguindo conforme o esperado.
Feito.
E então, como se tivesse sido programada para aparecer exatamente naquele momento, entrou.
O ar pareceu mudar ao redor dela.
Minha garganta fechou de imediato, como se o próprio oxigênio tivesse ficado pesado demais, difícil de engolir. Um nó se formou, apertando minha respiração, meu peito, minha sanidade.
O vestido que ela usava era um espetáculo por si só — justo o suficiente para desenhar as curvas dela com precisão quase indecente. O tecido escuro abraçava sua cintura, descendo suavemente sobre os quadris bem esculpidos antes de cair com uma elegância calculada. Mas o problema não era só o vestido. O problema era dentro dele.
A postura firme, a forma como os passos ecoavam pelo salão, a maneira exata como seu quadril se movia, desenhando um ritmo hipnotizante sob o tecido. E a bunda… esculpida, impecável. Talhada por Deus e aperfeiçoada pelo diabo.
Meu olhar ficou preso ali por um segundo a mais do que deveria.
Talvez dois.
Talvez tempo o suficiente para notar.
Um calor subiu do meu pescoço para o rosto, queimando minhas orelhas. Engoli seco, tentando disfarçar, puxando levemente a gola da minha camisa. Mas os dedos inquietos me denunciavam.
Pisquei algumas vezes, forçando minha mente a recobrar o foco.
Mas como, se tudo dentro de mim parecia um completo caos?
Seu olhar, afiado como sempre, encontrou o meu com precisão cirúrgica. Ela não desviou, não fingiu que não viu — pelo contrário. Seu queixo ergueu ligeiramente, os lábios curvaram em algo que não chegava a ser um sorriso, mas carregava a intenção de um.
Ela sabia.
Ela viu tudo.
Meu corpo travou no instante em que ela começou a se mover em minha direção. Passos lentos, calculados, como se estivesse me dando tempo para processar o que estava acontecendo — ou talvez apenas para se divertir com meu desconforto.
O vestido parecia deslizar sobre a pele dela a cada movimento, e, mesmo que eu quisesse, não conseguiria desviar o olhar.
parou bem na minha frente, perto o suficiente para que seu perfume me atingisse como um golpe certeiro — sofisticado, levemente amadeirado, com um toque floral. Um aroma que parecia se espalhar pelo ar e pela minha pele.
— .
A forma como ela pronunciou meu nome fez um arrepio perigoso percorrer minha espinha.
Droga.
Eu não podia sentir isso.
Era errado.
Ela era minha chefe.
Tentei me recompor, endireitando a postura como se isso fosse apagar qualquer evidência do que meu corpo estava sentindo.
— S-Senhorita .
Minha voz saiu baixa demais. Hesitante demais. Precisei limpar a garganta antes de tentar continuar, mas sabia que não adiantaria. Meu desconforto já estava escancarado diante dela.
inclinou levemente a cabeça, os olhos me estudando com um interesse que eu não sabia se era genuíno ou apenas mais um de seus jogos. Ela me analisava como quem examina algo curioso — não um erro, nem um acerto, mas uma incógnita.
E então, por um instante, ela desviou o olhar.
Para o salão.
Para as luzes, os detalhes, a atmosfera que eu havia meticulosamente construído.
— Parece que você conseguiu.
A voz dela estava baixa, quase como um pensamento solto.Meu coração deu um salto estranho.
— Consegui?
Minha garganta ainda estava seca, então minha pergunta saiu mais rouca do que eu esperava. voltou a olhar para mim, como se medisse as palavras antes de soltá-las.
— Me surpreender.
Eu pisquei.
As palavras dela pesaram dentro de mim de um jeito inesperado. Não era ironia. Não era um teste. Era fato.
Por um momento, não soube o que responder.
E percebeu.
Ela sempre percebe.
Os lábios dela se curvaram de leve, e ela girou a taça de champanhe entre os dedos, como se estivesse apenas esperando minha reação. Me testando. Respirei fundo, tentando encontrar minha voz.
— O-obrigado…
Minha voz quase falhou.
Droga.
Limpei a garganta rapidamente, tentando parecer menos patético, mas já era tarde demais. O estrago estava feito. continuou me encarando, os olhos levemente estreitados, analisando cada nuance da minha reação.
Ela sabia o efeito que causava. E, pior ainda, sabia que eu sabia.
Eu deveria dizer algo mais. Talvez algo profissional, um "fico feliz em atender às suas expectativas" ou qualquer frase pronta que me fizesse parecer menos desnorteado. Mas minha mente estava um caos completo.
Tudo que consegui fazer foi desviar o olhar por um segundo e balançar a cabeça, murmurando:
— Eu só… fiz o meu trabalho. — ergueu uma sobrancelha.
Ela não disse nada.
Não precisou.
Apenas bebeu um gole de champanhe e se afastou, caminhando de volta para os outros convidados como se nada tivesse acontecido.
Meus pulmões finalmente puxaram ar, mas minha respiração ainda estava descompassada.
Droga.
Se aquilo foi um elogio, então foi o mais perigoso que eu já recebi.
Depois desse momento caótico dentro da minha própria cabeça, me forcei a voltar ao foco. O evento estava acontecendo, e eu precisava garantir que tudo continuasse rodando perfeitamente. Passei pelos fornecedores, chequei a equipe de garçons, conferi com a produção se tudo estava no horário.
E estava. As apresentações seguiram conforme o cronograma. Os convidados pareciam satisfeitos. Nenhum problema grave surgiu.
Tudo fluía como planejado.
Era estranho. Depois de dias de tensão, noites mal dormidas e o peso de mil responsabilidades nos ombros, eu deveria estar aliviado. Mas tudo que eu conseguia sentir era… cansaço. Eu estava exausto.
Meu corpo ainda funcionava no piloto automático, supervisionando cada detalhe, garantindo que cada etapa seguisse conforme o esperado. Mas, por dentro, minha mente já estava implorando para desligar.
Quando o último brinde foi feito e os convidados começaram a se dispersar, percebi que finalmente podia respirar. O evento foi um sucesso. Nenhum erro. Nenhum desastre.
Eu tinha conseguido.
Mas ainda faltava um detalhe.
.
Ela estava no canto do salão, cercada por alguns executivos.
Intocável. Impecável. Intimidante.
Como sempre.
Eu não esperava que ela dissesse nada para mim. não era do tipo que distribuía palavras gentis. Se eu esperava um "bom trabalho" ou qualquer coisa que reconhecesse minha dedicação, estava fadado à decepção.
Mas então, quando terminou sua conversa e se virou para sair, seus olhos encontraram os meus.
E ela parou.
O tempo pareceu desacelerar quando, sem pressa, começou a caminhar na minha direção.
— .
Minha exaustão pesava sobre mim, mas me endireitei instintivamente, esperando o que viesse a seguir. O que ela diria?
O que eu deveria dizer?
Mas não era do tipo que prolongava conversas desnecessárias. Ela me olhou nos olhos, sua expressão neutra.
— Muito bom.
Foi só isso.
Duas palavras. Simples. Precisas.
Mas o peso delas…
Veio direto para mim.
Minha garganta secou.
— Fico feliz que tenha dado tudo certo, — murmurei, sem saber muito bem como reagir.
manteve o olhar por um segundo a mais do que o necessário, os lábios ligeiramente pressionados, como se estivesse decidindo se falaria mais alguma coisa. Mas então, ela apenas assentiu.
E, sem mais palavras, virou-se e saiu.
Fiquei ali, parado, sentindo o peso de tudo finalmente me atingir.
O cansaço. A tensão. O alívio.
E algo mais.
Algo que eu não sabia nomear.
Mas, pela primeira vez na noite, um sorriso leve e exausto se formou no canto dos meus lábios. Porque, para , aquilo foi um agradecimento.
E, sinceramente?
Era o suficiente.
Subi as escadas lentamente. Meu corpo estava no limite. Cada músculo protestava a cada mínimo movimento, e minha mente… bem, essa já tinha se desligado fazia tempo. Quando cheguei no meu andar, puxei as chaves do bolso e destranquei a porta do apartamento. Luz baixa na sala. O cheiro de café fresco ainda pairava no ar, misturado com um leve aroma de lavanda — provavelmente algum incenso que Clara acendeu.
Joguei as chaves no aparador e soltei um longo suspiro, arrastando os pés até o sofá. Meu corpo caiu sobre ele como se tivesse sido puxado pela gravidade, e ali fiquei, completamente derrotado. Ouvi passos leves vindo do corredor.
— Finalmente — Clara surgiu na sala, vestindo uma calça de moletom e uma camiseta larga da faculdade. Os cabelos estavam presos em um coque desarrumado, e os óculos estavam meio tortos no rosto.
Ela cruzou os braços, me olhando como quem já sabia a resposta da pergunta que estava prestes a fazer.
— Você comeu alguma coisa hoje?
Minha resposta foi um silêncio prolongado. Clara revirou os olhos e bufou.
— Eu sabia.
Antes que eu pudesse protestar, ela desapareceu na cozinha.
Fiquei ali, largado no sofá, encarando o teto e sentindo meu corpo pesado, quase entorpecido. O evento foi um sucesso. Eu deveria estar aliviado. Mas, no momento, tudo que eu queria era dormir por uma semana inteira.
Minutos depois, Clara voltou, segurando um prato com um sanduíche e um copo de suco.
— Come.
— Eu só quero dormir…
— .
O tom de voz dela me fez abrir um olho.
— Come — ela repetiu, dessa vez mais devagar, me estendendo o prato. — Você pode dormir depois.
Peguei o sanduíche e mordi sem nem pensar, percebendo só então o quanto estava faminto. Clara se jogou na poltrona ao lado, puxando um cobertor para cobrir as pernas.
— E então? Como foi o grande dia? — Mastiguei devagar, tentando reunir forças para responder.
— Caótico. — Ela riu pelo nariz.
— Sabia que você ia dizer isso.
— Eu quase morri umas três vezes hoje — exagerei, largando a cabeça contra o encosto do sofá. — A transportadora atrasou os brindes, me ligou no meio da madrugada praticamente me crucificando, tive que implorar para conseguirem um caminhão substituto… Ah, e me elogiou.
Clara arregalou os olhos.
— Espera… o quê?
— Ela me elogiou. Bom, do jeito dela, né? — Dei um meio sorriso, cansado. — Disse que eu a surpreendi. — Clara soltou um assobio baixo.
— Isso vindo da é praticamente um prêmio.
— Ou um prenúncio de que minha vida vai ficar ainda mais difícil. — Ela riu e pegou o controle da TV, mudando de canal sem prestar muita atenção.
— Você gosta de trabalhar com ela? — Parei no meio da mordida.
Minha mente travou.
Gosto?
A palavra ecoou dentro de mim, reverberando como um sino distante.
Como eu deveria responder a isso?
Trabalhar para não era simplesmente um trabalho. Era sobreviver a um campo minado onde qualquer deslize poderia custar caro. Só fazia uma semana e eu já sentia como se estivesse correndo contra o tempo, sempre tentando acompanhá-la, tentando não tropeçar, tentando entender.
Porque era rápida demais. Exigente demais.
Avassaladora.
E, ao mesmo tempo, impossível de ignorar.
Meu instinto gritava que eu deveria manter distância. Manter tudo estritamente profissional. Mas então, havia aqueles momentos. Pequenos instantes onde o olhar dela ficava mais afiado, onde seu silêncio parecia carregar mais do que palavras, onde eu sentia que estava sendo avaliado como uma peça em um jogo que eu sequer entendia as regras.
E, nesses momentos, vinha o frio na barriga. Aquele desconforto estranho. Uma inquietação que eu ainda não sabia nomear. Engoli seco e voltei a mastigar devagar, tentando ganhar tempo, tentando formular uma resposta que não me entregasse.
— Eu… eu gosto do desafio — murmurei, desviando o olhar. Clara arqueou uma sobrancelha, cética.
— Sei.
Ela conhecia bem demais meus trejeitos. O jeito que evitei contato visual. O tempo que levei para responder. Meu maxilar tensionou. Suspirei e terminei o sanduíche, sentindo o peso do dia se arrastar sobre meus ombros.
— Você devia descansar — Clara disse, desligando a TV e se levantando.
— Concordo.
— E amanhã, tenta não deixar essa mulher acabar com você. — Soltei uma risada baixa, sem humor.
— Sem promessas.
Ela revirou os olhos, mas antes de sair, inclinou-se e bagunçou meu cabelo do jeito irritante que sempre fazia. Fiquei ali, sozinho na sala silenciosa, sentindo o cansaço finalmente me alcançar.
Antes que pudesse organizar meus pensamentos, meu celular vibrou sobre a mesa de centro. Suspirei, achando que poderia ser uma notificação qualquer.
Mas ao olhar a tela, meu corpo ficou tenso.
Era ela.
O sono fugiu dos meus olhos na mesma hora.
Respirei fundo, meu polegar pairando sobre a tela por um instante antes de atender. Apesar de tentar me preparar, minha voz ainda soou ligeiramente hesitante quando falei:
— falando.
A voz dela veio sem rodeios, direta, objetiva, como sempre:
— Amanhã, às 7h, quero que me encontre na entrada da empresa. Temos um compromisso externo. Não se atrase.
Meu corpo se endireitou automaticamente no sofá, meu cérebro tentando se ajustar à velocidade com que jogava informações. Peguei o caderno ao meu lado e rabisquei rapidamente a informação.
— Entendido, Srta. . Algum detalhe que eu deva saber sobre esse compromisso? — perguntei, forçando um tom profissional e tentando esconder a confusão interna.
Houve uma pausa.
Um silêncio curto, mas carregado.
Por um momento, achei que a ligação tivesse caído, mas então, falou novamente.
— Apenas esteja pronto. Formal. Discreto. Você saberá o suficiente quando chegar.
Minha testa franziu levemente.
— Formal? Quer dizer, terno e gravata?
Houve outro silêncio. Curto, mas suficiente para eu sentir o peso da resposta antes mesmo dela vir.
— Espero que não precise explicar o significado de "formal", — respondeu ela, seu tom levemente irônico, mas sem perder a paciência calculada.
O clique seco no telefone marcou o fim abrupto da ligação.
Fiquei segurando o celular, tentando processar o que acabara de acontecer.
O que diabos estava planejando?
Minha mente começou a traçar cenários improváveis. Uma reunião com investidores importantes? Uma negociação sigilosa? Ou algo mais bizarro, como me usar como fachada para algum compromisso pessoal?
Com , tudo parecia possível.
Soltei um suspiro pesado, encostando no sofá e encarando o teto. Trabalhar com era como viver em um jogo de xadrez onde ela sempre parecia estar três movimentos à frente. Eu sabia que minha vida nunca mais seria tranquila enquanto eu estivesse neste emprego. Mas o que me preocupava não era isso. O que me preocupava era o fato de que, mesmo sabendo do caos que vinha com ela… Uma parte de mim queria jogar esse jogo.
O que exatamente ela queria comigo tão cedo? O tom da sua voz não indicava urgência, nem parecia ser sobre um compromisso rotineiro da empresa. Havia algo ali — um peso, um subtexto que eu não conseguia decifrar. Vindo de , isso era o suficiente para manter qualquer um acordado.
Depois de longos minutos de revirar na cama, aceitei que não conseguiria relaxar. O sono veio fragmentado, inquieto, e, quando o despertador finalmente tocou, eu já estava desperto há algum tempo, encarando o teto escuro do quarto. A madrugada ainda dominava a cidade quando me levantei, sentindo o frio do piso debaixo dos pés. O ar gelado parecia penetrar nos ossos enquanto eu tomava um banho rápido para afastar o torpor da noite mal dormida.
Cada movimento naquela manhã foi acompanhado por uma mistura de curiosidade e ansiedade. Não sabia o que esperar, mas algo dentro de mim dizia que essa não seria uma manhã comum. Escolhi o melhor terno que tinha — formal, como ela havia especificado — e me certifiquei de que até mesmo os sapatos estavam impecavelmente polidos. não era do tipo que deixava algo passar despercebido, e se ela fazia questão de um código de vestimenta, era melhor seguir à risca.
Cheguei à empresa com dez minutos de antecedência, tentando ignorar o desconforto daquela sensação de antecipação. A entrada estava quase deserta, exceto por , que aguardava ao lado de um carro preto com vidros escurecidos. Diferente da correria do evento no dia anterior, ela parecia completamente sob controle, como se aquele momento já estivesse milimetricamente planejado.
Ela estava impecável, como sempre, mas havia algo quase irritante no quão deslumbrante ela conseguia parecer tão cedo. O vestido cinza, elegante e perfeitamente ajustado, realçava sua postura altiva, e cada detalhe — do tecido bem cortado ao brilho discreto dos brincos — exalava poder. Para completar, ela usava óculos de sol grandes, que escondiam seus olhos, mas não diminuíram sua presença intimidadora. Mesmo sem ver seu olhar diretamente, eu sabia que estava sendo avaliado, como se ela conferisse mentalmente cada item da lista de exigências que esperava de mim.
estava impecável, como sempre, mas havia algo quase irritante no quão deslumbrante ela conseguia parecer tão cedo. O vestido cinza, perfeitamente ajustado, destacava sua postura altiva, e os óculos de sol adicionavam um ar de mistério e autoridade. Ela me avaliou rapidamente, como se estivesse conferindo mentalmente cada item da lista de exigências que esperava de mim.
— Pelo menos você entende o conceito de pontualidade — disse ela, abrindo a porta traseira do carro com um movimento eficiente e sem cerimônia.
— Sempre — respondi, tentando soar confiante enquanto entrava no veículo, embora meu coração batesse mais rápido do que eu gostaria de admitir.
O interior do carro era luxuoso, com bancos de couro e um leve aroma amadeirado que se misturava com o perfume marcante de . O silêncio entre nós era quase palpável, interrompido apenas pelo som suave dos pneus contra o asfalto. Ela digitava algo no celular com rapidez, o rosto iluminado pela tela, completamente imersa no que quer que estivesse fazendo.
Eu estava prestes a perguntar para onde estávamos indo quando o telefone dela vibrou na mão. suspirou ao ver o nome no visor, a expressão se fechando em uma linha tensa antes mesmo de atender.
— Mãe, estou ocupada. O que foi? — Sua voz saiu firme, mas havia um leve resquício de impaciência.
A voz do outro lado era abafada, mas carregava um tom de urgência. manteve a expressão impassível, mas sua postura ficou mais rígida. Seus dedos, antes ágeis no celular, agora estavam parados, como se ela já antecipasse o incômodo que estava por vir.
— Agora? — Ela franziu o cenho, trocando um olhar rápido comigo antes de desviar os olhos. — Eu tinha outro compromisso importante hoje.
A resposta do outro lado foi curta, direta. fechou os olhos por um breve momento, inspirou fundo e soltou o ar lentamente, como se estivesse tentando conter uma resposta mais dura.
— Certo. Estou indo.
Ela encerrou a ligação com um toque firme na tela e permaneceu imóvel por um instante, encarando o nada à sua frente, reorganizando os pensamentos. Então, sem nem me olhar, anunciou:
— Mudança de planos.
Ergui uma sobrancelha, notando o desconforto contido na postura dela.
— Algo grave?
Ela virou o rosto para a janela, como se quisesse estar em qualquer outro lugar.
— Minha mãe quer me ver. Agora. E quando Regina exige alguma coisa, a única resposta aceitável é ‘sim, senhora’.
O nome soou com um peso diferente. nunca falou de sua família. Eu me ajeitei no banco, observando-a.
— Então, em vez de irmos aonde íamos, vamos visitar sua família? — perguntei, tentando captar qualquer nuance no tom dela.
Ela soltou um suspiro resignado e recostou-se no assento.
— Parece que sim.
O desconforto era visível, mas, ao invés de falar mais sobre o assunto, voltou a mexer no celular com a mesma expressão concentrada de antes, como se quisesse minimizar a inconveniência da mudança de planos.
— Cancele a visita à Rafa Kalimann e peça para remarcar para outro horário — ordenou , sem sequer levantar os olhos do celular.
Pisquei algumas vezes, tentando absorver a informação.
— Espera... a gente ia encontrar a Rafa Kalimann hoje? — perguntei, atônito.
me lançou um olhar impaciente, como se minha surpresa fosse um incômodo desnecessário.
— Sim. Mas agora temos outra prioridade. Só remarca. — Sua atenção continuava na tela do celular, os dedos se movendo rapidamente enquanto digitava algo. — Já mandei o contato da assessoria dela para você. Como já não é mais sigilo, pode resolver isso sozinho.
Minha mente levou alguns segundos para processar aquilo. Não era qualquer reunião que estava sendo adiada. Conseguir um encontro com uma das maiores influenciadoras digitais do país não tinha sido fácil. Esse era um dos compromissos mais estratégicos da empresa, e o descartou sem hesitação. Se ela estava disposta a mudar algo dessa magnitude, o que quer que estivesse acontecendo com Regina devia ser sério.
Ainda assim, algo em mim insistiu.
— Certo… Mas ela não vai ficar irritada? Quero dizer, essas pessoas têm agendas lotadas.
finalmente desviou os olhos do celular e me encarou por cima dos óculos escuros, inclinando-se levemente para frente. Mesmo sem ver seus olhos diretamente, eu sabia que estavam afiados como lâminas.
— Por isso quero que remarque, não que cancele! — rebateu, a voz firme e sem paciência. — Você está questionando minhas decisões agora, ?
Endireitei a postura no banco, levantando as mãos em um gesto de rendição.
— De jeito nenhum. Eu só… não esperava — admiti, tentando me recompor.
Ela soltou um pequeno suspiro, voltando ao celular, como se aquela troca de palavras tivesse sido uma perda de tempo.
— Ela pode ser Rafa Kalimann, mas eu sou . E meu tempo vale tanto quanto o dela.
Pisquei, surpreso com a confiança implacável dela. sempre foi determinada, mas ouvi-la dizer isso com tamanha convicção, sem um traço de dúvida, me fez estremecer. Não sabia dizer se era admiração ou apenas um leve frio na espinha por estar ao lado de alguém que enxergava o mundo dessa forma.
Engoli em seco, disfarçando qualquer reação exagerada.
— Claro — murmurei, mantendo minha expressão neutra. — Vou remarcar.
não respondeu, apenas continuou a digitar no celular, como se a conversa já estivesse encerrada e minha concordância fosse apenas uma formalidade.
Peguei meu próprio celular e comecei a digitar uma mensagem para a assessoria de Rafa Kalimann, explicando a necessidade da mudança de horário.
O carro parou suavemente em frente ao prédio, mas já estava abrindo a porta antes mesmo que o motorista tivesse a chance de fazê-lo.
— Estamos aqui — anunciou, saindo sem me esperar.
O som firme de seus saltos ecoou na calçada, cada passo carregando um propósito. Eu a segui, tentando não parecer deslocado. O interior do edifício era ainda mais imponente que o exterior. O mármore do chão refletia as luzes do lustre pendurado no teto alto, e tudo ali exalava sofisticação. Mas, apesar do luxo, a atmosfera parecia fria, distante — muito parecida com a mulher que me conduzia até uma sala privativa.
Lá dentro, uma mulher nos aguardava. Ela se ergueu da poltrona com uma calma meticulosamente controlada, sua presença ocupando todo o espaço antes mesmo que dissesse qualquer palavra. Seu rosto, embora mais maduro, era uma versão indiscutível de : os traços refinados, o olhar calculista e a postura impecável. Mas, diferente da filha, havia algo em Regina que me fez sentir um calafrio imediato.
— Mamãe — disse , sua voz precisa, cortante, mas sem um traço de afeto.
Regina abriu um sorriso polido, treinado na medida exata entre a civilidade e a superioridade. Não era um sorriso de boas-vindas, mas um aviso.
— . Sempre tão ocupada. — Sua voz carregava um tom levemente reprovador, como se cada palavra fosse um lembrete sutil de uma falha.
manteve-se impassível.
— Porque eu priorizo compromissos que realmente exigem minha atenção.
Ela se sentou de frente para a mãe, cruzando as pernas com precisão calculada. Seus olhos estavam firmes, mas, mesmo de onde eu estava, percebi como seus dedos se entrelaçaram discretamente sobre o colo — um detalhe pequeno, mas revelador. Um resquício de nervosismo que provavelmente detestaria que alguém notasse.
O silêncio entre as duas era quase sufocante, um campo minado pronto para explodir a qualquer momento. Eu permaneci próximo à porta, sentindo-me um espectador inesperado de algo muito maior do que uma simples reunião familiar. A energia naquele ambiente não era apenas fria, era afiada, carregada de significados subentendidos e ressentimentos velados.
Regina quebrou o silêncio primeiro.
— Você sabia que hoje discutiríamos questões importantes — começou, sua voz doce em um tom ensaiado, mas que trazia consigo a firmeza cortante de quem já tinha essa conversa muitas vezes antes. — No entanto, parece que continua insistindo em ignorar os valores que a família te ensinou.
arqueou uma sobrancelha, sua expressão perfeitamente controlada, mas carregada de uma paciência à beira do esgotamento.
— Então foi para isso que me chamou aqui? — Sua voz era fria, mas havia um resquício de exasperação ali. — Esse tipo de conversa poderia acontecer a qualquer momento, mas, de alguma forma, sempre escolhe os momentos mais inconvenientes para tentar me demonizar.
Regina suspirou, inclinando levemente a cabeça como se ainda houvesse esperança de dobrar a filha à sua vontade.
— Família, . Construção. Estabilidade. Você realmente acredita que essa sua obsessão pelo trabalho te levará a algum lugar que importe? — Sua voz carregava um misto de censura e impaciência. — Trabalhar dessa forma, ignorando possibilidades mais… tradicionais. A forma como você conduz a empresa, como se fosse apenas sua. Isso é o reflexo de uma mulher que se recusa a aceitar seu verdadeiro papel.
respirou fundo. O gesto foi mínimo, mas, para alguém que a observava com atenção, era um sinal claro de irritação. Em pouco tempo de convivência, eu já havia aprendido a reconhecer esses pequenos sinais.
— Se ser ‘tradicional’ significa abrir mão da minha independência e dos meus objetivos para caber em um molde ultrapassado, então prefiro continuar sendo inadequada — rebateu, sua voz afiada e sem espaço para concessões.
Regina bufou suavemente, recostando-se na poltrona, os dedos ajustando seus brincos brilhantes com um ar calculado de frustração.
— E quanto à sua vida pessoal? Você realmente acredita que pode continuar assim para sempre? Sem um marido, sem filhos, sem ninguém para compartilhar sua vida? — Seu tom ficou mais gélido, como se cada palavra fosse projetada para atingir onde doía. — Você tem trinta e dois anos, . Está correndo contra o tempo. O que pretende fazer quando perceber que está sozinha?
O silêncio que se seguiu foi pesado. Como se a sala tivesse ficado menor, comprimida pela tensão entre as duas.
permaneceu impassível. Sua expressão era uma máscara esculpida na perfeição. Mas eu percebi a mudança. A rigidez sutil nos ombros, a respiração levemente mais profunda. Um controle absoluto, mas não inabalável.
— Faço o que precisa ser feito para garantir o meu sucesso — disse, cada palavra cuidadosamente medida. — E não sou ingênua o suficiente para acreditar que um relacionamento ou uma família garantem felicidade. Se minha independência te incomoda, lamento, mas não vou mudar.
Regina inclinou-se para frente, seu olhar perfurando , como se tentasse encontrar alguma rachadura na muralha que a filha havia construído ao longo dos anos.
— E o que você terá quando olhar para trás? — Sua voz baixou, mas ficou ainda mais cortante. — Dinheiro? Reconhecimento? Você pode até comandar um império, , mas isso não vai te abraçar à noite. — Um sorriso frio dançou nos lábios dela. — Um dia, você vai entender que o que realmente importa não está nas suas conquistas. Espero que, quando isso acontecer, não seja tarde demais.
Aquelas palavras caíram no ambiente como uma sentença.
Eu podia ver o peso delas em , mesmo que sua expressão permanecesse impecável. Ela não piscou, não reagiu. Mas, por um segundo, eu vi. A hesitação quase invisível, a tensão nos músculos que indicava que aquela conversa estava tocando algo profundo.
E foi aí que algo dentro de mim se moveu.
Não sei se foi o tom cortante de Regina ou a maneira sutil, mas evidente, como parecia travar uma guerra interna para não demonstrar qualquer abalo. Mas antes que percebesse, eu já estava me manifestando.
Limpei a garganta e dei um passo à frente.
— Com licença, mas acho que essa conversa precisa terminar por hoje. A Srta. tem uma agenda cheia e ainda precisa finalizar detalhes de um evento importante.
Os olhos de Regina deslizaram até mim, como se finalmente notasse minha presença ali. Seu olhar avaliativo pesou sobre mim por um instante antes de se voltar para , esperando alguma reprimenda à minha interferência. Mas, para minha surpresa, apenas assentiu.
— tem razão — disse, sua voz firme, mas sem a rigidez de antes. — Eu já desmarquei uma reunião para estar aqui, não posso mais adiar nenhum compromisso.
Regina ficou imóvel por um instante, como se ponderasse se valia a pena insistir. Mas, por fim, ergueu-se da poltrona com um movimento ensaiado, ajeitando a saia do vestido como se estivesse limpando algo invisível.
— Ainda espero que você repense suas prioridades, . Estarei esperando quando perceber que estou certa.
também se levantou. Sua postura impecável, seu rosto inexpressivo como uma máscara meticulosamente esculpida. Mas, quando estendeu a mão para apertar a da mãe, seu aperto foi firme, quase desafiador.
— E eu espero que um dia você confie nas minhas decisões, mãe. Porque eu sei exatamente o que estou fazendo. Mas, se tudo o que tem para mim são críticas e tentativas de me moldar ao que você considera certo, talvez seja melhor não me chamar.
O olhar de Regina se estreitou por um instante, mas ela não rebateu. Apenas ergueu o queixo com a mesma altivez da filha e saiu da sala sem dizer mais nada.
Quando a porta se fechou atrás de Regina , o silêncio que ficou na sala era quase ensurdecedor. soltou um longo suspiro, passando a mão pelos cabelos — o primeiro gesto verdadeiramente humano desde que entramos ali. Pela primeira vez, o verniz impecável da sua postura cedeu, revelando o desgaste escondido sob camadas de controle e indiferença calculada.
Fiquei ali, observando-a, sentindo o peso invisível da tensão que ela se recusava a admitir. Era estranho ver alguém tão inabalável dar sinais, mesmo que sutis, de cansaço emocional. E mais estranho ainda era o fato de eu notar.
No caminho de volta para o carro, o silêncio continuou nos acompanhando, agora mais denso, quase palpável. caminhava com o mesmo porte altivo, mas seus passos pareciam mais lentos, como se o peso da conversa ainda estivesse grudado em seus ombros. Quando nos acomodamos no carro, ela virou o rosto para a janela, o olhar fixo em algum ponto perdido na paisagem urbana, embora eu duvidasse que enxergasse qualquer coisa ali fora.
O reflexo dela no vidro mostrava uma expressão que não combinava com a mulher que conheci nos escritórios da Domus. Não havia a rigidez habitual, nem o olhar calculado e afiado. Em vez disso, vi algo mais humano — um cansaço que ia além do físico, um desconforto que ela não conseguiria enterrar mesmo que tentasse.
Respeitei o espaço, deixando o silêncio preencher o carro. Mas, quando já achava que seguiríamos todo o trajeto assim, sua voz quebrou o vazio, baixa, desprovida da rigidez costumeira:
— Obrigada, . Por... intervir.
Foram apenas algumas palavras, mas o impacto foi maior do que qualquer discurso que ela pudesse fazer. A gratidão na voz dela não era comum. E o tom? Ali havia algo raro, quase uma rachadura na armadura — não fraqueza, mas uma vulnerabilidade crua que parecia difícil para ela admitir até para si mesma.
Demorei um segundo para responder, escolhendo as palavras com cuidado, consciente da delicadeza do momento.
— Apenas achei que você precisava de uma pausa. — Tentei suavizar com um sorriso de canto, mas sabia que ela enxergava através de qualquer tentativa de aliviar o peso da situação.
virou o rosto para mim, seus olhos encontrando os meus com uma intensidade que me deixou inquieto. Não era o olhar crítico ou avaliativo de sempre. Havia algo mais ali. Algo que beirava o alívio, talvez até... gratidão genuína. Foi desconcertante.
— Talvez eu precisasse mesmo. — Sua voz saiu mais baixa, quase um sussurro, como se admitir isso fosse uma batalha interna.
Aquela confissão abriu espaço para uma pergunta que martelava em minha mente desde o início daquela visita.
— Posso perguntar algo? — arrisquei, esperando que ela não levantasse mais uma de suas barreiras.
Ela assentiu levemente, um gesto simples, mas que parecia carregar mais significado do que o habitual.
— Sempre foi assim entre você e sua mãe?
soltou um riso curto, sem humor. Cruzou os braços, como se o gesto fosse uma tentativa instintiva de se proteger de memórias incômodas.
— Sim. — O olhar dela se desviou para a janela novamente, como se buscar respostas lá fora fosse mais fácil do que encará-las diretamente. — Ela tem expectativas... inatingíveis. Para ela, sucesso só importa se vier acompanhado de um roteiro que ela mesma escreveu. Família perfeita, vida pessoal impecável, decisões alinhadas ao que ela considera certo.
Houve uma pausa. O tipo de silêncio que não era desconfortável, mas necessário. parecia pesar cada palavra, como se escolher o que dizer fosse tão importante quanto o que ela decidia esconder.
Decidi ir um pouco além.
— E você? — perguntei, minha voz mais suave, respeitando o terreno sensível que estávamos pisando. — O que você considera certo?
Ela demorou a responder. Os olhos continuaram fixos na paisagem que passava pela janela, mas era óbvio que estava longe dali, presa em pensamentos que não compartilharia com facilidade.
— Eu considero certo fazer o que é necessário. Para mim, sucesso é provar que posso chegar onde quero, independentemente das regras que tentam impor. — A firmeza estava de volta à voz dela, mas dessa vez havia algo mais. Não era apenas convicção — era uma defesa, quase um escudo.
Antes que o silêncio voltasse a se instalar, ela inverteu a pergunta, me pegando de surpresa:
— E você, ? O que considera sucesso?
Eu não esperava que ela demonstrasse interesse genuíno na minha opinião. Ainda mais em um momento como aquele.
Respirei fundo, processando a pergunta, antes de responder com honestidade:
— Acho que sucesso é conseguir viver com as escolhas que fazemos. E, se possível, encontrar um pouco de felicidade no caminho.
me olhou de lado, e, pela primeira vez, vi um sorriso diferente se formar em seus lábios. Pequeno, quase imperceptível, mas real.
— Uma visão... idealista. Mas interessante. — O tom dela não carregava sarcasmo, nem julgamento. Era sincero. E isso me pegou de surpresa.
O carro parou em frente à empresa. desceu com a mesma postura elegante de sempre, mas antes de seguir, virou-se para mim. Havia algo em seu olhar que parecia mais... leve, embora o cansaço ainda estivesse lá.
— Obrigada de novo, . Talvez você esteja certo sobre algumas coisas.
Eu estava prestes a responder quando me lembrei de algo importante.
— Ah, só para avisar... Remarquei a visita com a Rafa Kalimann para amanhã de manhã. Já organizei sua agenda para encaixá-la sem afetar outros compromissos.
Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa, mas satisfeita.
— Bom trabalho. Espero que ela saiba que, se eu remarquei, foi porque eu quis, e não porque precisei.
— Ah, claro, Srta. . Vou garantir que a informação chegue até ela da forma correta. — Sorri de canto, deixando escapar um toque sutil de ironia.
me lançou um último olhar — difícil de decifrar, uma mistura de aprovação e desafio — antes de se virar e desaparecer no prédio.
Fiquei no carro por mais alguns segundos, observando o reflexo da cidade no vidro. não era uma mulher fácil de entender, mas, naquele momento, tive certeza de uma coisa: por trás da armadura que ela carregava, existia muito mais do que o mundo estava autorizado a ver.
Depois de um dia exaustivo, tudo o que eu queria era algo doce para compensar o cansaço acumulado. A cafeteria do meu bairro parecia o destino perfeito — seus croissants eram os melhores da cidade e, de quebra, eu aproveitaria para levar um de chocolate para Clara, já que ela adorava. Assim que empurrei a porta de vidro, o aroma quente de café fresco e pão recém-assado me envolveu, trazendo um raro instante de conforto em meio à rotina caótica.
Mas o verdadeiro impacto veio quando meus olhos encontraram Amanda, sentada em uma mesa mais afastada, próxima à janela.
Ela estava imersa na leitura, o olhar fixo nas páginas amareladas de um livro que parecia ter sido lido e relido várias vezes. Seus dedos deslizavam pelas margens, traçando linhas invisíveis enquanto a outra mão repousava ao lado de uma xícara de chá já pela metade.
Era estranho como ela parecia perfeitamente encaixada naquele cenário, como se fosse parte da paisagem.
Amanda nunca passava despercebida. Seus olhos encontraram os meus em questão de segundos, e um sorriso familiar — carregado de um charme casual e uma pitada de malícia — se formou nos cantos da boca.
— Olha só quem resolveu aparecer — disse ela, fechando o livro com um movimento suave.
O sorriso dela era aquele tipo que fazia o ambiente parecer menos pesado, como se ela fosse uma pausa em meio ao caos.
— Amanda — respondi, me aproximando com um sorriso automático nos lábios.
Me inclinei levemente sobre a mesa e depositei um selinho rápido nos seus lábios. Era algo natural entre nós, um gesto sem peso ou significado profundo. Nós nunca fomos um casal. Nossa relação era confortável e descomplicada. Sem rótulos, sem expectativas. Apenas uma amizade com benefícios ocasionais.
— Posso me juntar a você? — perguntei, já puxando uma cadeira.
— Só se trouxer algo para mim. Exagerei no chá e agora estou precisando desesperadamente de algo doce. — Ela piscou, inclinando a cabeça para o balcão.
— Exigente como sempre — brinquei, rindo enquanto me afastava para fazer o pedido.
Peguei dois croissants — um para mim e o de Clara para viagem — e um muffin para Amanda, além de um café forte para tentar despertar meu cérebro cansado. Quando voltei para a mesa, ela me observava com aquele olhar curioso, o tipo de olhar que parecia ver mais do que você queria mostrar.
— Então, o que você está lendo? — perguntei, apontando para o livro que agora estava repousado ao lado da xícara.
— Algo que você provavelmente acharia entediante. — Ela pegou o livro, deslizando os dedos pela capa. — Romance histórico. Eu gosto da forma como as relações eram construídas antes. Cartas demoravam semanas para chegar, olhares carregavam significados profundos… Hoje, tudo é tão rápido.
— Rápido é pouco. — Tomei um gole do café, sentindo o amargor familiar se espalhar pela boca. — A gente vive num mundo onde até as pausas precisam ser produtivas.
Amanda me observou por um instante mais longo do que o necessário e, antes que qualquer palavra pudesse preencher o espaço entre nós, aconteceu.
Me inclinei levemente para frente e, sem hesitar, ela fez o mesmo.
O beijo foi natural, como um reflexo. Simples. Sem pressa. Um costume mais do que qualquer outra coisa. Nada nele exigia promessas ou comprometimentos, porque entre nós nunca houve nada além do agora.
Quando nos afastamos, Amanda sorriu contra meus lábios, seus olhos brilhando com diversão.
— Sempre achei que os muffins combinam melhor com beijos do que com café.
— Um argumento válido. — Ri, apertando de leve sua mão sobre a mesa.
A conversa continuou fluida, cheia de provocações e pequenos toques que não significavam mais do que deveriam. Amanda sempre teve essa capacidade de me fazer esquecer do caos, de ser um refúgio sem precisar de explicações.
— Você tem trabalhado demais — ela comentou, girando distraidamente a colher dentro da xícara. — Dá para ver no seu rosto.
— Isso é um jeito sutil de dizer que estou com olheiras? — provoquei, arqueando uma sobrancelha.
— Eu não disse isso. Mas… se a carapuça serviu. — Amanda riu, me lançando um olhar provocador.
Revirei os olhos, fingindo indignação.
— A culpa não é minha. Minha chefe tem um prazer sádico em me fazer correr contra o tempo.
— Você me falou dela uma vez, ela é implacável, né? — Ela apoiou o cotovelo na mesa, o queixo descansando na palma da mão enquanto me analisava.
— Isso é um eufemismo — suspirei, mordendo um pedaço do croissant. — Ela é o próprio pesadelo de salto alto.
Amanda soltou uma risada leve, mas mudando de assunto.
— Então me diga, o que você tem feito além de ser torturado no escritório? — Hesitei por um momento antes de soltar algo que não planejava compartilhar.
— Pensando em retomar meus desenhos. — Os olhos dela brilharam de interesse.
— Seus desenhos? Você nunca me mostrou nada.
— Porque nunca achei que fossem bons o suficiente. — Ela balançou a cabeça, descrente.
— Quero ver. Um dia desses, sem desculpas.
— Vou pensar no seu caso.
Amanda riu e, sem dizer nada, pegou minha mão sobre a mesa, seus dedos traçando círculos distraídos na minha pele. Um toque confortável, mas sem qualquer promessa.
— Então, o que acha de continuarmos essa conversa em um lugar mais… confortável? — sussurrou, inclinando-se levemente, a provocação evidente no tom.
Meu sorriso cresceu.
— Definitivamente uma ideia melhor do que falar sobre trabalho.
Pagamos a conta rapidamente e saímos juntos, nossos passos sincronizados, como se fôssemos parte de uma rotina que não precisava de explicações. A noite ainda estava começando, e por algumas horas, o caos da minha vida podia esperar.
Já era tarde quando finalmente cheguei em casa. As luzes da sala estavam acesas, lançando um brilho suave que contrastava com o cansaço impregnado em mim. O aroma familiar de café misturado com lavanda ainda pairava no ar, uma daquelas pequenas marcas de Clara que tornavam aquele espaço mais do que apenas um apartamento — era um lar, um lugar onde o peso do dia parecia, pelo menos por alguns minutos, mais leve.
Ela estava afundada no sofá, cercada por um caos organizado de cadernos rabiscados, canetas espalhadas e o notebook equilibrado sobre o colo. Os fones de ouvido abafavam o mundo ao redor, mas não o suficiente para que ela não me notasse assim que fechei a porta atrás de mim. Clara tirou os fones, arqueando uma sobrancelha com uma expressão curiosa que, apesar do tom brincalhão, carregava um traço sutil de preocupação real.
— Até que enfim! Achei que tinha sido sequestrado pelo trabalho. Ou foi outra coisa? — provocou, com um sorriso leve.
Soltei um suspiro pesado, jogando a mochila no chão e me deixando cair no sofá ao lado dela, afundando no estofado como se aquilo pudesse, de alguma forma, aliviar o cansaço que parecia colado à minha pele.
— Sequestrado pela vida, talvez. Ou pelo destino — murmurei, passando as mãos pelo rosto, tentando afastar a sensação sufocante de um dia que parecia ter durado uma eternidade. — Foi um dia longo. E, para ser justo, também dei uma passadinha na cafeteria e acabei encontrando a Amanda.
O nome dela pareceu acender uma faísca de curiosidade em Clara. Ela fechou o notebook com um estalo suave, cruzou as pernas e me lançou um olhar que dizia "Agora você vai falar".
— A Amanda? Do nada? — perguntou, inclinando a cabeça, claramente interessada.
Dei uma risada breve, sem humor, esfregando a nuca como se o gesto pudesse aliviar a tensão.
— Pois é. Mas antes disso… minha chefe me arrastou para um encontro com a mãe dela.
O efeito foi imediato. Os olhos de Clara se arregalaram, e ela se endireitou no sofá, o rosto estampado com um misto de choque e empolgação.
— O quê?! Espera… você conheceu a mãe da ? — O tom dela subiu uma oitava, como se aquilo fosse o equivalente a uma fofoca de primeira linha.
Assenti, soltando um suspiro que parecia carregar o peso do encontro.
— Sim. E foi tão desconfortável quanto parece. A mulher passou metade do tempo analisando cada escolha da filha como se fosse uma juíza em um tribunal invisível.
Clara franziu o cenho, seu olhar agora misturado entre curiosidade e empatia.
— Nossa, que tenso. E a ? Conseguiu manter a pose de fortaleza impenetrável?
— Até conseguiu, mas dava pra ver que estava abalada. No final, acabei… — hesitei, percebendo o quão estranho soava até para mim — acabei interferindo para encerrar a conversa.
Ela piscou, incrédula, como se eu tivesse dito que parei um furacão com as próprias mãos.
— Você fez o quê?! !
Levantei as mãos em um gesto defensivo, rindo do tom escandalizado dela.
— Eu sei, eu sei! Parece loucura, mas… parecia que ela precisava de uma saída. E, olha, foi a primeira vez que vi um lado mais humano da .
Clara estreitou os olhos, inclinando-se para frente, intrigada.
— Humano como?
Fiquei em silêncio por um instante, revivendo a cena na minha cabeça. O jeito que manteve a compostura, mas não conseguiu esconder completamente a tensão nos ombros, o olhar mais carregado do que de costume.
— Foi sutil, mas estava lá. Quando ela me agradeceu… parecia genuíno. Não foi só por educação. Foi… real. Como se, por um segundo, ela não fosse a , CEO implacável, mas só… uma pessoa.
Clara me observou em silêncio, aquele olhar dela que sempre parecia enxergar além do óbvio, antes de sorrir de canto.
— Interessante… — murmurou, com um tom carregado de segundas intenções. — Mas e Amanda? Como ela entrou nessa história?
Soltei uma risada baixa, balançando a cabeça.
— Depois de um dia longo, decidi passar na cafeteria para pegar um croissant pra você. Só que acabei encontrando a Amanda. Conversamos, rimos… e, bom, esticamos a noite na casa dela, se é que me entende…
Clara revirou os olhos dramaticamente, jogando uma almofada na minha direção. Peguei o croissant da sacola e entreguei para ela, que o abriu imediatamente.
— Eu já entendi, ok? Não quero detalhes sórdidos! — Ri, pegando a almofada e jogando de volta.
Houve um breve silêncio antes de Clara me lançar um olhar de quem estava formulando uma pergunta séria.
— Sabe, … eu não entendo por que você não namora com ela logo? — Ela inclinou a cabeça, mordendo um pedaço do croissant. — Quer dizer, vocês não cansa desse negócio de casualidade? — Suspirei, apoiando a cabeça no encosto do sofá.
— Porque eu não a amo. — A resposta saiu com uma facilidade quase desconcertante, mas era a verdade.
Clara me analisou por um instante, mastigando devagar, como se digerisse minhas palavras junto com o croissant.
— Mas você gosta dela — afirmou, sem realmente perguntar.
— Sim, gosto. Amanda é incrível. Inteligente, divertida, e ela me entende. Mas não é… — Pausei, buscando a palavra certa. — Não é o fogo de uma paixão. Não é aquela coisa que consome, que faz você perder o ar.
— E ela nunca quis nada mais sério? — Pensei por um momento antes de dar de ombros.
— Se quis, nunca demonstrou. E, sinceramente? Acho que estamos na mesma página. O que temos sempre foi descomplicado, leve. Ela nunca cobrou nada, nunca esperou algo além do que era.
Clara me observou por mais um tempo antes de soltar um suspiro, balançando a cabeça.
— Bom… pelo menos vocês são honestos um com o outro.
— Sempre fomos. — Respondi, um sorriso cansado nos lábios.
Ela ficou em silêncio por um momento, depois pegou o controle remoto e acenou em direção à TV.
— Quer assistir alguma coisa? Já que você finalmente resolveu dar as caras.
— Só se for algo leve. Acho que não aguento mais nada sério hoje. — Respondi, pegando uma almofada e jogando contra ela, rindo do olhar indignado que recebi em troca.
— Você é insuportável. — Clara bufou, pegando outra almofada para revidar, mas antes que a guerra de travesseiros pudesse começar, meu celular vibrou na mesa de centro.
O som cortou o ar como uma faca, um lembrete de que o mundo lá fora não tinha pausa, mesmo quando eu precisava desesperadamente de uma. O nome de brilhou na tela, e um arrepio percorreu minha espinha. Clara lançou um olhar divertido para o telefone, a sobrancelha arqueada em uma expressão que misturava curiosidade e sarcasmo.
— Ih, lá vem bomba. Melhor atender logo antes que ela mande um helicóptero te buscar.
Suspirei, passando a mão pelo rosto, como se isso pudesse preparar meu cérebro para o que estava por vir. Deslizei o dedo pela tela e levei o telefone ao ouvido.
— Srta. ? — Atendi, tentando soar tranquilo, mesmo sabendo que, se ela estava ligando a essa hora, não era por algo simples.
A voz dela veio firme, direta, sem rodeios, do jeito que eu já estava acostumado:
— , preciso que você ajuste minha agenda para amanhã. A reunião com a Rafa Kalimann precisa ser remarcada para às 10h00, em vez das 08h00. Ela vai até preferir, gosta de acordar mais tarde.
Franzi a testa, um incômodo imediato crescendo dentro de mim. Aquela reunião tinha sido difícil de agendar, e alterar novamente não seria fácil.
— Tem certeza? Essa reunião já foi reagendada uma vez… — Questionei, sabendo que estava pisando em território perigoso. O tom de voz dela já era um aviso por si só.
Do outro lado da linha, o suspiro impaciente foi quase audível. Era aquele tipo de suspiro que significava "não estou disposta a discutir isso".
— Tenho certeza, . Apenas remaneje e me envie a atualização assim que terminar.
O tom dela era irredutível, a paciência pendurada por um fio. Eu sabia que insistir seria inútil.
— Tudo bem. Vou resolver agora.
— Ótimo.
E, como de costume, a ligação foi encerrada antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa.
O telefone descansava no sofá, a tela escura refletindo meu próprio cansaço. O peso da ligação ainda pairava no ar, misturado ao silêncio descontraído da sala. Clara me observava com um olhar divertido, abraçando a almofada que eu havia jogado nela minutos antes.
— Você realmente trabalha para uma máquina, não é? — provocou, inclinando a cabeça com um sorriso malicioso.
Dei uma risada curta, sem muito humor, afundando no sofá.
— Uma máquina bem programada para controlar tudo e todos.
— Incluindo você. — Ela piscou, rindo da própria piada.
Balancei a cabeça, rindo baixinho, mas a verdade era que aquilo não estava tão longe da realidade. parecia ter um talento especial para fazer o mundo girar ao seu comando. E eu? Bem, eu era só mais uma peça bem encaixada nesse tabuleiro.
Olhei para o relógio no canto da tela do meu computador. 8h15.
Revisei a agenda do dia pela terceira vez, só para garantir que não havia cometido nenhum erro. O encontro com Rafa Kalimann estava confirmado para às 10h00, e o restante da manhã estava cuidadosamente planejado, como gostava. Tudo no lugar. Exceto ela.
O tempo parecia se arrastar. Eu conferia a entrada do escritório disfarçadamente, esperando ver aquela figura imponente atravessando o corredor com seus passos firmes e olhar afiado. Mas nada. O relógio marcava 9h00. Depois, 9h15. Meu pé começou a bater nervosamente no chão.
Quando o relógio finalmente marcou 9h30, a porta de vidro se abriu. Lá estava ela.
entrou com a mesma postura impecável de sempre, mas havia algo diferente naquela manhã. Vestia um vestido justo preto de tecido estruturado, que delineava suas curvas com elegância sutil. O blazer acentuava ainda mais sua silhueta, e os saltos altos completavam o visual, adicionando um ar de autoridade que dispensava explicações. O cabelo estava preso em um coque impecável, e os óculos de sol escuros ocultavam seus olhos, mas não conseguiam esconder o magnetismo da sua presença. Ela estava deslumbrante, ainda mais do que o habitual.
O som dos saltos ecoou pelo piso de mármore polido, e o escritório pareceu automaticamente ajustar-se à sua presença. O mundo dela sempre girava em um ritmo próprio, e hoje não era diferente.
Mas algo em mim estava inquieto demais para ignorar.
Levantei-me da cadeira antes mesmo de pensar se aquilo era uma boa ideia. A sala estava cheia de colegas de trabalho, mas as palavras escaparam antes que eu pudesse contê-las.
— Srta. ? — chamei, minha voz saiu um pouco mais firme do que eu planejava.
parou, virando-se levemente para me encarar por cima dos óculos escuros. O burburinho ao redor diminuiu sutilmente, enquanto alguns olhares curiosos se voltavam para nós.
— Algum problema, ? — O tom dela era calmo, mas carregado de uma autoridade que não precisava ser forçada.
Cruzei os braços, tentando manter a compostura.
— Não exatamente um problema, mas… — fiz uma pausa, escolhendo as palavras com cuidado — fiquei me perguntando o motivo da mudança de horário da reunião com a Rafa Kalimann. E agora, com a senhorita chegando… mais tarde do que o habitual…
Minha voz diminuiu um pouco no final, mas o estrago já estava feito. O silêncio no escritório se intensificou, todos fingindo trabalhar, mas atentos.
O olhar de permaneceu fixo em mim por um instante que pareceu se estender além do necessário. Um silêncio carregado, denso, preenchendo o espaço entre nós como se o ar tivesse ficado mais pesado. Então, com um gesto calculado e deliberado, ela retirou os óculos de sol, revelando olhos marcados por um cansaço sutil, mas ainda assim incrivelmente intensos. O brilho neles permanecia — aquele olhar cortante e implacável, que parecia atravessar qualquer um sem esforço. Mas, por trás da superfície, havia uma fissura quase imperceptível. Uma vulnerabilidade que ela provavelmente odiaria saber que alguém notou.
— Eu precisava dormir, . — A resposta veio seca, direta, desprovida de floreios ou desculpas elaboradas.
Fiquei paralisado por um segundo, o cérebro processando aquelas palavras simples. Nada de justificativas profissionais, nada de rodeios. Apenas a verdade crua, exposta de forma desarmante.
— Dormir? — repeti, mais para mim mesmo do que para ela, tentando dar sentido ao óbvio.
Ela soltou um suspiro breve, o tipo de suspiro que parecia carregar o peso de mil reuniões, mil decisões difíceis.
— Sim, dormir. — O tom dela era firme, mas havia um eco sutil de exaustão. — Às vezes, até mesmo eu preciso disso. E quando o meu corpo diz que chegou ao limite, eu escuto.
Aquela sinceridade simples, sem escudos, mexeu comigo de um jeito que não consegui explicar. Não era arrogância. Não era indiferença. Era um fato. Um lembrete de que, por trás da armadura impenetrável, existia uma pessoa que, como qualquer outra, precisava parar. Respirar. Descansar.
Engoli em seco, sentindo um calor estranho subir pelo meu rosto, talvez um misto de constrangimento e surpresa.
— Entendido, Srta. . — Minhas palavras saíram automáticas, o piloto automático profissional assumindo o controle.
Ela apenas inclinou levemente a cabeça em um gesto de confirmação, colocou os óculos de volta e continuou seu caminho, os passos firmes ecoando pelo corredor como se a conversa tivesse sido apenas mais uma tarefa riscada da lista.
Fiquei ali, parado, tentando processar o que acabara de acontecer. Foi quando Analise surgiu ao meu lado, um sorriso travesso nos lábios e aquele olhar de quem viu mais do que deveria.
— Você percebeu, não é? — Ela cutucou meu braço com o cotovelo, mal conseguindo disfarçar a curiosidade.
Soltei um suspiro, passando a mão pela nuca, ainda atordoado.
— Percebi o quê?
Analise revirou os olhos dramaticamente, cruzando os braços.
— Ah, , não se faça de bobo! A nunca dá satisfações para ninguém. Nunca. Se ela chega atrasada, as pessoas aceitam. Se ela muda reuniões de última hora, ninguém ousa questionar. Mas você? Você a questionou na frente de todo mundo. E ela respondeu. Com sinceridade. — Ela enfatizou a última palavra, como se fosse um feito digno de aplausos.
Tentei disfarçar, balançando a cabeça.
— Não exagera, Analise. Ela estava cansada, só isso.
— Sei… — Ela me olhou de cima a baixo, um sorriso maroto se formando. — Mas olha, não vou ser eu quem vai te convencer disso.
Com um último olhar carregado de significado, ela se afastou, deixando-me sozinho com meus pensamentos.
Voltei para minha mesa, tentei me concentrar nos e-mails, na agenda, nos compromissos do dia. Mas minha mente insistia em voltar para aquele breve momento no corredor. Para o olhar dela sem os óculos de sol. Para o peso simples daquelas palavras: "Eu precisava dormir."
Era tão óbvio. Tão humano. Mas vindo dela, carregava um significado diferente. era o tipo de pessoa que nunca demonstrava fraqueza. Que nunca admitia precisar de algo tão banal quanto descanso. E, por algum motivo, essa pequena brecha na armadura dela mexeu comigo mais do que eu gostaria de admitir.
Pouco tempo depois, ouvi novamente o som dos saltos ecoando pelo corredor. O ritmo firme e confiante de sempre. estava de volta, agora sem os óculos, e com a postura impecável, a expressão serena e o olhar focado. Era como se a conversa de minutos atrás nunca tivesse acontecido.
Mas eu sabia que tinha acontecido.
E algo me dizia que isso mudava tudo.
Respirei fundo, ajeitei minha gravata e a segui em direção à sala de reuniões. O dia mal tinha começado, mas eu já sabia que não conseguiria tirá-la da cabeça tão cedo.
O corredor até a sala de reuniões parecia mais longo do que o habitual. Cada passo ecoava no piso de mármore polido, o som abafado pelas paredes de vidro que separavam o ambiente da rotina agitada do escritório. Respirei fundo antes de empurrar a porta, tentando manter a compostura.
já estava lá, sentada à cabeceira da mesa de reunião. Seus olhos, agora sem os óculos de sol, estavam fixos no tablet à sua frente, percorrendo informações com uma concentração quase hipnotizante. Ela parecia alheia a qualquer coisa que não fosse o que estava lendo, o que só aumentava o peso da minha presença.
— Srta. — cumprimentei, entrando com passos contidos e um leve aceno de cabeça.
Ela levantou os olhos por um breve segundo, apenas o suficiente para me reconhecer, e depois voltou a atenção para a tela.
— — respondeu de forma neutra, mas o som do meu nome em sua voz sempre parecia mais firme do que o necessário.
Me aproximei da mesa, segurando o tablet com a agenda do dia. Meus dedos estavam um pouco mais trêmulos do que eu gostaria de admitir.
— Aqui está o resumo da agenda. — Estendi o tablet para ela, tentando soar confiante. — Após a reunião com a Rafa Kalimann, você tem uma call com o time de marketing e, depois do almoço, um encontro com o conselho para discutir o novo projeto da campanha internacional.
pegou o tablet, seus dedos deslizando pela tela com eficiência. Ela assentiu levemente, sem dizer nada por alguns segundos, analisando os detalhes. Antes que o silêncio se prolongasse demais e eu me sentisse ainda mais deslocado, a porta se entreabriu e uma das recepcionistas apareceu.
— Com licença, Srta. . , a Rafa Kalimann acabou de chegar.
Senti um aperto no estômago, uma mistura de ansiedade e expectativa. Assenti, me virando para em busca de alguma instrução, mas ela apenas disse, de forma direta:
— Traga-a aqui.
Saí da sala, respirando fundo no caminho até a recepção. Rafa Kalimann estava lá, radiante, com aquele carisma natural que parecia iluminar o ambiente. Usava um conjunto elegante. Ao lado dela, Fran, sua assessora de relações, exibia uma postura profissional, com um blazer bem cortado e um olhar atento que parecia avaliar tudo ao redor.
— Rafa Kalimann? — perguntei, estendendo a mão com um sorriso profissional. — Sou , assistente da Srta. . É um prazer recebê-la.
Ela apertou minha mão com firmeza, o sorriso caloroso desarmando qualquer resquício de tensão.
— Oi, ! O prazer é meu. — A voz dela era leve, mas carregada de uma confiança que parecia natural.
— E essa é Fran, minha assessora de relações. — Rafa fez um gesto sutil em direção à mulher ao seu lado. — Vocês já se falaram por telefone, certo?
— Exatamente. Prazer em conhecê-lo pessoalmente, — disse Fran, apertando minha mão com um olhar profissional e direto.
— O prazer é meu. Vamos? — indiquei o caminho, conduzindo-as até a sala de reuniões.
Quando entramos, estava de pé, com a mesma postura impecável, mas havia um leve sorriso no canto dos lábios — o suficiente para parecer cordial sem perder a autoridade.
— Rafa, seja bem-vinda. — Ela estendeu a mão para cumprimentá-la com firmeza. — É um prazer finalmente nos encontrarmos pessoalmente.
— O prazer é meu, . — Rafa retribuiu o aperto de mão com um sorriso confiante, depois virou-se para Fran com um olhar cúmplice.
Sentamo-nos à mesa: à cabeceira, Rafa ao seu lado, com Fran e eu do outro lado. iniciou a reunião com a clareza e a objetividade que lhe eram características.
— Rafa, agradeço por ter ajustado sua agenda. — O tom dela era firme, mas levemente mais suave do que o habitual. — Estamos interessados em uma parceria que una sua influência com a estratégia da nossa nova campanha. Acreditamos que sua autenticidade possa agregar valor à imagem da marca.
Rafa sorriu, inclinando-se levemente para frente, demonstrando interesse genuíno.
— Fico feliz em ouvir isso. Sempre busco trabalhar com marcas que tenham um propósito claro. O que vocês têm em mente?
explicou a proposta com uma precisão impressionante, detalhando as estratégias de marketing digital, engajamento orgânico e o impacto social que queriam alcançar. Fran ouvia atentamente, fazendo anotações rápidas enquanto seus olhos avaliavam cada nuance da proposta.
Em determinado momento, Rafa fez uma pergunta mais desafiadora:
— E como vocês pretendem garantir que essa campanha não seja apenas mais uma jogada de marketing? Quero dizer, as pessoas estão cada vez mais críticas em relação a colaborações com influenciadores.
não hesitou. Sua postura permaneceu firme, mas sua voz ganhou um tom de convicção ainda mais forte.
— Não estamos interessados apenas em números. Queremos criar impacto real. — Ela olhou diretamente para Rafa, sua intensidade dominando o espaço. — Acreditamos que sua voz pode amplificar uma mensagem que vai além da estética: queremos autenticidade. E isso não se constrói com roteiros prontos. Se for para funcionar, tem que ser real.
Fran, que até então estava em silêncio, interveio:
— Concordo com você, . E, para garantir essa autenticidade, acredito que seria interessante incluir momentos mais orgânicos na campanha. Talvez permitir que a Rafa compartilhe experiências pessoais ligadas aos valores da marca. Isso cria conexão de verdade com o público.
assentiu, considerando a sugestão com um olhar que demonstrava aprovação.
— Boa observação, Fran. Podemos explorar essa abordagem, desde que mantenhamos a linha estratégica bem definida.
Rafa sorriu, claramente satisfeita com a direção da conversa.
— Gosto disso. Acho que podemos construir algo interessante juntas.
O restante da reunião fluiu de forma mais descontraída, com ideias sendo trocadas, ajustes sendo feitos e uma sinergia inesperada surgindo entre e Rafa.
Quando a reunião chegou ao fim, Rafa se levantou, apertando nossas mãos novamente.
— Foi ótimo conversar com vocês. Estou animada para o que vem por aí.
Depois que ela saiu, o silêncio voltou à sala. cruzou as pernas, apoiando o cotovelo na mesa e levando a mão ao queixo, pensativa.
— Bom trabalho — disse ela, sem olhar diretamente para mim, mas o comentário foi o suficiente para um calor estranho subir pelo meu peito.
Eu apenas assenti, tentando esconder o sorriso discreto que ameaçava surgir. Porque, vindo dela, aquele pequeno elogio parecia carregar um peso desproporcional. E, estranhamente, era o suficiente para fazer o dia parecer um pouco menos comum.
O relógio marcava quase seis da tarde quando o som familiar dos saltos de ecoou pelo corredor vazio. A maioria dos colegas já tinha ido embora, mas eu ainda estava finalizando alguns e-mails quando ouvi sua voz, firme e inconfundível, do outro lado da minha mesa.
— , venha comigo. — Não era uma pergunta, claro. O tom dela nunca deixava margem para dúvidas.
Olhei para cima, confuso. Ela estava de pé, segurando a bolsa em um ombro, com o blazer pendurado no braço. O coque, que normalmente mantinha impecável, estava um pouco mais solto, algumas mechas caídas emoldurando o rosto de forma quase casual, o que a fazia parecer… menos inacessível.
— Agora? — fechei o notebook automaticamente, já me levantando, como se meu corpo soubesse que resistir era inútil.
estreitou os olhos, impaciente.
— Sim. E pegue sua mochila.
O pedido inesperado me fez franzir o cenho, mas obedeci sem questionar. Guardei o notebook, joguei a alça da mochila sobre o ombro e a segui pelo corredor. Descemos juntos até a garagem. O carro dela, um sedã preto elegante, já estava esperando com o motor ligado. assumiu o volante sem cerimônias, e eu entrei no banco do passageiro, tentando não parecer desconfortável.
O silêncio entre nós foi interrompido apenas pelo som do cinto de segurança se encaixando. Após alguns minutos dirigindo, ela finalmente falou, o olhar fixo na estrada, as luzes da cidade refletindo em seus traços.
— Preciso de um presente. Algo sofisticado, mas que não pareça forçado. — A forma direta com que disse isso quase me fez rir. — Achei que uma segunda opinião poderia ser útil.
Essa foi a última coisa que eu esperava. pedindo opinião? Quase ri, mas me contive.
— Para quem é o presente? — arrisquei, tentando soar casual.
— Para um jantar de negócios. — A resposta veio rápida, vaga o suficiente para me fazer suspeitar de que havia mais por trás. — Uma garrafa de vinho seria suficiente, mas quero algo que cause uma boa impressão.
Assenti, absorvendo a informação enquanto o carro seguia em silêncio por mais alguns minutos. A cidade passava pelas janelas, iluminada pelo brilho alaranjado do pôr do sol, pintando sombras suaves no interior do carro.
Chegamos a uma boutique de vinhos sofisticada, daquelas em que o preço de qualquer garrafa paga metade do aluguel. O ambiente interno era elegante e acolhedor, com luzes suaves refletindo em prateleiras de madeira escura repletas de rótulos importados.
caminhava entre as fileiras com a mesma segurança de quem faz isso todos os dias, enquanto eu tentava decifrar se estava ali para ajudar ou apenas para carregar a sacola no final. Ela pegou uma garrafa, analisou o rótulo por alguns segundos e depois colocou de volta com um suspiro frustrado.
— Isso não está funcionando. — Ela virou-se para mim de repente, me pegando de surpresa. — O que você acha?
Me aproximei, fingindo um ar de especialista, embora meu conhecimento sobre vinhos se limitasse ao que estava em promoção no supermercado.
— Bom… depende. — Peguei uma garrafa aleatória, só para ganhar tempo. — Você quer impressionar ou parecer despretensiosa?
Ela arqueou uma sobrancelha, avaliando a pergunta.
— Um pouco dos dois. — A resposta veio acompanhada de um sorriso discreto, o primeiro do dia. Analisei o rótulo em minhas mãos e depois olhei para ela.
— Talvez o problema seja o vinho. Que tal algo menos óbvio? Um presente que diga mais sobre você do que sobre a pessoa que vai recebê-lo.
me observou em silêncio por um momento, como se estivesse pesando minhas palavras. Depois, assentiu lentamente.
— Ok. Me mostre o que você tem em mente.
Aquilo parecia um desafio. Passei a andar pelas prateleiras até encontrar um conjunto elegante de taças de cristal artesanais. Minimalistas, sofisticadas e, de alguma forma, com a mesma aura de perfeição que exalava.
— Isso. — Apontei. — Refinado, útil e ainda assim um presente que parece ter sido escolhido com cuidado.
se aproximou, pegou uma das taças e girou-a nos dedos. O reflexo da luz destacava o brilho sutil do cristal.
— Não é uma escolha óbvia. — Ela finalmente disse, com um tom que parecia… aprovação? — Gostei.
Pagamos (ou melhor, ela pagou) e saímos da loja. No carro, o silêncio não era mais desconfortável. Pelo contrário, parecia natural, preenchido por uma sensação estranha de… entendimento.
Antes de sairmos da garagem, olhou para mim brevemente, sem a postura controlada de sempre.
— Obrigada, . Foi… útil.
Sorri de canto, sem saber exatamente por que aquilo me fez sentir tão bem.
— Sempre que precisar de um consultor de presentes de última hora, já sabe onde me encontrar.
Ela riu, um som breve, mas real, antes de ligar o motor e seguir pelas ruas já escuras da cidade. Achei que iríamos direto para o escritório, mas, em vez disso, diminuiu a velocidade e lançou um olhar rápido para mim.
— Qual o seu endereço?
A pergunta dela me pegou desprevenido. O cinto de segurança ainda apertado contra o peito, demorei um segundo para processar, franzindo o cenho, confuso.
— Não precisa me levar em casa. Eu posso pegar um táxi ou…
— Não foi um pedido, . Foi uma ordem. — O tom dela era o de sempre, firme e autoritário, mas havia um brilho sutil, quase divertido, escondido no canto dos olhos.
Suspirei, resignado. Sabia que insistir seria em vão. Passei o endereço e, sem dizer mais nada, ela assentiu com um movimento breve e voltou a focar na estrada. O carro deslizou pelas ruas iluminadas da cidade, as luzes refletindo no painel enquanto o silêncio preenchia o espaço entre nós. Mas, dessa vez, não era o silêncio desconfortável de sempre. Havia algo diferente, uma tensão leve, mas não exatamente ruim.
De vez em quando, eu percebia o olhar dela desviando sutilmente para mim — rápidos, quase imperceptíveis, mas o suficiente para me deixar ainda mais ciente da presença dela. Fingi não notar, encarando as luzes da cidade que passavam borradas pela janela, enquanto minha mente corria mais rápido do que o carro.
Quando finalmente chegamos ao meu prédio — um edifício simples, sem nenhum tipo de sofisticação — senti um aperto estranho no peito. O contraste entre o meu bairro, com suas ruas largas e silenciosas, e o ambiente corporativo de parecia expor mais do que eu gostaria. Era uma vulnerabilidade sutil, mas que me incomodava.
estacionou o carro com a mesma precisão meticulosa de sempre, desligando o motor em um gesto automático. O silêncio que se seguiu parecia mais denso do que o trajeto inteiro.
— Boa noite, . — A voz dela soou mais suave do que eu esperava, sem o peso habitual da autoridade. Havia algo quase… caloroso ali.
Demorei um segundo antes de responder, surpreso com o tom.
— Boa noite, Srta. . — Saí do carro, o ar fresco da noite batendo no meu rosto, contrastando com o calor inexplicável que parecia ter se instalado dentro de mim.
Enquanto fechava a porta, não resisti e olhei por cima do ombro. ainda estava lá, o rosto parcialmente iluminado pelas luzes da rua. Ela me observou por um segundo a mais do que o necessário antes de desviar o olhar e acelerar, desaparecendo na curva da avenida.
Fiquei parado por alguns instantes, encarando o vazio onde o carro havia sumido. Depois, sacudi a cabeça e entrei no prédio, tentando ignorar o nó inexplicável que havia se formado no meu estômago.
A chave girou na fechadura com um clique suave. Entrei, esperando encontrar o apartamento mergulhado no silêncio habitual, mas fui surpreendido pela voz de Clara vindo da sala.
— ? — Ela surgiu no corredor com uma caneca de chá na mão, o cabelo preso em um coque bagunçado e uma expressão de surpresa no rosto. — Você tá em casa… cedo?
Soltei um suspiro, jogando a mochila no sofá.
— É… meio que tive uma carona inesperada.
Clara franziu o cenho, se aproximando com aquele olhar curioso que eu já conhecia bem — o mesmo olhar que ela usava quando estava prestes a me fazer perguntas que eu preferia não responder.
— Carona? Com quem?
Eu podia ver as engrenagens girando na mente dela, pronta para formular teorias mirabolantes. Antes que sua imaginação começasse a trabalhar demais, apressei-me em cortar qualquer especulação.
— Nada demais, Clara. Foi só a . Precisávamos resolver um negócio, e ela me deixou em casa depois. — Falei de forma casual, jogando o celular na mesa, tentando parecer o mais indiferente possível.
O olhar dela se estreitou, um sorriso malicioso começando a se formar nos lábios.
— A ? Tipo… a sua chefe ?
Revirei os olhos, indo direto para a cozinha pegar um copo de água, fugindo daquele olhar inquisidor.
— Sim, essa mesma. E antes que você comece a criar uma fanfic mental, foi só trabalho.
Ela soltou uma risada curta, claramente se divertindo com a minha tentativa de parecer desinteressado.
— Tá bom, se você diz… — murmurou, voltando para o sofá, mas com aquele olhar de quem não acreditava em uma palavra do que eu havia dito. — Mas eu sei ler sinais, .
Ignorei o comentário dela, bebendo a água em silêncio, mas uma parte de mim sabia que ela não estava completamente errada. Talvez houvesse sinais. Eu só ainda não sabia exatamente o que eles significavam.
E, naquele momento, preferi não pensar nisso.
Na sexta-feira, quando o relógio já ameaçava se arrastar para o fim do expediente, surgiu na minha mesa com o olhar sério de sempre e um maço de papéis em mãos. Eu estava exausto, com o cérebro funcionando no modo automático, mas tentei disfarçar a fadiga. Ela parou em frente à minha mesa, o blazer perfeitamente alinhado, e largou a papelada com a mesma delicadeza de quem coloca um peso morto sobre uma balança.
— , preciso que revise esses contratos e envie o relatório até às oito. — Falou sem preâmbulos, a voz firme como um comando militar.
Olhei para o relógio. 18h30. Suspirei internamente, sentindo minha paciência evaporar junto com a pouca energia que ainda restava.
— Claro, Srta. . Mas… tudo isso para hoje? — perguntei, gesticulando para o maço de papéis como quem tenta convencer a realidade de que ela está errada.
Ela cruzou os braços, aquele gesto clássico que eu já associava a uma avalanche de ordens.
— Algum problema? Achei que tivesse dito que era eficiente.
Eu podia ter engolido o comentário, mas o cansaço fez meu filtro desligar.
— Eficiência não significa ser uma máquina. Até elas precisam de manutenção de vez em quando.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. me encarou, surpresa, como se eu tivesse acabado de cometer um sacrilégio. O olhar dela endureceu, mas, em vez da explosão que eu esperava, ela fez algo que me pegou de surpresa: se sentou.
Simplesmente puxou a cadeira ao lado da minha mesa e se sentou, o blazer perfeito contrastando com o leve franzir da testa.
— Longo? Você acha que minha semana foi curta? — O tom ainda era firme, mas havia uma borda de cansaço real ali. — Estou tão exausta quanto você, . Talvez mais.
Eu a encarei, surpreso com a honestidade. raramente falava algo tão direto sobre si mesma. O cansaço em sua voz não era disfarçado por sarcasmo ou arrogância, só… um fato.
— Talvez se você não tentasse controlar tudo, pudesse respirar um pouco mais. — A frase saiu antes que eu pudesse me segurar, e imediatamente me arrependi ao ver o olhar dela endurecer de novo.
Por um momento, achei que ela fosse me demitir ali mesmo. Mas, em vez disso, ela riu. Um riso breve, seco, mas real.
— Controle é o que mantém essa empresa funcionando. — A resposta veio rápida, mas o tom estava menos afiado do que o habitual. Ela me olhou por alguns segundos, como se estivesse decidindo se valia a pena continuar. Por fim, ela se levantou e ajeitou o casaco com um movimento elegante. — Apenas termine isso.
Ela deu alguns passos, mas então parou, virando-se levemente para mim.
— E, … bom trabalho essa semana.
Fiquei ali por um momento, processando o que havia acabado de acontecer. Um elogio? Do nada? O mundo estava, definitivamente, de cabeça para baixo.
Suspirei, ainda meio atordoado, e voltei para os contratos. Depois de finalizar tudo, desliguei o computador e saí do escritório naquela sexta-feira à noite com um objetivo claro na mente: um fim de semana tranquilo. Planejava maratonar séries e finalmente jogar Fortnite sem o peso das responsabilidades me rondando.
Mas, claro, não parecia ter o mesmo plano para mim.
No sábado à noite, estava confortavelmente afundado no meu sofá, com um balde de pipoca equilibrado no colo e o controle remoto na mão. O apartamento estava em silêncio, exceto pelo som da TV, que exibia o final de um episódio qualquer. O plano era simples: assistir mais um episódio e depois mergulhar em uma maratona de Fortnite, coisa que eu não fazia há semanas.
O mundo, por um breve momento, parecia em paz.
Até o celular vibrar em cima da mesa de centro.
Olhei de relance, esperando alguma notificação boba de redes sociais ou, no máximo, uma mensagem da Amanda, sei lá. Mas o nome que brilhou na tela fez meu estômago dar um leve nó.
.
Meu primeiro instinto? Ignorar. Eu podia fingir que estava dormindo, que o celular tinha descarregado ou, sei lá, que eu tinha sido abduzido. Mas o senso de dever — e um leve medo irracional de ser demitido — falou mais alto. Além da maldita curiosidade que me acompanhava desde que comecei a trabalhar para ela.
Peguei o celular e atendi, tentando disfarçar o incômodo no tom de voz.
— falando — disse, me esforçando para soar neutro, embora o cansaço e a incredulidade transparecessem.
Do outro lado da linha, a voz dela surgiu firme, direta como sempre, mas havia algo diferente. Um traço de urgência, uma vulnerabilidade tão sutil que só percebi porque passei horas demais ouvindo o tom inabalável dela.
— Preciso de você. Agora.
Eu me endireitei no sofá, o controle remoto esquecido no meio da almofada.
— ? O que aconteceu? — perguntei, a preocupação se infiltrando antes mesmo de eu perceber.
Ela soltou um suspiro impaciente, aquele tipo de suspiro que parecia dizer: "não acredito que tenho que explicar isso".
— Estou em um encontro… e é um desastre. Venha me buscar.
Eu pisquei, processando cada palavra como se fosse uma equação complexa.
— Um encontro? — repeti, franzindo a testa. — Você está me ligando para resgatar você de um encontro?
— Sim, . — O tom dela ficou ainda mais impaciente, como se o fato de eu não ter pulado do sofá naquele instante fosse um crime inaceitável. — Venha logo. Estou no restaurante La Belle.
E, claro, ela desligou antes que eu pudesse sequer responder.
Fiquei parado por alguns segundos, o celular ainda na mão, encarando a tela agora escura. O silêncio do apartamento parecia mais alto do que antes.
Ela realmente me ligou… para isso?
Soltei um suspiro longo e profundo, jogando o controle remoto de lado enquanto me levantava do sofá. O balde de pipoca ficou abandonado, como um símbolo da noite tranquila que eu estava prestes a perder. Calcei os tênis com pressa, balançando a cabeça em incredulidade.
— , aonde você vai? — Clara gritou da cozinha, a voz ecoando pelo apartamento. Ela surgiu na porta, segurando uma caneca de chá, o olhar curioso e uma sobrancelha arqueada.
— Resgatar a minha chefe de um encontro desastroso — respondi, pegando as chaves do carro, ainda sem acreditar nas palavras que saíam da minha boca.
O silêncio dela durou um segundo. Depois, veio a gargalhada — alta, despreocupada, ecoando pelo apartamento.
— Isso é sério? — Ela riu ainda mais, quase se apoiando no batente da porta para não cair. — Você definitivamente trabalha para a pessoa mais estranha do planeta.
Não pude discordar. Mas lá estava eu, saindo de casa em um sábado à noite para resgatar .
Porque, por algum motivo inexplicável, ela me ligou.
E, mais inexplicável ainda, eu atendi.
O trajeto até o La Belle foi curto, mas minha mente parecia um turbilhão. Cada semáforo, cada curva, apenas alimentava o misto de incredulidade e curiosidade. Por que ela me ligaria? Logo eu?
Assim que o uber estacionou, meu olhar se fixou imediatamente na entrada do restaurante. O lugar estava cheio, com casais bem vestidos e o som abafado de conversas e taças brindando. Mas foi ela quem prendeu toda a minha atenção, como se o resto do mundo tivesse ficado embaçado.
estava do lado de fora, de braços cruzados, o olhar impaciente fixo na entrada do restaurante, até que seus olhos encontraram os meus. A expressão dela mudou sutilmente — algo entre irritação e alívio, um contraste que só ela conseguia carregar com tanta naturalidade.
E, por um momento, eu simplesmente… congelei.
Ela estava deslumbrante. Vestia um vestido preto de tecido acetinado, que abraçava suas curvas com precisão, revelando um jogo sutil entre sofisticação e sensualidade. O decote discreto e o corte ajustado destacavam sua postura altiva, enquanto um casaco longo, cinza-escuro, pendia dos ombros, dando-lhe um ar de elegância despreocupada. Os saltos finos e altos, que batiam levemente no chão de pedra, adicionavam um toque de poder silencioso.
O cabelo, preso em um coque baixo, deixava algumas mechas soltas que emolduravam seu rosto de forma quase artística. A maquiagem era impecável, com um batom vermelho profundo que parecia desafiar qualquer um a não olhar para seus lábios, e os olhos realçados por um delineado sutil, mas certeiro, que deixava o olhar dela ainda mais penetrante.
Fiquei hipnotizado por um segundo a mais do que deveria. O tipo de olhar que você disfarça com uma piada, mas que, internamente, te faz questionar o próprio juízo. Meu coração acelerou de um jeito idiota, e precisei piscar algumas vezes para me lembrar de que estava ali por um motivo específico.
Antes que eu pudesse abrir a boca, a porta do restaurante se abriu atrás dela, revelando um homem alto, bem vestido, com um sorriso tenso que parecia prestes a desmoronar. O tipo de cara que provavelmente achava que um terno caro e uma conversa ensaiada eram o suficiente para impressionar qualquer um.
Claramente, ele não conhecia .
— ! Você vai embora assim? Sem nem terminar o jantar? — O tom dele estava carregado de frustração, tentando soar controlado, mas sua expressão o traía.
virou-se devagar, com aquele meio sorriso que eu já aprendera a identificar como o prenúncio do caos. O tipo de sorriso que dizia: "Você está prestes a se arrepender de me provocar."
— Eu disse que precisava ir. Tenho coisas mais importantes para lidar. — A voz dela era fria, cortante como uma lâmina recém-afiada, mas havia um brilho nos olhos, algo entre o tédio e o puro desprezo calculado.
O homem olhou para mim, claramente tentando entender o que estava acontecendo. Seus olhos fizeram um rápido escaneamento da minha roupa — calça jeans, tênis simples, uma jaqueta jogada por cima da camiseta. Claramente, eu não parecia o tipo de pessoa que ele esperava ver ao lado de alguém como .
— E esse aí? Quem é ele? — Ele apontou para mim, o tom impregnado de desprezo e curiosidade mal disfarçada.
Antes que pudesse responder, algo dentro de mim — talvez o cansaço da semana, ou o simples prazer de ver aquele cara se contorcer — me fez agir por impulso.
— Eu sou o namorado dela. — As palavras saíram antes que o bom senso pudesse me parar. O impacto foi imediato.
O homem piscou, claramente tentando processar o que eu acabara de dizer. Seu olhar se alternava entre mim e , esperando que ela explodisse, corrigisse, fizesse qualquer coisa que negasse minha afirmação.
Mas … não fez nada disso.
Ela cruzou os braços com uma calma que beirava o sarcasmo, deu de ombros e disse:
— Você ouviu o que ele disse.
Simples assim. Sem hesitação. Sem um piscar de olhos.
— Namorado? — O cara repetiu, a voz carregada de incredulidade e um toque de desespero. — , isso é algum tipo de brincadeira?
deu um passo em direção ao carro, os saltos ecoando como um lembrete sutil de quem estava no controle da situação.
— Não preciso explicar nada para você. Agora, se nos der licença… — Ela puxou a porta do carro com a elegância de quem fecha um capítulo de um livro entediante.
O homem abriu a boca, talvez para insistir em algo patético, mas eu ergui a mão, interrompendo-o com um sorriso sarcástico.
— Ah, e obrigado por cuidar dela enquanto eu vinha. — O sarcasmo escorria da minha voz enquanto eu abria a porta do carona.
O manobrista já havia trazido o carro dela, e assim que entrei, senti uma pontada de satisfação ao vê-lo ficar parado ali, sem resposta, engolindo o orgulho junto com o ar frio da noite.
entrou logo depois, jogando a bolsa no banco de trás com um suspiro exasperado. Dei partida, o motor rugindo suavemente enquanto eu manobrava com uma tranquilidade desconcertante. O carro parecia um palco de tensão prestes a explodir, o ar carregado por um silêncio quase palpável. mantinha o olhar fixo na janela, mas sua presença dominava o espaço. Eu, por outro lado, tamborilava os dedos no volante, incapaz de ignorar o turbilhão de pensamentos e emoções que aquele encontro improvável havia provocado.
Ela quebrou o silêncio primeiro, a voz baixa, mas carregada de frustração.
— Ele era péssimo. Arrogante, pretensioso, falando de si mesmo o tempo todo como se fosse o centro do universo. — Ela bufou, cruzando os braços, o olhar fixo na escuridão além da janela. — E o pior? Achei que poderia escapar antes, mas o Arnaldo não atendeu. Tive que ligar pra você.
Arnaldo. O motorista dela. Claro. Eu fui a segunda opção.
Soltei uma risada seca, o sarcasmo escorrendo antes que eu pudesse me segurar.
— Que honra, então. Fico lisonjeado por ser a última alternativa antes de você ligar pra emergência.
Ela nem se deu ao trabalho de responder de imediato. Em vez disso, continuou falando, mais para si mesma do que para mim, o tom misturado entre frustração e cansaço.
— Sério, quem fala de si mesmo durante um jantar inteiro? "Ah, porque eu viajei pra Dubai, porque minha coleção de relógios é exclusiva, porque meu personal trainer diz que sou um prodígio genético." — Ela imitou uma voz pomposa, revirando os olhos. — Quem se importa? Só queria uma conversa normal, sabe? Algo que não parecesse uma entrevista de emprego disfarçada.
Eu apertava o volante com mais força do que o necessário, sentindo a irritação subir pela garganta. Ela continuava, alheia ao fato de que eu estava prestes a explodir.
— E o terno dele? Horrível. Quem escolhe um terno azul royal para um jantar formal? — Ela balançou a cabeça, indignada. — E o perfume? Parecia ter tomado banho em um frasco inteiro. Quase tive uma dor de cabeça só de respirar.
O som da risada dela, amarga e sem humor, foi o estopim.
— Ah, e o pior de tudo: ele ainda teve a audácia de dizer que acha perda de tempo ler livros. Quem diz isso em voz alta? — Ela bufou novamente, sacudindo a cabeça. — Arrogante e ignorante. Que combo.
O sangue já pulsava alto nos meus ouvidos, o peito inflado de uma frustração que eu não sabia mais como conter. Finalmente, a bomba explodiu.
— Sabe o que é engraçado? — comecei, a voz subindo sem que eu conseguisse controlar. — Eu estava em casa. Tinha planos. Coisas simples, que não envolviam ser o seu plano B de emergência. Mas, claro, quando você estala os dedos, lá vou eu, porque Deus me livre contrariar .
O carro ficou em silêncio por um segundo, só o som do motor preenchendo o espaço. Ela me encarava agora, o olhar endurecido, mas sem a usual armadura de controle. Parecia mais surpresa do que ofendida.
— Eu não te obriguei a vir, — respondeu ela, seu tom era mais alto.
Estacionei o carro de qualquer jeito na rua, porque, do jeito que eu estava, poderia fazer uma besteira.
— Não precisou! — explodi, batendo a mão no volante. — Porque, de alguma forma, você faz parecer que todo mundo deve estar à sua disposição. O mundo gira no seu ritmo, e quem não acompanha fica pra trás.
se inclinou para frente, o rosto a poucos centímetros do meu, os olhos brilhando com uma mistura de fúria e algo que eu não conseguia identificar de imediato.
— Você acha que sabe tudo sobre mim, não é? — Ela cuspiu as palavras, cada sílaba carregada de veneno. — Você acha que é só estalar os dedos e as coisas acontecem? Que minha vida é um mar de rosas só porque eu comando tudo? Eu luto todos os dias para manter tudo funcionando, . Você não faz ideia da pressão, da solidão. Então, não venha bancar o mártir porque eu liguei pra você em um momento de merda.
Eu soltei uma risada seca, balançando a cabeça.
— Ah, coitada da . Tão sobrecarregada, tão sozinha, tão... poderosa! Mas sabe o que eu vejo? Uma mulher que pisa em todo mundo pra manter esse controle, porque Deus me livre de alguém perceber que você não é tão inatingível assim!
O olhar dela faiscou.
— Você não tem ideia do que está falando.
— Não? Então me explica! Explica por que ninguém nunca está à sua altura, por que todo mundo que tenta se aproximar de você acaba descartado! Porque, adivinha? Você se convenceu de que não precisa de ninguém. Você faz questão de manter todo mundo a um passo de distância, e o pior é que acha isso um sinal de força. Mas isso, ? Isso só mostra o quanto você morre de medo de que alguém realmente conheça você de verdade.
Ela apertou os punhos, a respiração acelerada.
— Ah, claro! Porque o grande agora virou especialista em mim! Você acha que é tão diferente? Você vive se escondendo atrás desse seu jeito certinho, prestativo, como se fosse um maldito espectador da própria vida! Se você tem tanto problema comigo, se eu sou esse monstro que você tá pintando, por que caralhos você ainda está aqui?!
me encarava, os olhos faiscando, o peito subindo e descendo em respirações pesadas. Então, como se tudo que restasse fosse pura exaustão, ela soltou um suspiro carregado e balançou a cabeça.
— Você é um idiota, ! — Ela gritou, batendo a mão na minha perna para enfatizar a frase. — Responde! Se eu sou tão insuportável, por que você está aqui? Por que você atendeu?
Eu devia estar furioso. Mas, naquele momento, tudo que senti foi um calor estranho no peito. Como se, por trás de toda aquela explosão, houvesse algo que nenhum de nós queria admitir.
— Porque eu… — as palavras morreram na minha garganta. Por que eu me importo? Porque, por algum motivo que me escapa, eu não consegui ignorar sua ligação?
O silêncio entre nós era ensurdecedor, nossas respirações rápidas preenchendo o espaço. O ar estava carregado de eletricidade, uma tensão tão densa que parecia palpável. Os olhos dela estavam fixos nos meus, faíscas invisíveis dançando entre nós. Raiva. Frustração. E algo mais.
Sem pensar, sem planejar, eu me inclinei. Ela fez o mesmo. E, de repente, nossos lábios se encontraram em um choque fervoroso, uma explosão de tudo o que estava reprimido. O beijo não era suave ou delicado — era intenso, carregado de raiva, desejo e uma urgência que parecia ter sido construída em cada discussão, cada olhar atravessado, cada suspiro frustrado.
As mãos dela se agarraram à gola da minha jaqueta, puxando-me para mais perto enquanto eu segurava seu rosto com força, como se tivesse medo de que ela desaparecesse. O gosto do batom misturado com o calor da respiração dela era viciante, e, por um momento, o mundo inteiro desapareceu. Não havia barulho, não havia trânsito, não havia nada além da sensação dela contra mim.
Quando finalmente nos afastamos, ambos ofegantes, nossos rostos ainda perigosamente próximos, o silêncio retornou. Mas agora, ele era diferente. Não desconfortável. Apenas… carregado de significados não ditos.
— Isso foi… — tentei começar, mas a frase morreu antes de se formar completamente. O que era aquilo? Raiva? Desejo? As duas coisas, talvez.
não esperou que eu terminasse. O olhar dela se estreitou, e antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, ela me puxou de volta, os lábios colidindo com os meus em um beijo ainda mais feroz que o primeiro. Um beijo de quem queria apagar o fogo com gasolina.
Não havia lógica. Não havia espaço para hesitação. Minhas mãos deslizaram pela cintura dela, apertando com uma necessidade que beirava o desespero, sentindo o calor do corpo dela através do tecido fino do vestido. Ela se inclinou sobre o console central, o corpo pressionando o meu, eliminando qualquer espaço entre nós. O ar se tornou um recurso escasso, cada respiração um roubo da boca do outro.
O carro parecia pequeno demais para conter aquela explosão. Cada toque, cada movimento, parecia insuficiente, como se estivéssemos tentando compensar todo o tempo que passamos fingindo que isso não existia. O gosto dela era viciante, uma mistura de desafio e vulnerabilidade, de poder e fragilidade, tudo em um só beijo.
Quando nos afastamos novamente, as testas quase se tocando, o ar entre nós estava denso demais para ser respirado normalmente. O olhar dela estava diferente agora. Ainda havia fogo, mas era um fogo que queimava de outro jeito, mais profundo, mais viciante.
Ela foi a primeira a quebrar o silêncio.
— Pra minha casa. Agora. — A voz dela era um sussurro rouco, carregado de desejo e comando, como se não houvesse espaço para discussão.
Engoli em seco, tentando recuperar o controle que, claramente, já havia perdido. Liguei o carro, as mãos tremendo levemente no volante, e segui o caminho. O resto do trajeto foi um borrão. O mundo lá fora poderia estar pegando fogo que eu não teria notado. O único fogo que importava estava dentro daquele carro.
Quando finalmente chegamos ao prédio dela, estacionei o carro de qualquer jeito. mal esperou que eu desligasse o motor antes de me puxar de novo, nossas bocas se reencontrando com a mesma urgência de antes. A alavanca de câmbio era um incômodo insignificante diante do calor dos nossos corpos, dos beijos entrecortados, das mãos que já se moviam com mais desespero do que controle.
Quando nos afastamos para respirar, me olhou com os olhos brilhando, a respiração descompassada.
— Você vai entrar ou vai ficar me olhando com essa cara de idiota? — A provocação veio carregada de desejo, mas havia algo mais ali.
Um vestígio de vulnerabilidade.
— Se eu entrar, … — comecei, sabendo exatamente onde aquilo terminaria.
Ela me calou com um dedo sobre os lábios.
— Sem "se". Entre.
E foi tudo o que precisei.
O percurso até o apartamento foi um borrão de passos apressados, olhares intensos e uma tensão que vibrava no ar. Assim que a porta se fechou atrás de nós, a distância entre nossos corpos evaporou. me empurrou contra a parede, o olhar faminto, os dedos puxando minha gola antes que nossos lábios se encontrassem outra vez.
Ela me guiou para o sofá sem desfazer o contato, e caímos juntos, minha mente completamente dominada pelo cheiro dela, pelo gosto, pelo jeito como suas unhas deslizavam pelas minhas costas.
se afastou por um breve instante, os olhos fixos nos meus, seu peito subindo e descendo de forma errática.
— Você pensa demais, . — Ela murmurou, antes de me beijar de novo, como se quisesse silenciar qualquer hesitação que pudesse existir.
Minha resposta foi tomar o controle, virando-a debaixo de mim. Ela riu, surpresa e provocante ao mesmo tempo.
— E você gosta disso.
— Talvez. — Seu sorriso tinha um tom de desafio, mas havia confissão ali também.
Suas mãos deslizaram pelos meus braços antes de me puxar mais para perto. O ambiente parecia pequeno demais para a intensidade que nos envolvia.
— Você acha que está no controle agora? — sussurrou, os dedos brincando com o colarinho da minha jaqueta.
— Talvez eu esteja. — Inclinei-me, deixando minha boca a centímetros de seu ouvido. — Mas você não é do tipo que entrega as rédeas facilmente.
Ela soltou uma risada baixa antes de me empurrar de volta contra o sofá, montando em meu colo com um olhar cheio de satisfação.
— Então acho que teremos que disputar isso, não é?
Ela passou uma perna de cada lado do meu corpo, e o atrito do seu corpo no meu fez meu autocontrole evaporar. sabia exatamente o que estava fazendo.
O beijo que veio depois foi diferente. Mais intenso. Mais desesperado.
Ela me empurrou levemente contra o encosto do sofá e puxou minha jaqueta, arrancando-a junto com minha camisa. Seus lábios deslizaram para o meu pescoço, onde ela deixou beijos sugados que me fizeram soltar minha respiração presa em uma lufada.
Saindo do meu colo, me deitou no sofá, o cabelo caindo sobre o rosto enquanto ela percorria meu peitoral com beijos lentos, descendo cada vez mais. Meu corpo estava tenso de antecipação quando senti sua mão deslizar pelo volume da minha calça, massageando sem pressa.
— Você gosta de ser torturado, ? — Sua voz era um sussurro carregado de diversão cruel.
Minha respiração ficou presa. Meus olhos fecharam por reflexo quando ela continuou com os movimentos lentos.
— Srta. … — acabei soltando em súplica.
Ela se inclinou, mordendo meu lóbulo antes de sussurrar:
— Tão excitante te ouvir falar assim…
aumentou o ritmo, o quadril dela rebolando lentamente contra o meu. Eu sentia o tecido da minha calça ficando insuportavelmente apertado.
— Geme mais para mim, … — O comando veio contra minha pele, e, sem pensar, obedeci.
Mas eu não aguentava mais.
Com um movimento rápido, a peguei no colo, fazendo-a soltar uma risada surpresa.
— Você quer que eu te coma aqui ou no seu quarto? — Minha voz saiu rouca, carregada de pura necessidade.
tremeu levemente com a pergunta.
— Sobe as escadas… terceiro quarto à direita.
Eu não perdi tempo. Subi as escadas com rapidez e a joguei na cama, arrancando um gritinho animado dela.
— Agora sou eu quem vai me divertir um pouco.
Levantei seu vestido e o puxei pela cabeça dela, revelando a pele quente sob o tecido. Dei um beijo profundo em sua boca antes de abrir o fecho de seu sutiã, libertando seus seios.
O calor entre nós era insuportável, como se estivéssemos nos consumindo em um incêndio que nenhum dos dois queria apagar. Minha boca percorreu sua pele, explorando cada centímetro com uma devoção que beirava o desespero. Os dedos dela apertavam meus braços com força, como se quisesse me sentir mais perto, como se estivesse ancorada em mim.
Deslizei os lábios por sua clavícula, deixando um rastro quente de beijos até chegar aos seus seios. A textura macia da pele sob minha boca me fez soltar um suspiro baixo contra ela, e senti seu corpo estremecer em resposta. Meus lábios envolveram um dos seus mamilos, explorando-o com uma mistura de mordidas suaves e carícias lentas da língua, enquanto minha outra mão deslizava por sua cintura, pressionando-a mais contra mim.
arqueou o corpo, os dedos afundando em meus cabelos, guiando meus movimentos como se soubesse exatamente o que queria. Seu peito subia e descia em respirações descompassadas, o som entrecortado de prazer preenchendo o espaço ao nosso redor.
Continuei devorando-a, alternando entre beijos delicados e sucções mais intensas, sentindo o corpo dela reagir a cada provocação. Quando soltei seu seio apenas para capturá-lo novamente com os lábios, ela gemeu, os quadris se movendo instintivamente contra os meus, como se tentasse desesperadamente diminuir a distância entre nós.
— … — Ela sussurrou meu nome, a voz rouca e carregada de desejo.
O som dela dizendo meu nome daquela forma me fez perder qualquer vestígio de controle. A cada toque, a cada gemido, eu sabia que não havia mais volta. Não havia mais nada entre nós além do desejo cru e avassalador que nos consumia.
Ela gemeu baixo quando comecei a descer, espalhando beijos pela sua barriga até chegar à borda da calcinha. Sem hesitação, a tirei com um único movimento.
abriu as pernas para mim, os olhos escuros de desejo.
Meu olhar encontrou o dela antes que eu abaixasse a cabeça, passando a língua devagar por toda a extensão de seu clitóris.
— Nossa! — Ela exclamou, sua mão indo direto para meus cabelos.
Seu corpo arqueou sob minhas mãos, os dedos agarrando os lençóis, o peito subindo e descendo em um ritmo frenético enquanto minha língua explorava cada detalhe de sua boceta. O gosto dela era viciante, quente, e eu me perdi no prazer de ouvi-la se entregar ao momento.
Seus gemidos se intensificaram quando deslizei a língua com mais precisão, alternando entre lambidas lentas e provocativas e movimentos mais profundos e ritmados. Minha mão deslizou até seu ventre, subindo pela curva da cintura antes de encontrar o centro pulsante do seu prazer. Com os dedos, comecei a massagear seu clitóris, estimulando-a em um ritmo que fazia seu corpo se contorcer ainda mais contra mim.
— Eu… Uau… — Sua voz falhou, tomada pelo prazer crescente.
A respiração dela estava errática, cada suspiro entrecortado por um novo gemido, enquanto seus quadris se moviam, buscando mais, querendo mais. Eu adorava vê-la assim, completamente entregue, despida de qualquer controle, sem o comando firme que ela sempre exibia no escritório. Ali, naquele momento, ela era minha.
Eu intensifiquei os movimentos da língua, explorando cada reação dela, cada tremor, cada arquejo. Suas unhas deslizaram pelos meus cabelos, apertando, guiando, como se me quisesse ainda mais fundo, ainda mais próximo.
— … — Ela gemeu meu nome novamente, e aquilo me incendiou ainda mais.
Podia sentir a tensão crescendo dentro dela, o corpo se apertando, o prazer se acumulando até o limite. Eu queria vê-la se perder completamente, queria sentir seu corpo se desfazer sob meu toque.
— Chega pra mim, … — Murmurei contra sua pele, sem parar o que fazia.
E então, como se minhas palavras fossem o empurrão final que ela precisava, seu corpo se arqueou, os músculos se contraindo em ondas enquanto ela se desfazia sob minha língua e meus dedos. Seu gemido ecoou pelo quarto, quebrando o silêncio da madrugada, e eu continuei até que ela tremesse e relaxasse, o corpo ainda pulsando contra mim.
Subi lentamente, distribuindo beijos preguiçosos por sua pele, sentindo seu coração disparado sob meus lábios. Quando nossos olhos se encontraram, vi algo mais do que desejo ali. Vi rendição. Vi um lado dela que ninguém mais conhecia.
segurou meu rosto, encostando nossos lábios em um beijo profundo, sentindo o próprio gosto em minha boca. Eu estava à beira da insanidade, meu pau pulsando dentro da calça. também percebeu.
— Minha vez. — Ela arqueou a sobrancelha, desabotoando minha calça e descendo-a.
Quando me viu completamente exposto, sua língua umedeceu os lábios, e aquele simples gesto quase me fez gozar ali mesmo.
— Não me tortura mais, … — Minha voz saiu sofrida.
Ela sorriu, brincando com o cós da minha cueca antes de perguntar:
— O que você quer, ?
Eu segurei seu queixo, forçando-a a me olhar.
— Eu preciso te foder.
Ela estremeceu.
— Então me fode, .
Minha paciência se esgotou.
Procurei uma camisinha na minha calça, mas , já prevendo, abriu a gaveta e pegou uma. Quase arranquei o pacote de suas mãos. Vesti o preservativo rapidamente antes de segurá-la pela cintura e penetrá-la de uma vez, arrancando um gemido alto de sua boca.
O ritmo se intensificou rapidamente, meu quadril se movendo contra o dela, cada estocada arrancando novos sons de prazer.
Seus gemidos misturavam-se aos meus, os sons da pele se chocando preenchendo o quarto.
— … meu Deus… — arquejou, a voz falhando entre os suspiros. — Eu não… eu… Ah!
Meus dedos afundaram na pele dela enquanto a segurava firme, puxando-a para mim a cada investida. O calor do corpo dela contra o meu era alucinante, e o modo como seu corpo me acolheu fez um gemido grave escapar da minha garganta.
— … — O nome dela saiu num rosnado, quase um pedido, quase um aviso.
Seu corpo arqueou contra o meu, as unhas cravando em meus ombros enquanto ela se movia para me encontrar, para intensificar o ritmo. Nossos movimentos estavam sincronizados, uma dança descontrolada e primitiva que não deixava espaço para nada além da necessidade crua e urgente de mais.
Eu saí quase por completo, apenas para mergulhar de novo dentro dela, arrancando um grito que foi abafado pelo próprio desespero dela ao se agarrar mais forte a mim.
— Porra, … mais forte… — Sua voz soava diferente, rouca, carregada de um prazer que parecia deixá-la à beira da insanidade.
Atendi ao pedido sem hesitação, aumentando o ritmo, sentindo-a se contrair ao meu redor, o calor dela me puxando para ainda mais fundo. O barulho da nossa pele se chocando preenchia o quarto, junto com nossos gemidos entrecortados pela respiração pesada.
Os dedos dela deslizaram até meus cabelos, puxando-os enquanto sua boca encontrava a minha em um beijo desesperado, dentes e língua misturando-se à mesma cadência do nosso corpo. Cada vez mais rápido, cada vez mais intenso.
— Eu vou… … — arquejou, a cabeça caindo para trás, o pescoço exposto para mim.
Eu levei a boca até sua pele, mordendo seu ombro antes de sugar levemente, marcando-a, enquanto minha mão deslizava entre nossos corpos, pressionando seu clítoris, o ponto exato para levá-la a gozar para mim.
Seu corpo se contraiu ao meu redor, sua boceta apertando-me de um jeito quase impossível de suportar. O prazer a atingiu em ondas, arrancando um gemido alto e rouco de sua garganta, os olhos se fechando enquanto sua cabeça tombava para trás, completamente entregue ao êxtase.
Eu observei cada detalhe — o jeito que seu peito subia e descia de forma errática, os dedos que apertavam meus ombros com força, as pernas trêmulas ao meu redor. Era a coisa mais linda que eu já tinha visto. O simples fato de vê-la se despedaçando, completamente vulnerável em meu toque, me fez perder o controle de vez.
Soltei um grunhido baixo, sentindo a tensão crescer em espiral até se tornar insuportável. Enterrei os dedos na pele dela, segurando-a firme enquanto impulsionava mais uma, duas, três vezes, até que a pressão finalmente me engoliu. O clímax me atingiu com força, e eu me desfiz dentro dela, o corpo inteiro se contraindo enquanto o prazer explodiu em minha espinha.
Minhas mãos deslizaram para sua cintura, segurando-a contra mim enquanto tentávamos recuperar o fôlego. Minha testa colada à dela, a respiração pesada preenchendo o silêncio do quarto. O suor colava nossos corpos, e o calor entre nós parecia continuar queimando, mesmo depois de tudo.
abriu os olhos devagar, as pupilas ainda dilatadas, o rosto levemente corado pelo esforço e pelo prazer. Um sorriso preguiçoso surgiu em seus lábios enquanto ela deslizava os dedos pela minha nuca, brincando distraidamente com os fios da minha nuca.
— Eu acho que acabei de quebrar uma regra importante... — Ela murmurou, a voz rouca e baixa, ainda entrecortada pela respiração descompassada.
Eu ri, enterrando o rosto na curva do seu pescoço, sentindo o cheiro dela misturado ao suor e ao desejo.
— Então estamos empatados. Porque eu também acabei de quebrar várias.
Ela riu suavemente, o som reverberando contra minha pele. Eu a segurei ali, sem pressa de me afastar, aproveitando o momento. O silêncio que se seguiu era pesado, mas confortável.
Tirei meu rosto de seu pescoço, e nos ajeitamos melhor na cama, de forma que repousou a cabeça em meu peito, ainda ofegante, Seus dedos traçavam padrões aleatórios em minha pele.
Eu não sabia o que dizer. O momento tinha sido tão intenso, tão inesperado, que palavras pareciam desnecessárias, mas minha mente estava um turbilhão. A mulher que eu via como inalcançável, como um mistério envolto em camadas de controle e frieza, agora parecia tão humana, tão vulnerável, que era impossível não me sentir atraído por ela de uma forma completamente nova.
— Você está pensando demais — murmurou ela, sem levantar a cabeça. Sua voz estava mais suave do que eu jamais tinha ouvido antes.
— Difícil não pensar depois disso — respondi, passando a mão pelos seus cabelos. — Não é exatamente um sábado à noite normal.
Ela riu baixo, um som que parecia mais autêntico do que qualquer coisa que eu já tinha ouvido dela antes.
— E o que seria um sábado normal para você, ? — perguntou, levantando o rosto para me olhar. Havia um brilho nos olhos dela, uma curiosidade genuína.
— Pipoca, videogame, talvez um filme. Nada disso envolve... isso. — Fiz um gesto vago, e ela riu de novo.
— Bom, talvez você precise redefinir o que é normal. — apoiou o queixo no meu peito, estudando meu rosto. — Eu não costumo fazer isso, você sabe.
— Eu imaginei. Você não é exatamente a pessoa mais... previsível. — Sorri, mas meu tom era sincero. — Isso torna as coisas mais complicadas, sabe?
Ela estreitou os olhos, como se analisasse cada palavra. Depois de um momento, suspirou e deitou a cabeça de volta no meu peito.
— Complicado é inevitável. O que importa é como lidamos com isso.
Fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. Ela tinha razão, claro. Nada sobre era simples, e eu sabia que as consequências daquela noite poderiam ser enormes. Mas, naquele momento, tudo o que importava era o fato de que ela estava ali, ao meu lado, sem a armadura que sempre usava.
Ela quebrou o silêncio novamente, a voz rouca, quase um sussurro, mas com aquele tom inconfundível de certeza.
— Eu sabia. — Simples. Direto. O tipo de coisa que só saberia dizer com tanta naturalidade.
Eu tentei ver sua face, mas ela ainda estava com o rosto colado ao meu peito. Meu coração acelerou por um motivo completamente diferente agora.
— Sabia o quê? — minha voz saiu baixa, carregada de uma vulnerabilidade crua, exposta, como se eu tivesse sido pego de surpresa sem armadura.
Ela ergueu o olhar, os olhos ainda brilhantes da intensidade do que acabara de acontecer, e um sorriso de canto surgiu nos lábios levemente inchados.
— Que você era afim de mim. — Disse com uma simplicidade desconcertante, como se fosse uma constatação óbvia, uma verdade que nunca precisou de confirmação.
Meu primeiro instinto foi rir, um riso curto e nervoso, mas o som ficou preso na garganta, engasgado com a sensação de ter sido desarmado. O calor subiu para o meu rosto, e eu desviei o olhar para o teto, tentando encontrar uma resposta que não soasse ridícula. Não encontrei.
— Eu… — comecei, mas as palavras morreram na garganta. O que eu poderia dizer? Negar seria patético depois do que acabara de acontecer.
se virou de lado, apoiando o cotovelo no colchão e descansando a cabeça na mão, o olhar fixo em mim com uma expressão divertida, mas havia algo mais ali. Algo além da provocação habitual.
— Você não conseguia disfarçar — continuou, o tom agora mais suave, quase vulnerável. — O jeito que me olhava no escritório… Nossa, no dia do evento, eu me senti completamente nua. Você me devorou com os olhos. — Ela riu baixo, e senti meu rosto explodir de vergonha. — Até o jeito que ficava nervoso quando eu me aproximava demais.
Suspirei, passando a mão pelo rosto, rindo baixinho, derrotado pela verdade crua que ela expôs com tanta facilidade.
— E o que te chamou a atenção, então? Meu charme irresistível? — tentei aliviar o peso da conversa com sarcasmo, mas minha voz ainda carregava um traço de nervosismo que eu não consegui disfarçar.
Ela não riu. Em vez disso, sua expressão ficou mais séria, os olhos presos nos meus, como se estivesse decidindo se diria o que vinha seguir.
— O fato de você não conseguir disfarçar. — A voz dela era um sussurro, mas o impacto foi imediato. Seus dedos começaram a traçar círculos preguiçosos no meu peito, e o simples toque parecia acender cada nervo do meu corpo. — Isso me prendeu. Você é… autêntico. Não tenta ser algo que não é. E, honestamente, você é atraente demais para alguém que deveria ser só meu secretário.
As palavras dela caíram sobre mim como uma confissão inesperada, carregadas de uma honestidade crua que fez o ar ao nosso redor parecer mais denso. Eu a encarei, o coração batendo forte, não só pelo que ela disse, mas pelo que aquilo significava.
— Isso é um elogio? — perguntei, a voz mais baixa, quase um sussurro, com um sorriso pequeno se formando nos lábios.
Ela sorriu de volta, um sorriso que era só dela, cheio de nuances e significados ocultos.
— Não. É só a verdade.
Por um segundo, fiquei em silêncio, processando suas palavras, o peito apertado por uma confissão que precisava sair. Eu me virei para ela, apoiando o peso em um dos cotovelos, o olhar preso nos olhos dela.
— E sabe qual é a minha verdade? — minha voz saiu mais rouca do que eu esperava. — Você é absurdamente gostosa. A primeira vez que eu te vi, foi como se o ar tivesse sido arrancado do meu peito. Eu pensei: “Que mulher.” Você me tirou o fôlego antes mesmo de abrir a boca.
O sorriso dela se desfez em algo mais suave, mais intenso. O olhar queimando com uma mistura de surpresa e desejo renovado.
— E você é mais idiota do que eu pensava. — Ela sussurrou, com um sorriso de canto, antes de me puxar pela nuca e colar nossos lábios novamente.
O beijo foi diferente dessa vez. Menos urgente, mais íntimo, como se as palavras que trocamos tivessem adicionado uma nova camada ao que já estava acontecendo. Minhas mãos deslizaram pelas curvas que eu já conhecia agora, mas com uma reverência diferente, como se estivessem explorando território sagrado.
Nosso ritmo diminuiu, mas o calor só aumentou. Era mais do que desejo agora. Era uma confissão silenciosa de que, de alguma forma, nos perdemos um no outro.
Acordei primeiro, o coração ainda acelerado, dividido entre o impacto do que havia acontecido e o peso das consequências que, inevitavelmente, viriam. dormia ao meu lado, o rosto relaxado, os traços suavizados pela vulnerabilidade que o sono trazia. Era um contraste gritante com a mulher implacável que eu conhecia, aquela que controlava tudo e todos com um olhar afiado. Ali, porém, ela parecia… humana. E isso me desarmou mais do que qualquer coisa.
Me movi devagar, tentando não fazer barulho enquanto recolhia minhas roupas espalhadas pelo chão. Cada peça que eu pegava parecia mais pesada do que deveria, carregada de perguntas sem resposta: O que significava aquilo? Tínhamos cruzado uma linha da qual não havia retorno? E, principalmente, o que aconteceria agora?
Estava terminando de me vestir quando ouvi sua voz, baixa, rouca pelo sono, mas ainda carregada daquela autoridade inata que parecia nunca abandoná-la.
— , precisamos conversar.
Congelei por um segundo antes de me virar. Ela estava sentada na cama, os lençóis puxados até o peito, mas sua postura permanecia ereta, impecável, como se nem a vulnerabilidade da madrugada fosse capaz de quebrar sua armadura. No entanto, havia algo diferente em seus olhos. Uma hesitação sutil, escondida atrás da fachada controlada.
— Claro. — Minha voz saiu mais tensa do que eu gostaria, e caminhei até a poltrona próxima, me sentando enquanto ela ajeitava o lençol, como se o tecido fosse uma barreira entre nós.
Houve um breve silêncio, carregado de tudo o que não sabíamos como dizer. Então, ela finalmente falou:
— Isso não pode continuar. — Sua voz era firme, mas seus olhos traíam a incerteza que ela tentava mascarar. — O que aconteceu ontem… foi um erro. Trabalhar juntos depois disso é complicado. Impossível, talvez.
Cada palavra dela parecia um soco bem calculado, mas foi o golpe seguinte que me tirou o ar.
— Vou providenciar sua demissão, com um pacote generoso. Você merece mais do que ficar preso a uma situação como essa.
Senti o chão sumir sob os meus pés. Esperava uma conversa difícil, mas não aquilo. Não a frieza disfarçada de pragmatismo.
— Demissão? — Minha voz saiu incrédula, quase uma risada amarga escapando junto. — , você não precisa fazer isso.
Ela desviou o olhar por um segundo, respirando fundo, como se aquilo fosse mais difícil do que ela queria admitir.
— Preciso. Não quero que… — Ela hesitou, o olhar voltando para mim, mais suave por um breve instante. — Que isso prejudique a empresa. Ou… você.
Havia algo em sua voz que soava quase como um pedido de desculpas, mas as palavras não vieram. E, honestamente, eu não queria desculpas.
— Foi um erro. — Minha resposta saiu mais dura do que eu pretendia, mas não recuei. — Mas você não precisa transformar isso em uma catástrofe. Podemos lidar com isso. Superar. Como adultos.
Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa com a minha firmeza. Estava acostumada com obediência cega, não com resistência.
— Você acha que é tão simples assim? — rebateu, cruzando os braços, o lençol deslizando um pouco, revelando a pele marcada pela noite anterior. Quase me perdi ali, mas me forcei a manter o foco.
— Nada com você é simples, . — Suspirei, passando a mão pelos cabelos. — Mas eu não vou aceitar sua demissão generosa. Vou continuar aqui, e vamos lidar com isso. Como profissionais.
Ela me estudou em silêncio, os olhos avaliando cada palavra, cada expressão. Por um momento, pensei que ela fosse insistir, mas, em vez disso, soltou um suspiro longo, como se estivesse cansada de lutar contra algo inevitável.
— Está bem. — Sua voz saiu mais baixa, quase um sussurro. — Mas saiba de uma coisa, . Isso não vai se repetir. Ontem foi… um momento de fraqueza. Algo que não cabe no contexto em que trabalhamos.
Ela desviou o olhar, fixando-o em algum ponto invisível da parede, como se encarar fosse admitir mais do que estava disposta.
— E eu não vou facilitar. — Sorri de canto, um sorriso cansado, mas genuíno.
— Você nunca facilita.
Pela primeira vez naquela manhã, vi algo quebrar na armadura dela. Um sorriso quase imperceptível, mas que estava lá, escondido no canto dos lábios. Era um detalhe pequeno, mas significativo. E, por mais confuso que tudo estivesse, aquele pequeno sorriso me deu uma resposta que ela nunca diria em voz alta: talvez, para ela, também não fosse tão simples assim.
O sol já estava alto quando cheguei em frente ao prédio onde moro. A luz forte do final da manhã parecia zombar da confusão que girava dentro da minha cabeça. Cada passo até o apartamento parecia mais pesado do que o anterior, como se o que aconteceu na noite passada tivesse se grudado aos meus ombros.
Assim que abri a porta, fui recebido pelo som familiar da voz de Clara, vinda da sala.
— Até que enfim! — Ela surgiu do corredor, de braços cruzados, a expressão um misto de preocupação e irritação. — Onde você estava? Eu fiquei preocupada! Sumiu a noite toda e nem mandou uma mensagem!
Suspirei, jogando minha jaqueta no encosto do sofá e me sentando com um cansaço que não era apenas físico. Clara sempre teve esse instinto protetor comigo, mesmo sendo dois anos mais nova. Nossa relação era tão próxima que, às vezes, parecia que ela podia ler meus pensamentos. E naquele momento, eu sabia que não conseguiria esconder nada por muito tempo.
— Desculpa, Clara. — Passei a mão pelo rosto, tentando organizar os pensamentos. — Eu não planejei… sumir. As coisas só… aconteceram.
Minha resposta foi um convite para o olhar afiado dela se estreitar ainda mais. Ela se sentou ao meu lado, cruzando as pernas com um ar desafiador.
— “As coisas aconteceram”? — Ela arqueou uma sobrancelha. — Isso não me parece uma explicação. Vai falar ou vou ter que arrancar a verdade à força?
Soltei um riso nervoso, sabendo que era uma batalha perdida. Clara era implacável quando queria saber de algo, e, para ser honesto, talvez eu até precisasse desabafar.
— Tá bom. — Suspirei, derrotado. — Eu estava com a . Minha chefe. A gente… acabou transando.
As palavras saíram hesitantes, carregadas de um peso que eu mal conseguia suportar. Desviei o olhar, focando em um ponto aleatório do tapete, enquanto o silêncio dela se tornava ensurdecedor.
— Espera… o quê? — A voz dela finalmente quebrou o silêncio, carregada de choque e confusão. — Você dormiu com a sua chefe?!
Assenti, ainda sem coragem de encará-la. Passei a mão pelos cabelos, tentando aliviar a tensão que parecia crescer a cada segundo.
— Não foi algo planejado, Clara. Aconteceu. E agora tudo está uma bagunça. Hoje de manhã, ela tentou me demitir porque acha que trabalhar juntos depois disso é impossível.
Ela ficou me olhando por um momento, o olhar crítico suavizando um pouco enquanto processava a informação. Então, respirou fundo, como quem se preparava para pisar em um terreno minado.
— Isso é muito mais do que complicado, . — A voz dela estava mais calma agora, mas ainda carregava aquele tom de alerta. — Você está lidando com uma mulher que é sua chefe, que tem poder sobre sua carreira. E, além disso, ela é… bom, ela é . Rica, influente, o tipo de pessoa que não deixa espaço para erros. E você… — Ela parou, como se escolhesse as palavras com cuidado. — Você é você. Não é só trabalho. Isso pode te machucar de um jeito que você não está vendo agora.
Eu soltei um riso curto, sem humor.
— Eu sei. Mas eu não consegui aceitar a demissão. Eu quero continuar trabalhando. Achei que, com o tempo, isso fosse… passar.
Clara balançou a cabeça, claramente cética.
— Passar com o tempo? E depois? Vai fingir que nada aconteceu? Você não é bom nisso, .
Inclinei-me para trás no sofá, exausto, encarando o teto como se ele tivesse respostas. Clara ficou em silêncio por um instante, depois soltou um suspiro longo e me deu um leve tapa no ombro.
— Tá — Ela suspirou de novo, como se estivesse rendida. — Eu não vou dizer que é uma boa ideia, porque claramente não é. Mas… você está ferrado. — Ela sorriu de lado. — E, pelo jeito, isso não foi só uma coisa passageira. Você nunca fica assim por algo sem importância.
Eu ri, um riso cansado, mas verdadeiro.
— É complicado, Clara. Ela é impossível de decifrar. E agora, mesmo depois de tudo, ela deixou claro que não vai acontecer de novo. Mas… — Soltei o ar com força, admitindo o que até então eu não queria dizer em voz alta. — Eu não sei se consigo simplesmente fingir que nada aconteceu.
Clara me olhou, o sorriso suave desaparecendo, substituído por um olhar genuinamente compreensivo.
— Então não finge. — Ela deu de ombros. — Talvez seja uma bagunça. Talvez você vá se machucar, mas você é adulto o suficiente para saber onde está pisando. Só… não se perde no meio disso, tá?
Assenti, sentindo uma gratidão silenciosa pela honestidade dela. Mesmo quando as coisas estavam uma bagunça, Clara sempre sabia o que dizer. E, por mais confuso que tudo estivesse, saber que eu tinha aquele porto seguro me dava um pouco mais de fôlego para enfrentar o que viria a seguir.
Os dias que se seguiram foram um exercício diário de autocontrole. O escritório, antes um espaço regido por rotina e profissionalismo, agora parecia um campo minado, onde cada passo, olhar ou toque acidental poderia detonar uma explosão silenciosa. O que aconteceu entre mim e não foi mencionado — nenhuma palavra, nenhum comentário fora do lugar — mas a tensão estava lá, pairando no ar, densa e impossível de ignorar.
Cada interação carregava um subtexto que nenhum de nós ousava reconhecer. Um toque breve ao entregar documentos, um olhar que durava um segundo a mais do que o necessário, o jeito como ela passava por mim no corredor e meu corpo reagia antes mesmo da minha mente processar. Era sufocante e viciante ao mesmo tempo.
Na terça-feira, enquanto revisávamos um contrato na sala de reuniões, o inevitável aconteceu. Nossos dedos se tocaram ao alcançar a mesma caneta. Foi um toque breve, insignificante para qualquer observador desatento, mas para mim foi como um choque elétrico que percorreu meu braço e se alojou no peito. Meu coração disparou, e engoli em seco, lutando para manter a compostura. Pelo canto do olho, notei congelar por um instante, a rigidez em seus ombros, traindo o impacto do contato. Ela recuou discretamente, recompondo sua postura impecável e ajustando os óculos de grau com um gesto meticuloso — uma tentativa inútil de desviar a atenção do que ambos sentimos.
— Precisa prestar mais atenção, . — A voz dela saiu firme, mas havia uma hesitação quase imperceptível, uma pequena rachadura na armadura impenetrável que ela vestia tão bem.
— Sempre atento, Srta. . — Respondi com um sorriso sutil, tentando parecer mais confiante do que me sentia. O olhar dela estreitou-se, avaliando-me, como se estivesse tentando decidir se deveria quebrar o gelo ou manter a fachada inabalável.
Ela inclinou levemente a cabeça, os olhos ainda fixos nos meus, e, por um momento, pensei que fosse dizer algo mais. Mas apenas empurrou a caneta em minha direção, voltando ao contrato como se nada tivesse acontecido. O momento se dissipou, mas o resquício da tensão permaneceu, grudado em mim como um perfume que não se deixa apagar.
Na quarta-feira, enquanto eu digitava um relatório, passou pela minha mesa com uma pilha de documentos. Sua presença sempre parecia dominar o espaço, mas, dessa vez, havia algo diferente. Quando ela se inclinou para colocar os papéis sobre a minha mesa, seu perfume — uma mistura sutil de notas florais e um fundo amadeirado — preencheu o ar entre nós. Era impossível ignorar a proximidade. O calor da presença dela parecia irradiar, atravessando o espaço microscópico que nos separava.
— Quero isso na minha mesa até o fim do dia — disse ela, sem me olhar diretamente, mas sua voz carregava um tom mais baixo, quase rouco, que parecia deslizar pela minha pele.
— Pode deixar. — Minha resposta saiu em um sussurro involuntário, a garganta mais seca do que eu gostaria de admitir.
Ela finalmente ergueu o olhar, e nossos olhos se encontraram. Foi um segundo. Talvez menos. Mas o impacto foi avassalador. O ar ficou mais denso, a sala mais quente, e, de repente, parecia que o mundo havia desaparecido, restando apenas aquele espaço entre nós. Um espaço pequeno demais para a quantidade de coisas não ditas que ele carregava.
arqueou levemente uma sobrancelha, um desafio silencioso. Seus olhos eram um enigma, uma mistura de frieza calculada e algo mais... algo que eu conhecia bem demais agora. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela ajeitou os papéis, endireitou a postura e deu um pequeno passo para trás.
— Algo mais? — perguntei, a voz mais rouca do que gostaria, tentando disfarçar o turbilhão dentro de mim.
Ela me encarou por mais um segundo, o olhar intenso o suficiente para fazer meu estômago revirar, depois deu de ombros com uma indiferença ensaiada.
— Só isso, por enquanto. — O “por enquanto” ecoou na minha cabeça com um peso que ela, com certeza, colocou de propósito. — Certifique-se de que está tudo em ordem. Eu detesto perder tempo corrigindo erros.
Ela se afastou, e eu fiquei ali, tentando recuperar o fôlego. Meus olhos a seguiram até ela desaparecer pelo corredor. Só então me dei conta de que estava segurando a respiração. Soltei o ar devagar, tentando reorganizar meus pensamentos, mas era inútil. estava em cada canto da minha mente.
Era uma guerra silenciosa, um jogo de resistência onde nenhum de nós estava disposto a dar o primeiro passo, mas também incapaz de recuar. Eu sabia que estávamos flertando com o desastre. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, um de nós cederia. E, honestamente, não fazia ideia de qual seria o desfecho — mas uma coisa era certa: o fogo entre nós já estava aceso, e só precisava de uma faísca para consumir tudo.
Naquela sexta-feira, enquanto o escritório esvaziava para o horário de almoço, me chamou no Teams para que eu fosse até sua sala. Só havia eu, os outros assistentes haviam ido almoçar. Assim que entrei, ela não disse nada, apenas me olhou, como se as palavras fossem desnecessárias. O brilho intenso nos olhos dela fez meu estômago revirar de um jeito familiar.
— Alguma coisa que eu possa ajudar, Srta. ? — perguntei, tentando manter o tom neutro, apesar do coração acelerado.
Ela fechou a porta atrás de si com um clique suave, mas o som soou mais alto do que deveria naquele espaço agora preenchido por um silêncio carregado.
— Precisamos conversar sobre o relatório da filial de Recife. — A voz dela estava firme, profissional, mas havia algo escondido ali, uma hesitação quase imperceptível.
Me levantei devagar, sentindo o ar ao nosso redor mudar. Era quase palpável, uma eletricidade que fazia minha pele formigar. Dei alguns passos em direção a ela, e deu um passo para trás, encostando-se na porta, os braços cruzados como se fosse uma barreira. Mas o olhar dela desmentia qualquer tentativa de controle.
— Isso não tem nada a ver com Recife, tem? — perguntei, minha voz mais baixa, rouca, carregada de uma tensão que eu não conseguia mais disfarçar.
Ela manteve o olhar firme no meu, um desafio silencioso e, ao mesmo tempo, um convite. Os segundos se estenderam até que ela finalmente respondeu, com um tom que parecia prender a respiração:
— Talvez não.
Antes que eu pudesse processar o que aquilo significava, ela me puxou pela gravata, com força suficiente para eliminar qualquer espaço entre nós, e me beijou. O beijo não foi suave. Foi urgente, desesperado, como se estivéssemos tentando recuperar algo que nunca tivemos, mas sempre quisemos. Todas as palavras não ditas, os olhares furtivos, os toques acidentais — tudo explodiu naquele momento.
Minhas mãos encontraram a cintura dela instintivamente, puxando-a para mais perto. O calor do corpo dela contra o meu era quase insuportável. Os dedos de agarravam o tecido da minha camisa com tanta força que parecia que ela precisava daquilo para se manter de pé. O beijo era uma confissão crua de tudo o que negamos até aquele instante.
Quando finalmente nos afastamos, ofegantes, o ar entre nós parecia denso demais para respirar. Nossos rostos ainda estavam próximos, as testas quase se tocando. Os olhos dela estavam turvos, cheios de emoções que ela claramente tentava esconder.
— Isso é uma péssima ideia — ela sussurrou, a voz baixa, mas sem qualquer intenção real de se afastar.
— Eu sei — respondi, minha respiração entrecortada. — Mas você quer parar?
Ela mordeu o lábio inferior, um gesto que sempre achei provocante, mas que agora parecia carregado de vulnerabilidade. Pensei que fosse recuar, mas, em vez disso, ela me puxou de volta com ainda mais força.
— Não quero parar — murmurou contra meus lábios, a confissão saindo como um suspiro.
Era o suficiente.
Não havia mais espaço para racionalizar. O ar entre nós era elétrico, carregado de algo bruto, faminto. Aquilo era um acordo silencioso, um pacto selado não com palavras, mas com beijos e toques.
E então, ela me beijou de novo, ou talvez tenha sido eu. Não importava mais.
Nossas bocas se encontraram em um impacto voraz. Os lábios dela eram macios, mas exigentes, explorando, testando, reivindicando. Minhas mãos deslizaram pelo seu corpo em um caminho instintivo, saboreando cada curva até pararem em sua bunda, firme, perfeita em minhas mãos. Apertei-a com força, trazendo-a para mais perto, sentindo seu corpo se encaixar ao meu com uma precisão perigosa.
soltou um suspiro entrecortado contra minha boca antes de aprofundar o beijo, os dedos cravando levemente em minha nuca, segurando-me ali, como se, se soltássemos, tudo ao nosso redor desabasse.
Quando finalmente nos afastamos, o silêncio que se seguiu foi pesado. Ela ajeitou o cabelo, respirando fundo, tentando recuperar o controle — não só da situação, mas de si mesma, mas o brilho nos olhos dela me dizia que já era tarde demais.
— Se vamos fazer isso… — começou, endireitando a postura e cruzando os braços. O tom dela estava mais firme, mas eu podia ver a tensão nos pequenos detalhes como o jeito que ela apertava o próprio braço, ou o olhar que desviava por um segundo antes de voltar a me encarar. — Precisamos ser cuidadosos.
Assenti, o coração ainda batendo forte.
— Concordo. Mas, … — me aproximei um pouco mais, deixando minha voz cair para um tom baixo e rouco — não vou fingir que não quero você. Isso seria impossível.
Ela fechou os olhos por um segundo, como se estivesse absorvendo minhas palavras. Quando os abriu, havia um brilho diferente neles. Um sorriso sutil surgiu em seus lábios, não de diversão, mas de rendição.
— Então que seja. Mas nada pode interferir no trabalho. — O tom dela era firme, mas havia uma falha sutil em sua voz. Algo quebrado, vulnerável, escondido sob a fachada de controle.
— Entendi. — Respondi, sabendo que estávamos nos enganando. Isso já estava interferindo em tudo.
Ela respirou fundo, como se estivesse prestes a tomar uma decisão importante.
— Você pode ir até a minha casa esta noite? — A pergunta veio baixa, hesitante, o oposto da mulher confiante que eu via todos os dias. — Precisamos… planejar como lidar com isso. Sem ninguém perceber.
Levantei uma sobrancelha, surpreso pela iniciativa, mas incapaz de esconder o sorriso que se formou no canto dos meus lábios.
— Sua casa? Isso parece arriscado.
Ela cruzou os braços novamente, mas o gesto parecia mais um escudo do que uma afirmação de poder.
— Exatamente por isso. Precisamos de um plano. — deu um passo para trás, mas o olhar ainda preso ao meu, como se fosse difícil se desconectar. — Então… vai ou não?
— Como eu poderia dizer não? — respondi, a voz baixa e carregada de algo que parecia mais confissão do que provocação. — Mas se alguém nos vir?
Ela sorriu de canto, aquele sorriso que misturava arrogância e charme, o mesmo que sempre me desarmava.
— Ninguém vai ver. Saía alguns minutos depois de mim, nos encontramos no estacionamento lateral. Simples.
Simples... como se algo entre nós pudesse ser.
— Ok. Mas só para constar, você está me colocando em um nível totalmente novo de encrenca.
Ela inclinou a cabeça, o sorriso se alargando de forma provocante.
— E você está reclamando?
— Nem um pouco. — Admiti, porque seria impossível mentir.
Ela assentiu levemente, me virei e sai da sala. Meu coração estava disparado no peito. O que começou como um deslize estava prestes a se tornar algo muito mais complicado. E eu não estava pronto para o que viria depois, mas queria cada segundo disso.
O relógio marcou o fim do expediente, e com ele veio uma onda de ansiedade que eu tentei disfarçar com profissionalismo forçado. Saí com cautela, os passos medidos, o olhar atento para garantir que ninguém estivesse prestando atenção em mim. O escritório já estava mais vazio, o som abafado dos poucos colegas que ainda restavam ecoando pelo corredor. Tentei agir normalmente, mas meu coração batia forte demais para que isso fosse verdade.
Segui até o estacionamento do lado leste, onde havia dito que estaria. O espaço estava quase deserto, iluminado apenas pelas luzes amarelas dos postes que lançavam sombras longas sobre o asfalto. O ar da noite estava mais frio do que eu esperava, ou talvez fosse apenas a antecipação que me fazia sentir cada detalhe com intensidade dobrada.
Encontrei o carro dela, um sedã preto discreto, estacionado em um canto estratégico, parcialmente oculto pela sombra de uma pilastra. Assim que me aproximei, a janela do passageiro deslizou para baixo com um zumbido suave.
— Entra logo antes que alguém veja — ela disse, a voz firme, mas com uma tensão palpável, escondida sob sua habitual fachada de controle.
Obedeci sem questionar, fechando a porta suavemente atrás de mim. O silêncio dentro do carro parecia ainda mais denso do que o do estacionamento vazio. Nossos olhares se encontraram, e havia algo ali — uma mistura de hesitação e desejo contido — que fez o ar entre nós parecer mais pesado.
Antes que qualquer palavra fosse dita, eu me inclinei. O beijo aconteceu com uma naturalidade desconcertante, como se estivéssemos retomando algo inacabado, algo que ficou suspenso entre as paredes do escritório. Não era apenas um beijo; era uma explosão silenciosa de tudo o que havíamos reprimido durante o dia. O gosto dela era uma combinação familiar de café e algo mais doce, viciante.
A mão de foi para a minha nuca, os dedos se enroscando no meu cabelo com uma urgência que fazia minha pele arrepiar. A outra mão segurava o volante com força, os nós dos dedos brancos, como se ela precisasse se ancorar em alguma coisa enquanto todo o resto girava fora de controle.
— Você me faz perder a cabeça — ela murmurou contra os meus lábios, sua respiração quente contra minha pele, antes de me puxar para outro beijo, ainda mais intenso. Havia um desespero naquele gesto, como se ela estivesse tentando se agarrar a algo que fugia do seu controle — e, pela primeira vez, isso não parecia assustá-la.
Minhas mãos encontraram sua cintura, deslizando pelo tecido macio do vestido até sentir o calor da pele por baixo. O espaço apertado do carro parecia insignificante diante da urgência que dominava nossos corpos. Quando finalmente nos afastamos para recuperar o fôlego, respirou fundo e ligou o motor com um movimento brusco, tentando, sem sucesso, recuperar o controle da situação.
— Temos que ir. Não podemos ficar aqui por muito tempo — disse, a voz mais rouca do que o normal, carregada da mesma eletricidade que corria sob minha pele.
O som suave do motor preenchia o silêncio do carro enquanto a cidade passava como um borrão do lado de fora. As luzes dos postes refletiam nos vidros, criando padrões que desapareciam tão rápido quanto surgiam. O ar estava carregado de uma tensão elétrica, densa, quase palpável.
Deslizei a mão pela coxa dela, sentindo o calor da pele sob o tecido fino do vestido. Um sorriso de canto surgiu em meus lábios.
— Você devia manter os olhos na estrada, Srta. . Vai que a gente bate.
arqueou uma sobrancelha, o olhar ainda fixo na rua à frente, mas com um brilho desafiador nos olhos.
— Engraçado você falar isso enquanto sua mão está onde não deveria estar, .
Meus dedos traçaram linhas invisíveis, subindo levemente, desafiando o limite do que ainda poderia ser considerado seguro. Minha voz saiu rouca, carregada da tensão que eu tentava disfarçar.
— Eu diria que está exatamente onde deveria estar.
Ela soltou uma risada baixa, o tom de voz suave, mas carregado de provocação.
— Confiante, hein?
Inclinei-me em direção a ela, aproximando nossos rostos, a distância entre nós diminuindo perigosamente. Sussurrei, o calor da minha respiração tocando sua pele.
— Você não está reclamando.
O carro parou em um sinal vermelho, e ela finalmente virou o rosto para mim. O olhar dela misturava desafio e desejo, uma combinação que me fez prender a respiração. Em um movimento rápido, ela deslizou a mão pela minha nuca, puxando-me levemente, aproximando nossos rostos até que nossos lábios quase se tocassem.
— Eu não reclamo… eu revido — sussurrou contra minha boca, o tom carregado de promessa.
Antes que eu pudesse reagir, ela puxou meu lábio inferior entre os dentes, mordendo com suavidade antes de soltá-lo e me lançar um olhar vitorioso. O sinal abriu, mas eu mal registrei o som dos carros atrás de nós.
Respirei fundo, lutando para manter o controle, enquanto um sorriso torto surgia em meus lábios.
— Isso é jogo sujo.
Ela deu de ombros, o sorriso provocador ainda no rosto enquanto acelerava o carro, o motor respondendo com um ronco baixo.
— Eu sou ótima em jogos, . Especialmente quando sei que vou ganhar.
Minha mão deslizou um pouco mais para cima da coxa dela, o toque carregado de intenção. Sorri, a voz baixa e cheia de promessa.
— Veremos quem ganha quando chegarmos na sua casa.
lançou um olhar de canto, o brilho nos olhos dela era puro desafio. Acelerou o carro com mais força, o motor rugindo como se refletisse a tensão entre nós. O clima dentro do carro era um campo de batalha silencioso, onde cada toque e cada palavra eram armas carregadas. O resto do caminho? Apenas mais combustível para o incêndio que sabíamos que estava prestes a explodir.
Chegando à casa dela, mal tivemos tempo de fechar a porta antes que ela me puxasse novamente. O som da chave girando na fechadura mal tinha ecoado quando ela me empurrou contra a parede do hall de entrada, seus lábios capturando os meus com um desespero que fazia minha cabeça girar. Não havia espaço para dúvidas, para hesitações. Apenas a certeza crua do que queríamos.
— Esquece o plano por hoje — ela sussurrou entre beijos, as palavras entrecortadas pelo ritmo da nossa respiração pesada. Seus olhos brilhavam com algo entre desejo e rendição, uma vulnerabilidade que ela parecia aceitar só naquele momento. — Só quero você.
Eu não precisei de mais incentivos. Levantei-a no colo, sentindo o peso leve dela se encaixar perfeitamente contra mim. Ela entrelaçou as pernas ao redor da minha cintura, as unhas cravadas nos meus ombros enquanto eu a carregava pela casa como se não houvesse amanhã — e, de certa forma, não havia. Não para nós. Não para o que estávamos vivendo ali.
Quando chegamos ao quarto, o controle foi abandonado junto com as roupas espalhadas pelo chão. A tensão acumulada durante dias explodiu em toques urgentes, beijos famintos e sussurros que nunca ousaríamos pronunciar em outro contexto. O quarto parecia pequeno demais para conter tudo o que sentíamos, e, ainda assim, era o único lugar no mundo que importava.
Cada movimento era uma confissão silenciosa do que havíamos tentado negar. Não era só desejo. Era raiva, frustração, curiosidade, uma fome que cresceu em silêncio e agora consumia cada parte de nós. não era apenas minha chefe naquele momento. Ela era a tempestade e o alívio, o caos e o refúgio.
Quando finalmente nos rendemos ao cansaço, deitados lado a lado, o silêncio que antes era desconfortável agora parecia um espaço seguro. O quarto estava mergulhado em uma penumbra suave, iluminado apenas pela luz fraca que entrava pela fresta da cortina. O som da nossa respiração ofegante preenchia o ambiente, misturado ao eco dos batimentos descompassados dos nossos corações.
Eu a observei por um momento, o rosto dela suavizado pelo cansaço, mas ainda assim carregando aquela expressão de controle que ela nunca parecia abandonar completamente. O contraste entre a mulher poderosa que comandava o escritório e a que estava deitada ao meu lado era fascinante. Ela virou o rosto para mim, os olhos encontrando os meus com uma intensidade que me fez prender a respiração por um segundo.
— Você me deixa fora de controle — ela admitiu em um sussurro rouco, os dedos traçando linhas preguiçosas pelo meu peito.
Sorri, puxando-a suavemente para mais perto.
— Acho que estamos empatados nessa.
Ela riu baixo, um som raro e genuíno, antes de descansar a cabeça no meu ombro. Naquele momento, entrelaçados, o caos parecia distante. Mas sabíamos que ele estava apenas à espreita, esperando para nos engolir novamente. E, de alguma forma, eu não me importava. Porque ela estava ali e, por mais complicado que fosse, eu queria cada pedaço daquele desastre chamado .
Naquela manhã, aproveitamos um corredor vazio para roubar alguns segundos longe dos olhares atentos. Encostei contra a parede, minha mão deslizando para sua cintura enquanto capturava seus lábios com urgência. O beijo foi intenso, uma mistura de desejo reprimido e adrenalina.
Ela sorriu contra minha boca, os dedos apertando minha gravata.
— Você é louco — sussurrou.
— Você gosta — murmurei de volta, roçando o nariz no dela.
O som de um telefone tocando em uma das salas próximas nos fez congelar. Nos entreolhamos, corações acelerados, enquanto segurávamos a respiração. O silêncio se arrastou por alguns segundos antes de morder o lábio e soltar um riso abafado.
— Você quase teve um infarto — ela provocou.
— E você quase me derrubou no chão puxando minha gravata — rebati, arqueando a sobrancelha.
se afastou ligeiramente, recompondo-se com um ajeitar sutil da blusa. Mas antes que eu pudesse me afastar completamente, ela me puxou de volta e roubou um selinho rápido.
— Minha casa. Hoje à noite. — O tom dela era decidido, mas o brilho divertido nos olhos entregava que ela estava gostando do jogo. Levantei a sobrancelha, fingindo ponderar.
— Isso é um convite ou uma ordem? — Ela deu um passo para trás, com aquele olhar calculado.
— Escolha a resposta que te faz chegar na minha porta às nove.
Um sorriso surgiu em meus lábios. Se havia algo que eu adorava, era ver me provocando.
— Vou escolher a que me faz chegar cinco minutos antes.
Ela riu baixinho, sacudindo a cabeça antes de se virar e desaparecer pelo corredor, deixando para trás apenas o cheiro do perfume e a promessa de uma noite que eu já sabia que não esqueceria. Voltei para a minha mesa ainda sentindo o gosto do selinho que ela roubou e a adrenalina correndo nas veias. O resto da manhã passou num piscar de olhos, e, antes que eu percebesse, já era hora do almoço com os executivos — um daqueles eventos que exigiam sorrisos treinados, respostas rápidas e zero margem para distração.
Sentado de frente para na longa mesa do restaurante, cercado por executivos engravatados discutindo estratégias de expansão e números que me davam sono só de ouvir, eu tentava parecer invisível. Afinal, eu era só o secretário — e, naquele ambiente, minha única função era anotar, observar e, com sorte, não derrubar nada.
Mas é claro que não ia facilitar.
O primeiro toque me pegou desprevenido. Eu estava terminando de anotar um comentário sobre as projeções de logística quando senti a ponta do sapato dela roçar minha perna, bem de leve. Um arrepio subiu pela espinha. Meus olhos encontraram os dela por reflexo, e tudo o que vi foi uma expressão perfeitamente neutra, como se ela estivesse analisando friamente o que o diretor de operações acabava de dizer sobre margens de lucro.
Filha da mãe.
Tentei ignorar. Recuei a cadeira disfarçadamente. Ela avançou com o pé. A ponta do salto deslizou pela minha panturrilha, subiu até o joelho, e depois desceu devagar — provocação pura, ritmada, ensaiada. Era um jogo, e ela sabia que estava ganhando.
— , anote esse último ponto sobre o relatório trimestral, por favor — disse ela, com a voz firme e polida de sempre. Mas havia algo diferente naquele tom. Um leve sorriso curvava os lábios dela, imperceptível para os outros, mas não para mim.
Assenti rapidamente, fingindo foco total na tela do tablet, embora a única coisa que passasse pela minha mente fosse o movimento torturante do pé dela, agora descansando entre minhas pernas com uma ousadia que beirava o escândalo.
Peguei o celular discretamente do bolso e digitei uma mensagem.
: Você quer que eu infarte aqui mesmo?
Vi o celular dela vibrar sobre o colo. Ela leu, sem mudar a expressão. Em seguida, digitou algo com calma cirúrgica, como se estivesse respondendo a um e-mail corporativo.
: Quero ver até onde vai seu autocontrole.
: Zero. É isso que tá acontecendo. ZERO autocontrole.
: Você tá indo bem. Quase convincente. 😏
Levantei o guardanapo até o rosto, fingindo limpar a boca para esconder o riso que escapava. Quando abaixei o tecido, ela já estava bebendo vinho, como se nada tivesse acontecido. Os executivos continuavam discutindo a importância de um novo parceiro estratégico, enquanto eu me perguntava se conseguiria sair daquele almoço com a dignidade intacta.
olhou para mim mais uma vez, os olhos brilhando com uma cumplicidade silenciosa, e mandou outra mensagem.
: Estou só te treinando pra mais tarde.
Engoli em seco, tentando manter a compostura. Digitei rapidamente, com os dedos suando:
: Isso aqui é treinamento? Tenho medo do estágio avançado.
Ela ergueu a taça de vinho com elegância, e antes de levar aos lábios, digitou mais uma vez:
: Você ainda não viu nada.
Aí sim eu quase derrubei a taça d’água. voltou a comer salmão com a serenidade de quem não tinha acabado de virar meu sistema nervoso do avesso. Já eu… bom, eu só torcia pra ninguém reparar no vermelho subindo pelo meu pescoço.
À noite, estávamos na cozinha dela. O ambiente era iluminado apenas por uma luz suave que pendia sobre a bancada, criando sombras preguiçosas nas paredes. Eu me encostava no balcão, observando servir duas taças de vinho com a mesma precisão meticulosa que ela aplicava em tudo na vida. O som do vinho enchendo o cristal era quase relaxante, e o clima — ao contrário do caos das últimas horas — era surpreendentemente leve.
— Você sabe que isso é loucura, né? — comentei, deixando escapar um sorriso enquanto aceitava a taça. — A gente está brincando com fogo.
me lançou um olhar de lado, divertida, antes de apoiar uma das mãos na cintura.
— , se alguém soubesse, já teria explodido alguma coisa. A gente tá sendo cuidadoso. — Ela deu um gole no vinho, como se estivesse falando do tempo.
— Cuidadoso? — arqueei a sobrancelha, levando a taça à boca. — Você roçou o pé na minha perna inteira no almoço com dois diretores da empresa.
Ela riu, aquela risada baixa e provocadora que ela soltava quando sabia exatamente o que estava fazendo.
— Ai, exagerado. Ninguém reparou. E, convenhamos, você foi ótimo fingindo que nada estava acontecendo. Quase me convenceu.
— Quase? — ri também, sacudindo a cabeça. — Eu quase tive um infarto.
— Drama. — Ela encostou-se na bancada ao meu lado, a taça na mão e o olhar relaxado. — Olha, se der errado, a gente lida com isso. Mas por enquanto… — Ela fez um gesto vago com a taça, apontando para mim, para ela, para a cozinha inteira — ...tá funcionando, não tá?
— Tá. — concordei, rindo. — De um jeito completamente errado... mas tá.
ergueu a taça em um brinde improvisado, os olhos brilhando com diversão.
— Ao caos.
— Ao caos. — respondi, batendo levemente minha taça na dela.
O som do cristal se chocando foi suave, quase íntimo. Quando nossos olhares se cruzaram de novo, algo mudou no ar. O riso dela se dissolveu devagar, dando lugar a um silêncio denso, carregado de expectativa.
deu dois passos até mim, com a mesma segurança de sempre, mas agora com algo a mais — uma leveza divertida, como se estivesse prestes a aprontar algo.
— Sabe… você fica bonitinho tentando ser sério. — Ela murmurou, aproximando-se até encostar de leve o corpo no meu. — Essa cara de bom moço meio perdido... quase me convence de que você não tem nenhuma intenção imprópria comigo.
— E quem disse que eu tenho? — retruquei, tentando manter o tom firme, mas a proximidade dela embaralhava meus pensamentos.
— Ah, por favor, … — Ela deslizou a mão livre até meu peito, os dedos desenhando círculos preguiçosos sobre o tecido da minha camisa. — Você me olha como se quisesse que eu trancasse essa porta e jogasse fora a chave.
— Talvez eu queira mesmo. — confessei num sussurro, antes que ela se inclinasse e me beijasse.
Foi um beijo lento, provocador, como se ela soubesse exatamente o que fazia comigo. Minhas mãos foram parar em sua cintura quase sem pensar, e por um instante, tudo parou — exceto o som do nosso coração acelerado e a respiração descompassada.
Quando ela se afastou, ainda próxima, os olhos fixos nos meus, tive que me lembrar de como se respira.
— Isso foi um lembrete ou uma ameaça? — perguntei, sorrindo, ainda sem conseguir desviar o olhar.
— Os dois. — Ela deu um sorrisinho e piscou. — E você devia se preparar, porque a parte da ameaça ainda nem começou.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Um dia você ainda vai me matar.
— Só se for de prazer. — respondeu, jogando o cabelo para trás com o típico ar de quem sempre vence no final.
Eu me perdi ali, nos olhos dela, no sorriso torto, na forma como fazia meu coração perder o ritmo mesmo quando ela só andava pela sala. E naquele instante, com o vinho nas mãos e o corpo dela tão perto, eu soube: o caos tinha nome e endereço. E eu não queria estar em outro lugar.
Acordei antes dela, o sol filtrando-se pelas cortinas do quarto e desenhando linhas suaves sobre o lençol amassado. dormia de lado, o rosto relaxado de um jeito que eu raramente via, os traços duros suavizados pelo descanso. Era um contraste com a mulher controlada e implacável que eu conhecia no escritório, e ver esse lado dela fazia meu peito apertar de um jeito estranho.
Levantei-me devagar, vestindo minhas roupas espalhadas pelo chão, tentando não fazer barulho. Aquilo estava se tornando uma rotina — acordar na casa dela, sair bem cedinho de lá, carregando mais do que apenas o cheiro do perfume dela grudado na pele. Mas, dessa vez, enquanto eu colocava a camisa e calçava os sapatos, ouvi a voz dela, rouca e ainda sonolenta, cortando o silêncio do quarto.
— Já vai fugir de novo, ?
Virei-me, encontrando seus olhos semicerrados me observando. Ela continuava deitada, o rosto meio escondido no travesseiro, mas com aquele sorrisinho preguiçoso nos lábios.
— Não é fuga. — sorri de canto. — Só estou indo embora antes que você me mande arrumar sua agenda às sete da manhã.
bufou levemente e se espreguiçou devagar, a coberta escorregando até revelar parte de seu ombro nu.
— E você não está esquecendo de nada?
Fiz uma pausa, franzindo a testa. Meu olhar percorreu o quarto, tentando entender o que ela queria dizer. Quando finalmente entendi, voltei até a cama, inclinei-me e beijei seus lábios com carinho. Foi um beijo mais lento, mais íntimo. Quase doce. Quando me afastei, ela riu, os olhos ainda semicerrados.
— Não era isso que eu estava falando. — murmurou, divertida, os olhos ainda sonolentos, mas brilhando de malícia.
— Não? — arqueei uma sobrancelha, fingindo surpresa enquanto me inclinava de novo. — Então era o quê?
— Meus croissants. Você prometeu que ia me dar hoje no café da manhã. — disse, mordendo o lábio para conter o riso.
— Golpe baixo, . — ri, encostando minha testa na dela. — Usar comida contra mim é sacanagem.
— E você cai toda vez. — sussurrou, antes de puxar um selinho demorado, preguiçoso e gostoso.
— Eu passo na cafeteria e levo pro escritório. Serve?
— Serve... né? — suspirou teatralmente, rolando de lado como se tivesse aceitado a derrota. — Mas só porque você beija bem.
Soltei uma risada baixa, me afastando de novo e pegando minha mochila. Troquei um último olhar com ela antes de sair do quarto, e, mesmo do lado de fora, era como se o sorriso dela ainda estivesse colado em mim — leve, provocante e impossível de ignorar.
O caminho até em casa foi embalado por pensamentos desconexos, lembranças da noite anterior e o gosto do beijo dela ainda preso na minha boca. Eu deveria estar exausto, mas a verdade é que me sentia absurdamente desperto. Era como se andar por aquelas ruas tão cedo tivesse virado parte da minha rotina secreta.
Assim que entrei no meu apartamento, o cheiro de café fresco me recebeu. Clara estava sentada na mesa da cozinha, o cabelo preso em um coque bagunçado, uma caneca fumegante entre as mãos e um caderno de anotações aberto à sua frente. O olhar dela se ergueu lentamente, e foi o suficiente para saber que eu não escaparia sem um interrogatório. Ela arqueou uma sobrancelha, o olhar afiado como uma lâmina.
— Até que enfim — disse, a voz carregada de uma ironia que só irmãos conseguem dominar. — Passou a noite fora de novo?
Joguei minha mochila no sofá, soltando um suspiro cansado enquanto caminhava até a geladeira, tentando ganhar alguns segundos antes de responder.
— Estava... ocupado — murmurei, pegando uma garrafa d’água e evitando o olhar dela. Clara soltou uma risada curta, nada divertida, fechando o caderno com um estalo seco.
— "Ocupado"? — repetiu, inclinando-se para frente, os cotovelos apoiados na mesa. — , você é o pior mentiroso do planeta. Dá pra ver na sua cara.
Revirei os olhos, me apoiando na bancada da cozinha, cruzando os braços.
— Não é da sua conta.
Ela arqueou ainda mais a sobrancelha, claramente não se impressionando com minha tentativa de desviar.
— Ah, mas é sim. Você chega em casa desse jeito, com essa cara de quem fez merda, e quer que eu finja que não estou vendo? — Ela apontou para mim com a caneca. — E antes que você tente me enganar, já aviso que você está cheirando a perfume caro. Que, aliás, não é o seu.
Soltei um suspiro, passando a mão pelo rosto. Eu sabia que ela não ia desistir. Clara era como um detector de mentiras ambulante.
— Tá bom. — Respondi, finalmente cedendo. — Eu estava com a .
O silêncio que se seguiu foi mais intenso do que eu esperava. Clara me encarou, os olhos arregalados por um segundo antes de estreitá-los, claramente processando a informação. Ela piscou algumas vezes, depois riu, balançando a cabeça em descrença.
— Uau. Isso é… estúpido até para você.
— Obrigado pelo apoio — retruquei, sarcástico, me jogando na cadeira em frente a ela.
— Não, . — Ela se inclinou para frente, o rosto mais sério agora. — Você tem noção do que está fazendo? Isso é um desastre esperando para acontecer. Vocês trabalham juntos, ela é sua chefe, e — Clara parou por um segundo, franzindo o nariz — ela é… bom, ela é a . — Eu ri, sem humor, esfregando as têmporas.
— Você acha que eu não sei? Acha que não penso nisso o tempo todo? Mas é como se… — Suspirei, procurando as palavras certas. — Como se eu estivesse preso em algo que não consigo controlar.
Clara me observou por um momento, o olhar suavizando um pouco.
— Você gosta dela.
O silêncio entre nós foi a resposta. Eu não sabia o que dizer. Não era só atração física — disso eu já tinha certeza. Mas também não sabia se podia chamar de "gostar". Era algo mais complicado, uma mistura de desejo, admiração e essa conexão intensa que parecia consumir tudo ao redor.
— Eu não sei — murmurei finalmente. — Só sei que não consigo ficar longe. E o pior é que ela também não consegue.
Clara suspirou, apoiando a cabeça na mão, olhando para mim com aquela expressão de quem queria me proteger do mundo, mas sabia que não podia.
— Só… toma cuidado, . Porque quando isso explodir, e vai explodir, você pode sair mais machucado do que imagina.
Assenti, o peso das palavras dela ecoando na minha mente. Sabia que ela tinha razão. Sabia que estávamos brincando com fogo, mas, mesmo assim, parte de mim queria mergulhar ainda mais fundo.
Porque, no fundo, o que eu sentia por era exatamente isso: um incêndio incontrolável. E, por mais que o fogo queimasse, eu não queria apagar.
Naquela manhã, resolvi passar na cafeteria perto do escritório. O ar estava fresco, o céu tingido de um azul pálido típico de início de outono, e meu foco era um só: croissants para . Entrei no café e fui imediatamente envolvido pelo aroma de pão fresco e café recém-passado. A fila ainda era curta, e o ambiente seguia com a mesma tranquilidade de sempre. Quase me permiti relaxar.
Foi quando a vi. Sentada à mesa de sempre, perto da janela, com uma xícara de chá entre as mãos e os olhos perdidos do lado de fora. Amanda.
O estômago revirou.
Fazia dias que eu a evitava. Não por maldade, mas por covardia — e por um peso silencioso que se acumulava dentro de mim. Eu sabia que devia uma explicação. Sabia que ela não merecia meu silêncio. Mas até aquele momento, não tinha conseguido ser honesto nem comigo mesmo.
E agora estava ali, me olhando e diferente de outras vezes, ela não sorriu. Apenas me olhou por um segundo — e ali eu soube que não ia escapar. A mulher se levantou devagar.
— . — Sua voz estava calma, mas havia algo diferente nela. Um peso. — Até que enfim. — Engoli em seco.
— Amanda… oi.
— Você andou me evitando. — disse, direto. Sem rodeios. — Liguei, mandei mensagem. Sumiu. Pensei que estivesse morto.
— Eu… — Comecei, mas ela ergueu a mão com um gesto rápido.
— Senta aqui. — pediu, apontando a cadeira à frente dela. Não era um convite. Era uma última chance.
Me sentei em silêncio, sentindo o peso da ausência que eu mesmo havia construído. Amanda manteve os olhos fixos nos meus.
— Eu só queria entender. — disse ela, apoiando os cotovelos na mesa. — O que aconteceu? Por que sumiu? A gente não estava namorando, eu sei disso, mas você podia ter tido a decência de dizer que não queria mais.
— Amanda, me desculpa. — murmurei, sincero. — Eu fiquei confuso… não sabia como dizer. Eu só…
— Você só pensou que o silêncio resolveria. — cortou ela, sem elevar a voz, mas com firmeza. — O problema é que o silêncio machuca mais do que a verdade. — Suspirei, passando a mão pela nuca.
— Eu ia te ligar hoje. Juro. Queria conversar direito.
— Pois que sorte a sua me encontrar aqui, né? — ironizou, e, por um segundo, vi os olhos dela brilharem. Não de raiva. De mágoa.
Ela respirou fundo, como quem estava tentando controlar o tom, e prosseguiu.
— Eu ia te chamar pra jantar no sábado. Mas pelo visto, você já tem outras prioridades. — Ela me analisou por um momento. — E não precisa fingir que não. Tá estampado na sua cara.
— Amanda… — tentei, mas ela me interrompeu de novo.
— Não. Deixa eu terminar. — Ela sorriu, mas foi um sorriso triste. — Eu não sou idiota. Você está com outra pessoa. Não precisa me contar quem. Só queria que tivesse me dito antes.
Houve um momento de silêncio. Longo. Denso.
— Eu não queria te magoar. — falei, de verdade.
— Mas magoou. — Ela pegou a xícara com cuidado. — E agora... eu só preciso de um tempo. Pra não guardar mágoa, pra não sentir que perdi meu tempo. E, sinceramente, pra não me colocar de novo onde não sou prioridade.
Assenti, sentindo um nó apertado no peito.
— Tá certo. Eu entendo. E… se um dia quiser falar de novo, sabe onde me encontrar. — Ela me olhou por um segundo, e então suavizou um pouco o semblante.
— Eu não sou sua inimiga, . Mas hoje… eu não quero mais ser sua amiga também. Não agora.
— Tudo bem. — murmurei. — Eu respeito isso.
Amanda se levantou com calma, ajeitando a bolsa no ombro. Parou ao meu lado por um breve instante.
— Espero que ela valha a pena. — disse, antes de sair pela porta da cafeteria sem olhar para trás.
Fiquei ali, parado, com a garganta seca. Só me levantei minutos depois, quando o atendente chamou meu nome. Peguei o croissant preferido da sem lembrar de ter feito o pedido. E saí da cafeteria com o cheiro de café nos pulmões… e um gosto amargo no coração.
O ar fresco da manhã parecia mais pesado do que o normal quando saí da cafeteria. A conversa com Amanda ainda ecoava na minha mente, mesmo que eu tentasse afastá-la. Romper de vez com ela deveria me trazer alívio, mas tudo o que eu sentia era um vazio estranho, preenchido apenas por um nome: . Era ela quem ocupava cada pensamento meu, cada decisão inconsciente.
Enquanto subia pelo elevador da empresa, segurava o saco de papel da padaria com mais força do que o necessário. O cheiro do croissant de chocolate escapava pelas frestas, quente e adocicado, como uma promessa de conforto que, naquele momento, eu sinceramente precisava. Tinha sido uma manhã estranha — intensa demais para o pouco que eu dormi.
A conversa com Amanda ainda martelava na minha cabeça. A forma como ela se despediu, firme, madura, mas visivelmente magoada. Ela tinha todo o direito. Eu vinha a evitando, e agora… ela não queria mais nenhum tipo de contato. Nem como amiga.
Era justo. Mas não deixava de doer.
Assim que entrei no andar, avistei a porta entreaberta da sala de . Respirei fundo, tentando afastar aquele peso do peito, e bati duas vezes, entrando logo em seguida. Encostei a porta atrás de mim e me aproximei com o saco na mão.
— Se não for o de chocolate, pode voltar e tentar de novo. — disse sem tirar os olhos da tela, a voz baixa e divertida.
Sorri de leve, mas sem aquele brilho no olhar de sempre.
— Você me subestima, Srta. . — estendi o saco, pousando-o em sua mesa. — Aprendi com os erros. E com suas ameaças.
Ela ergueu os olhos do notebook, e só de ver seu rosto, por um segundo, tudo pareceu um pouco menos caótico. Pegou o pacote e o abriu com um ar quase cerimonial. O cheiro do croissant invadiu a sala, e soltou um suspiro exagerado antes de morder a ponta.
— Hmm… isso é o céu. — murmurou, fechando os olhos por um breve instante. — Se você um dia quiser pedir aumento, é assim que começa uma negociação.
Dei uma risada baixa, mas logo desviei o olhar. percebeu o movimento sutil — e, claro, não deixou passar.
— Você tá estranho. — disse, lambendo um resquício de chocolate do lábio. — Aconteceu alguma coisa?
— Nada. Só... insônia. — respondi, rápido demais. Caminhei até a janela, tentando parecer casual, mas sentia os olhos dela queimando nas minhas costas.
— . — a voz dela agora era mais suave, firme, mas com uma delicadeza que me atingiu mais do que qualquer pergunta direta. — Fala comigo. O que houve?
Eu me virei devagar, e por um momento, deixei o olhar se prender ao dela. não era do tipo que insistia à toa — se ela estava perguntando, era porque realmente queria saber. Porque se importava.
Meu peito apertou. Não era o momento, nem o lugar. Mas eu precisava de algo. Qualquer coisa que me fizesse esquecer.
Aproximei-me em silêncio, e sem pensar muito, segurei seu rosto entre as mãos e a beijei. Um beijo profundo, faminto, do tipo que dizia tudo o que eu não conseguiria colocar em palavras. respondeu na hora, puxando minha camisa pela gola, deixando o croissant de lado como se nada mais importasse.
Quando nos separamos, ainda sem fôlego, ela me olhou com as pupilas dilatadas e a respiração acelerada.
— Isso não respondeu à minha pergunta. — sussurrou, o rosto ainda perto do meu.
— Eu sei. — murmurei, com um meio sorriso cansado.
observou meu rosto por um instante, como se quisesse decifrar o que havia por trás daquela resposta. Mas então suspirou, recostando-se na cadeira.
— Temos uma reunião em treze minutos. — falou, como quem aceita adiar um assunto que ainda vai voltar à tona. — Mas não pense que escapou. Depois, eu quero saber.
Assenti em silêncio. Ela voltou para o notebook, pegando novamente o croissant como se nada tivesse acontecido. Mas o clima no ar dizia o contrário. O gosto do beijo ainda estava em nós dois — e o que quer que estivesse por trás daquele gesto, ainda estava pendente.
O dia passou voando, entre beijos e carícias escondidas com . Eu não gostava de admitir, mas havia algo viciante nesse jogo secreto. O risco, o cuidado ao disfarçar cada troca de olhares no escritório, a adrenalina de sair da casa dela bem cedinho — tudo isso fazia o coração bater mais rápido. O proibido tinha um sabor que eu nunca imaginei ser tão viciante. Ainda assim, naquele dia, decidi ir direto para casa, a situação com a Amanda ficou martelando minha cabeça o dia inteiro.
Clara tinha um encontro com o tal Marcos — um nome que vinha aparecendo cada vez mais nas conversas dela, sempre acompanhado de um sorriso que ela tentava disfarçar. Eu confiava nela, claro, mas não podia evitar a pontinha de desconfiança. Era meu instinto de irmão mais velho falando mais alto, então queria estar em casa quando ela chegasse. No entanto, admito que, comparado aos meus próprios deslizes, Clara estava mostrando ter mais juízo do que eu ultimamente.
Quando cheguei em casa, a sensação de vazio foi imediata. O silêncio parecia ecoar em cada canto do apartamento. Sem vontade de cozinhar, optei pelo clássico miojo — prático, rápido e, convenhamos, um clássico dos momentos de pura preguiça. Enquanto a água fervia, o cheiro familiar me trouxe uma sensação estranha de nostalgia, como se fosse um lembrete silencioso da minha vida antes de tudo isso… antes dela.
Peguei alguns documentos do trabalho para revisar enquanto o macarrão cozinhava. podia ser minha amante secreta, mas não aliviava em nada quando o assunto era trabalho. Seus padrões continuavam impecáveis e, honestamente, quase impossíveis. O engraçado é que eu admirava isso nela, mesmo quando me fazia revirar os olhos.
O celular vibrou em cima da mesa, interrompendo meus pensamentos. O nome na tela me fez congelar por um segundo: Rodrigo, meu antigo chefe. A curiosidade e uma leve apreensão se misturaram enquanto eu atendia.
— ! Como está indo? — A voz animada dele do outro lado da linha parecia deslocada para o horário e para o clima da minha mente.
— Estou bem, Rodrigo. E você? — respondi, tentando soar casual.
— Tudo certo por aqui. Mas não estou ligando só para bater papo. Tenho boas notícias. Amanhã o RH vai finalizar as entrevistas para a vaga de secretária da . Elas parecem promissoras, então, em breve, você volta para o seu cargo… com aquele aumento que eu prometi. — O tom dele era despreocupado, como se estivesse falando sobre o clima.
Minhas mãos apertaram o celular com força, o impacto das palavras dele ecoando na minha mente. Voltar ao meu cargo. Esse sempre foi o plano, certo? Mas, de repente, a ideia parecia... errada. O desconforto se instalou no peito, uma sensação estranha, difícil de definir.
— Isso é… ótimo. — Minha voz saiu neutra, quase apática, mas Rodrigo não percebeu.
— Eu sabia que você daria conta. Até amanhã, . E parabéns por aguentar o tranco. — Ele riu, como se toda essa situação fosse uma piada interna entre nós.
— Obrigado, Rodrigo. Vou encarar o último dia com força total. — Tentei soar mais entusiasmado, mas o peso das palavras dele já tinha afundado em mim.
Desliguei e fiquei olhando para o celular por alguns segundos, como se ele pudesse me dar respostas. Depois, o deixei cair no sofá.
O que estava acontecendo comigo? Esse sempre foi o plano: subir na carreira, ganhar experiência e, eventualmente, voltar para o cargo com um bom aumento. Mas agora… pensar em sair da posição ao lado de parecia sufocante. O problema não era o trabalho. Era ela.
Fechei os olhos por um momento, tentando reorganizar meus pensamentos. O apartamento estava silencioso, exceto pelo som da água fervendo que eu já tinha esquecido. Levantei-me mecanicamente, desligando o fogo e despejando o miojo na tigela. Mas o apetite tinha sumido.
Sentei no sofá, olhando para a tigela de macarrão esfriando na mesa de centro, enquanto minha mente girava em torno de um único nome: .
Era o jeito que ela franzia levemente a testa quando estava concentrada, o modo como seu perfume parecia se prender em mim mesmo depois de horas longe, o brilho nos olhos quando ela me provocava, fingindo que tudo era apenas um jogo. Mas não era. Não para mim. E, talvez, nem para ela.
Eu sabia que estava me metendo em um território perigoso. Isso não era só sobre trabalho. Era sobre ela. E, por mais que o lado racional gritasse para eu recuar, meu coração — idiota e teimoso — já tinha escolhido.
E agora? O que fazer quando o plano que parecia perfeito já não fazia mais sentido?
Na manhã seguinte, o ambiente do escritório estava mais movimentado do que o normal. As candidatas para a vaga de secretária começaram a chegar, uma a uma, todas vestidas de maneira impecável e carregando currículos que, provavelmente, eram mais impressionantes que o meu. O murmúrio de conversas e o som de saltos altos ecoando pelo corredor criavam uma atmosfera de expectativa quase palpável.
conduzia as entrevistas em sua sala com a porta entreaberta, o suficiente para que eu ouvisse alguns trechos das conversas. Eu tentava me concentrar nos e-mails e relatórios em minha mesa, mas era difícil não notar as expressões das candidatas ao saírem. Algumas pareciam confusas, outras frustradas. Nenhuma parecia satisfeita, e eu comecei a me perguntar o que exatamente estava procurando.
Foi então que Marcel, o assistente de contabilidade, surgiu ao lado da minha mesa com aquele sorriso presunçoso que ele sempre carregava, como se estivesse sempre um passo à frente de todo mundo. Anelise, que trabalhava ao meu lado no setor administrativo, estava com ele, segurando uma prancheta enquanto mordiscava a ponta da caneta de forma distraída.
— ! — Marcel chamou, batendo levemente na borda da minha mesa. — Acho que é hoje, hein? — Ergui os olhos do monitor, tentando disfarçar o desconforto que aquela frase provocou.
— Hoje o quê? — perguntei, embora já soubesse a resposta. Anelise sorriu, inclinando-se levemente sobre minha mesa com um brilho animado nos olhos.
— O dia em que você finalmente se livra dessa função. As entrevistas estão indo bem, e logo teremos uma nova secretária para a Srta. . — Ela disse isso com um entusiasmo quase cômico, como se estivesse falando sobre um grande evento.
Marcel riu, cruzando os braços enquanto balançava a cabeça.
— Você aguentou firme, cara. Sabia que conseguiria. Não deve ter sido fácil lidar com a Srta. , mas você se saiu melhor do que eu esperava. Agora pode voltar para o seu cargo de origem, com o bônus que o RH comentou. — Tentei forçar um sorriso, mas ele mal alcançou meus olhos.
— É… ótimo. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. — Estou ansioso para voltar. — Anelise, alheia à minha hesitação, deu um tapinha animado no meu braço.
— Vai ser bom pra você. Aposto que vai sentir falta só dos eventos, sem o estresse extra da chefona.
Eles riram juntos enquanto se afastavam, trocando comentários sobre alguma planilha de contabilidade, mas eu continuei ali, parado, encarando a tela do computador, embora não estivesse enxergando nada.
"Finalmente livre."
Era o que todos esperavam que eu sentisse. Mas o alívio que deveria me invadir não veio. Em vez disso, um vazio desconfortável se instalou no meu peito.
Voltar ao meu antigo cargo significava distância. Significava rotina. Significava… perder a proximidade com . E, por mais irracional que fosse, a ideia de me afastar dela parecia mais difícil do que qualquer relatório complicado que eu já tivesse preenchido.
À tarde, quando a última das entrevistas terminou, surgiu diante da minha mesa. Os saltos dela ecoaram com firmeza sobre o porcelanato do corredor, marcando o ritmo de alguém que sabia exatamente para onde estava indo — ou fingia muito bem que sabia. Levantei o olhar, captando em seu rosto o mesmo semblante neutro de sempre, mas algo em sua postura — a rigidez dos ombros, a leve tensão no maxilar — denunciava que ela não estava tão tranquila quanto aparentava.
Seus olhos pousaram nos meus por um breve instante, antes que ela falasse, sem rodeios:
— , entre em contato com a Fran. Preciso que ela agende a reunião com a Rafa Kalimann para a próxima semana. E avise que quero uma atualização completa antes do encontro. — Sua voz era firme, objetiva, mas havia uma aceleração sutil na entonação que só quem a conhecia de perto notaria.
Assenti, já pegando o celular para anotar.
— Alguma preferência de horário? — perguntei, mantendo o tom o mais profissional possível.
— Final da manhã. — Ela ajeitou o blazer com aquele gesto automático e elegante, o mesmo que usava sempre que queria parecer mais no controle do que realmente estava. Antes de se virar, lançou um último olhar por cima do ombro, sem suavidade, mas também sem frieza.
— Quero que tudo esteja perfeito — disse, antes de desaparecer pelo corredor em direção à própria sala.
Fiquei ali por um instante, encarando a porta de vidro que se fechou atrás dela. Será que ela havia mesmo rejeitado todas aquelas candidatas apenas por critérios profissionais? Ou havia, por trás da perfeição que ela exigia, um motivo que nem ela estava pronta para admitir?
Eu não tinha a resposta. Mas, naquele momento, comecei a suspeitar que o problema não era encontrar alguém qualificado. Era aceitar que, ao me substituir, ela perderia mais do que só um secretário.
Decidi pegar um café para tentar clarear a mente. A sala do café ficava ao lado da copa, onde algumas assistentes estavam reunidas, conversando com um entusiasmo descuidado, claramente alheias à minha presença.
— Você viu? Ela rejeitou todas as candidatas — disse Bruna, a assistente do jurídico, em um tom incrédulo, quase indignado. — Algumas tinham currículos impecáveis! Como ela pode dizer que nenhuma era qualificada?
— Pois é — respondeu Isabela, que trabalhava com o financeiro. — E olha que algumas tinham muito mais experiência do que... — ela hesitou, mas completou com um tom malicioso: — ...do que o .
Meu nome fez meus ouvidos se aguçarem. Continuei parado diante da cafeteira, tentando parecer distraído enquanto enchia minha xícara.
— Totalmente — entrou Anelise na conversa, sua voz levemente divertida. — Ele nem é tudo isso no trabalho, convenhamos. Já vi secretárias passarem por aqui que eram muito mais eficientes.
Bruna soltou um suspiro, como se estivesse tentando entender o mundo.
— Acho que tem algo estranho nisso tudo. Por que ela simplesmente não contratou ninguém? Será que tem alguma outra razão?
— Vai saber… — Isabela disse, abaixando um pouco o tom. — Talvez tenha a ver com ele, né?
Uma risadinha abafada percorreu o grupo, e por um instante, o silêncio foi preenchido apenas pelo som de mexerem o açúcar nas xícaras.
— Sério, vocês acham que tem alguma coisa rolando? Entre ele e a ? — Bruna perguntou.
— Ah, claro que não! — Anelise respondeu rápido demais, como se quisesse espantar a ideia antes que ganhasse forma. — ? Envolvida com um funcionário? Nunca.
— Ainda assim… — Isabela continuou, pensativa. — Ela podia ter escolhido alguém hoje mesmo. Algumas candidatas eram absurdamente boas. E ela dispensou todas. Isso não faz sentido.
— Nada do que ela faz, faz sentido, essa é a verdade. — completou Bruna, soltando uma risada amarga. — Mas se for o caso… pobre . Acho que ele não tem ideia no que está se metendo.
As risadas que vieram depois ecoaram pelo espaço apertado, mas para mim soaram como um alerta. Segurei a alça da minha xícara com mais força do que deveria, sentindo o estômago revirar. Eu sabia que estavam apenas especulando — fofocas de corredor, como sempre. Mas, naquela manhã, tudo pareceu mais real. Mais próximo. E infinitamente mais arriscado.
Eu sabia que não era o funcionário mais exemplar do mundo, mas ouvir aquilo, mesmo que indiretamente, me atingiu de forma inesperada. Elas continuaram a conversa, mas eu saí dali antes de ouvir mais, com minha xícara de café na mão e um peso novo em meus pensamentos.
O escritório estava mergulhado em um silêncio quase solene quando bati a porta da sala de com mais força do que pretendia. O som reverberou pelo espaço minimalista, atravessando o tique-taque insistente do relógio na parede como um sinal claro de que eu havia ultrapassado algum limite.
ergueu os olhos do notebook. A expressão impassível de sempre ainda estava lá, mas seus olhos — ah, os olhos — deixaram escapar um lampejo de surpresa. Sem pressa, ela pousou a caneta sobre a mesa e arqueou uma sobrancelha, a voz baixa, porém afiada como uma lâmina.
— ... assim não. — Mas dessa vez, eu não estava disposto a medir palavras.
— Por que você recusou todas as candidatas? — Minha voz saiu mais ríspida do que eu pretendia, carregada de uma frustração que não conseguia mais esconder. — Eu preciso que você seja sincera comigo. Só uma vez, .
Ela fechou o notebook com calma, mas o gesto era defensivo, como se quisesse erguer uma barreira entre nós. Seus olhos encontraram os meus. E por um breve segundo — minúsculo, mas suficiente —, eu vi algo escapar da muralha que ela sempre mantinha erguida. Uma rachadura. Um cansaço. Um medo.
— Isso não é da sua conta, . — disse, a frieza calculada cobrindo cada sílaba. — Recusei porque nenhuma delas era adequada. Simples assim.
Soltei uma risada curta, seca. Sem humor. Sem disfarces.
— Adequada? Sério? — Dei um passo à frente, encurtando o espaço entre nós. — Algumas daquelas mulheres tinham currículos que fariam qualquer um se sentir pequeno. E você vem dizer que nenhuma era boa o suficiente? Você não contratou ninguém porque não quer me substituir. É isso, não é?
Ela se levantou. Postura reta, queixo erguido. A que comandava reuniões e silenciava salas com um olhar. Mas, mesmo ali, sob a máscara de controle, eu vi. A tensão nos ombros. O leve estremecer da mandíbula.
— , não viaje. — rebateu, mas a segurança em sua voz não era a mesma. — Você é meu secretário temporário. Estou tomando o tempo necessário para escolher a pessoa certa. Isso é tudo.
— Então olha pra mim e diz isso de novo. Sem hesitar. Sem desviar o olhar. — desafiei, cruzando os braços, os olhos fixos nos dela. — Porque pra mim… isso aqui não é só trabalho há muito tempo.
respirou fundo. Desviou os olhos — e isso, vindo dela, dizia muito. Quando voltou a me encarar, havia algo novo ali. Algo cru.
— Você não entende como isso funciona. — sussurrou, os braços cruzados como quem tenta se manter de pé no meio de um furacão. — Isso não é sobre você.
— Não? — minha voz saiu baixa, descrente. Dei mais um passo. Agora estávamos perigosamente próximos. Ela hesitou, e então murmurou:
— É sobre o que é melhor para a empresa. E… pra mim.
A forma como aquelas duas palavras saíram — “pra mim” — deixou claro que o que ela queria dizer era outra coisa completamente diferente. Que aquilo não era apenas uma escolha profissional. Era uma fuga. Uma tentativa desesperada de manter distância. De não ceder.
— Então diz logo. — falei, sentindo a respiração dela tocar a minha. — Diz que você não quer me tirar daqui porque não está pronta pra ficar sem mim.
Silêncio.
mordeu o lábio — um gesto involuntário que nela parecia uma confissão. O olhar dela percorreu meu rosto com uma mistura de raiva e rendição.
— E se eu admitir? — murmurou, num sopro. — O que você vai fazer com isso, ?
Fiquei em silêncio por um instante. Porque, pela primeira vez, ela havia abaixado a guarda. E talvez, pela primeira vez, eu estivesse pronto para sustentar o peso de uma resposta honesta.
— Talvez eu faça o que já deveria ter feito. — murmurei, rouco. — Admitir que isso aqui nunca foi só profissional. Não pra mim. E, pelo jeito… não pra você também.
O peito dela subiu e desceu num suspiro longo, como se estivesse exalando tudo o que passou semanas tentando conter.
— E você acha mesmo que isso vai dar certo? — sussurrou, mais para si mesma do que pra mim. — Que dá pra ignorar todas as regras, todo o risco?
— Não. — respondi com sinceridade. — Mas fingir que dá pra continuar ignorando o que a gente sente… isso é que não dá mais.
Os olhos dela, normalmente tão firmes, brilharam por um instante — emoção contida, mas inegável. Ela fechou os olhos por um segundo. Quando os abriu, a resposta veio como um sussurro carregado de tudo o que ficou preso no tempo.
— Não. Não posso negar.
E naquele momento, tudo mudou. Porque ela finalmente tinha parado de lutar contra o que estava ali o tempo todo: nós. A única coisa que existia era o espaço minúsculo entre nós, prestes a evaporar. Dei o último passo, fechando a distância, e a beijei.
Foi um beijo diferente de todos os outros. Não era movido apenas pelo desejo reprimido. Era raiva, frustração, alívio. Era uma confissão em forma de toque. As mãos dela foram para o meu pescoço, os dedos cravando levemente na minha pele, enquanto as minhas seguravam sua cintura com força, como se eu pudesse ancorá-la ali.
Quando nos afastamos, ofegantes, o rosto dela estava a poucos centímetros do meu, os lábios levemente entreabertos, o olhar ainda em chamas. Não consegui resistir. Segurei sua cintura com mais firmeza e, em um movimento rápido, a levantei, colocando-a sentada sobre a mesa. Papéis deslizaram para o chão, mas nenhum de nós se importou.
arfou levemente, mas seus olhos brilharam com aquele desafio que eu conhecia tão bem. Ela enlaçou meu quadril com as pernas, puxando-me de volta para um beijo intenso, faminto. Minhas mãos exploravam suas curvas com uma urgência desmedida, enquanto seus dedos bagunçavam meu cabelo, me puxando para mais perto.
O som de batidas na porta quebrou o momento, fazendo-nos congelar instantaneamente. Ofegantes, ainda grudados um no outro, trocamos olhares arregalados, tentando recuperar o fôlego e o juízo ao mesmo tempo.
fechou os olhos por um segundo, respirou fundo e respondeu com a voz um pouco rouca:
— Quem é? — Do outro lado, uma voz familiar respondeu:
— É a Jane, da limpeza, senhorita . Posso entrar para começar?
olhou para mim, os olhos arregalados e as bochechas levemente coradas — uma raridade. Eu mordi o lábio para não rir, mas o riso escapou em um suspiro descontrolado. Ela rolou os olhos, tentando manter a compostura.
— Jane, volte daqui a pouco. Estou... ocupada. — Houve uma breve pausa do outro lado da porta, antes da resposta hesitante:
— Ah, claro, senhorita . Sem problemas.
O som dos passos se afastando foi o suficiente para que explodíssemos em uma gargalhada simultânea, o tipo de riso que você não consegue conter, nervoso e libertador. jogou a cabeça para trás, ainda rindo, enquanto eu me apoiava na mesa, tentando recuperar o fôlego, mas falhando miseravelmente.
— "Estou ocupada"? — zombei, rindo ainda mais. — Isso é o melhor que você conseguiu pensar? — Ela me deu um leve tapa no ombro, mas o sorriso largo continuava em seu rosto.
— E você queria que eu dissesse o quê? "Desculpe, Jane, estamos aqui quebrando todas as regras da empresa em cima da minha mesa"?
— Seria honesto. — Respondi, arqueando uma sobrancelha, o riso diminuindo para um sorriso travesso.
Eu encostei minha testa na dela, ainda rindo baixinho, tentando recuperar o fôlego.
— Cale a boca, . — Repetiu, a voz entre um suspiro risonho e uma falsa tentativa de ser autoritária. — Você também estava aqui, lembra? Não me venha com esse ar de superioridade.
Eu dei uma risada curta, incapaz de resistir à provocação.
— Ah, eu? Eu estava só… ajudando a chefe com tarefas administrativas. Muito profissional, diga-se de passagem.
Ela balançou a cabeça, o sorriso crescendo novamente, e então puxou minha gravata de novo, com um movimento rápido e decidido, me trazendo para mais perto até que nossos narizes quase se tocassem.
— Então cala a boca e continue sendo profissional, Sr. Secretário. — murmurou, os lábios roçando nos meus enquanto falava.
O riso morreu em um suspiro compartilhado, e, dessa vez, foi ela quem tomou a iniciativa. O beijo ainda era carregado de desejo, mas com uma suavidade nova, como se o riso tivesse diluído um pouco da tensão. Nossos sorrisos ainda estavam ali, escondidos entre os lábios que se encontravam repetidamente, em beijos interrompidos por pequenas risadas e olhares cúmplices.
Eu deslizei as mãos por sua cintura, sentindo o calor da pele sob o tecido fino da blusa dela, enquanto ela entrelaçava os dedos no meu cabelo, puxando levemente, um gesto que parecia tanto um convite quanto uma provocação.
Quando finalmente nos afastamos, ambos ofegantes e ainda com sorrisos nos rostos, fiquei parado por um momento, olhando para ela, tentando gravar aquele instante na memória — o riso, o brilho nos olhos dela, a maneira como seus lábios estavam levemente inchados pelos beijos.
— Acho que agora você realmente está ocupada. — sussurrei, com um sorriso torto. Ela revirou os olhos, mas não conseguiu conter o riso que escapou de novo.
— Idiota. — disse ela, mas a palavra soou mais como um apelido carinhoso do que uma ofensa.
Eu sorri de volta, sabendo que, naquele momento, estávamos exatamente onde queríamos estar — perdidos um no outro, entre beijos, risos e o caos que só nós dois sabíamos criar.
— Achei que você tivesse prova essa semana. — joguei minha mochila num canto, já tirando os sapatos. Ela levantou os olhos, ajeitando os óculos no rosto.
— Tenho. Amanhã. — respondeu, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— E tá assistindo a dorama por quê?
— Prova de bioquímica. Eu já aceitei que vou morrer mesmo. — Sorri de canto e me joguei no sofá ao lado dela, pegando um punhado da pipoca.
— Você está exagerando. Você é inteligente demais pra morrer por causa de bioquímica.
— Ai, obrigada pelo incentivo, irmão. — Ela riu e bateu levemente no meu braço. — Mas enfim, não era sobre isso que eu queria falar com você. — Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo.
— Lá vem.
— É sério, . É sobre o Marcos.
Abri os olhos e me virei para encará-la. Só de ouvir o nome dele, minha desconfiança se acendeu de novo.
— O que que ele fez? — Ela bufou.
— Nada. Quer dizer, é exatamente isso. Nada. A gente sai, conversa o tempo todo, ele é carinhoso, atencioso, mas... sei lá. Nunca diz o que sente. E eu já tentei puxar o assunto, mas ele sempre desconversa ou muda de assunto com uma piadinha idiota. Tá me deixando doida.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, observando o jeito como ela franzia a testa, o olhar perdido. Clara sempre foi de sentimentos profundos e expressões intensas. Quando ela gostava de alguém, era com o coração todo.
— E você tá gostando dele? — Ela hesitou só um instante, mas depois assentiu, com um meio sorriso tímido.
— Tô. Mais do que eu queria admitir, pra ser honesta. — Ela largou a tigela de pipoca no sofá e cruzou as pernas, apoiando o queixo nas mãos. — E eu pensei... talvez você, sendo homem, pudesse me dar uma visão masculina da coisa. Vai que esse comportamento todo é algum código secreto que eu não tô entendendo.
Ri baixo.
— Clara, se até hoje eu não entendo metade das mulheres, imagina tentar decifrar os caras. Mas, ó... às vezes o problema não é que ele não gosta de você. Pode ser que ele só esteja com medo de dizer. Ou não saiba como. Tem gente que é assim — enrola, trava, não sabe demonstrar. Mas... se ele continuar fugindo, talvez seja o caso de você perguntar de novo. De um jeito direto.
Ela me olhou, pensativa.
— E se ele disser que não quer nada sério? — Dei de ombros.
— Aí você vai sofrer, vai chorar, vai reclamar pra mim por uma semana inteira, e depois vai seguir em frente. Porque você é forte, Clara. Muito mais do que imagina. — Ela sorriu de lado e encostou a cabeça no meu ombro.
— Obrigada, irmão mais velho que às vezes presta.
— Sempre presto. Só que você é que não valoriza. — rebati, empurrando levemente a testa dela com os dedos.
Ela riu, e o som foi leve, confortável. Um som de casa. Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas ouvindo o som distante da TV e o calor tranquilo da presença um do outro.
— Sabe... às vezes eu acho que, mesmo quando tudo parece meio caótico, a gente ainda se encontra aqui. Nesse sofá velho, dividindo pipoca. — ela murmurou, quase num pensamento em voz alta.
— A vida muda, Clara. Mas isso aqui? — apontei entre nós dois. — Não muda nunca. — Ela assentiu, abrindo um sorriso pequeno, mas sincero.
— Que bom.
E ali, naquele instante simples e cotidiano, eu soube: por mais que o mundo lá fora enlouquecesse, a gente sempre teria um ao outro.
Na sexta-feira, enquanto organizava os últimos relatórios na minha mesa, ouvi o som distinto dos saltos de ecoando pelo corredor. O ritmo era firme, preciso, como sempre. Mas, por algum motivo, senti um arrepio de expectativa antes mesmo de levantar o olhar.
Quando ergui a cabeça, lá estava ela, parada ao lado da minha mesa, com um pequeno sorriso nos lábios. Não o sorriso afiado e calculado que ela costumava usar em reuniões, mas algo mais contido. Mais genuíno.
— , tenho um convite para você. — Sua voz era firme, segura. Mas havia algo ali, um tom diferente, algo que fez meu coração acelerar de imediato.
— Um convite? — perguntei, tentando manter a compostura enquanto ela cruzava os braços, observando-me com aquela intensidade característica.
— Sim. Um jantar. Hoje à noite. Só nós dois. — Ela fez uma pausa, como se ponderasse antes de continuar, escolhendo as palavras com cuidado. — Para ser honesta, estou com uma vontade enorme de comer comida coreana de um restaurante no Bom Retiro. Não quero ir sozinha.
Franca. Direta. Rara. Essa era uma faceta dela que eu via pouco e, exatamente por isso, me pegou desprevenido.
— Ah, entendi. — Respondi, tentando disfarçar o quão desconcertado aquilo me deixava. — Comida coreana? E por que eu? — arqueei uma sobrancelha, deixando um sorriso provocador escapar.
não vacilou.
— É um lugar afastado, discreto. Sem risco de… complicações. — Ela desconversou com elegância, desviando o olhar por um instante antes de voltar a me encarar. — E, além disso, sei que você gosta de comida coreana, . Achei que fosse uma boa companhia.
Engoli em seco, sentindo a tensão pairar entre nós. Ela nunca fazia convites casuais. Nunca se permitia algo que saísse do roteiro rígido que impunha a si mesma. Mas ali estava ela, quebrando suas próprias regras.
— Claro. Que horas? — Minha resposta saiu rápido demais, mas eu já estava perdido.
Um fantasma de satisfação brilhou nos olhos dela antes de responder:
— Oito horas. Te envio o endereço.
Ela me lançou um último olhar avaliador antes de se virar e sair, seus saltos ecoando mais uma vez pelo corredor.
Fiquei ali, observando-a se afastar, ainda tentando processar o que tinha acabado de acontecer. Algo me dizia que aquela noite seria diferente. Que aquilo não era apenas sobre comida coreana.
Na presença de , eu me sentia um garoto de 10 anos tentando parecer adulto. O controle que aquela mulher tinha sobre mim era insano.
Passei o restante da tarde nervoso, tentando conter a avalanche de pensamentos sobre o convite. Cada vez que tentava me convencer de que era só um jantar casual, a voz de ecoava na minha mente, e meu coração acelerava de novo.
Assim que cheguei em casa, Clara, como sempre perceptiva, não demorou a notar que algo estava diferente.
— Você tá estranho. — Ela me analisou da cabeça aos pés com um olhar afiado, os braços cruzados. — O que aconteceu?
Fingi me concentrar na escolha de uma camisa no armário.
— Nada. Só… um jantar de trabalho.
Minha resposta saiu rápido demais. Clara arqueou uma sobrancelha, nada convencida.
— . — O tom dela era puro ceticismo. — Um jantar de trabalho? Tá na cara que você está mentindo. Me conta a verdade. É com a , né? — Suspirei, derrotado. Tentar enganar minha irmã era perda de tempo.
— Sim, é com a . Ela me convidou pra jantar num restaurante afastado no Bom Retiro. Disse que estava com vontade de comer comida coreana. — Clara arregalou os olhos, e um sorriso malicioso surgiu no rosto dela.
— Meu Deus, ! Você vai sair pra jantar com ela! Isso é um encontro!
— Não é bem assim — retruquei, mesmo que soasse como uma desculpa patética. — É só um jantar… casual. Pelo menos, é o que parece.
Clara franziu o cenho, seu entusiasmo sendo rapidamente substituído por uma expressão mais séria.
— … você tem certeza que isso é uma boa ideia? — Sua voz agora tinha uma preocupação genuína. — Eu sei que você gosta dela, mas você já parou pra pensar onde isso vai dar? — Desviei o olhar, tentando ignorar o aperto repentino no peito.
— Eu sei que não é simples — admiti. — Mas também não posso fingir que nada está acontecendo. — Ela suspirou, balançando a cabeça.
— Eu só não quero ver você se machucar. não é uma mulher qualquer. Ela tem um jeito… complicado. — Soltei um riso curto.
— Você acha que eu não percebi?
Clara suspirou, mas então revirou os olhos e apontou para o meu armário com indignação teatral.
— Tá bom, já que você tá decidido, pelo menos me deixa te ajudar a escolher uma roupa. Você é um desastre nisso.
— Sério? Vai ficar me zoando agora? — resmunguei, cruzando os braços.
— Sim. E você vai me agradecer depois.
Antes que eu pudesse protestar, ela já estava mexendo nas minhas roupas, puxando camisas e jogando algumas opções na cama.
— Essa azul aqui. Fica boa com seu tom de pele. E coloca aquela calça preta que você só usa em ocasiões especiais. Ah, e não exagera no perfume, pelo amor de Deus. — Soltei uma risada curta, pegando as roupas que ela separou.
— Você está mais preocupada do que eu.
— Óbvio! — Ela bufou, cruzando os braços. — Não é todo dia que meu irmão vai a um jantar com uma mulher como . Mas, sério, … toma cuidado. — O tom dela era brincalhão, mas o olhar permanecia preocupado.
— Eu vou ficar bem, Clara.
Ela não pareceu convencida, mas suspirou em rendição.
Depois do banho, vesti as roupas que Clara escolheu e parei em frente ao espelho, ajustando a gola da camisa azul. Meu coração martelava no peito. Uma mistura de ansiedade e expectativa me dominava. nunca fazia nada sem um motivo claro, e a incerteza sobre o que aquele jantar realmente significava só tornava tudo ainda mais eletrizante.
Antes de sair, Clara apareceu na porta do quarto, segurando uma gravata.
— Vai querer usar isso? — perguntou, com um sorriso leve, mas ainda com um resquício de preocupação nos olhos.
— Acho que não. — Ri nervosamente. — Já tá bom assim, né?
Ela se aproximou e ajeitou minha camisa com cuidado, como se fosse um ritual de despedida.
— Tá ótimo. — Seu olhar escaneou meu rosto por um instante antes de suavizar. — Boa sorte, . E, por favor… não faça nenhuma besteira.
— Vou tentar. — Brinquei, mas a verdade era que, quando se tratava de , manter o controle era a coisa mais difícil do mundo.
Saí do apartamento e chamei um uber até o endereço que havia enviado. O restaurante era discreto, com uma fachada elegante e iluminação suave. Um lugar pensado para ser reservado, íntimo.
Assim que entrei, meus olhos a encontraram de imediato.
estava sentada perto da janela, distraída, deslizando os dedos pela borda da taça de vinho. Mas o que realmente me fez prender a respiração foi a forma como o vestido preto delineava seu corpo, a forma como seus cabelos caíam sobre os ombros em cachos soltos, o batom vermelho que parecia chamar minha atenção para algo proibido.
Por um instante, esqueci como respirar.
Quando me aproximei, ela ergueu o olhar e me lançou um pequeno sorriso, claramente percebendo meu desconcerto.
— Pontual. Estou impressionada. — Sua voz veio com um toque de provocação enquanto indicava a cadeira à sua frente.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você. — Tentei soar casual, mas meu olhar a denunciava.
— Sobre mim? — arqueou uma sobrancelha enquanto servia um pouco de vinho na minha taça. — E o que exatamente te impressionou?
Abaixei o olhar para o vinho por um instante antes de encará-la novamente.
— Acho que você sabe.
Um brilho divertido dançou em seus olhos antes que ela levasse a taça aos lábios.
Durante o jantar, o jogo de provocações foi constante. tocava minha mão sutilmente, deixava a voz baixar quando dizia algo mais íntimo, sustentava meu olhar um pouco além do necessário. Pequenos gestos que diziam mais do que qualquer palavra.
— Você sempre foi tão reservado assim? — perguntou, deslizando os dedos pela borda da taça de vinho. Sua expressão era casual, mas os olhos estavam atentos, analisando cada nuance da minha reação.
— Talvez. Ou talvez você seja muito boa em me deixar sem palavras.
— Sem palavras? Isso não combina com você, . — Ela se inclinou ligeiramente para frente, o brilho provocativo em seus olhos se intensificando. — Achei que você fosse melhor em lidar com situações inesperadas.
Abaixei a taça, deixando-a na mesa.
— Digamos que você é um tipo diferente de desafio. — O canto dos lábios dela se ergueu, e a satisfação ali era evidente.
— Gosto de desafios. — ergueu a taça ligeiramente. — Ao inesperado, então.
— Ao inesperado. — Toquei minha taça na dela, mantendo meu olhar preso ao seu.
O silêncio se instalou entre nós por um instante, e deslizou os dedos pelo pé da taça, um gesto pensativo. Sua expressão mudou, como se estivesse decidindo até onde queria levar aquilo.
— Por que você me convidou para este jantar, ? — perguntei, minha voz baixa, mas firme. — O que exatamente você quer de mim?
Por um breve momento, ela pareceu hesitar. Seus olhos me analisaram com uma intensidade que me fez prender a respiração.
— Eu terminei com minha ficante. — Confessei. Meu peito apertou. — Porque tudo o que consigo pensar é em você.
As palavras saíram antes que eu pudesse segurá-las. Era algo que vinha me consumindo há dias, e não havia mais espaço para fingimentos. ficou em silêncio, e eu continuei:
— Não era justo com ela. Não quando eu... — Engoli em seco. Ela se inclinou um pouco mais, seu rosto iluminado pela luz suave do restaurante.
— Não quando você o quê, ?
A pergunta veio como um desafio sussurrado. Minha respiração ficou presa na garganta antes que eu finalmente soltasse:
— Não quando tudo o que quero é você. Não consigo tirar você da minha cabeça, . E, francamente, está me deixando louco.
Ela sorriu, mas não era um sorriso de triunfo. Era pequeno, carregado de algo mais profundo.
— Eu sei o que é isso.
O olhar dela se desviou momentaneamente antes de voltar para mim, agora mais vulnerável.
— Porque eu também só penso em você. E, por mais complicado que seja, você é tudo o que eu tenho agora.
A confissão me atingiu como um impacto silencioso. O que quer que estivesse acontecendo entre nós não era apenas um jogo. Havia algo mais ali, algo que nem ela parecia pronta para admitir completamente.
— Isso vai nos destruir, . — Murmurei, mas minha mão já havia encontrado a dela sobre a mesa. O toque era leve, mas carregado de intenções. Ela não recuou. Pelo contrário, apertou de leve meus dedos entre os seus antes de responder:
— Talvez.
E então, como se estivesse provando para si mesma que aquilo era real, ela se inclinou para frente e me beijou.
O contato foi intenso desde o início. Um misto de saudade e desejo acumulado. Um beijo que dissolvia qualquer hesitação, qualquer incerteza.
O mundo ao nosso redor desapareceu.
Quando nos afastamos, nossos rostos ainda estavam próximos, respirações entrelaçadas. pegou sua taça, levando-a aos lábios com um olhar que ainda ardia.
— Sabia que você fica ainda mais interessante quando tenta esconder o que está pensando? — Engoli em seco, mantendo o olhar preso ao dela.
— E o que exatamente eu estou pensando, Srta. ? — Ela sorriu, mordendo de leve o lábio inferior.
— Algo que seria inapropriado discutir aqui.
A tensão entre nós se intensificou. O jantar não importava mais. Nem o vinho, nem o restaurante.
Quando saímos, o ar da noite não foi suficiente para esfriar o que estava queimando dentro de nós.
Antes que eu pudesse pensar, puxei para um beijo ali mesmo, sob a luz suave da entrada do restaurante. Ela não hesitou. Suas mãos se prenderam aos meus cabelos, aprofundando o contato.
No caminho para o carro, nossos toques e beijos não diminuíram. Pelo contrário. A cada instante, a necessidade de mais se tornava insuportável. Quando entramos no carro, me lançou um olhar carregado de intenção.
— Não consigo esperar mais.
A voz dela saiu rouca, urgente.
O motor do carro ainda vibrava suavemente sob nós, mas nada além da respiração acelerada de e dos meus próprios batimentos descompassados importava.
Ela estava no meu colo, o vestido subindo lentamente enquanto suas mãos seguravam meu rosto, como se quisesse me sentir por inteiro naquele momento. Nossos olhos se encontraram, e algo dentro de mim se apertou. Havia um brilho diferente no olhar dela — não era apenas desejo. Era algo mais. Algo que me prendia ali de uma forma que eu não sabia explicar.
Eu a puxei para mais perto, nossas bocas se encontrando novamente, mas dessa vez, sem pressa. O beijo era lento, profundo, como se estivéssemos tentando gravar aquele momento um no outro. Suas mãos deslizavam pela minha nuca, puxando levemente meus cabelos, e eu deslizei as mãos pela curva de suas costas, sentindo a pele quente sob meus dedos.
A cabine do carro era pequena demais para conter tudo o que sentíamos.
suspirou contra minha boca quando minhas mãos exploraram suas coxas, subindo devagar, traçando o caminho até a barra do vestido que já estava erguido. O tecido escorregava suavemente entre nós, e eu aproveitei o espaço limitado para deslizar beijos pelo seu pescoço, sentindo-a se arrepiar sob meu toque.
— Você me deixa louca… — Ela murmurou contra a minha pele, fechando os olhos por um instante.
Eu sorri, puxando-a mais para mim, os dedos traçando círculos lentos em sua pele exposta.
— Isso é bom ou ruim?
abriu os olhos, e o que vi ali me tirou o fôlego. Não era apenas luxúria. Era entrega.
— Acho que estou começando a gostar de me perder com você.
O peso das palavras dela me atingiu de um jeito que eu não esperava. Ela estava se despindo para mim de um jeito que ia muito além das roupas.
Minhas mãos deslizaram pelo seu corpo, cada toque carregado de intenção e cuidado. Queria sentir cada parte dela, cada suspiro, cada pequeno arrepio. segurou minha camisa e a puxou com delicadeza, passando as mãos pelo meu peito nu, os olhos passeando lentamente pelo meu corpo.
— Eu gosto de te olhar assim… — Ela confessou, quase como se estivesse admitindo para si mesma.
Eu levei uma das mãos ao rosto dela, os dedos deslizando pela sua bochecha antes de capturar seus lábios novamente. A forma como ela se moveu contra mim fez com que eu soltasse um gemido baixo, o desejo e a ternura se misturando de forma perfeita.
No espaço apertado do carro, cada toque parecia mais intenso, cada movimento mais significativo. Eu a ajudei a se livrar da última peça de roupa, sentindo sua pele quente se pressionar contra a minha.
me guiou, seus quadris roçando contra os meus em uma provocação suave, mas sem pressa.
Dessa vez, não era sobre pressa.
Era sobre sentir.
Mas antes que qualquer um de nós desse o próximo passo, puxei a carteira do bolso da calça, encontrando uma camisinha.
observou em silêncio enquanto eu rasgava o pacote e a deslizava sobre meu pau com dedos ágeis. Ela mordeu o lábio inferior, os olhos fixos no meu, como se estivesse memorizando cada detalhe do momento.
Quando terminei, se inclinou, segurando meu rosto entre as mãos antes de sussurrar:
— Agora sim.
Eu deslizei as mãos lentamente por suas costas nuas, sentindo cada arrepio que percorria sua pele sob meu toque. arqueou levemente o corpo contra mim, a respiração entrecortada roçando minha boca. Minhas mãos se firmaram em sua cintura, guiando seus movimentos com cuidado, como se estivéssemos esculpindo aquele momento no tempo.
Seus olhos, escuros e intensos, estavam cravados nos meus quando ela começou a descer sobre mim, seu corpo se moldando ao meu com uma precisão quase dolorosa. Um gemido escapou de seus lábios quando sentiu cada centímetro do meu pau preenchê-la, e eu fechei os olhos por um instante, lutando para conter a onda de prazer que percorreu minha espinha.
Era quente, apertado, um encaixe perfeito que me fez soltar um suspiro trêmulo contra sua pele.
jogou a cabeça para trás por um momento, os lábios entreabertos em um suspiro longo enquanto seu corpo se acostumava ao meu. Meu olhar percorreu cada detalhe: a forma como seu peito subia e descia lentamente, a forma como seus dedos apertavam levemente meus ombros, como se buscasse ancorar-se em mim.
— Meu Deus, … — Ela sussurrou, a voz arrastada pelo prazer.
Segurei seu rosto com uma das mãos, puxando-a de volta para mim, nossos lábios se encontrando em um beijo lento e profundo, enquanto ela começava a se mover, experimentando o ritmo, a intensidade.
Cada deslizar de seu corpo contra o meu era uma provocação, uma promessa silenciosa de que não havia mais barreiras entre nós.
Eu deslizei a boca até seu pescoço, sentindo o gosto quente de sua pele, enquanto minhas mãos exploravam cada curva, cada ponto sensível que a fazia gemer contra mim.
Ela se moveu lentamente no início, como se quisesse prolongar o momento, absorver cada sensação. Seu quadril girava contra o meu em um ritmo suave, quase torturante, fazendo o prazer se acumular lentamente, criando uma tensão deliciosa entre nós.
Eu a segurei mais forte, minha boca deslizando até seu ombro enquanto minha outra mão descia até sua coxa, apertando-a levemente.
encontrou meu olhar novamente, um brilho intenso em seus olhos.
— Assim… — Ela sussurrou, segurando meu rosto com ambas as mãos, como se quisesse me manter ali, preso naquele momento com ela.
Eu nunca me senti tão conectado a alguém assim.
E, pela forma como ela me olhava, como seu corpo se moldava ao meu, como ela me segurava com uma necessidade quase desesperada, eu sabia que ela sentia o mesmo.
Nossos olhos se encontraram, e naquele momento, nada mais importava.
me beijou, e foi um beijo diferente de todos os outros. Profundo, íntimo, como se quisesse me deixar ali, preso naquele instante, para sempre.
— … — Ela sussurrou, e eu senti que poderia passar a vida inteira ouvindo meu nome em sua boca daquele jeito.
Meus lábios encontraram os dela novamente, abafando qualquer outro som que pudesse existir. O carro balançava levemente com nossos movimentos, a janela já completamente embaçada, mas nada disso importava. O tempo parecia suspenso, o mundo reduzido àquele pequeno espaço onde só existíamos nós dois.
Os movimentos se intensificaram gradualmente, o ritmo entre nós se tornando mais urgente, mais desesperado. agarrou meus ombros com força, as unhas cravando-se levemente na minha pele enquanto seu corpo estremecia contra o meu. Seus olhos, que antes me encaravam com desejo e desafio, agora estavam cerrados, a boca entreaberta soltando pequenos gemidos roucos que ecoavam no espaço apertado do carro.
Cada estocada era uma súplica silenciosa, cada toque um pedido para que aquele momento se estendesse um pouco mais. Minhas mãos firmaram-se em sua cintura, guiando seus movimentos, querendo senti-la por completo, querendo gravar cada detalhe dela em mim.
— Eu estou perto… — Ela sussurrou contra minha boca, sua voz trêmula, carregada de prazer e urgência.
O jeito que ela disse aquilo, quase como uma confissão involuntária, me atingiu direto no peito.
Eu a segurei mais forte, fazendo questão de prolongar aquele momento o máximo possível, mas sabendo que estávamos ambos à beira do climax. moveu-se contra mim, buscando aquele ápice, e eu a acompanhei, os corpos se encaixando em um ritmo perfeito, como se soubéssemos exatamente o que o outro precisava sem precisar dizer nada.
Então, finalmente, ela cedeu.
Seu corpo arqueou contra o meu, suas unhas apertaram meus braços com mais força, e seu nome escapou dos meus lábios como uma prece.
gemeu meu nome de um jeito que me destruiu e me refez ao mesmo tempo, e isso foi tudo o que precisei para me perder junto com ela.
Um último impulso, profundo, intenso, e então tudo se dissolveu em puro êxtase.
O ar no carro estava pesado, nossas respirações ofegantes misturavam-se no silêncio que veio depois. Meu peito subia e descia rapidamente, sentindo o peso delicioso do corpo dela ainda colado ao meu.
repousou a testa contra a minha, e um pequeno sorriso se formou em seus lábios, como se estivesse tentando processar tudo o que acabara de acontecer.
— Eu nunca fiz isso assim antes… — Ela murmurou, a voz baixa, quase como se estivesse admitindo algo para si mesma.
Eu passei os dedos pelos seus cabelos úmidos, afastando algumas mechas de seu rosto, sem conseguir evitar um sorriso em resposta.
— Eu também não.
Ela me olhou nos olhos, e naquele instante, senti algo diferente.
Algo intenso.
Algo que me fez querer segurá-la para sempre, mas não era o tipo de mulher que se deixava segurar.
E, mesmo assim, ali estávamos.
Conectados.
Irrevogavelmente.
Os dias que se seguiram foram como um sonho — intenso, viciante e perigoso. Nosso relacionamento secreto florescia em gestos roubados e encontros clandestinos, cada vez mais íntimos. O escritório se tornara um tabuleiro de xadrez onde cada olhar sustentado, cada toque discreto, era um movimento calculado para manter nosso jogo longe dos olhares curiosos.
Mensagens trocadas durante o expediente, sorrisos disfarçados em meio a reuniões, noites passadas na casa dela, onde a formalidade se despia junto com nossas roupas. Era como se tivéssemos criado uma bolha, um universo só nosso, onde o tempo desacelerava e o mundo lá fora não existia.
Mas, por mais que eu me deixasse levar, a realidade sempre encontrava um jeito de se infiltrar.
— Você não acha que estamos nos arriscando demais? — perguntei uma noite, enquanto estávamos deitados no sofá da casa dela, a luz baixa do abajur lançando sombras suaves pelo ambiente.
, que traçava distraidamente padrões na palma da minha mão, apenas sorriu. Mas o brilho em seus olhos não era só diversão. Havia algo mais ali. Algo tenso, contido.
— Eu prefiro não pensar nisso, . — Sua voz saiu baixa, quase um sussurro. — Prefiro focar no agora.
Ela se inclinou para me beijar, seus lábios macios pressionando os meus, tentando silenciar qualquer protesto antes mesmo que ele tomasse forma, mas a dúvida persistia dentro de mim.
— E se alguém descobrir? — murmurei contra seus lábios assim que o beijo terminou, minha voz mais suave, mas ainda carregada de preocupação.
respirou fundo e abriu os olhos, seus dedos deslizando até minha nuca, como se quisesse me manter ali, ancorado a ela.
— Não vão. — Ela disse com firmeza, seu olhar prendendo o meu. — Eu me certifico disso.
O silêncio entre nós ficou denso, carregado de significados que nenhum dos dois ousava verbalizar.
— Eu não vou deixar nada interferir nisso… em nós.
O jeito como ela disse aquilo, com tanta convicção, mas com um vestígio de vulnerabilidade que ela tentava esconder, só tornava tudo ainda mais complicado. E, apesar dos meus receios, apesar do risco, eu não conseguia resistir ao que sentíamos.
Talvez porque, no fundo, assim como ela, eu também não queria que aquilo acabasse.
Mas meus pensamentos não estavam errados. Cada vez que eu olhava para ela, sentia a euforia e o medo se misturarem, como se estivéssemos pisando em um campo minado. Eu sabia que estávamos nos arriscando demais, e a realidade não demorou a nos atingir com toda a força. Tudo desmoronou antes mesmo que pudéssemos perceber o que havíamos construído.
Na quinta-feira, quando cheguei ao escritório, o burburinho já tinha começado. Uma foto de e de mim no estacionamento, entrando juntos no carro dela tarde da noite, havia vazado. Alguém do escritório espalhou a imagem. Não era exatamente comprometedora, mas sugeria o suficiente para alimentar especulações — e no ambiente em que trabalhávamos, bastava uma faísca para acender um incêndio.
No corredor, enquanto me dirigia para a reunião matinal, ouvi vozes vindas da sala de conferências. O tom sério e abafado me fez hesitar antes de entrar. Fiquei parado do lado de fora, próximo à porta entreaberta, quando reconheci a voz de um dos diretores.
— Srta. , sobre essa foto que está circulando… — O homem falou, o tom carregado de curiosidade e algo mais, julgamento, talvez.
Meu corpo enrijeceu.
— Não há nada a discutir. — A voz de cortou a conversa de maneira afiada, carregada de frieza e certeza.
Pela fresta da porta, vi sua postura impecável, irradiando autoridade, como sempre fazia quando estava no controle absoluto de uma situação. Mas então veio o golpe.
— A ideia de que eu estaria envolvida com um funcionário é absurda. Nunca faria algo assim. Até parece que não me conhece. Trabalhamos até tarde, eu lhe dei uma carona até sua casa, e foi só isso!
As palavras dela me atingiram como um soco no estômago.
Cada sílaba ecoava na minha mente como um trovão. A negação dela não era apenas sobre esconder nosso relacionamento — era sobre apagar completamente o que compartilhávamos.
Meu peito se apertou, a raiva e a decepção se acumulando de maneira sufocante. Me afastei lentamente, tomando cuidado para que ninguém me visse. Meu coração martelava forte, a respiração rasa.
Ela realmente acreditava que poderia jogar fora o que tínhamos com algumas palavras bem ensaiadas?
Respirei fundo, ajustei a gravata e forcei minha expressão a se tornar impassível. O coração ainda martelava no peito, a raiva borbulhando sob minha pele, mas eu não podia demonstrar nada. Se queria manter as aparências, eu lhe daria exatamente isso.
Com passos firmes, empurrei a porta da sala de reuniões e entrei. O burburinho cessou por um instante quando os olhares se voltaram para mim, mas logo voltaram às telas de seus computadores ou às anotações nas pastas.
estava sentada à cabeceira da mesa, a postura impecável, os dedos cruzados sobre a mesa como se nada tivesse acontecido. Seu olhar encontrou o meu por um segundo, e juro que vi um leve vacilo em sua expressão antes de ela recuperar sua máscara de indiferença.
— , sente-se. Precisamos revisar o relatório do próximo trimestre antes da apresentação ao conselho. — Sua voz era firme, sem vestígio de qualquer emoção.
— Claro, Srta. . — Minha resposta foi cortante, carregada de profissionalismo.
Puxei a cadeira ao lado de um dos analistas e abri minha pasta, folheando os documentos sem realmente enxergá-los. Minha mente ainda estava ecoando cada palavra que dissera momentos atrás.
"Nunca faria algo assim."
Cada vez que eu pensava nisso, sentia uma nova onda de frustração crescer dentro de mim.
Mas mantive a compostura.
Os minutos se arrastaram enquanto discutíamos números, projeções e estratégias. falava com segurança, respondia questionamentos, fazia observações precisas. Qualquer pessoa de fora diria que nada havia de errado.
Mas eu via.
O modo como ela evitava olhar diretamente para mim. O leve toque de impaciência quando revirava as páginas do relatório. A tensão na linha de seus ombros.
Ela sabia que eu tinha ouvido?
Quando a reunião terminou, os diretores começaram a se dispersar, e eu fechei minha pasta, me preparando para sair, mas antes que eu pudesse alcançar a porta, a voz de me chamou.
— , preciso falar com você.
Parei por um segundo, meus dedos apertando a alça da pasta com mais força do que o necessário. Virei-me, mantendo a mesma expressão neutra que tinha sustentado durante toda a reunião.
— Claro, Srta. .
Os poucos funcionários que ainda estavam na sala trocaram olhares rápidos antes de saírem, deixando apenas nós dois ali. O silêncio se estendeu por um instante enquanto se levantava da cadeira, ajeitando o blazer.
— Sobre a apresentação da próxima semana… — começou, mas parou, um suspiro escapando de seus lábios.
Esperei, os olhos fixos nela, sem me permitir demonstrar qualquer fraqueza. Ela hesitou antes de continuar, como se escolhesse cuidadosamente suas palavras.
— Eu preciso que você esteja totalmente focado. Sei que… algumas coisas podem estar causando distrações, mas quero garantir que isso não afete nosso trabalho.
Ah. Então era isso.
Queria fingir que nada havia acontecido. Assenti, forçando um pequeno sorriso frio.
— Não se preocupe. Sou profissional, Srta. . O trabalho sempre vem em primeiro lugar.
sustentou meu olhar por um instante a mais, como se buscasse algo em minha expressão. Mas eu não daria a ela nada.
Ela quis um distanciamento? Pois bem.
— Ótimo. — Sua voz soou mais baixa do que antes, quase relutante.
Virei-me e saí da sala sem olhar para trás.
Se queria seguir em frente como se fôssemos apenas chefe e funcionário, eu faria exatamente isso.
Mesmo que, por dentro, cada parte de mim gritasse o contrário.
Fui para casa de modo automático, assim como passei o dia inteiro. As luzes da cidade passavam borradas pelo vidro do ônibus, mas eu mal enxergava qualquer coisa além do nó que se formava na minha garganta. Meu peito estava apertado, um peso sufocante que eu tentava ignorar. Mas era inútil.
"Nunca faria algo assim."
As palavras de ecoavam na minha mente como um disco arranhado.
Ela não me viu ali. Não sabia que eu tinha ouvido, mas nada disso importava. O que importava era o que ela disse.
Cheguei em casa e fechei a porta com um pouco mais de força do que o necessário. Clara estava no sofá, com uma tigela de miojo no colo e o celular na mão, provavelmente assistindo a alguma série. Quando ergui o olhar para ela, já a encontrei me encarando com a testa franzida.
— ? Que cara é essa?
— Nada. — Soltei a chave sobre o balcão e comecei a revirar os armários, fingindo que procurava alguma coisa para comer.
Mas Clara não era burra.
— … — Sua voz carregava a impaciência de quem já estava acostumada com minhas desculpas esfarrapadas.Ela largou o celular e a tigela e veio até a cozinha, cruzando os braços.
— Para de fingir que tá tudo bem. Eu te conheço, e essa sua cara de "não aconteceu nada" grita que aconteceu alguma coisa.
Fechei os olhos por um instante, soltando um suspiro pesado.
— Eu ouvi dizer que nunca se envolveria com um funcionário. — Clara piscou, surpresa.
— O quê?
— Ela não sabia que eu estava lá. Mas eu ouvi. Ela disse que a ideia de estar envolvida com um funcionário era absurda. Como se… como se nunca tivesse acontecido nada entre a gente. Como se fosse ridículo alguém sequer pensar nisso.
Minha voz saiu mais amarga do que eu pretendia. Clara ficou em silêncio por um momento, seu olhar suavizando enquanto absorvia minhas palavras.
— …
Ri sem humor, passando as mãos pelo rosto, tentando conter a onda sufocante que se acumulava no meu peito.
— O pior é que eu queria só ficar puto, sabe? Eu queria que fosse só raiva. Mas não é.
Ela me analisou por um instante, inclinando a cabeça de lado, como se tentasse me decifrar.
— O que você está sentindo? — Engoli em seco, desviando o olhar.
— Eu tô completamente apaixonado por ela, Clara.
Dizer aquilo em voz alta tornou tudo ainda mais real. E então, sem aviso, senti meus olhos arderem. Clara descruzou os braços, seu rosto ganhando uma expressão séria, mas carinhosa.
— … — Virei o rosto, tentando respirar fundo, segurando aquilo.
— Eu não quero chorar.
— Mas você precisa. — Soltei um riso curto, trêmulo.
— Desde quando você virou a irmã mais velha?
— Desde que meu irmão idiota tá fingindo que não tá quebrado por dentro.
Ela deu um passo à frente e, antes que eu pudesse impedi-la, passou os braços ao meu redor, me abraçando apertado.
E eu desmoronei.
No início, foram apenas lágrimas silenciosas, mas logo se tornaram soluços pesados, sem controle. Clara não disse nada. Apenas ficou ali, me segurando enquanto eu finalmente deixava tudo sair.
Depois de um tempo, me afastei um pouco, limpando o rosto com as costas da mão.
— Eu tenho orgulho, Clara. Eu não vou mais correr atrás dela. Pra mim qualquer coisa que a gente tenha acabou! — Ela assentiu, sem soltar meu ombro.
— Eu sei que não vai. — Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ela suspirou. — Mas isso não significa que não dói.
Infelizmente, ela estava certa.
Se ela queria distância, eu a daria.
Na terça-feira, precisei entrar na sala dela para entregar os últimos relatórios da semana. Bati na porta com dois toques secos.
— Pode deixar aí. — disse ela, sem levantar os olhos do monitor.
Caminhei até a mesa, largando a pasta com mais força do que o necessário. Já estava de costas para sair quando a voz dela me alcançou novamente.
— , não esqueça de confirmar com a Fran o horário da próxima reunião com a Rafa Kalimann. Preciso disso organizado até amanhã cedo.
— Já está na minha lista. — respondi, sem encará-la.
Por alguns segundos, tudo o que ouvi foi o clique suave do teclado. Até que ela falou de novo, mais devagar dessa vez:
— Você está bem? — Parei no meio do passo, de costas para ela. Respirei fundo.
— Tô sim. — menti, a voz saindo seca, sem emoção.
— Você... não respondeu minha mensagem ontem. Nem falou nada sobre ir lá em casa hoje. — Virei apenas o suficiente para lançar um olhar breve por cima do ombro.
— Tenho uns compromissos hoje. Coisa de família.
Ela franziu o cenho, abrindo a boca para dizer algo, mas não dei chance. Virei novamente e saí, a porta se fechando atrás de mim com um clique firme.
Não olhei para trás. Não queria ver a expressão dela. Não queria que ela visse a minha.
O silêncio que deixei para trás dizia tudo o que eu não tinha coragem de admitir.
Naquela mesma tarde, decidi que já tinha me anulado o suficiente. Peguei o elevador até o quarto andar — onde ficava o setor de Planejamento Interno, meu antigo time.
Aquela parte da empresa sempre foi mais agitada, com conversas atravessando as baias e o som dos teclados competindo com playlists aleatórias em fones de ouvido. Era um caos organizado… mas era meu caos.
Assim que entrei, Júlia — que trabalhava ali desde os meus primeiros meses na empresa — levantou os olhos da tela e abriu um sorriso largo.
— ?! Olha só quem resolveu lembrar que tem origem humilde! Pensei que já tinha sido corrompido pelos andares de cima.
— Impossível — respondi, forçando um sorriso de volta. — Só andei... ocupado.
— Ocupado demais pra passar no nosso café? — completou Felipe, do outro lado da baia, girando na cadeira com uma caneca nas mãos. — Aposto que a CEO te mantém acorrentado à mesa.
— Ela não precisa de correntes — emendou Beatriz, fingindo um tom dramático. — Um olhar da e até o ar para de circular. A mulher é um monólito.
— Gente... — murmurei, com um meio sorriso escapando antes que eu conseguisse conter. — Vocês continuam exagerados.
— Exagerados nada — disse Júlia, rindo. — A gente só tá tentando entender como você ainda anda com as próprias pernas depois de tanto tempo ali.
— Deve ser por isso que ele sumiu — provocou Felipe. — Tá traumatizado demais pra encarar a gente.
— Confessa, — Beatriz apoiou o queixo nas mãos. — Você piscou, ela te colocou pra organizar os arquivos de 2010, não foi?
— Por incrível que pareça... ainda não. — respondi, dando uma risada curta.
— E mesmo assim quer voltar, né? — Júlia arqueou a sobrancelha. — Só pode ser saudade do caos organizado daqui.
— Mais do que vocês imaginam. — respondi, e o sorriso que escapou dessa vez foi sincero.
Depois de trocar algumas piadas com o pessoal e sentir por alguns minutos o conforto de um lugar onde tudo era mais leve, segui pelo corredor até a salinha de vidro onde Rodrigo — meu antigo chefe — ficava. Bati duas vezes com os nós dos dedos na porta entreaberta.
— Posso? — Ele levantou os olhos do computador e abriu um sorriso genuíno.
— Olha só quem veio me visitar. Entra aí, .
Fechei a porta atrás de mim, sentindo aquele velho conhecido aperto no estômago. Rodrigo apontou para a cadeira em frente à sua mesa, e eu me sentei, tentando parecer mais tranquilo do que realmente estava.
— Como estão as coisas por lá? — perguntou ele, já com um brilho curioso no olhar. — Sobrevivendo à Srta. ?
— Sobrevivendo é uma palavra generosa — respondi, com um meio sorriso cansado.
Rodrigo soltou uma risada e se recostou na cadeira.
— Confesso que quando soube que você tinha sido redirecionado pra lá, achei que ia durar uma semana. Mas você ficou mais do que eu esperava.
— Fiquei porque... não tinha muita escolha, né? — falei, sem rodeios. — Foi isso ou rua. E, sinceramente, eu precisava do emprego.
O sorriso de Rodrigo desapareceu aos poucos, substituído por uma expressão mais sóbria.
— Eu sei. Foi uma situação difícil, . Você sabe que, se dependesse de mim, aquilo nunca teria acontecido. Mas os cortes foram exigência da diretoria geral. Tive que seguir a ordem de cima.
— Eu entendi. E não tô aqui pra reclamar disso depois de tanto tempo. — Respirei fundo, ajeitando o corpo na cadeira. — Na verdade, vim pedir uma coisa… queria voltar.
Rodrigo me encarou por alguns segundos, em silêncio. Depois soltou um suspiro lento e se inclinou sobre a mesa, entrelaçando os dedos.
— O setor está se virando, improvisando… mas sua vaga ainda tá oficialmente em aberto. — Ele me analisou por um instante. — Mas por que agora, ? Por que essa pressa pra voltar? O que mudou?
Desviei o olhar por um segundo antes de encará-lo de novo.
— Porque eu não tô mais confortável lá. — falei, sentindo a garganta apertar. — Não tô rendendo como antes, não tô bem. E acho que tá na hora de admitir isso. Eu só quero voltar pra onde eu funcionava. Onde eu me sentia parte de alguma coisa.
Rodrigo assentiu devagar, o rosto mais sério.
— … você sempre foi impecável aqui. Discreto, comprometido, confiável. Nunca precisei me preocupar contigo. E, sendo bem honesto, ainda não encontramos ninguém que fizesse o trabalho com o mesmo cuidado que você fazia.
Um alívio sutil começou a se formar no peito, e tentei não demonstrar demais.
— Eu só… queria conseguir respirar de novo. — confessei num sussurro quase envergonhado.
— Eu entendo. — Rodrigo cruzou os braços, pensativo. — Olha, não vou prometer nada agora, mas vou conversar com o pessoal lá de cima. Se a vaga ainda estiver tecnicamente em aberto — e pelo que eu sei, está — posso tentar te trazer de volta antes. Botar um pouco mais de pressão para que a escolha logo alguém.
Ele me lançou um olhar significativo e completou, meio num tom de provocação:
— Até parece que ela não quer mais te devolver...
Engoli em seco com essa fala. Porque eu sabia bem. Ela não queria me devolver, mas também não queria assumir o que a gente tinha. No fim, era isso: eu era só um brinquedo.
— Obrigado, Rodrigo. De verdade. Obrigado por me ouvir.
Ele soltou um meio sorriso e fez um gesto com a mão, como quem diz “relaxa”.
— Você sempre foi correto comigo, . E se tem uma coisa que aprendi nesse tempo todo… é que gente boa, a gente faz questão de manter por perto. A casa continua aberta pra você. — Assenti, sentindo um nó na garganta.
— Valeu mesmo. Eu só… quero voltar a ser eu.
— Sei. E, olha… foi bom te ver aqui de novo. Mesmo que só por hoje.
Levantei da cadeira. Rodrigo também se levantou, e estendemos as mãos um pro outro. O aperto foi firme, mas carregado de significado. Não era só profissionalismo. Era respeito. Era reconhecimento.
Agora, era esperar.
Voltei para o andar da diretoria com a cabeça cheia e o corpo mais leve do que quando tinha descido. Não era alívio completo, mas era o suficiente pra me manter de pé. A sensação de finalmente ter feito algo por mim, mesmo que pequeno, era estranhamente reconfortante.
O elevador subiu devagar, e quando as portas se abriram, dei de cara com o corredor familiar. O lugar onde eu vinha sobrevivendo nos últimos tempos… e onde, por algum motivo, também tinha me perdido.
Segui direto pra minha mesa. Alguns funcionários me lançaram olhares rápidos, outros nem notaram minha volta. O habitual.
Quando me sentei, puxei o computador e tentei retomar a rotina como se nada tivesse acontecido — como se eu ainda fosse o mesmo de antes. Mas não era. E talvez, finalmente, eu estivesse pronto para aceitar isso.
A porta da sala de estava entreaberta. Não tardou muito para ouvir os passos dela. Precisos, elegantes, como de costume. Ela parou ao lado da minha mesa, e seu perfume chegou antes da voz.
— Preciso de você na sala de reunião em quinze minutos. — disse, como sempre fazia. O tom era neutro, mas o olhar… o olhar demorou um segundo a mais do que deveria.
Levantei os olhos, e os nossos se encontraram. Não desviei.
— Tudo certo. — respondi, calmo. Quase frio. arqueou ligeiramente a sobrancelha, como se analisasse minha resposta.
— Algum problema?
— Não. — falei, voltando a encarar a tela. — Só focado no que preciso entregar.
Ela hesitou, e pude sentir. Como se estivesse prestes a dizer algo mais, mas desistiu na última hora.
— Certo. — disse apenas, mas a voz saiu mais baixa.
Quando ela virou de costas e entrou de volta na sala dela, não consegui evitar o suspiro que me escapou. O que antes era um furacão dentro de mim agora parecia uma brisa tensa, que ameaçava virar tempestade a qualquer momento.
Voltar pro meu setor era uma esperança. Mas até lá… eu ainda teria que conviver com os rastros do que fomos. E talvez, o mais difícil, com a maneira como ela ainda me olhava — como se quisesse entender quando exatamente eu comecei a escorregar pelos dedos dela.
E a resposta era simples: no momento em que percebi que, pra ela, eu era fácil de manter por perto. Difícil era me deixar ir.
A sala de reuniões estava vazia quando entrei. A mesa longa e envernizada brilhava sob a luz branca do teto, e as janelas panorâmicas deixavam a luz do fim da tarde invadir o ambiente. Peguei a pasta com os relatórios e sentei na cadeira de sempre, ao lado do projetor.
chegou segundos depois. Os saltos ecoaram no piso como uma batida ritmada e segura. Ela vestia um blazer preto acinturado, os cabelos presos em um coque impecável. A imagem perfeita da CEO inflexível. Menos os olhos — que traíam um incômodo que ela ainda não sabia disfarçar.
— Os números do segundo trimestre estão prontos? — perguntou sem rodeios, puxando a cadeira à frente da minha.
Assenti, estendendo a planilha impressa.
— Organizei os dados em três blocos: desempenho, retorno e projeção. Também adicionei comentários da equipe de vendas sobre os desafios do mês.
pegou o material, leu as primeiras linhas e, pela primeira vez naquela tarde, me olhou direto nos olhos. O silêncio pairou por dois segundos.
— Você ficou diferente. — disse ela, com uma calma desconcertante. Pisquei, tentando não reagir.
— Estou só tentando me concentrar. — Ela franziu levemente o cenho.
— Concentração nunca foi seu problema, . Você sempre esteve cem por cento aqui. Até agora.
Fiquei em silêncio por um momento, depois fechei a pasta.
— E talvez esse seja o problema. — se recostou na cadeira, cruzando os braços com um movimento lento.
— Você tá se afastando.
— E você tá percebendo só agora?
Ela me encarou por alguns segundos. A tensão era palpável, mas nenhum de nós cedia.
Antes que qualquer resposta pudesse ser dita, a porta se abriu. Dois gerentes da equipe de mídia entraram conversando, seguidos por mais três executivos. A sala se encheu rapidamente de vozes, papéis sendo abertos, cumprimentos formais.
retomou o controle na mesma hora. Virou para o projetor, pegou o controle, e adotou o tom firme de sempre:
— Boa tarde. Vamos dar início. Temos muitos pontos para tratar e pouco tempo.
E ali estava ela. Impecável. Inatingível.
Eu apenas me recostei na cadeira e respirei fundo, lembrando que essa seria, com sorte, uma das últimas reuniões ao lado dela.
Mas enquanto explicava os gráficos com frieza cirúrgica, seus olhos, de tempos em tempos, ainda encontravam os meus. Rápidos. Silenciosos. Quase como uma pergunta muda: "É isso mesmo, ?"
E eu não tinha certeza da resposta.
Naquela noite, em casa, Clara estava na cozinha, esparramada com o notebook aberto e um caderno cheio de anotações espalhadas pela mesa. A luz suave do abajur iluminava os rabiscos apressados e as fórmulas que se acumulavam nas páginas. Havia uma caneca de chá ao lado dela, e seus fones de ouvido estavam conectados ao celular, com uma playlist instrumental tocando baixinho ao fundo.
Ela mordiscava o fim de uma caneta, o cenho levemente franzido, enquanto fazia anotações rápidas. O som da porta se abrindo chamou sua atenção, e ela levantou o olhar, sorrindo ao me ver.
— Finalmente em casa cedo, hein? Não estou acostumada. — Ela riu, apoiando a caneca na mesa.
Deixei minha mochila sobre uma das cadeiras e me estiquei, sentindo o cansaço pesar nos ombros.
— Pois é. Um dia de folga do inferno corporativo. — Clara balançou a cabeça, mas ainda sorria.
— Por falar nisso, você precisa ouvir essa: o Marcos hoje me mandou mensagem no meio da aula pra perguntar se eu queria sair no fim de semana. — Minha sobrancelha arqueou automaticamente.
— Marcos, hein? Parece que ele está tentando impressionar.
Ela riu, mas desviou o olhar para o caderno, passando os dedos sobre a lateral da página.
— É, parece. Ele até disse que escolheu um lugar diferente dessa vez, já que da primeira vez a gente só ficou conversando na lanchonete da faculdade. — Me sentei à frente dela, cruzando os braços sobre a mesa.
— E vocês conversaram sobre o quê naquele primeiro encontro?
— Engenharia, claro. — Ela revirou os olhos, brincando. — Mas também falamos sobre filmes, família, e… ele até me perguntou sobre os meus projetos para depois da faculdade. Ele é bem focado, sabe? Quer estagiar numa empresa grande antes de se formar.
— E você? Tá curtindo a ideia de um segundo encontro? — Clara suspirou e deu de ombros, mas o sorriso no canto dos lábios a entregava.
— Talvez. Ele é legal, sabe? Tem um jeito meio tranquilo, meio nerd, mas eu gosto disso. E também não forçou nada. — Fingi uma expressão séria.
— Você quer dizer que ele ainda não tentou te beijar? — Ela riu e jogou a tampa da caneta em mim.
— Ainda não. Mas também, foi só um primeiro encontro. Ele respeitou meu tempo, e eu achei isso legal.
— Ponto positivo pra ele.
— Pois é. — Clara girou a caneca entre os dedos, pensativa. — Acho que esse encontro vai ser um bom teste. Quero ver se a gente realmente tem química ou se só funciona na teoria. — Cruzei os braços e a encarei com curiosidade.
— E se ele tentar te beijar dessa vez? — Ela hesitou por um segundo, mas então sorriu.
— Talvez eu deixe.
E, pelo brilho nos olhos dela, eu soube que Marcos estava, no mínimo, indo pelo caminho certo.
— E você? Que cara é essa? Isso tem a ver com a ? — Clara perguntou, me observando com aquela precisão que só ela tinha.
A menção do nome dela me fez congelar por um segundo. Suspirei, sabendo que não adiantava fingir. Com a Clara, nunca adiantava.
— Na verdade… pedi pra voltar pro meu antigo setor. — falei, a voz mais baixa do que eu esperava, como se só de dizer em voz alta aquilo se tornasse real.
Clara arregalou os olhos, surpresa.
— Sério? — Apoiei os cotovelos na mesa, escondendo o rosto nas mãos antes de encará-la de novo.
— Tá insuportável, Clara. Trabalhar com a … eu não tô conseguindo mais. Não é nem sobre o cargo, nem sobre as tarefas. É ela. É estar do lado dela fingindo que não sinto nada. Que não tem nada. E tem. — engoli seco, o peso daquilo me atravessando. — Me envolvi de verdade. E agora, toda vez que entro naquela sala, parece que tô sufocando.
O rosto da minha irmã suavizou na hora. Ela empurrou o caderno pra longe, o olhar agora totalmente em mim.
— ...
— Eu precisava sair antes que isso me destrua. — continuei. — Esse sentimento no peito não dá trégua. Tá me tirando do eixo.
— Você fez certo em pedir pra sair. — disse com firmeza. — E o Rodrigo? Como foi a conversa?
— Foi honesto. Disse que ainda não tem ninguém no meu lugar. Vai tentar me trazer de volta, disse que vai apertar um pouco a pra decidir logo essa substituição. Não prometeu nada, mas… só de ter ido lá, sabe? De ter falado com ele, pisado naquele setor de novo... foi como puxar a cabeça pra fora d’água depois de muito tempo embaixo.
— Você nunca devia ter saído de lá pra começo de conversa. — Clara comentou, balançando a cabeça com leveza. — Mas você não teve muita escolha.
Assenti, soltando um suspiro que parecia vir lá do fundo.
— E mais do que isso... eu acho que preciso repensar tudo. Hoje encontrei uns rascunhos antigos. Meus desenhos. Faz quanto tempo que eu não sento pra ilustrar de verdade? Deixei meu hobby de lado como se não significasse nada, e ele sempre foi uma parte enorme de mim.
Clara abriu um sorriso, aquele que dizia “eu avisei”, mas sem o tom de cobrança.
— Finalmente! Achei que ia ter que fazer uma intervenção oficial sobre isso.
— Eu sabia que você ia usar isso contra mim. — brinquei, sentindo a tensão ceder um pouco.
— E com razão. — Ela riu. — Você tem talento, . E mais do que isso: você tem amor pelo que faz. Se não for agora, quando vai ser?
Fiquei em silêncio por um instante, absorvendo aquelas palavras.
Clara se levantou, indo até o fogão com a panela na mão, provavelmente para fazer o tradicional miojo de fim de noite. Me lançou um olhar por cima do ombro, meio provocador, meio carinhoso.
— Quando esse caos passar, você vai sair dele mais você. E ninguém merece passar a vida tentando ser o que não é.
Sorri, deixando o cansaço escorrer dos ombros aos poucos. Estar ali, com ela, ouvindo sua voz, sentindo aquela paz silenciosa que a Clara sempre soube trazer... era como recuperar uma parte de mim que eu nem sabia que tinha perdido.
E, de alguma forma, isso era o bastante. Por agora.
Na manhã seguinte, o clima no escritório estava estranho. Talvez fosse só coisa da minha cabeça, ou o peso do que eu vinha tentando carregar sozinho. Mas bastou abrir a porta da sala dela com força para eu saber que não era só impressão.
— . Sala. Agora. — A voz dela cortou o ar como uma lâmina.
Todo mundo se virou. Inclusive meus colegas mais próximos, que estavam por perto. Marcel me lançou um olhar de pena mal disfarçado.
— Eita, lá vai ele pro corredor da morte. — murmurou em tom de brincadeira.
— Foi bom te conhecer, campeão. — completou Anelise, com uma risadinha.
— Vocês dois são péssimos. — respondi, tentando parecer mais tranquilo do que realmente estava enquanto me levantava.
Caminhei até a sala dela, sentindo cada passo como se tivesse chumbo nas pernas. Quando entrei, já estava de pé, os braços cruzados, o rosto tenso. Ela fechou a porta com mais força do que o necessário.
— Quer me explicar o que está acontecendo? — disparou. — Eu fiquei sabendo pela diretoria, . Que você pediu pra sair. Que foi até o Rodrigo pra tentar voltar pro seu antigo setor. E que, por causa disso, estão me pressionando pra decidir logo sobre a maldita contratação da secretária.
Eu não respondi de imediato. Minha respiração acelerou, e minhas mãos se fecharam em punhos ao lado do corpo.
— Você não ia me contar? Ia sair assim? Fingir que nada aconteceu?
— O que você queria que eu dissesse, ? — explodi, a voz saindo mais alta do que eu pretendia. — Que trabalhar ao seu lado tem sido um inferno? Que eu acordo todo dia com a sensação de estar prestes a explodir porque a gente finge que nada tá acontecendo, quando tudo entre a gente mudou?
Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa, mas não recuou.
— Você acha que só você está sendo afetado, ? Você acha que é fácil pra mim também?
— Não, eu acho que pra você é mais conveniente fingir que isso aqui não tem consequências. Que pode me querer à noite e me ignorar de dia como se eu fosse só... parte da mobília do seu escritório!
se aproximou, o rosto vermelho, os olhos faiscando.
— Eu nunca te tratei como parte da mobília!
— Não? Então o que foi aquilo? As entrevistas sabotadas? A sua frieza depois que a porra da foto vazou? E o que você disse na reunião com os diretores, hein? Eu ouvi, . Eu ouvi você falando com todas as letras: "A ideia de você estar envolvida com um funcionário era absurda. Que você nunca faria algo assim."
Ela empalideceu levemente, mas manteve a postura.
— Eu disse aquilo porque precisava. Eu estava sendo pressionada. A última coisa que eu queria era envolver você nisso.
— Envolver? — dei uma risada amarga. — Você já me envolveu! Droga! Cada vez que me puxou pra sua casa. Cada vez que me olhava daquele jeito no meio do expediente. Você me jogou nesse furacão e agora quer fingir que foi só vento?
Ela bufou, os olhos faiscando de raiva.
— E você queria o quê? Que eu saísse gritando pros quatro cantos do prédio que estou transando com meu secretário? Que colocasse minha reputação na linha porque você não sabe separar as coisas?
— Não, ! Eu queria que você fosse honesta. Comigo. Com você mesma! Eu não sou um brinquedo que você usa pra aliviar o estresse e depois empurra pra baixo da mesa quando alguém entra na sala!
— Você acha que é isso? Que eu tô brincando com você? — a voz dela falhou por um segundo, e ela engoliu em seco. — Eu tô tentando manter tudo de pé! O meu cargo, a minha reputação, e você... você se recusa a entender o que tá em jogo!
— Eu entendo perfeitamente o que tá em jogo. E quer saber? Eu tô cansado de ser o segredo sujo que você esconde. Cansado de sentir que, no fim do dia, tudo isso só importa quando te convém.
— Então por que você continua aqui?
— Porque eu me apaixonei por você, ! — gritei, o silêncio da sala sendo quebrado como um copo ao chão. — E isso foi o meu maior erro.
O silêncio que se instalou depois disso foi ensurdecedor. Os olhos dela brilharam com algo que eu não soube decifrar. Raiva? Tristeza? Medo?
Ela me encarou por um segundo que pareceu eterno, e então avançou.
Ela me puxou pela gravata com força, num gesto carregado de urgência e algo mais fundo — como se estivesse se agarrando à última chance de fazer tudo parar de desmoronar. E então me beijou. Não foi apenas um toque de lábios. Foi um mergulho. Um colapso. Um beijo bruto, desesperado, faminto. Um beijo que falava tudo o que ela não tinha coragem de dizer em voz alta: o medo de me perder, a raiva de sentir demais, o desejo que a corroía e que ela não sabia como controlar.
Seu corpo se colou ao meu como se buscasse abrigo, mas havia uma guerra dentro daquele abraço. Era um beijo carregado de dor e necessidade, de frustração e de confissão. Um beijo que queimava por dentro e deixava marcas que não se enxergam com os olhos — mas que ficam.
E eu cedi. Cedi porque era ela. Porque, mesmo em meio à raiva, à mágoa e ao caos, havia uma parte de mim que ainda era só dela. Porque meu corpo a reconhecia como lar e meu coração, mesmo machucado, ainda batia mais forte quando sentia a respiração dela contra a minha.
Mas, mais do que tudo, cedi porque naquele beijo havia verdade. Uma verdade crua, ferida, confusa — mas inegável. E, mesmo que as palavras fugissem, aquele beijo dizia: nós não somos mais os mesmos depois disso.
Mas então a realidade me atingiu com força, como um balde de água fria no meio do incêndio. Afastei-me, minhas mãos nos ombros dela, empurrando-a com suavidade — não por falta de vontade, mas como quem tenta resistir ao próprio vício. Estava ofegante, os lábios ainda trêmulos, tentando desesperadamente recuperar o fôlego… e a razão.
me encarava com os olhos arregalados, a respiração falha, como se também estivesse tentando entender por que tinha feito aquilo. Mas a verdade era que eu já sabia. E, mesmo assim, não podia mais continuar.
— Isso não conserta nada, . — falei baixo, mas firme. — Isso só… bagunça ainda mais.
Ela abriu a boca, pronta para dizer algo, mas eu ergui a mão, num gesto que pedia silêncio — ou talvez só proteção.
— Eu pedi minha transferência. E espero que você aprove logo. Porque, se tem uma coisa que aprendi nessa confusão toda… — engoli em seco, sentindo o peso das palavras — é que ninguém merece ser o rascunho da história de alguém.
Virei de costas e abri a porta da sala. Saí sem olhar para trás. E, pela primeira vez desde que tudo começou, senti que estava fazendo algo por mim. Que estava, enfim, escolhendo sair antes de me perder de vez.
Voltei para minha mesa com o rosto fechado e passos firmes, o tipo de expressão que até os mais curiosos sabiam não ser o momento certo para brincar. A sala caiu em um silêncio disfarçado, daqueles onde todo mundo continua trabalhando, mas com o olho no relógio e o ouvido atento.
Tereza, que digitava feito louca do outro lado da divisória, chegou a erguer os olhos, mas desviou imediatamente quando percebeu meu humor. Marcel e Anelise trocaram olhares rápidos, como quem queria comentar, mas decidiu não arriscar. Ninguém teve coragem de perguntar nada, mas dava pra sentir a curiosidade no ar. Um burburinho silencioso, abafado pela tensão que eu carregava no corpo inteiro.
Me joguei na cadeira, soltei um suspiro longo e comecei a responder e-mails como se a tela fosse a única coisa que me mantivesse em pé.
Foi quando a recepcionista avisou no grupo interno:
Recepção: A Rafa Kalimann chegou. Está subindo.
Levantei os olhos do monitor. Claro. A reunião. Como se eu já não estivesse num estado mental suficientemente fragmentado.
Poucos minutos depois, Rafa surgiu no corredor com sua presença imponente e aquele sorriso carismático que ela parecia carregar sempre, como se fosse imune à pressão de qualquer ambiente corporativo. Estava impecável, como de costume, e andava com a segurança de quem sabia exatamente o impacto que causava.
— Bom dia! — disse, animada, cumprimentando os funcionários com um aceno leve antes de se aproximar da minha mesa. — ?
Levantei de imediato, engolindo a irritação que ainda fervia no fundo da garganta.
— Sim, Rafa. Seja bem-vinda. a espera na sala de reuniões.
Ela sorriu, mas me analisou por um segundo a mais do que o necessário. Aqueles olhos sabiam ler entrelinhas.
— Obrigada, querido. E você… está bem? — Assenti com um sorriso mecânico.
— Tudo certo. Vou acompanhá-la até lá.
Enquanto caminhávamos juntos até a sala de reuniões, senti o peso da manhã inteira ainda colado em mim. Mas, por fora, meu rosto era neutro, profissional. Como sempre. Porque, mesmo despedaçado por dentro, o mundo lá fora não espera a gente juntar os cacos.
E, naquele dia, eu só precisava aguentar mais um pouco.