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Revisada por: Júpiter

Última Atualização: 09/09/2024
1997

— Olá — murmurei, cheia de vergonha, enquanto me segurava pela cintura.
Karin soltou uma exclamação quando me viu parada à porta. Börje foi correndo ver o que tinha acontecido e, quando me viu, apenas sorriu como se sempre soubesse que eu ia aparecer a qualquer momento. O sorriso típico de quem sabia demais dele.
Fui avisada antes que todos os sabiam que eu era uma viajante do tempo. Lilly tinha entrado e mostrado minha mensagem quando ele ainda estava no hospital, cercado pela família.
Karin me abraçou apertado e apertou minhas bochechas, como uma mãe — mesmo que ela ainda tivesse idade para ser minha irmã mais velha. Börje também me abraçou e vi aquele brilho cúmplice nos seus olhos. Nós penduramos nossos casacos e fomos nos sentar à mesa de jantar. Lilly e Andreas desceram juntos as escadas. Ela beijou o topo da minha cabeça e Andreas perguntou novamente se eu era uma alienígena. riu enquanto buscava minha mão debaixo da mesa.
No momento, nós comíamos Kroppkakor feitos, é claro, por Karin.
— Parece que você está grávida de novo — Börje disse, meio sorrindo, colocando ênfase no “de novo”. Ele já sabia de toda a verdade, pelo visto.
segurou uma risada enquanto mastigava ao meu lado.
Meu rosto esquentou e tive também que engolir uma gargalhada escandalosa para não correr o risco de sair comida pelo meu nariz.
No dia que Börje disse que sentia muito por eu ter perdido um bebê que nunca existiu, lembro de ter ficado curiosa para saber o que tinha dito para ele. Então, em algum ponto entre aquele momento e este, ele contou a verdade. Será que foi depois que fui embora?
— É, parece que dessa vez é para valer mesmo — falei, enfiando mais comida na boca ou eu iria rir.
— Dá para acreditar que a nossa família vai aumentar? — Lilly perguntou com uma animação notável. Andreas e Börje sorriram.
— De quantos meses você está? — Karin perguntou.
— Em torno de 9 semanas — respondi, sem fazer ideia de quantos meses isso daria.
— Minha nossa, essa coisa de viagem no tempo é estranha mesmo... Já se passaram muitos anos para nós, mas para você foi tão pouco tempo — ela comentou. — Esse bebê é a maior prova disso.
Concordei. Realmente era estranho e confuso. Nada fazia muito sentido, talvez por se tratar de uma criatura mística estar decidindo todo o meu futuro.
— É uma menina, o nome dela é Emma — deu a notícia com olhos ansiosos.
Todos eles sorriram à sua maneira, menos Lilly, que pisou no meu pé. Encarei-a, indignada, e ela me olhou, furiosa.
— Você não tinha me dito isso! — reclamou.
— Ai! Você está machucando uma gestante! — também reclamei, mas brincando.
— Era para eu ser a primeira a saber o nome da bebê!
— Eu que sou o pai, Lilly, não você — resmungou.
— Foda-se! — A voz dela ficou mais fina. — Fui eu a primeira a desconfiar da existência dessa bebê, porque você estava ocupado demais sendo um cafajeste.
— Eu fui um cafajeste? — A voz dele ficou fina demais. — Lilly, você e seu cão-de-guarda aí... — apontou para Andreas — que não me deixaram explicar tudo aquele dia que a apareceu no topo da escada. E causaram a maior confusão por isso!
— Você realmente foi um cafajeste, ainda namorou a Natalia de novo alguns anos depois — Andreas disse enquanto comia sua comida, sem olhá-lo.
Claramente tinha sido uma provocação para colocar lenha na fogueira, o que funcionou. Os ânimos já estavam exaltados, dava para sentir no ar.
— Vamos realmente falar sobre meu namoro com a Natalia na frente da ? — perguntou, irritado. — A sabe que eu a amo e nunca esperou que eu fosse um seminarista enquanto não estivesse aqui.
Tive que me controlar muito para não rir. Vi Karin e Börje sorrindo também enquanto olhavam para seus respectivos pratos.
— Mas precisava ser com a Natalia? Você sabe que a e ela não se bicam, até porque vocês dois têm um passado — Lilly disse enquanto cutucava a comida.
— A ... — ele começou a falar, mas eu o interrompi ao erguer a mão.
— A está bem aqui e vocês podem parar de falar nela como se ela não estivesse. — Olhei para Lilly. — Se é um problema tão grande assim, você vai ser a primeira a saber em 1991. — Olhei para que estava corado pela discussão. — E você, realmente, nunca pensei na possibilidade de encontrar um seminarista, visto que esse bebê definitivamente não veio da cegonha — zombei.
Levou uns cinco segundos para darem o braço a torcer e eles rirem, parando com a briga.
— Em 2004, eu pedi para vocês dois... — indiquei ela e Andreas — o deixarem calmo, antes de ele me ver, para não correr o risco de botar tudo a perder. E vocês três começaram a brigar, como agora — bufei.
Karin e Börje riram.
— Eles são assim desde que aprenderam a falar — Börje comentou.
— Aposto que o que começou a ficar com raiva e causou a briga — Lilly resmungou.
Ela tinha razão, mas eu não correria o risco de verbalizar isso e começar outra sessão.
No final do jantar, Lilly me puxou pela mão em direção à escada. Ouvi atrás de nós seu irmão mais velho resmungando:
— Você vai mesmo levar minha namorada para longe de mim?
— Ela é minha melhor amiga antes de tudo, seu panaca — ela disse e mostrou o dedo do meio para ele.
Ele revirou os olhos e devolveu o gesto. Ao subirmos, ela fechou a porta e se sentou no tapete de seu quarto rosa que ainda parecia pertencer à uma adolescente. Sentei-me sobre meus joelhos de frente para ela.
— Quero confessar uma coisa que aconteceu em 1990 que nunca te contei — ela disse, olhando nos meus olhos. — Você é minha melhor amiga, sempre será.
Sorri, porque lembrei dela falando isso para minha barriga, em 2019. Porém, retribuí seu olhar com curiosidade. Parecia algo importante.
— Por isso, preciso te dizer que naquele período que você ficou de fossa no quarto, na viagem, eu fiz uma coisa muito, muito feia.
Franzi o cenho. Ok, definitivamente eu estava ouvindo.
— Lembra aquele cara que estava nos olhando estranho na piscina?
Me forcei a ter memórias dos dias felizes e lembrei que acordei na espreguiçadeira, encontrei Lilly na piscina e um homem olhando, sem disfarçar, para ela. Falei para ter cuidado e mais tarde naquele dia perguntei se precisaria avisar seus irmãos. Então, concordei com a cabeça, eu me lembrava muito bem.
— Ele me seguiu naqueles dias. O e o Dre estavam no mar de novo, e eu acabei... — suspirou e fechou os olhos — desperdiçando-minha-primeira-vez-com-ele — falou tudo rápido e emendado.
Precisei pensar um pouco para entender o que tinha saído. Porém, quando a ficha caiu, encarei-a com uma expressão de repreensão.
— Lilly! — Quase gritei.
— Desculpa — ela disse, quase chorando. — Desculpa por não te contar nada. Depois que você falou aquilo de não me forçar a fazer isso para provar nada a ninguém, é que eu me toquei da merda que fiz. Até comprei aqueles testes de gravidez, porque aquele imbecil, além de me machucar, nem tinha camisinhas. Mas nada aconteceu no fim e eles ficaram lá no armário. Eu ia te contar naquela hora que você estava no banheiro, mas, quando deu positivo, esqueci até meu nome. Tudo aconteceu tão rápido antes e depois de você ir embora...
Ela fungou enquanto limpava as lágrimas da bochecha. Agora, ela devia ter 24 anos e, mesmo assim, ainda parecia a Lilly adolescente. Toquei seu cabelo e comecei a chorar junto. A droga dos hormônios.
— Está tudo bem, Lilly. Isso ficou no passado, certo? — perguntei, ela concordou e eu comecei a rir. — Até mesmo porque, se você sonhar com o que sei sobre o futuro e não posso te contar... diria que estamos quites.
Ela me olhou com expectativa.
— Ah, mas agora você vai. , você vai contar tudo.
Ela passou o resto da noite tentando me convencer a contar. Não funcionou, é claro. Porém, minha sensação foi de estar em casa finalmente, depois de dias longos e cansativos.

***


Uma semana depois, eu tinha conseguido organizar uma parte do apartamento enquanto ele trabalhava na produtora. Agora, ele ajudava a produzir outras bandas, então andava muito ocupado.
Depois de sair da produtora, ele tinha uma nova consulta com o médico. Cruzei os dedos e repeti como um mantra que daria certo, que eu conseguiria salvá-lo dessa vez.
Quase fiz um buraco no chão de tanto andar para lá e para cá, mas em seguida eu acabei cochilando no sofá com a televisão ligada.
Alguém me sacodiu suavemente e chamou meu nome, interrompendo meu pesadelo com a prova na faculdade que eu não estudei e era importante. Acordei, assustada, e me olhava com cautela.
— O que aconteceu? Em que ano estou? — resmunguei, segurando a testa. Minha cabeça estava doendo como se eu tivesse viajado de novo.
— Ainda é 1997, baby — ele sorriu e eu tive vontade de beijar seu sorriso.
Porém, antes, eu suspirei com o alívio e lembrei da consulta quando minha mente voltou para o lugar. Ele pareceu ver minha agitação e explicou:
— Ele vai fazer a cirurgia dia 21 de dezembro.
Sorri, sentindo a felicidade me emocionar.
— Meu amor, essa é a melhor notícia do século. — Aproveitei que ele estava ajoelhado perto do sofá e o abracei.
Ele perdeu o equilíbrio e caiu de costas no chão, eu acabei indo junto. Comecei a gargalhar por termos caído.
— A gente conseguiu, ! — Praticamente gritei em seu ouvido e sua risada ecoou pelo ambiente, fazendo borboletas dançarem na minha barriga. — Agora não tem mais jeito, você vai ter que me aturar por um bom tempo.
Minhas lágrimas molharam seu cabelo e só percebi que elas caíam por isso. Era uma boa hora para os hormônios agirem mesmo. Aquele era o dia mais feliz da minha vida, ao lado do dia que ouvi o coração da nossa filha pela primeira vez.
— Quero te aturar pelo resto da minha vida, Luz — ele disse, baixinho.
— Ei, desde quando você decorou meu nome completo? — perguntei, afrouxando o abraço para olhá-lo.
Ele estava sério e seus olhos estavam escuros. Franzi o cenho ao perceber o que aquilo parecia depois de muita fanfic e filmes de romance na cabeça.
— Espera, esse é um dos momentos de me pedir em casamento que você e seu pai ficaram me caçoando daquela vez?
As linhas na sua testa ficaram visíveis, mostrando confusão.
— Nossa, isso parece que aconteceu em outra vida — comentou, sorrindo, parecendo se lembrar.
Não consegui sorrir de volta porque queria saber o que significava, então continuei sustentando o olhar.
— Você quer se casar comigo? — ele perguntou, enquanto acariciava minha bochecha.
— Você está me pedindo em casamento? — confirmei para ter certeza de que o momento era real.
— Não, estou apenas perguntando sobre isso. Se algum dia já passou pela sua cabeça casar comigo. Se você me imaginou como o noivo quando disse aquilo da cena final daquele filme cafona, como eu senti na hora — ele perguntou e seus olhos brilharam como duas pedras preciosas.
— Eu quero. — Toquei seus lábios com as pontas dos dedos. — Aquele dia, eu inventei aquilo, me arrependi depois que saiu da minha boca, mas mesmo assim desejei que fosse você ao meu lado. Eu quero tudo com você, do Time of my life no casamento até a cerca branca da nossa casa.
Ele sorriu timidamente.
— Eu nunca tinha pensado em me casar, mesmo brincando sobre isso. O casamento dos meus pais me traumatizou tanto. Mas, esse dia aí, você me deixou pensando se valeria a pena acordar todos os dias ao lado de alguém. Se valeria a pena dançar e usar um terno só porque é o sonho dela. E sim, eu faria tudo e mais por você.
Sorri, sentindo o gosto salgado das minhas lágrimas.
— Não vou te pedir para casar comigo agora. Quero fazer isso do jeito que você merece, quando você voltar para ‘91.
— Eu me caso com você, . Um dia, nós vamos parar com essa aventura doida e finalmente viver felizes para sempre.
Ele riu enquanto secava minhas bochechas com o dedão.
— Nós somos muito piegas — comentou e me fez rir também.
Fiquei de pé e ele também. Acho que era hora de começar a refletir em qual vestido de noiva da época não ficaria tão ridículo para o gosto de alguém do século 21.
— Você acha que eu ficaria bem com um vestido igual da Stephanie Seymour em November Rain no nosso casamento? — perguntei, fingindo analisar meu próprio corpo.
Ele revirou os olhos enquanto sorria.
— Contanto que você não queira me vestir de Axl Rose — resmungou, indo mexer na geladeira.
— Mas você ficaria lindo ruivo — brinquei.
Ele bufou e me olhou de cara feia.
— ‘Tá bom, ‘tá bom — falei em português mesmo. — Sem fantasia de Axl Rose para você. — Fiquei um minuto em silêncio, refletindo. — Mas eu tenho essa fantasia secreta de me casar com o Axl Rose...
Ele me olhou de canto de olho e eu comecei a rir.
— Sua pestinha. — Deu um pulo em minha direção e começou a fazer cócegas na minha barriga.

***


Viajamos para uma cidade vizinha chamada Nykvarn. tinha um encontro de motociclistas durante o final de semana e me levou em sua garupa. Foi a hora mais incrível da minha vida. Não parei de pensar nem por um minuto o quanto estava feliz por andar na garupa de uma Harley Davidson com o homem mais foda do mundo.
Ele parou a motocicleta no estacionamento privativo da pousada e eu pulei do banco enquanto ele desligava a ignição.
— Isso foi muito legal — comentei, dando pulinhos. — Minha bunda está totalmente quadrada, mas valeu a pena.
Ele sorriu.
— Eu amo essa motocicleta! — sorri e abri os braços. — Eu amo 1997! — gritei, com a adrenalina lá em cima.
Ele me pescou em um abraço e beijou minha testa enquanto ria baixinho.
— Vem, vamos fazer o check-in antes que resolvam nos expulsar porque tem uma doida gritando na garagem.
Fiz um biquinho, mas o deixei me levar pela mão para a recepção. Era um lugar aconchegante que parecia ter saído de um filme de Natal da Netflix. A decoração era em madeira e em tons terrosos, a lareira aquecia o ambiente e tinha quatro corredores em direções diferentes com os quartos. Uma idosa simpática de cabelo muito branco e de sotaque muito forte nos atendeu. O ouvi dizendo que estávamos ali por causa da convenção e ela concordou com a cabeça, depois puxou uma chave ao conferir o nome dele no livro de visitas.
Nosso quarto era no final de um dos corredores. Uma lareira menor do que a da recepção parecia recém-acesa e deixava tudo quentinho. A cama estava coberta por uma manta xadrez verde e tinha vários travesseiros, me joguei de costas nela enquanto ele carregava nossas mochilas.
— Já estive em vários quartos de hotel com você, mas esse é o mais legal de todos, disparado — comentei, apertando o botão do controle remoto e ligando a TV.
Ele colocou as mochilas no guarda-roupa de madeira. Julia Roberts e Richard Gere apareceram na tela em Uma linda mulher.
— Não acredito! Eu fiquei esperando pelo cassete desse filme praticamente 1990 inteiro — comentei, balançando as pernas e bagunçando um pouco a cama. — Baby, você precisa ver esse filme.
— Eu já vi esse filme — comentou, tirando os coturnos.
— Você viu esse filme sem mim? — perguntei em um tom afetado, ele riu e se deitou ao meu lado. — Foi com alguma garota?
— Talvez. Não me lembro bem.
Isso sim é uma traição imperdoável. — Cruzei os braços.
Ele tentou virar meu rosto em sua direção, mas me mantive firme. Ele só assistia filmes de romance comigo depois de muita insistência. Então não gostei de saber que não teria um vislumbre de suas primeiras reações a um dos maiores filmes da década.
— E se eu preparar um banho na banheira com muita espuma para me retalhar? — ele perguntou, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Ergui uma sobrancelha.
— Você pode tentar — fingi resmungar. Eu não me importava tanto assim com isso, se eu parasse para pensar, mas queria ver até onde ele iria.
Levantou-se e começou a fazer barulho dentro do banheiro. Aproveitei para trocar minha roupa pelo roupão branco e felpudo, amarrei o laço na cintura e fui dar uma olhada no banheiro. Ele estava conferindo a temperatura da água no meio de um monte de uma nuvem de espuma. Sorri.
— Você definitivamente sabe como conquistar o perdão de uma mulher, — comentei.
Ele desligou a torneira.
— Você não é tão difícil de agradar. Banhos de banheira com espuma, passeios de motocicleta, pantufas, chocolate, filmes e músicas cafonas costumam ser suficientes para te manter entretida — ele disse, se sentando na tampa do vaso sanitário.
— Você se esqueceu só de uma coisa — sorri de lado.
Ele ergueu uma sobrancelha e vi em sua postura que ele imaginava algo com teor sexual, o que fez meu sorriso aumentar ainda mais.
— Eu fico bastante entretida quando você... — desamarrei o roupão e o deixei cair aos meus pés, ele imediatamente desviou o olhar do meu rosto para o meu corpo — massageia meus pés — falei e depois soltei uma risadinha.
Ele sorriu em resposta.
— É claro, a massagem nos pés. Ultimamente você tem gostado muito disso — falou, tentando manter o foco nos meus olhos. Prendi o cabelo em um coque e passei por ele, sabendo que estava sendo observada.
Afundei-me na banheira e as bolhas sumiram um pouco, fazendo a forma do meu corpo. Tentei pegá-las e acabei fazendo mais sumirem. Ele pescou meu pé esquerdo de dentro da água e começou a apertá-lo nos pontos certos. Gemi e fechei os olhos. Aquelas mãos valiam ouro e não só por tocarem tantos instrumentos perfeitamente. Ele me tocava perfeitamente. Sorri com o pensamento e abri os olhos, ele observava minha barriga sem piscar.
— O quê? — perguntei, tocando-a.
— Você já está parecendo meio... grávida — ele murmurou.
Acariciei meu ventre que, de fato, já estava um pouquinho protuberante para ser notado sem as roupas. Bem pouquinho, mas com a análise minuciosa que ele fez e o quanto ele conhecia meu corpo, era possível constatar.
— E você é o culpado — brinquei.
Ele sorriu e beijou meu tornozelo.
— É. Eu sou. — Pegou meu outro pé. — Desde aquele dia que fiquei muito bêbado e você veio cuidar de mim sabia que, se eu viesse a ter filhos algum dia, seria com você. Se lembra, não é?
Assenti. Eu me lembrava bem.
— Eu nunca quis ter filhos, mas depois de ingerir uma quantidade obscena de álcool me pareceu uma possibilidade. Pensei que, mesmo que minha mãe tenha sido uma filha da puta, eu tive um pai que era basicamente meu melhor amigo. Ele fez o impossível por nós e ainda apoiou minhas ideias mais loucas. Então também posso ser um bom pai, eu tenho um exemplo a seguir.
— Você vai ser o melhor de todos — falei, encostando a cabeça na parede. — Eu nunca te contei sobre os meus pais porque tive medo de dar brecha para descobrir que não sou desse século. Porém, agora posso te dizer que não tive uma infância muito fácil. Quer dizer, minha família sempre teve muito dinheiro, meu nascimento foi planejado e meus pais estavam juntos até o momento que falei com eles pela última vez. Só que eu sou filha de atores, então não tive muita atenção deles. Passei a vida com várias babás porque nem irmãos eu tenho para me distrair. Tentei ser invisível a vida toda para não perceberem e me tacharem de “a filha daquele ator ou atriz da novela das oito”, algumas vezes deu certo, outras não. Em geral, meus pais fizeram um bom trabalho em tirar os holofotes de mim, mas não foi sempre assim.
Encarei-o e ele ouvia atentamente enquanto suas mãos ainda trabalhavam no meu pé.
— Minhas lembranças infantis mais felizes são dos meus dias na praia com meus pais e meus avós, mas em todas elas consigo lembrar de gente tirando fotos nossas, principalmente paparazzis que nem faziam muito esforço para se esconder. — Dei um sorriso triste — Aquele dia, você viu meus pais na TV quando eles ainda nem eram famosos.
Ele sorriu e concordou, mostrando que se lembrava.
— Eu sabia que tinha algo ali, só não imaginei que fosse algo tão complexo.
— É, eu tive medo de me aproximar de São Paulo por causa disso. — Me ajeitei porque havia escorregado um pouco. — Realmente, eu sou bem parecida com minha mãe, sempre me disseram isso. Porém, criticaram tanto o corpo dela, com aquelas fotos de biquíni na praia, que ela fez algumas plásticas e restrições alimentares para ficar com um corpo padrão, sem muitas curvas. Ela também caía matando em cima de mim, dizia que eu precisava me controlar ou ninguém iria querer alguém assim, do jeito que sou.
Ele fez uma careta acompanhada de um som de desgosto.
— Quando voltei para 2019, eu liguei para ela para meio que me despedir. Contei sobre você, te descrevi e ela disse que você era muito alto para mim.
Ele desmanchou a careta para deixar uma risada escapar.
— Essa foi a primeira vez que ela me disse que eu tinha perdido muito peso de um jeito ruim. Bom, mal sabe ela que é um bebê aqui dentro que não estava me deixando comer — sorri com certa tristeza por estar com saudades dos meus pais, assim como eu me sentia quando era criança quando eles passavam muito tempo fora. — Não contei sobre a Emma porque isso iria fazê-los surtar, mas perguntei o que ela diria para um neto, se tivesse oportunidade, e ela disse que provavelmente ele teria a melhor mãe do mundo, porque sabia que eu não cometeria os mesmos erros que ela.
Senti uma lágrima teimosa deslizar pelo meu rosto e a sequei.
— Foi aí que tive certeza de que eu posso ser uma boa mãe, porque aprendi com os erros dela e ela aprendeu com os erros da minha avó. Eu não guardo mágoas da minha mãe, ela fez o que estava ao alcance conforme o que conhecia, o bebê não vem com um manual de instruções. Porém, quero que a Emma tenha uma criação diferente, uma vida diferente da minha. Acho que esse é o natural da vida, sempre evitar cometer os erros dos pais.
Ele concordou com a cabeça e soltou meu pé de volta na água.
— Nós vamos fazer dar certo.
Agachou perto da minha cabeça, me fazendo virar para fitá-lo. Ele estava tão perto que eu podia ver cada detalhe de seu rosto, cada pelinho de sua barba que já estava relativamente grande ou pontinhos escuros de sua íris.
— Nós vamos. — Ele segurou minha cabeça com as duas mãos e beijou a ponta do meu nariz.
Era mais um momento fofo, mas meu corpo estava querendo levar aquilo para outro rumo. Provavelmente também era obra dos hormônios, porque nunca fui tão necessitada assim. De repente, eu pareci muito concentrada nas suas mãos em mim e minha pele se arrepiou. Toquei seus pulsos com minhas mãos molhadas.
— Desculpa... — pedi, olhando-o nos olhos. — Sei que é um momento fofo, mas acho que os hormônios estão me fazendo um monstro insensível e insaciável.
Ele riu de olhos fechados, me fazendo sentir vergonha de pedir aquilo. Só que realmente todo o meu ser estava reagindo à sua presença de um jeito muito sexual e eu não conseguiria esconder aquilo. Nem queria.
— Me mostra o que você quer — ele disse, ficando sério.
Lancei-o um sorriso malicioso. Da última vez que ele atendeu minhas vontades, pude admirá-lo sem roupa no lago, então guardava boas memórias. Gostava quando ele fazia o que queria comigo, mas me deixar controlar tudo provocava uma sensação boa. Peguei sua mão e deslizei pelo meu corpo na água, passei seus dedos por um mamilo e depois pelo outro, gemendo bem baixinho. Depois pelas minhas costelas, minha barriga e finalmente deixei sua mão seguir o curso.
— Use os seus dedos — pedi. Ele concordou, seus olhos mostravam o quanto estava concentrado em suas mãos. Não parei de olhar seu rosto.
Seu dedão provocou meu ponto mais necessitado e eu me remexi na banheira para não escorregar. Era aquilo. Definitivamente aquilo. Apertei seu cotovelo e ele continuou. Abri minhas pernas para ele ter um melhor acesso. Uma ruguinha surgiu no meio de suas sobrancelhas. Puxei-o pela parte de trás do cabelo em minha direção e plantei um beijo em seus lábios entreabertos. Ele me encarou enquanto me penetrava com dois dedos. Ergui os quadris e tive vontade de fechar os olhos para me deliciar com a sensação, mas não tive coragem de quebrar aquela conexão, olhar quem fazia meu corpo virar do avesso era um nível diferente. Acompanhei suas pupilas dilatando e ele morder o lábio inferior conforme aumentava o ritmo. Soltei a parte de trás do seu cabelo para me segurar nas bordas da banheira. Tudo em mim entrou em um estado absoluto de satisfação, comecei a mexer os quadris conforme o ritmo de seus dedos e ele parecia ansioso pelo meu prazer. Gemi, deixando meu corpo encontrar o que necessitava tanto. Ele continuava me observando e isso me enlouqueceu totalmente.
— M-me leva para a cama — pedi, sentindo os efeitos do orgasmo misturados com mais desejo. — Eu preciso de você agora.
Ele nem hesitou, apenas ergueu as mangas da camisa. Passou um dos braços debaixo dos meus joelhos, outro debaixo dos meus braços e me tirou da água. Senti as gotas deixando minha pele e encharcando o carpete pelo caminho inteiro, mas logo elas secariam com o calor da lareira. Não senti nem um pouco de frio porque o calor que irradiava do meu interior era muito forte. Senti a cama fofa embaixo de mim e a televisão ainda ligada com o mesmo filme, mas minha atenção pertencia somente a ele. Quando estava desafivelando o cinto, alguém bateu à porta. Ele parecia querer ignorar.
? — um homem o chamou do outro lado da porta de carvalho.
Seus olhos reviraram, mas ele foi atendê-la. Entrei debaixo do cobertor e sorri ao lembrar que parecia a nossa primeira vez, quando o pai dele bateu à porta no outro dia e eu estava nua.
Mal ouvi o que eles diziam porque falavam muito rápido e com sotaque, mas alguns momentos depois ele fechou a porta e parecia tentar manter o controle.
— Desculpa. Tinha me esquecido do encontro no bar. — Ele pigarreou para corrigir a voz grossa demais. — Se você quiser ficar, não tem problema, mas eu terei que ir.
Grunhi e coloquei o cobertor na cabeça. Me senti frustrada, porém não podia pedi-lo para viver só em função de me agradar. Ainda mais depois de anos fora da sua vida. Não queria dizer que eu não iria junto porque podia convencê-lo de dar uma escapada.
Eu parecia uma adolescente na puberdade. Os hormônios estavam me transformando em uma versão irreconhecível de mim.
Levantei e comecei a tirar algumas peças de roupa da minha mochila enquanto ele se arrumava de novo. Precisava agir como um ser humano normal de novo e me controlar para não o atacar. Ele não parecia alguém que resistiria muito, na verdade, dava para ver em seu rosto que preferia muito mais ficar ali comigo.
Foco, .
Você não pode atrapalhar a vida dele mais do que já está fazendo.

Terminei de me arrumar e o esperei no corredor, antes que, por um pequeno deslize, eu acabasse em cima dele. Ele veio em minha direção, girando as chaves da motocicleta, e me pegou pela cintura. Não dissemos nada. Me perguntava se ele estava sentindo aquele desejo sexual reprimido, assim como eu. Olhei para seu rosto e ele não estava demonstrando emoção alguma.
O bar não era muito longe dali, estava lotado de motocicletas na frente. rodou um pouco, procurando alguma vaga, mas acabou tendo que estacionar em um beco ali perto. O vento cortou por nossa pele e me encolhi em seu abraço enquanto andávamos até a entrada.
Lá dentro, algumas pessoas vieram cumprimentá-lo e ele me apresentou a elas como sua namorada — na verdade, ele meio que parecia me exibir com esse título. Não achei ruim, fiquei até orgulhosa por ele gostar tanto quanto eu daquela sensação. Depois de uma hora sentada no banco do bar, tentando mostrar simpatia aos seus amigos, parecia ser o suficiente para darmos a escapada. Enganchei meu indicador no passa-cinto de sua calça e sussurrei no seu ouvido que precisava tomar um ar. Ele explicou aos outros que ia me acompanhar e já voltava.
Não dava para fazer muita coisa ali fora, nem o beijar um pouquinho, porque o frio nos castigava. Talvez, no beco, as paredes dos prédios impedissem o vento de correr solto...
O chamei, falando que esqueci algo no bolsão da moto, e consegui atraí-lo para o beco sem movimentação alguma. Ele encostou no banco da motocicleta e me observou enquanto eu fingia que procurava algo que não existia. Meus olhos observaram suas pernas se cruzando e Deus tenha piedade da minha alma, mas ele parecia gostoso para caralho. Aquela jaqueta de couro com os patches da banda e do motoclube, seu cabelo longo, a motocicleta, meu desejo reprimido, tudo se juntou e me fez largar o bolsão. Ele franziu o cenho. Puxei-o pela lapela para baixo e colei nossas bocas. Senti-o sorrindo contra meus lábios.
— Você não esqueceu nada, não é? — perguntou, nos separando um pouco.
— Não — respondi e voltei a beijá-lo.
Sua língua recebeu a minha com entusiasmo. Embrenhei meus dedos em seu cabelo macio e o puxei, expondo seu pescoço e desci os beijos para lá. Chupei sua pele e ele grunhiu, me fazendo sorrir. Tê-lo vulnerável nas minhas mãos já estava se tornando um vício. Fiz uma trilha de chupões até sua orelha direita, mordi seu lóbulo e minhas mãos conseguiram desafivelar seu cinto. Flexionei um pouco os joelhos à sua frente, os olhos brilhavam mesmo com a pouca luz enquanto observava cada movimento.
— O que está fazendo, baby? — ele perguntou, acariciando meu cabelo.
— Agradando um pouco meu homem — falei enquanto abria seu zíper. — Eu não consigo resistir ao quanto você fica um pedaço de mau caminho com essa motocicleta. — Ele me ajudou a descer um pouco sua calça e a samba canção para que eu tivesse acesso à parte que ansiava. Peguei-a e estabeleci o contato visual com ele. Vi ansiedade, tesão e curiosidade só pela expressão de seu rosto.
Lambi sua extensão para testar a reação, ele pulsou na minha mão e fechou os olhos.
— Olhe para mim — ordenei e ele obedeceu. — Quero que você me veja enquanto faço isso, está bem?
Ele concordou com a cabeça, mostrando obediência. Tenho a impressão de que ele faria qualquer coisa que eu mandasse agora. Abocanhei-o até meu limite e ganhei um gemido sofrido em troca, ele prendeu cuidadosamente um tufo do meu cabelo com sua mão e murmurou algo que não entendi. Tirei-o da boca só para fazer novamente, estabelecendo um ritmo. Ele parecia completamente entregue à luxúria daquele ângulo. Sua mão no meu cabelo insistia para aumentar a frequência, então dei o que queria. Ele ergueu os quadris e senti-o pulsar novamente, acelerei ainda mais e ele gemeu alto.
Oh, porra — o ouvi praguejar enquanto se contorcia. — Se você não quiser que eu finalize na sua boca, é melhor tirar agora — avisou com a voz trêmula.
Sorri. Ah, , eu quero sorver cada gota. Meu coração batia descompassado, mostrando o quanto meu corpo queria aquilo. Ao ver que eu não iria a lugar nenhum, seu corpo convulsionou e ele uivou. Só parei mesmo quando percebi que ele tinha me dado tudo. Tirei-o da boca e ele finalmente fechou os olhos enquanto jogava a cabeça para trás. Ajeitei sua roupa, fechei seu zíper e afivelei seu cinto de volta porque ele parecia sem energias para se mover.
Levantei-me e fiquei entre suas pernas, com a cabeça em seu peito e os braços em volta do seu tronco. Encarei-o, ele pareceu perceber e abriu os olhos, suas mãos descansaram na minha bunda.
— Eu sonho em fazer isso desde aquele dia do lago quando te vi provando os dedos que enfiou em mim — admiti e ele soltou uma risadinha baixa.
— Você se tornou uma safada — ele murmurou e beijou minha testa.
— Queria você bem aqui e agora, mas acho que vão começar a desconfiar do nosso sumiço — falei como se fosse a coisa mais normal do mundo, me surpreendendo um pouco com o quanto estava necessitada.
— Acho que vou demorar um pouco a me recuperar para te dar mais — ele sorriu. — A gente pode voltar para lá enquanto isso.
Enterrei minha cabeça em seu peito, me preparando para voltar a conversar normalmente com outras pessoas. Não estava nada disposta, queria mais daquilo, queria mais dele. Ele me abraçou.
— Um beijo pelos seus pensamentos — brincou.
— Hmmm... — tentei pensar em algo interessante para disfarçar, mas nada veio. — Eu realmente queria você no meio das minhas pernas agora.
Ouvi sua risada ecoar em seu peito e ele me deu um selinho.
— Você só pensa nisso ultimamente? — ele perguntou.
— Sim — grunhi e enterrei mais a cabeça enquanto aspirava seu cheiro delicioso. — Acho que passei muito tempo me controlando para não te atacar em 1990, agora quero tirar o atraso. Fora que devem ser esses hormônios também...
Ele soltou um barulho de descontentamento.
— Você não precisava se controlar em 1990.
— Claro que precisava, se eu não tivesse cortado aquilo logo no começo, nós não seríamos o que somos hoje. Provavelmente nem teríamos durado, você teria me dado um fora quando se cansasse.
Ele deu um tapinha de leve na minha bunda, me fazendo pular com o susto e depois rir.
— Nunca me cansaria de você, , até porque você é uma caixinha de surpresas.
Belisquei sua barriga e ele se contorceu, sentindo cócegas. Nós voltamos para o bar enquanto conversávamos e ríamos sobre o que seríamos se eu não tivesse feito o que fiz. Sentei-me no banco do balcão novamente e bebi mais de um litro de Coca-Cola enquanto ele conversava com os amigos sobre peças de moto. Era um assunto totalmente desinteressante e nem percebi que tinha bebido tanto líquido até me dar uma vontade alucinante de fazer xixi. Expliquei em seu ouvido, por causa da música country alta, que precisava ir ao banheiro. Ele concordou e fui em direção à placa luminosa. Estava vazio quando entrei, mas, quando me tranquei em uma das cabines, ouvi as vozes de duas mulheres ali dentro.
Elas conversavam em sueco sobre alguns homens enquanto eu usava o banheiro. Ia saindo do lugar depois de assentar o jeans, mas, antes de girar a tranca ouvi o nome dele.
Viu a mulher nova do ? — uma delas perguntou.
Sim! Não tinha como não reparar, nunca o tinha visto apresentar ninguém como namorada.
Faust me disse que ele é apaixonado por ela desde 1990.
Uma delas riu.
Tão apaixonado que comeu Estocolmo quase inteira — disse, com sarcasmo. — E ela nem é tão bonita assim, é baixa demais e tem quadris largos que a deixam estranha.
Toquei meus quadris por cima da calça, me lembrando do que minha mãe me disse a vida toda. A insegurança me saldou, como uma amiga distante.
Concordo. Fora que ela parece uma criança perto dele. Disseram, ainda, que ela está grávida e é dele.
Ah, agora faz sentido. Ela deu o golpe da barriga no — riu. — Engraçado, porque ele é tão chato com preservativo. Nas vezes que ele dormiu comigo, quase teve um piripaque porque eu pedi para fazer sem. Achei que ele era mais um daqueles malucos com medo da AIDS ou algo do tipo.
Comigo também, ele sempre foi rígido com essa coisa de preservativo. Ela deve ter embebedado ele ou furado um para conseguir isso. Não deve durar, ele nunca dura muito tempo com a mesma garota.
Já, já ele vai perceber que é só outra aproveitadora. Queria eu ter tido essa ideia dela antes, uma criança com aqueles genes... Fora que ele tem dinheiro, é bonito e fode muito bem.
Ele realmente fode muito bem.
Elas riram e ouvi a porta batendo. Girei a tranca como se eu tivesse sufocada lá dentro. Vi meu rosto vermelho, lágrimas desciam pelas minhas bochechas e só as notei naquela hora. Passei os dedos por elas. Saber que ele tinha fama de mulherengo em 2019 era uma coisa, ouvir duas mulheres discutindo como ele era bom de cama na minha frente era outra bem diferente. Senti a culpa por não ter lembrado que não tomava mais pílula naquela época e ter me aproveitado dele. Também me senti horrorosa demais para estar ao lado dele, logo ele que “comeu Estocolmo inteira”, com certeza garotas bem diferentes de mim.
Eu precisava fugir dali.
Foi meio irresponsável ter saído do banheiro me escondendo no meio das pessoas ali para ele não me ver. Porém, eu não conseguia encará-lo. Eu só queria um momento para chorar por aquilo. Chamei um táxi com o pouco dinheiro que tinha no bolso. Ao chegar na pousada, a dona me olhou com compaixão. Pedi a chave do quarto, sem nem me dar o trabalho de disfarçar o choro, ela me entregou e não disse nada. Graças aos céus pelo traço de não se meter na vida alheia dos suecos.
Ao fechar a porta, arranquei minhas roupas como se elas que estivessem me fazendo mal. A lareira ainda estava acesa, mantendo o quarto quente, e a TV ainda estava ligada.
Eu tinha dado um golpe da barriga nele? Ele, de fato, era meu ídolo, mas não o enxergava mais assim. Não depois de tudo que a gente viveu. Ele era o amor da minha vida, o pai da minha filha, o cara que me fez atravessar o século duas vezes.
Solucei debaixo do cobertor. O que doía mesmo era me sentir feia e ouvir delas que ele tinha passado o rodo ou como ele fazia isso bem. O imaginei tocando-as, mulheres sem rostos, e chorei mais.
Fiquei tão absorta nos meus pensamentos e no meu próprio choro que só despertei do transe ao ouvi-lo irromper pela porta feito uma bala.
Ele grunhiu com alívio, provavelmente porque tinha me encontrado. A porta bateu.
, você enlouqueceu? — ele perguntou em um tom muito bravo. — Eu achei que você tinha sumido de novo, que você tinha sido levada para longe de mim de novo, porra!
Ao ouvir aquilo, concluí que eu tinha sido absurdamente irresponsável de ter saído daquele jeito. Me encolhi mais ainda e tentei não fazer nenhum barulho.
A cama afundou na minha frente e ele tirou o cobertor, revelando uma pessoa chorando pelada. Seria cômico, se ele não tivesse escolhido o lado de que parecia mais assustador.
— O que houve? Tem algo doendo? Você está sangrando de novo? — ele perguntou, tirando meu cabelo do rosto enquanto procurava por algo fora do lugar.
Neguei com a cabeça.
— D-Desculpa, e-eu não d-deveria ter saído d-daquele jeito — gaguejei em meio ao choro. Suspirei e tentei me recompor.
Seu dedão acariciou minha bochecha. Ao ver que eu não estava muito bem para falar algo, ele tirou os coturnos e a jaqueta, depois se enfiou debaixo do cobertor comigo. Ele me trouxe para perto e minhas lágrimas molharam seu suéter azul escuro.
— Desculpa — pedi de novo, dessa vez mais contida. — Desculpa por não lembrar que não tomava mais pílula aquele dia, na praia. Eu me aproveitei de você.
Ele me afastou e me analisou.
— Que papo é esse? — perguntou, com a testa franzida.
— Sei que você é criterioso com proteção. Eu ouvi umas mulheres conversando no banheiro que você nunca esqueceu de usar proteção com elas.
Ele pareceu entender um pouco do que aquilo se tratava.
— Foi por isso que você saiu sozinha — ele concluiu.
— Mais ou menos. Elas também falaram que eu não sou bonita para você e que você comeu toda Estocolmo mesmo sendo apaixonado por mim. — Senti as lágrimas descendo furiosamente. — Eu não ligava para isso, você sabe, mas depois elas disseram que queriam ter tido essa ideia de engravidar para te prender, porque você é bonito, tem dinheiro e... — Fitei seus olhos compreensivos. — Elas disseram que você “fode muito bem” — fiz aspas com os dedos. — Doeu... doeu porque só agora te imaginei com outras mulheres de fato.
Ele escutou tudo com atenção e depois beijou minha testa.
— Você deveria ter me contado lá — ele disse. — Eu te traria de volta, em segurança. E não precisaria ter invadido o banheiro feminino para te procurar...
Concordei, me sentindo uma criança. Foi loucura ter saído daquele jeito mesmo.
— Você não se aproveitou de mim, a gente nunca nem usou preservativo, mesmo antes de você tomar pílula. — Ele tocou meu queixo. — Para falar a verdade, mesmo se você dissesse que estava pronta para ter um bebê naquele exato segundo, eu não teria dado a mínima. Só se te ouvisse dizendo que não me queria teria me parado. Eu te queria a qualquer custo. Agora nós realmente vamos ter um bebê, então não me arrependo.
Sorri minimamente.
— E você é linda demais para mim, isso sim. — Ele parecia até ofendido por eu não me dar conta disso. — Ainda não sei o que fiz para te merecer como fã, quem dirá como minha namorada. — Tentou organizar a bagunça que estava meu cabelo. — Não posso desfazer o que fiz, mas posso te garantir que não desejei outra no breve momento que estivemos juntos e as que tive depois não significaram nem um terço perto de você.
Enterrei o nariz em seu pescoço porque não queria encará-lo e perceber que era uma boba.
— Eu sei — murmurei, abafada pela sua pele e cabelo. — É que na hora eu me senti tão humilhada. Não pensei direito. Você poderia ter outra pessoa, casar e ter outros filhos, eu que não tenho que exigir nada quando só se passou tão pouco tempo para mim.
— Jamais, só você me fez pensar nessa possibilidade — sorriu. — Eu entendo que esteja com ciúmes porque consigo me visualizar no seu lugar. Se um dia eu tiver o desprazer de escutar alguém falando das suas habilidades entre quatro paredes... acho que prefiro morrer no segundo seguinte.
Bufei.
— Isso não é muito justo, você não vai dar um pulo lá em 2019 para ouvir qualquer coisa do tipo. Além do mais, não foram muitos assim. Eu nem sabia que sentia tanto desejo até te conhecer e te atacar naquele elevador.
— Pois me sinto honrado de ter despertado a Afrodite dentro de você — brincou.
Soltei uma risada.
— Isso foi um pouco brega — comentei, fazendo-o rir. — Mas tudo bem, porque posso me sentir um pouco melhor por ter te chamado de perfeito, gostoso e entre outros.
Senti seu corpo sacudir com a gargalhada e parecia que tudo estava se encaixando de novo no mesmo ritmo.
— Bom, você é brega. Então não espero muito.
Empurrei seu ombro e fingi estar indignada. Ele sorriu, me fazendo fitar seus lábios. Eu queria beijá-lo, mas deveria estar horrível depois de chorar, então achei melhor não.
— Por que você está sem roupa? — ele perguntou.
Conferi e acabei lembrando desse detalhe.
— Não sei — admiti.
Ele estava mordendo o lábio e olhava para o cobertor nas nossas cabeças para conter a risada. Empurrei de novo seu ombro.
— Ei, você está se segurando para não rir? — acusei-o. Ele acabou não conseguindo segurar mais e explodiu em risada.
Esperei de cara feia o engraçadinho terminar de rir. Agora sim, ele viu o lado cômico da situação.
— Você é ridículo — resmunguei. — A sua sorte é que você realmente é bonito e fode bem.
Ele começou a rir mais ainda, me levando a segui-lo. Era bom saber que ainda compartilhávamos esses momentos, em que ele ria de mim e eu acabava rindo também. A única vantagem de ser destrambelhada era essa. Depois de quase ficar sem ar, foi parando e vi seus olhos cheios de lágrimas. Eu sei que sou suspeita porque falo que ele é lindo a qualquer hora e que sempre falo isso, mas era a única coisa que poderia descrevê-lo. Ele ficava lindo quando ria tanto assim.
Dessa vez, ele percebeu que eu encarava sua boca, porque a grudou na minha. Um beijo calmo se iniciou. Tirei seu suéter e sua camisa só para poder colar nossos troncos sem nada para atrapalhar. Envolvi-o em um abraço e acabamos adormecendo assim.

***


Foram dias tranquilos em 1997. Passei a me sentir um pouco insegura de novo depois de ouvir aquilo, mas consegui contornar bem a situação para não deixar me afetar muito dessa vez. Não o imaginei mais com outras mulheres porque quis guardar essa memória no fundo do baú e engolir a chave. O enjoo matinal continuava sendo um problema, mas ele desaparecia lá pela hora do almoço. Consegui vencer a bagunça de sua casa um dia antes da cirurgia. Tive a impressão de que meu tempo ali estava se esgotando e o limite era o dia da cirurgia. O guardião vinha sendo muito paciente comigo. Porém, se dependesse de mim, eu poderia facilmente continuar minha jornada ali em 1997, sem voltar para 1991. Me sentia um pouco culpada por pensar aquilo, mas era a verdade. Tudo ali funcionava tão bem, como uma melodia perfeita. Tinha novidades, mas não tinha empecilhos, era fácil.
Pedi para Börje esperá-lo no quarto do hospital, enquanto eu entrava até o limite com ele.
— Isso é vergonhoso — resmungou enquanto se analisava de camisola e touca.
— Imagina sair andando assim no meio do outono — zombei de mim mesma.
— Nem quero imaginar, já estou me sentindo exposto o suficiente.
Um enfermeiro entrou no quartinho com uma maca.
— Pronto, senhor ? — perguntou.
— Não.
Soltei uma risada.
— Ele está sim.
O enfermeiro também riu discretamente.
— Agora se despeça da sua esposa porque o médico já está no centro cirúrgico — o enfermeiro disse, ajeitando a maca.
Sorri ao me imaginar como esposa dele. Ele beijou meus lábios e depois minha testa. Pareceu esperar minha aprovação.
— Vai dar tudo certo — falei, olhando a íris brilhante dele. Sua mão deslizou até minha barriga que já estava um pouco mais aparecida.
— Eu amo vocês duas. Aconteça o que acontecer. — Beijou a ponta do meu nariz.
— Eu te amo. Seja forte.
Ele se ajeitou em cima da maca e o enfermeiro o cobriu com um cobertor. Fui acompanhando-os até o corredor, segurando sua mão. Quando estava perto das portas duplas, me desesperei um pouco.
— Espera — pedi. — Alguma dica para te conquistar em 1988?
Ele sorriu.
— Fala que está grávida e é meu, em memória dos velhos tempos. Ah, e não se esqueça de me manter bastante entretido — ele piscou, deixando claro a que entretenimento se referia. — Essa seria a receita perfeita para me manter interessado nos anos 80.
O enfermeiro prosseguiu, deixando minha mão triste e solitária.
Que dê certo dessa vez.
Que dê certo dessa vez.
Que dê certo dessa vez.
Fiquei ali esperando, sentada e agarrada à minha mochila, alguma notícia dele. Tentei me controlar para não pensar em nada porque qualquer coisa poderia me enlouquecer de vez. Não sabia quantas horas se passaram, mas um médico apareceu para falar comigo.
— Você não deveria estar esperando seu marido no quarto? — ele perguntou quando me alcançou.
— O pai dele está lá. Deu certo? Ele está bem? — falei muito rápido.
— Sim, deu tudo certo. O dispositivo foi implantado com sucesso. Ele não deve estar acordado por causa da medicação, mas você pode vê-lo.
Concordei, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas.
— Obrigada — agradeci com a voz embargada.
— Não por isso. Tenha uma boa noite — ele se despediu e passou por mim.
Ele ia sobreviver além de 2004. Eu o salvei.
Deu certo!
Senti a sensação de desmaio como da outra vez e soube que chegara a hora de ir embora. Dessa vez, eu levaria boas memória de um badass que me conquistou ainda mais.
Aguente firme... Só mais uma parada antes de irmos para casa.





1988

Aquela dor de cabeça estava se tornando assustadoramente familiar. Não demorei muito para abrir os olhos e me levantar, porque reconheci o jardim dos e me assustei em ter parado logo ali.
Ok, aquilo tinha sido extremamente conveniente.
O jardim parecia em frangalhos, um certo cuidado não passava ali há um bom tempo — o que não era comum, porque as mãos da Karin sempre mantiveram o local impecável.
Ajeitei a alça da mochila e, sem pensar muito, toquei a campainha.
Uma versão mais adolescente de Andreas abriu a porta alguns segundos depois. Dessa vez, não fui recebida por nenhuma festa ou comemoração, apenas por indiferença. Foi como um soco na cara, mas engoli em seco e resolvi prosseguir, afinal, eu estava presa ali mesmo.
— Olá — falei em sueco. — Você deve ser o irmão do . Sou a , prazer — estendi minha mão. Uma parte minha quis muito que ele me perguntasse se eu era uma alienígena, como das outras vezes. Porém, apenas pegou minha mão despretensiosamente.
— Meu nome é Andreas. E ele não está em casa — avisou, meio ríspido.
— Sabe quando ele vai chegar? — perguntei, sentindo o vento bater nas minhas costas e bagunçar meu cabelo.
Ele gritou o nome da irmã e esperou por resposta. Passei os braços pela minha barriga para me proteger do frio e isso pareceu chamar sua atenção. Fitei também o suéter fino e justo. Agora, já dava para desconfiar que um bebê crescia ali, se olhasse com atenção, ou poderia ser apenas inchaço, mas um desavisado desconfiaria que seria um bebê. Me chamou para dentro e pediu para que esperasse ali, porque faria algumas ligações para descobrir onde o irmão estava.
Me sentei em um sofá que não combinava com a sala, mas nada deveria combinar com aquela bagunça. Era assim que eles viviam nos anos 80? O segundo andar nem existia ainda, a lareira era puro carvão, o carpete estava encardido e havia roupa, lixo e cinzas de cigarro por todo canto. Não sabia se seria uma boa ideia mesmo adotar aquela estratégia que ele disse em ‘97. Talvez eu devesse procurar outro lugar e tentar me aproximar devagar. Estava me sentindo absurdamente deslocada ali — um dos locais que me senti mais em casa nos últimos tempos.
Lilly de uns 14 ou 15 anos apareceu, me olhando, não como um monstro, mas como uma desconhecida qualquer que passava pelas mãos do seu irmão mais velho.
— E quem é você? — ela perguntou, analisando meu rosto. Eu a analisei por completo. Quis muito rir de suas roupas, mas seria muito inapropriado.
— Ahm... — Pensei no que dizer para uma Lilly de língua e mente afiadas. — Sou amiga do seu irmão, o . Meu nome é .
— Está de quantos meses? — ela perguntou repentinamente. Até fiquei sem saber o que ela estava falando por não ver seu olhar sair do meu rosto nem por meio segundo. — Seu bebê. É um bebê, certo?
Cruzei os braços em cima da barriga de novo, agora como proteção.
— Estou de treze semanas.
— É dele, não é? — ela perguntou, sentando-se no braço do sofá.
Nada escapava dela. Nada mesmo. Concordei com a cabeça, um pouco receosa de revelar aquilo.
— Aquele irresponsável... — Ela fez um som de desgosto. — Ele está encrencado, vou falar tudo para o papai.
Arregalei os olhos. Uma Lilly infantil não estava nos meus planos. Pensei em implorar para ela não fazer nada, mas Andreas voltou à sala.
— Meu pai vai avisá-lo — explicou. — Você quer beber ou comer alguma coisa? Não sei se temos comidas para grávidas — ele disse, como se mulheres grávidas comessem capim.
Sorri a ponto de sentir a pele das minhas bochechas repuxar, tentando parecer simpática a todo custo.
— Só água mesmo — falei com intenção de deixá-los familiarizados comigo. Afinal, eu também teria que reconquistá-los.
Ele saiu em direção à cozinha. Lilly voltou a me encarar.
— De onde você é? — perguntou.
— Brasil — respondi, controlando até minha respiração, com medo de revelar demais e ela correr para me delatar ou julgar, como seus olhos já faziam.
— Hm... — Ela passou aquela visão de raio laser por mim de novo. — Suas roupas são... estranhas.
Dessa vez, eu estava vestida apenas com calça jeans e um suéter quadriculado azul escuro e branco. Porém, minha calça era um mom jeans e típico do meio dos anos 90 mesmo. Resolvi não responder porque, pelo menos daquela vez, eu não estava de pijama ou camisola hospitalar.
Andreas me entregou um copo mal lavado com água. Bebi o conteúdo sem reclamar.
— O está muito fodido — Lilly comentou, olhando para minha barriga de novo, levando seu irmão também a encarar.
— É... ele está — murmurou.
— Erm... — Pensei em algo para despistar a atenção deles. — Que tal se a gente assistisse um pouco de TV enquanto esperamos por ele? — sugeri.
Eles dois deram de ombros e Andreas foi ligar o aparelho velho. Lilly continuou ao meu lado, vez ou outra me lançava seu olhar julgador que parecia pesar toneladas. Os programas dos anos 80 para adolescentes suecos pareciam chatos e sem graça ou eu que estava me corroendo de ansiedade. Me senti perdida, em um lugar onde conhecia as pessoas e elas não me conheciam de novo. Só que agora tínhamos toda uma história. Minha melhor amiga estava me julgando por estar grávida do seu irmão, sendo que foi ela quem comemorou primeiro.
Ouvi as chaves no trinco da porta e vi um de cabelo em pé entrar por ela normalmente. Dava para notar que ele gastou, pelo menos, uma lata de laquê para colocar aquele cabelo repicado para cima daquele jeito. Levantei do sofá ao mesmo tempo que seus irmãos.
— E aí — falou, me analisando. — Quem é essa? — perguntou para Lilly, como se eu fosse a amiga dela. Bom, não naquele ano. A forma com que me olhava fazia com que eu me sentisse um pedaço de carne e causava nojo.
— A mã... — ela começou dizendo.
— Sou a — interrompi antes que ela revelasse logo de cara. — Provavelmente você não se lembra de mim, mas a gente se conhece.
Mais uma vez: seria uma cena cômica, se aquelas linhas de expressão na sua testa não estivessem ali. Ele não estava entendendo nada. Quando me viu andando em sua direção, fixou o olhar na minha barriga. Parece que a barriga chamava mais atenção do que eu previ, mesmo que ainda fosse bem pequena para uma barriga de grávida. Ele deu alguns passos para trás, parecendo entender tudo e eu parei em cima de uma caixa vazia de pizza.
— Quem é você? — perguntou de novo, com receio agora.
— Eu posso explicar. — Tentei tranquilizá-lo com as mãos. Eu estava ficando nervosa a ponto de querer rir descontroladamente da situação.
Pensei em contar toda a verdade, sobre ser uma viajante do tempo, sobre ele, implorá-lo para se apaixonar de novo por mim, para me reconhecer... Qualquer coisa que o fizesse parar de me olhar como se fosse uma desconhecida depois de tudo o que passamos. Eu não sabia se poderia suportar essa dor de olhá-lo e ser a única que se lembrava da nossa história.
— Oh, não... É m-meu? — gaguejou, e vi o medo em seus olhos tão familiares. Medo de mim.
Pensei em falar que “não” e sair correndo dali. Porém...
— É — Lilly disse atrás de mim. — Seu irresponsável!
Agora, pronto. A merda havia sido jogada no ventilador.
Ele colocou as mãos na testa em desespero. Vi seus olhos arregalarem. Temi pelo seu coração, mas ele não parecia estar passando mal nesse sentido. Só parecia que todo o seu sangue tinha sumido e o deixado pálido demais. Essa, sim, parecia uma reação à altura. Ao contrário da primeira vez. Talvez fosse mesmo uma mentira plausível em 1988.
— E-eu não me lembro — murmurou. Pigarreou para corrigir o volume da voz. — Não me lembro de você.
É, infelizmente eu sabia e aquilo doía. Queria chorar, mas não podia e, por isso, minhas emoções ficaram ainda mais intensas.
— Imaginei, você parecia meio bêbado — falei, assim como na primeira vez. Saiu como algo convincente dessa vez.
— Onde você mora? — Andreas perguntou, com uma mão no meu ombro.
parecia perdido, senti uma pontada no peito por vê-lo assim e não poder consolá-lo.
— Eu... fugi de casa. Meus pais não podem saber sobre esse bebê — menti com certa naturalidade e me surpreendi por isso. Na primeira vez, foi tão difícil, tão complexo inventar uma mentira. Agora, com certa simplicidade, saiu extremamente convincente. É, eu havia me tornado boa mentirosa, afinal.
Eles ficaram em silêncio por alguns minutos. Lilly andou até ele e deu um tapa atrás de sua cabeça.
— Fala alguma coisa para ela, seu idiota — ordenou.
— Falar o quê?! — ele praticamente gritou. — Eu não sei o que fazer! O que quer que eu faça?! — A pergunta foi para mim.
Suspirei. Ele era realmente uma pessoa diferente nos anos 80. Estava óbvio o que todas as pessoas ali presentes, além dele, esperavam que fizesse e, mesmo assim, ele parecia não enxergar o que estava bem à sua frente. Nem me questionar parecia disposto.
— Nada. Só achei que deveria saber que é seu — minha voz saiu por um fio, como se ele tivesse me apagado com toda a sua indiferença. Fui pegar minha bolsa que estava em cima do sofá. — Vou procurar um hotel. A gente se vê por aí.
— Vai deixá-la sair sem ter para onde ir? — Lilly perguntou para ele, me olhando ir até a porta. Tive vontade de pedir para deixar para lá, mas preferi sair sem falar mais nada.
Ninguém me seguiu pelo caminho até o hotel mais próximo, mas fui tola de achar que alguém o faria durante todo o trajeto.
Paguei adiantado três semanas pelo quarto, aquilo aparentemente demoraria. Reposicionei algumas coisas do quarto conforme me tornasse confortável, arrastei a cama de casal para debaixo da janela, a cômoda de mogno ao lado da porta do banheiro. Só não mexi no móvel da TV porque era pesado demais. Liguei o rádio velho que ficava em cima da cômoda e larguei o corpo em cima do lençol branco. My heart... So blue começou a tocar. Não sei o que começou primeiro: a risada ou o choro.
Como diabos despertei algum sentimento nele? Ele disse, na carta, que se apaixonou por mim desde que me viu usando suas roupas, apesar de que acho que não foi tão de cara. Só que agora tudo é diferente. Ele não pareceu nem comovido com minha situação, mas com a própria situação. Claro, ele só tinha 22 anos, queria que ele pensasse que ter um filho poderia ser positivo como sua versão de 31 e 38 anos? Ele provavelmente estava pensando no quanto ser pai iria atrapalhar suas aspirações. Era 15 de agosto de 1988, o quarto álbum da banda sairia em outubro. Esse álbum seria um dos primeiros passos para mudar o gênero da banda, de black metal para o viking. era o precursor de ambos os gêneros musicais — apesar de não saber sobre o segundo ainda —, mas, naquele momento, com apenas 22 anos, seu ego estava lá em cima.
Lembrava de algumas entrevistas dos anos 80, mas não mais da ordem exata. Algumas informações estavam sendo apagadas da minha mente, conforme eu vivia ali. Não lembrava se ele ainda se embebedava com frequência ou se ainda cuspia fogo por aí — nos anos 80, ele fazia algumas fotos cuspindo fogo, enchia a boca de uísque e cuspia na chama de um bastão, fazendo-a subir —, eu achava bonitinho quando o conheci, mas imaginá-lo atualmente me deixava preocupada com sua segurança.
Me sentia sozinha e não senti isso nem quando viajei para 1990. Só queria que ele tivesse aqui para me abraçar e dizer que iria dar tudo certo, que acreditava em mim. Ao menos, para que ele me deixasse chorar um pouco sentindo seu calor, pensando em seus olhos que me olhavam com medo e sem um pingo de amor. Queria que Lilly se lembrasse de mim e dissesse que sou sua melhor amiga antes de ser namorada do seu irmão, para depois me abraçar.
Aquilo era injusto. Era mais uma punição cruel desse grande castigo.



1988

Uma semana trancada no quarto e chorando em posição fetal tinha se passado. Eu ainda não sabia o que fazer, por onde começar. Agora, parecia uma boa opção esperar até o guardião perceber que falhei na minha missão e me levar de volta para 2019, quando tinha chance de encontrá-lo. Eu queria passar a vida com ele, queria que ele me tivesse ao lado desde os 24 anos, mas, depois de sofrer tanto em 1988, tê-lo aos 53 anos parecia ótimo. Porém, eu sabia muito bem que não era o que ele iria querer. Ele iria querer ver a própria filha crescer enquanto nós dois envelheceríamos no curso natural. Nós merecíamos ter nossa vida de volta.
O que não sabia era da minha capacidade de ficar mais tempo ali. Já me sentia cansada emocionalmente de me adaptar à tantas realidades e mudanças. Ser uma viajante do tempo era desgastante, era você que tinha que se moldar a tudo e o tempo todo, nunca o contrário. Estava tão farta.
Mas, lá estava eu, indo, mais uma vez, comprar roupas da época e comida. Não estava com muito apetite ultimamente, mas precisava me manter saudável para que aquele bebê crescesse.
Como cantava o vocalista do Whitesnake antes que meu dedo apertasse o botão de desligar: And here I go again on my own...
Meu mau humor era evidente, tanto que percebi que alguns caras no corredor queriam mexer comigo e desistiram. Eles já haviam mexido comigo antes, quando eu não parecia mal-humorada e, sim, triste. Falaram que poderiam me fazer sorrir rapidinho. Bem, eu duvidava muito.
Estocolmo parecia mais... antiga. Tudo parecia um pouco velho comparado à 1990. Me surpreendia que em dois anos algumas coisas tivessem se atualizado a ponto de me fazer notar a mudança. Aquela cidade estava se tornando meio maçante, sentia um pouco de falta da paisagem de um país tropical. Se bem que tudo parecia sem graça para mim, não era culpa de Estocolmo, mas do meu estado de espírito.
Não foi difícil encontrar roupas que servissem no meu corpo, porque ele vinha perdendo massa ultimamente. Eu estava péssima, o brilho que 1997 tinha me devolvido se esvaiu todo naquela semana. Porém, trouxe maquiagem na minha mochila de sobrevivência e passei antes de sair para ficar mais apresentável.
Tentei comprar peças que não apertassem muito minha barriga e chegassem a incomodar, porque as roupas que trouxe comigo já estavam fazendo isso, mas nos anos 80 era meio que missão impossível por as roupas serem coladas demais. Pensei que a barriga fosse demorar mais para aparecer, como vi algumas mães de primeira viagem relatando, mas, na décima quarta semana, tentar escondê-la tinha se tornado um pouquinho mais difícil. Peguei um vestido rodado, para quando quisesse disfarçá-la e não receber olhares curiosos.
Sobre meu cabelo, me recusava a cortá-lo só para me adequar aos penteados extravagantes dos anos 80. Em 1991 ou 2019, eu me arrependeria de ficar com o cabelo todo picotado sem motivo. Fora que ele vinha crescendo muito rápido desde que descobri que estava grávida e era a única coisa que parecia brilhar em mim.
Estava com três sacolas de roupas, outra com algumas frutas da estação e compras diversas. Foi o motivo de não conseguir abrir a porta do centro comercial de primeira, mas uma mão masculina apareceu e segurou-a para mim.
— Obrigada — agradeci em sueco e me virei para sorrir.
Meu sorriso morreu antes de aparecer ao ver o dono da mão. Era , é claro. Não sei como não reconheci aquela mão antes, se ela já esteve por tantas partes do meu corpo. Senti um frio na barriga, um que não sentia havia um tempo.
— Por nada — ele respondeu, em inglês. Seu cabelo não tinha laquê, mas ele ainda usava muito couro para ser o meu . Mesmo que eu tivesse conhecido aquela versão dele em 2019 e me apaixonado, eu já tinha me acostumado a vê-lo em trajes normais e, por isso, sua escolha de roupa me irritava profundamente.
Virei para a frente e tentei andar a passos rápidos, porém as sacolas foram um empecilho. Não foi nenhuma surpresa ele ter me alcançado pouco tempo depois com suas pernas enormes.
— Me deixe ajudar com essas sacolas — ofereceu.
Ah, mas agora ele queria ajudar.
— Não preciso da sua ajuda, ... Ou eu deveria dizer ? — cuspi as últimas palavras, o encarando.
— Pode me chamar de — respondeu, impassível. — E é só uma ajuda, você mal está conseguindo andar e, se tropeçar, o estrago será maior.
Fiz cara feia. Realmente, tinha um ponto, eu não poderia ficar me acidentando no momento. Entreguei as sacolas mais pesadas com as roupas e ele que se ferrasse com o peso.
Nós dois andamos lado a lado. Parecia pura ansiedade só pela sua postura corporal e o modo como respirava. Resolvi não tentar puxar assunto por estar sem paciência, naquele momento, para lidar com uma versão imatura do homem que amava. Até porque ainda não sabia como lidar com ele.
Ao chegar à porta do hotel, eu parei e ele estancou ao meu lado. Não queria subir com aquelas sacolas e parecia realmente mal-educado não o convidar para entrar. Então o chamei, e ele aceitou de bom grado, provavelmente concluindo que seria incômodo para subir as escadas cheia de sacolas. Pesquei as chaves de dentro do bolso traseiro da calça e destranquei a porta. Ao entrar, coloquei a sacola com a comida de lado e o observei feito uma estátua no vão da porta. Por acaso, ele era um vampiro e precisava de mais um convite para entrar no quarto?
Arqueei uma sobrancelha.
— Vai ficar parado aí ou trazer essas sacolas para dentro? — perguntei, soando grosseira demais. Pareceu acordar do transe e entrou. Colocou as sacolas de roupa junto da outra. Antes que saísse correndo feito uma criança com medo do escuro, fechei a porta e indiquei a cama para que se sentasse. Comecei a esvaziar a sacola de comida, carreguei algumas coisas para o frigobar. Ele apoiou o peso do tronco nas mãos que estavam atrás de seu corpo.
— Quer beber algo? — ofereci, analisando o conteúdo da geladeira. — Suco de laranja ou água?
Nenhuma das duas opções agradavam muito seu paladar, eu estava mais do que ciente. Só que eu estava tão nervosa quanto ele e precisava quebrar o gelo falando algo simplório.
— Não, obrigado — respondeu, com a voz mais grossa que o normal.
Fechei a porta da geladeira e apoiei o quadril nela, cruzando os braços.
— E, então, como está a sua banda? — resolvi puxar assunto, porque não estava aguentando vê-lo tão sem jeito. Parecia que ele não falava direito com uma garota há muito tempo. Quer dizer, sem segundas intenções, é claro.
— Bem... — ele suspirou, visivelmente tentando voltar a si. — Vamos lançar um disco em outubro.
— É mesmo? — fingi que não sabia. Até que eu estava ficando uma boa atriz, meus pais ficariam orgulhosos de que, mesmo que eu tivesse escolhido o que escolhi, no final acabei sendo forçada a atuar tanto quanto ultimamente. As aulas de teatro tiveram uma finalidade.
Ele concordou com a cabeça. Pensei o quão fácil seria mantê-lo interessado. Se eu me sentasse em seu colo e falasse em seu ouvido algumas sujeiras que sabia que adorava escutar, ele não largaria do meu pé tão cedo. Porém, não poderia ir por aquele caminho de cara, se quisesse que ele se apaixonasse. Teria que ser com calma e isso era algo que eu precisava aprender a ter. Meu corpo pedia pelo dele, mas meu cérebro me lembrava constantemente que ele não era o mesmo.
— É o quarto disco da banda — ele completou, depois de um tempo calado.
Murmurei algo positivo só para não mostrar desinteresse. Ele começou a fitar os próprios pés.
— É , certo? — ele confirmou meu nome e eu assenti. — É um nome legal.
Ele definitivamente tinha um mau gosto. Dessa vez, nem gostava de mim para defender meu nome.
— Já pensou em nomes para o bebê? — O nervosismo estava presente na sua voz por abordar aquele assunto.
— Por que você quer saber? — resmunguei, olhando-o feio. Talvez eu tenha sido muito ríspida, mas na minha cabeça ainda ecoava sua pergunta do que queria que fizesse e me irritava profundamente. Suspirei, tentando recuperar a calma ao ver seus olhos assustados. Fui longe demais. — O nome dela é Emma. É uma menina — dei a notícia pela terceira vez.
Parabéns. Você vai ser pai de uma menina, seu paspalho.
Ele parecia em choque de novo enquanto fitava a geladeira.
— V-você tem certeza de que eu sou o pai? — perguntou.
Ok, era aquilo. Definitivamente tinha esgotado todo o estoque restante da minha paciência com aquela pergunta. Marchei até a porta, pronta para colocá-lo para fora, mas, ao agarrar a maçaneta, ele disse baixinho:
— Desculpa.
Me virei para encarar a cara de pau de quem duvidou de que era o pai do bebê que eu estava carregando. Ou seja, não estava com uma expressão lá muito amistosa. Poderia descrever como um olhar de quem queria fazer picadinho daquele rostinho e corpinho perfeitinhos até não sobrar nadinha, e tudo no diminutivo porque estava muito brava.
— Eu conversei com o meu pai depois daquele dia e ele me fez perceber o quanto fui imbecil. Principalmente por te deixar ir embora, mesmo sabendo que você não tinha para onde ir — explicou. Seus olhos estavam escuros. — Vamos... — pareceu pensar — tentar tudo de novo, do começo. Do jeito certo.
Encostei as costas na porta, mostrando que estava ouvindo.
— O que você quer dizer? — perguntei, curiosa.
— Por que a gente não sai para jantar, como um primeiro passo? — sugeriu.
Soltei uma risada sarcástica.
— Você quer sair em um encontro comigo? Espere lá, não quero que se sinta pressionado a se casar só porque estou grávida — zombei.
Me arrependi amargamente de novo por não pensar antes de falar, porque eu precisava de uma migalha e ele estava me entregando um banquete de bandeja. Vi decepção manchar seus olhos, mas sua expressão era vazia. O velho estava de volta com sua ausência de expressões, quase grunhi ao constatar aquilo.
— É só um jantar para a gente se conhecer, não precisa segurar minha mão ou qualquer coisa parecida — explicou, com calma.
Agradeci mentalmente por não ter desistido depois da minha grosseria. Nunca o imaginei como alguém que insistiria, ainda mais sabendo da sua fama e de todas as garotas que tinha à sua disposição.
— Hoje à noite? — sugeri, tentando contornar a situação.
— Claro. Posso vir te buscar às oito. — Ele se levantou e parou na minha frente.
— Às oito... me parece bom — falei, meio desconcertada com a proximidade dele. Mordi o lábio inferior para controlar a vontade de tocá-lo, de descansar minha cabeça em seu peito e sentir seu calor tão familiar me inundando enquanto me acalmava.
Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele girou a maçaneta e saiu, me deixando presa com uma amostra generosa daquele maldito cheiro de shampoo de frutas. Pura sacanagem. Pensava que o cheiro do tanto de laquê que andava usando abafaria, mas me enganei. Fiquei ali, o aspirando, feito a patética que era. Eu senti falta da presença dele na semana que se passou, o cara que destroçou meu coração, eu só podia me odiar mesmo.
Droga, e quase desperdicei a única chance que tive depois de uma semana pensando em como consegui-la. Onde é que eu estava com a cabeça, hein? Talvez, depois de viver um conto de fadas em 1997, encontrar um que não se lembrava de mim foi pior do que eu imaginei. Porém, não podia deixar que aquilo me atrapalhasse, eu precisava chegar em 1991.
Precisava também me recompor, já eram quase 18 horas e tinha que estar pronta logo mais. Não poderia arriscar dar outro show de grosseria daqueles.
Tomei banho, lavei o cabelo e enrolei uma toalha nele. Analisei minhas opções de roupa. O que poderia conquistar um garoto que era considerado por muitos como um ícone de um gênero musical? Eu já fizera aquilo uma vez, então não deveria ser tão difícil como parecia. Não comprei roupas de couro e com correntes, como as garotas que eram fã dele se vestiam; só roupas confortáveis. O vestido rodado pareceu ser uma boa opção, ele era azul claro e de mangas longas que tinham pequenas aberturas perto dos pulsos. Coloquei sapatos vermelhos e meia-calça branca. Me olhei no espelho e vi uma versão dos anos 80 de mim mesma. Sorri com a constatação. Aquilo ia ter que servir. Passei de novo a maquiagem e ouvi batidas na porta quando estava terminando de ajeitar o batom vermelho.
Peguei a bolsa que comprei e abri a porta. Ele parou com a mão no ar enquanto me analisava. Também o analisei, usava jeans de lavagem escura, uma camiseta preta de uma banda chamada Mefisto enfiada no cós e um par de tênis brancos surrados. Acho que essa era a definição dele de “arrumado” na época, mas ele nunca se arrumou muito para sair comigo, só quando tivemos um jantar com aquele povo da revista em 1990. O cabelo molhado lhe dava um ar de limpo, no entanto.
— Você está... — começou a dizer, mas o interrompi quando passei por ele e tranquei a porta.
— Disse que não era um encontro, então achei que não precisava me fantasiar de princesa das trevas para tentar te agradar — brinquei enquanto andava pelo corredor.
— Eu ia dizer que você está muito bonita — comentou, andando ao meu lado.
Agradeci. Dessa vez, não tinha um Volvo ou uma Harley Davidson nos esperando. Fomos a pé até o restaurante que era ali perto. Não sabia quem estava mais sem jeito durante o caminho, eu ou ele. O silêncio era extremamente constrangedor e tentei segurar ao máximo minha boca que queria soltar umas asneiras típicas de quando estava nervosa. Ainda bem que não demorou nem dez minutos para chegarmos.
Tinham muitos jovens ali, tornando o lugar barulhento. Era um restaurante de comida americana, a decoração devia ser a mesma desde os anos 50, o piso xadrez preto e branco maltratado era prova daquilo. Me sentei no estofado vinho descascado e ele se sentou em minha frente. Uma música romântica do Foreigner saía das caixas de som espalhadas. Abri o cardápio na frente do meu rosto.
Calma, . Você não é uma adolescente tendo seu primeiro encontro. Na verdade, você já saiu várias vezes com esse mesmo garoto que está te deixando tão nervosa. Ele só não sabe disso.
Suspirei. Se fosse em outro momento, eu me beliscaria para ver se voltava a agir racionalmente. Porém, ele não precisava ver esse meu lado estranho agindo ainda.
— Você... — comecei a puxar assunto.
— Quantos... — começou a falar na mesma hora.
Sorrimos e indiquei com a mão que continuasse.
— Quantos anos você tem? — perguntou, me analisando.
— Vinte e seis.
Ele parecia surpreso. Talvez eu já tivesse idade para me denominar papa-anjo, como as pessoas do século 20 falavam.
— Acho que nunca saí com uma mulher mais velha assim — confessou.
— Também nunca me relacionei com um homem tão mais novo que eu, mas cá estamos — falei, voltando a olhar o cardápio. Sentia falta daquele cavanhaque que o deixava com ar mais maduro, acho que iria pedir para ele deixar crescer em ‘91. Era bonitinho.
— Já escolheu? — perguntou, atraindo minha atenção e me lembrando novamente que estava ali com o no começo de seus 20 anos. — Tenho que ir ao balcão fazer o pedido.
— Ah! — Eu nem tinha assimilado nada do cardápio, estava ocupada fantasiando com ele mais velho. Cabeça de vento. Fechei e o pousei na mesa. — Vou querer o mesmo que você, mas com uma Coca-Cola de cereja.
Assentiu e foi até o balcão. Dei uma secada nada discreta em suas costas. Ele poderia ser novo e babaca, mas já era um tanto quanto atraente.
Ei, ei. Não deixe o monstro insaciável acordar. Foco. Pense em algo legal para conversar.
Nada me veio à mente nos sete minutos seguintes. Nada. ‘Tá, talvez uma piadinha sexual, porque pensei nele pelado. Só que eu não poderia trabalhar com aquilo. Ele já estava voltando com a bandeja nas mãos e eu comecei a me desesperar.
Depois de sentado, pegou um dos sanduíches com batatas-fritas e o milkshake de morango. Tinha a impressão de que minha cara era de quem estava prestes a explodir e por isso me fitou sem entender ao comer uma batata.
— É... — Pensa, pensa. — , é verdade que você prefere mulheres mortas?
Sério? Foi isso que você pensou? Logo uma das perguntas proibidas que tirava da lista das entrevistas?
Ele soltou uma risada e acabou engasgando-se de tabela. Seu rosto começou a ficar tão vermelho que estava evoluindo para o roxo. Não parecia nem um pouco bem, até porque já estive engasgada assim para saber que não estava. Me levantei em um pulo para bater em suas costas e talvez ajudá-lo a desentalar. Fiquei agoniada e comecei a socá-lo para ver se surtia efeito. Sei lá. Não estava mais confortável em ficar perto dele tossindo tanto depois de 2004.
Ele pegou meu braço pelo pulso antes que eu o esmurrasse mais uma vez. Percebi que estava na hora de voltar para o meu lugar ao ver um brilho de divertimento em seus olhos e seus lábios se retorcerem. Me sentei e senti minha pele febril de tanta vergonha.
— Isso foi... interessante — ele comentou, sorrindo, e pigarreou. — Você fez de propósito.
Eu não tinha feito, por isso me forcei a rir e comer uma batata. Percebi que ele estava tentando disfarçar o sorriso enquanto comia. Bom, pelo menos meu jeito destrambelhado o divertia em qualquer ano.
— Qual sua banda favorita? — perguntou enquanto comia o sanduíche.
Eu costumava responder que era a dele, mas depois de conviver com ele e resolver as coisas da banda, nunca mais parei para admirar como antigamente. Até porque ele não tinha os próprios discos em casa, então acabei nem comprando para a minha. Por isso, depois daqueles meses, podia afirmar que:
— Erasure — respondi e recebi uma careta em troca.
— Que... cafona.
Até em 1988 teria que ouvir aquilo dele? Enfiei um pedaço grande do sanduíche na boca para não dizer nada. Na hora de engolir, parecia um bloco de cimento. Não sabia como eu mesma não me engasguei. Seria só o que faltava mesmo, para completar o desastre.
— A minha é KISS — murmurou.
Eu sabia tão bem...
— Seu álbum favorito é o primeiro, mas você também é um grande fã do Rock And Roll Over — revelei, sem me importar com as perguntas que aquilo poderia gerar.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Sua música favorita é Makin’ Love, apesar de que você gosta muito de Deuce também — continuei, me divertindo com seu espanto. Não sabia o que tinha me dado para querer mostrar todo aquele conhecimento. — Você estava bêbado, mas eu não — complementei com a mentira. A versão certa dessa sentença era: você não lembra, mas eu lembro. De tudo.
— E qual a sua favorita deles?
Antes ou depois de você enfiar a cabeça no meio das minhas pernas naquele lago?
— Ah, você provou seu ponto de Makin’ Love ser a melhor — ri enquanto enfiava batatas na boca para disfarçar minha vergonha.
Ele sorriu aquele sorriso malicioso tão familiar. Se ele fez aquilo com outras mulheres ao som daquela música, eu iria matá-lo em 1991. Definitivamente sofreria minha fúria. Aquele era um momento nosso!
— Queria lembrar de você. Parece que fui eu mesmo contigo te contando essas coisas e eu não sinto necessidade de ser assim com ninguém há um bom tempo — ele disse, com o olhar perdido em um ponto da mesa.
Parecia um pouco... triste. Hora de mudar de assunto.
— Minha música favorita é My heart... So blue do Erasure. Ela sempre toca na rádio e eu gosto muito de cantá-la tomando banho — falei tudo de propósito para provocá-lo.
Ele fez uma careta e eu soltei uma das minhas risadas espalhafatosas, fazendo-o rir junto.
— Bom... Você tem que saber também que meu filme favorito é Dirty Dancing e que pretendo fazer a dança final no meu casamento — continuei.
— Isso é um show de horrores? — brincou e tampou os próprios ouvidos. — Pare, minhas orelhas estão sangrando — riu.
— Tem só mais uma coisinha: não gosto muito do álbum mais famoso do Motörhead.
Abriu a boca para fingir perplexidade.
— Não é possível. Você ouviu de novo? Uma segunda, terceira, centésima vez?
Ah... o velho , lá estava o garoto que eu conhecia.
— Não, mas é uma perda de tempo — dei de ombros.
— Ok, a gente é basicamente o oposto — observou enquanto bebia o milkshake, intrigado. — Isso até que pode ser interessante — deixou escapar, olhando nos meus olhos.
Quando eu cheguei em 1990, estava disposta a fazer muito esforço para agradá-lo. Porém, aprendi que ele nunca quis alguém que fosse o ideal que montaram em revistas, nem alguém igual a ele. Por isso, finalmente, fui me conhecendo a ponto de saber o que me agradava e não agradava. Aparentemente, ele gostava de saber que éramos diferentes, mesmo enchendo meu saco por causa de cultura pop. Também era saudável para o nosso relacionamento.
— Eu gosto bastante da sua banda. Acho bonito o que você fez na faixa 6 do terceiro disco, de misturar black metal e música clássica — falei e ele agradeceu, parecia genuinamente grato. O do futuro já não gostaria tanto desse elogio por considerar o disco uma porcaria. — Já a faixa 5 do segundo disco me faz rir, você estava com tanto tesão a ponto de escrever aquilo?
Prendeu uma risada e abriu a boca para sorrir.
— Nunca me perguntaram isso antes.
— Provavelmente por sentirem o mesmo tesão esquisito, são garotos na puberdade e noventa e oito por cento é virgem — ri, limpando minhas mãos no guardanapo após comer tudo.
— É verdade — sorriu. — Escrevi e gravei todo aquele álbum bêbado demais para ter senso crítico com meu próprio trabalho — suspirou, pousando o copo vazio do milkshake no tampo da mesa. — Tenho que parar de ficar bêbado assim e ser mais responsável, agora que vou ser pai.
Sorri minimamente, terminando o resto da minha Coca-Cola. Se ele via daquela forma, então quem era eu para falar algo? Ele colocou um cigarro entre os lábios e riscou um fósforo, mas parei-o com a mão no ar.
— Você não pode fumar perto de uma grávida — adverti.
— As mulheres fumam enquanto estão grávidas — falou, como se fosse óbvio. Claro que aquilo nos anos 80 era comum, só que eu jamais permitiria que acontecesse perto de mim, sabendo todos os malefícios.
— Mas eu não e você não vai fazer isso perto de mim, porque faz mal para a Emma. Ainda mais em um ambiente fechado, onde provavelmente vou aspirar toda a sua fumaça. — Neguei com a cabeça. — Nem pensar.
Ele guardou o cigarro de volta no maço e descartou o fósforo no prato. Indignado seria pouco para descrevê-lo. Cruzou os braços e perdeu o olhar no estofado atrás de mim. Eu também estava indignada, por isso não falei nada. Se dependesse de mim, ele pararia de fumar desde já. Esse vício era ainda mais intolerável depois de quase vê-lo morrer na minha frente, as coisas seriam diferentes em 1991, não comeria mais carne vermelha e iria fazer caminhada todos os dias. Me encarregaria disso.
— Vocês podem desocupar a mesa? — uma moça loira pediu, com três outros amigos atrás.
Nós concordamos e carregamos nossos restos até o lixo. O vento não estava tão forte, então não seria incômodo caminhar de volta para casa. Ele ainda parecia meio puto por não poder fumar depois de comer, então peguei sua mão. O assisti sobressaltar.
— Eu quero segurar sua mão, é um encontro — expliquei, lhe lançando meu melhor sorriso de propósito, para melhorar o clima. Sua boca se curvou num sorriso tímido, mostrando que gostava.
Ao sentir os famigerados calos em sua mão pelas cordas da guitarra e o tamanho dos seus dedos comparado aos meus, senti que não fizemos aquilo o suficiente na nossa primeira oportunidade. Sabia que a culpa tinha sido minha por ter causado um sentimento de instabilidade na maior parte do nosso tempo juntos, e ele até dizia aquilo em uma música que fez para mim, mas eu estava ali, tendo uma chance de criar memórias, e segurar a mão dele parecia um bom recomeço.
Vi um parquinho de crianças ali na frente e tive uma ideia para a noite não terminar tão cedo.
— Você tem algum compromisso depois? — perguntei, só para confirmar. Ele negou. — Ótimo.
O arrastei pela mão até a entrada e ele parecia confuso. Me sentei no balanço de metal e o fitei, esperando alguma atitude sua.
— O quê? — ele perguntou, me observando.
— Ou você se senta no do lado ou me balança, não vá ficar parado aí.
Se aproximou. Seu jeito de andar ainda não era charmoso como costumava ser, parecia mais desengonçado do que o normal com aquela altura toda. Pegou na minha cintura — me fazendo entrar em pane com aquele tipo de contato repentino — e empurrou levemente.
— Mais forte — pedi. Ele obedeceu, aumentando a velocidade nos próximos empurrões.
Balanços sempre foram meus brinquedos favoritos, desde criancinha. Cansei várias babás fazendo-as me empurrarem por horas.
Comecei a gargalhar por estar sendo empurrada pelo homem da minha vida em 1988. Não me importei com a saia do vestido esvoaçando com o movimento. Eu estava tendo um momento bom. Ele parou de empurrar por já estar alto o bastante. Tive vontade de pular no chão, mas não poderia correr o risco de cair. Então fui diminuindo de ritmo, até quase parar, e suas mãos agarraram as correntes em cima da minha cabeça. Virou o balanço em sua direção.
— Você me trouxe aqui para isso? — perguntou, em um tom brincalhão.
— Talvez — falei, sorrindo. — Está incluso no pacote “encontro comigo”, eu adoro balanços!
Ele também sorriu. Percebi que tinha molho em seu queixo, puxei-o pela camisa até se agachar e ficar da minha altura. Seus olhos me estudaram. Passei o dedão para limpar aquele pedaço de pele e isso pareceu, de alguma forma, chamar sua atenção para minha boca. Prendi o ar. Ele queria me beijar? Hm... Definitivamente queria, só o vi olhar para minha boca daquele jeito antes de me beijar. E eu também queria, o momento era totalmente propício. Não sei se deveria, se isso alimentaria seu ego e ele acharia que poderia ir além na questão sexual.
Estava pensando demais de novo. Não era mais assim, só estraguei tudo fazendo aquilo.
Embrenhei meus dedos no seu cabelo ainda úmido e fechei os olhos, permitindo com que selasse nossos lábios. Ele o fez. Senti suas mãos segurarem de leve minha cintura e me trazer para mais perto. Sua língua pediu passagem e concedi prontamente. O gosto era o mesmo, mas o modo como nossas línguas se moviam era novo. Abracei seu pescoço e me permiti desfrutar da sensação de conhecê-lo mais uma vez.
Parou de me beijar gradativamente, até nossos olhos abrirem ao mesmo tempo e seu rosto se afastar alguns centímetros. Aquele poderia entrar para a história como nosso primeiro beijo, foi calmo e sem segundas intenções. Ao contrário do primeiro de verdade, que bebi, o ataquei em um elevador e depois fui parar em sua cama. Este também veio em um encontro, o que era um ponto a mais.
Um sorriso modesto brotou em seus lábios.
— Talvez a gente esteja indo rápido demais... — ele disse, me dando a impressão de que não gostou — para duas pessoas que já estão esperando um bebê — completou, brincando.
Os olhos brilhavam sob a parca luz. Ele parecia ter tirado proveito daquele momento tanto quanto eu. A insegurança ainda me fazia duvidar um pouco daquilo, ele tinha milhares de encontros com mulheres não-grávidas que acabavam em muito sexo. Até fui uma delas. Aquela era apenas outra brincadeira de criança para ele. O afastei com a mão em seu peito e deixei o balanço. Já tivéramos o suficiente por aquele dia. Ele ficou de pé, mas evitei seu olhar para não ter que me explicar.
Nós andamos pela rua e eu peguei sua mão de novo. Sentia falta do seu calor na minha pele, estava me ajudando a pensar com mais clareza. Também não podia mostrar que estava insegura, estragaria com meus planos. Seus olhos me questionavam e apenas respondi com um sorriso fraco. Conquistar alguém do zero era muito difícil, ainda mais quando o fiz sem saber da primeira vez. Qualquer coisinha poderia ser fatal.
Foi comigo até a porta do meu quarto e tive que soltar sua mão para destrancar. Depois de a chave girar no trinco, virei para ele. Estava apoiado na parede, me esperando ditar o próximo passo.
— Obrigada por me convidar — falei, envergonhada, porque nunca tivemos um encontro daquele tipo, com todas as formalidades.
Ele sorriu de lado.
— Foi divertido — comentou, se abaixando para me abraçar. Fiquei na ponta dos pés e descansei o queixo em seu ombro. Aquele cheiro, combinado à saudade que eu estava sentindo dele, me fazia querer chorar de novo. Ele fez menção de sair, mas o segurei firme só para poder aproveitar um pouco mais a sua presença. Minha vontade era de arrastá-lo para dentro só para dormir enroscada nele.
Quando começou a extrapolar o limite de esquisito, me forcei a soltá-lo. Eu estava a um fio de me debulhar em lágrimas.
— A gente se vê — falei com a voz um pouco embargada, pigarreei e repeti. Abri a porta e entrei, de uma vez só, fechando-a em sua cara.
Não podia suportar olhar para o seu rosto e ver que ele não me entendia. Era uma dor insuportável ser a única que lembrava de nós dois. Eu só sabia que, depois de daquele dia, precisava me curar para outra dose de tortura.



1988

Não tinha muito o que fazer, além de dormir. Eu estava ali unicamente por causa do . Dois dias se passaram... e nem sinal dele.
Não sabia o próximo passo ou o que fazer a partir dali no plano conquistar--dos-anos-80. E sinceramente? Cansei de quebrar a cabeça pensando naquilo. Resolvi que sairia de manhãzinha para absorver um pouco de vitamina D, tentar lutar mais um dia contra o enjoo matinal e dar umas férias para os meus neurônios.
Quando ia saindo do quarto, tropecei em algo e só não caí porque me segurei na maçaneta. Olhei para o chão e se tratava de uma pessoa curvada em uma bola.
— Desculpa — uma voz familiar ressoou pelo corredor e não demorei nem meio segundo para reconhecê-la. Era Lilly.
— Lilly? O que você está fazendo aqui? — perguntei, me agachando para ter uma visão melhor.
Ela sorriu e seus olhos se iluminaram.
— Não quis bater na porta e correr o risco de te acordar — explicou o motivo de estar no chão.
— Seu irmão te mandou aqui? — tentei adivinhar.
— Ah, não. Ele viajou para a Inglaterra, acho que volta hoje à tarde. — Abraçou de novo os próprios joelhos. — Pensei que você poderia estar precisando de algo, já que ele não está por aqui.
Eu não precisava dele para nada e ela sabia muito bem depois do que rolou na casa deles. Porém, estava sendo gentil e resolvi que poderíamos usar aquela deixa para nos aproximar.
— Preciso de alguém para tomar um pouco de sol comigo, o que você acha?
Arrumou a postura, se animando.
— Sei de um lugar que os idosos costumam tomar sol aqui perto. — Ficou de pé em um pulo e me estendeu a mão para ajudar.
Ela não fez de propósito ou sequer percebeu, mas achei engraçado que associasse nossa atividade a idosos. Ainda mais por ser uma adolescente que não deveria se interessar por atividades simples, como apenas aproveitar o sol fraco da manhã. Bem, se fosse eu, não me interessaria. Mas, se bem conhecia Lilly, aquele era o seu jeito de demonstrar que estava me dando uma brecha para entrar em sua vida. Não sabia o que sentiu ao me ver da primeira vez ou dessa, mas agradecia aos céus por ter simpatizado comigo. Não ganhei só com a viagem no tempo, mas ela também. Por isso, adoraria conquistá-la mais uma vez.
Foi uma surpresa quando me guiou, quase saltitando, até o parque que eu tinha levado seu irmão. Era um final de semana e o verão ainda estava por ali, então todos queriam estocar o máximo de calor possível para enfrentar o frio e a escuridão implacável da Escandinávia. Escolheu um dos bancos de ferro para a gente e notei que alguns deles estavam, de fato, ocupados por idosos, mas também por famílias com bebês no carrinho e crianças pequenas. Senti um calafrio em pensar que dali a alguns meses seria eu a empurrar um carrinho com meu bebê dentro e só pude desejar que, ao menos, estivesse de volta à 1991 quando acontecesse. A possibilidade de ter um bebê em meio a essa viagem do tempo era assustadora.
Havia uma árvore grande em cima de nós e os raios solares que nos banhavam vinham do espaço entre as folhas. Tirei os chinelos e passei os pés pela grama verde, tentando buscar uma distração para os meus pensamentos ansiosos.
disse que o nome da bebê será Emma. É um dos meus nomes favoritos, por causa do romance da Jane Austen. Está na moda ultimamente, não é? — tagarelou, me imitando com os pés na grama.
— É. E realmente é um bom livro — respondi, relembrando só naquele momento da existência do livro. Gostei muito dele, só estava atrás de Orgulho e Preconceito para mim. Emma também me lembrava a Emma Roberts, a Emma Stone e a Emma Watson, que eram atrizes que gostava muito e nem haviam nascido ainda;inclusive, a Emma Stone nasceu no ano que estávamos. O quão doido era aquilo? — Por enquanto, será apenas Emma , porque não consegui pensar em um nome do meio. Alguma sugestão?
— Você vai colocar o nosso sobrenome? — ela pareceu impressionada e animada ao mesmo tempo. — Espera. Você sabe o nosso sobrenome?
Bem-notado, Lilly. Não tinha lembrado do mero detalhe de que o não contava o nome e o sobrenome para ninguém. Quis me estapear por aquilo. Eu costumava ser mais preparada.
— Ah, sim. Precisei pedir informação para chegar e mencionaram que era “a casa dos ” — inventei, me surpreendendo que saiu algo convincente. Tinha ficado nervosa a ponto de sentir meu rosto começar a esquentar. Concordou, mostrando que passei no teste. — Bom, já que ela tem um pai e eu sei bem quem é, então decidi colocar o sobrenome dele.
Tive uma ideia, de repente. Aquela pergunta poderia testar minhas chances com o irmão dela.
— Você acha que ele pretende não assumir a paternidade? — perguntei, fingindo despretensão. Os planos consistiam em voltar para 1991 bem antes do terceiro trimestre da gestação, então não importava tanto assim no momento, mas, se ele escolhesse assumir, queria dizer que tinha chances.
— Não, não. Ele vai. Se dissesse que não assumiria, eu o obrigaria, minha sobrinha não nasceria sem o nome do pai na sua certidão — falou, com o nariz empinado, mostrando o quanto já era bem decidida.
Sorri. Depois que a conheci, descobri que aquela só era uma casca que ela criou para proteger o quanto era sensível e emotiva. Ela nunca me contou com palavras, mas juntei várias pecinhas do quebra-cabeça para concluir que era culpa de sua mãe. Uma vez, Börje me disse que ela se referia, com frequência, à Lilly, como bebê-chorona e isso irritava a menina profundamente. Então, ela cresceu e virou aquela garota que adorava colocar os outros contra a parede, mas também a que chorava junto.
— Eu acho que você vai ser uma boa tia, Lilly — comentei, enquanto observava seu perfil. Ela estava vestida estilo disco, uma blusa que parecia até um vestido curto com estampa de oncinha, um cinto verde na cintura que combinava com seu short de malha e suas sandálias eram rosa choque. As argolas de plástico na sua orelha, da mesma cor que as sandálias, balançavam junto com seu cabelo repicado com a brisa. Precisava me lembrar de comentar sobre seu visual assim que eu voltasse. Era muito bom para deixar cair em esquecimento.
Ela sorriu timidamente.
— Eu sempre quis ser tia — comentou, seus olhos adquiriram um brilho conforme falava. — O passou a vida toda dizendo que não queria ter filhos por causa do que sofreu, mas algo me dizia que ele seria um bom pai. Talvez por ter cuidado de mim e do Andreas uma boa parte da vida... A gente almoçava e jantava pizza, não fazia o dever de casa até sermos obrigados porque nosso pai foi chamado na escola, escutava KISS e discutia o dia inteiro; mas era legal, eu sempre fui apegada a ele. Então, pedi ao universo que se esse pensamento fosse verdade mesmo, algo ia acontecer um dia e uma garota bem legal apareceria grávida, provando-o que tudo que acreditava estava errado esse tempo todo. — Se virou para mim, sorrindo. — Bom, aqui está você e grávida.
Soltei uma risada, mas na verdade queria chorar. Droga, estava tão chorona... Mas ela estava revelando uma parte da vida com o irmão, assim como na primeira vez que nos vimos.
— Então a culpa é sua, afinal de contas? — brinquei, fazendo-a rir. — Nada que umas fraldas sujas e umas noites com a tia Lilly não me façam te perdoar.
— Pode deixá-la comigo quando quiser, eu vou achar o máximo!
Ela voltou a observar o parquinho, que estava um pouco mais à frente. Um casal ensinava um bebê a dar seus primeiros passos em cima de uma toalha para piquenique, ao seu lado esquerdo.
— Que tal Claire? — perguntou, depois de uns minutos em silêncio. — Emma Claire .
— É bonito, mas por quê?
— Não sei… — Ela pareceu pensar no motivo da sugestão. — Só me veio à mente.
Imaginei que eu poderia recompensá-la por não participar da escolha do nome assim.
— Você gosta? — confirmei e fez que sim com a cabeça. — Então vai ser Claire, prometo.
Seu semblante se tornou radiante. Ainda bem que ela tinha um bom gosto, se perguntasse ao seu irmão, provavelmente sugeriria que o nome do meio da menina fosse . E Claire era um nome lindo. Além do mais, me lembraria sempre da Claire de Outlander, que era minha viajante do tempo favorita.
Emma Claire .
Toquei minha barriga e repeti mentalmente várias vezes para ela ir se acostumando a ser chamada assim.
Lilly fitou minhas mãos espalmadas e pareceu dividida.
— Posso tocar na sua barriga? — ela perguntou, finalmente, enquanto mordia o lábio inferior.
Tirei uma das minhas mãos e assenti. Ela esticou a sua com unhas pintadas de rosa neon e pousou no meu ventre levemente arredondado.
— Não é doido pensar que tem um neném aqui dentro? Um neném com os meus genes e que será da minha família! — sorriu de boca aberta.
Sorri de lado por ser cúmplice do seu momento de descoberta.
— Emma, seu pai é um bobão — riu alto, como costumava fazer quando estava muito extasiada. — Ele, seu tio Dre e o seu avô fedem. Meninos são fedidos. Ainda bem que você é uma menina, nós podemos gastar todo o dinheiro deles com perfumes e sabonetes caros para não federmos também.
Depois de ouvi-la falar pela primeira vez com minha barriga em 2019, 2004 e 1997, podia concluir que aquele discurso era só uma versão mais infantil, mas que não mudou tanto o próprio jeito.
— Não sei o que sua mãe viu naquele garoto esquisito. Desculpa, sei que ele é seu pai e foi assim que você foi feita, mas, quando tiver idade o suficiente e ver fotos dessa época, vai concordar comigo. Ele tem uma coleção pavorosa de revistas de mulheres nuas e faz música falando sobre Satanás, sendo que nem acredita nisso. Um bobão, né? Mas vou fazê-lo virar um pai digno até o seu nascimento. Pode contar comigo, serei a tia mais legal de toda Estocolmo!
Quis muito chorar de novo com sua última frase, por ela ter me pedido para dizer para Emma exatamente aquilo em 1991. Eu nunca disse, mas ela mesma se encarregou. Recolheu sua mão e sorriu para mim, totalmente alheia às minhas emoções.
— Eu falei com a minha sobrinha pela primeira vez! — comemorou com um soquinho no ar. — Greta e Karen vão morrer de inveja quando eu contar para elas na escola. Elas acham o bonito. — Transformou a expressão em puro nojo.
Fiz a mesma cara porque deveria ser estranho demais ter amigas que achavam o seu irmão mais velho bonito e o pior: te falavam.
— Isso deve ser estranho — comentei.
— Pra caralho — ela xingou, sem nem se importar que tinha quase 15 anos. Só imaginei meus pais brigando e me castigando se fosse eu a xingar naquela idade. — Elas sabem que ele é meio… famoso, então acho que é por isso. Uma vez peguei um bilhete que elas estavam trocando escondido e Karen escreveu que queria que ele a tocasse como tocava guitarra. Nunca mais as convidei para minha casa depois disso. Na verdade, a gente não tem mais se falado muito desde então.
Nossa... Conseguiram até me deixar um pouco sem graça com aquela expressão. Imaginei uma Lilly convidando as amigas para casa e elas mais interessadas no seu irmão tocando guitarra no outro quarto. Outro calafrio atravessou meu corpo e me senti mais enjoada ainda.
— Sinto muito — falei, sem saber o que dizer e sem coragem de deixá-la sem resposta.
— Tudo bem — deu de ombros e me analisou, parecendo ter superado totalmente o assunto. — Você tem um cabelo bonito, posso fazer alguns penteados?
Sorri de lado com a mudança abrupta de assunto. Eu me sentia absurdamente bem perto dela e não queria me despedir tão cedo, por isso resolvi responder:
— Se você prometer que não vai cortá-lo ou arrancar uma parte dele, por que não?
— Eu prometo! — Ficou de pé. — Vamos até minha casa, porque tenho todos os instrumentos necessários lá.
Olhei o relógio no meu pulso e já haviam se passado quase uma hora. Quantidade suficiente de vitamina D adquirida. Deixei que me carregasse para sua casa enquanto discursava sobre penteados que viu na televisão. Não ousei interrompê-la. Quando ela falava sobre o que gostava com paixão, me lembrava tanto seu irmão e o quanto eu costumava ter sede por cada curiosidade que ele tinha para oferecer. Me lembrava de nós dois jantando em um hotel durante a promo e ele falando da mesma forma que Lilly estava falando. Naqueles momentos, eu me embebedava dele, mal sabendo que ficaria sozinha no futuro com o gosto daqueles pensamentos.
Entrei novamente naquela casa, mas senti uma sensação ruim pelas lembranças da última vez ainda estarem vívidas na minha memória. A bagunça permanecia intocada. Me perguntava quando Karin se casaria com Börje e começaria a intervir naquela situação precária, porque deve ter sido ela que deu um basta naquilo dali. Aquele ambiente era insalubre até para roedores, quem dirá pessoas em fase de crescimento. Desviei da caixa de pizza da última vez e a segui até o corredor depois da cozinha. Só de passar pelos quartos, senti o fedor de testosterona que emanava lá de dentro, minha vontade era de tampar o nariz, mas não seria nada educado. Lilly entrou no terceiro quarto e, ao colocar meus pés lá, finalmente meu olfato teve paz.
— Tenho que concordar com você, eles fedem — comentei, me sentando em sua cama.
Ela me olhou com cara de “eu avisei”. O papel de parede era diferente, mas ainda era rosa. De resto, tudo parecia igual. O guarda-roupa ainda tombava por estar cheio demais, os mesmos pôsteres de ídolos jovens estavam na parede e a escrivaninha era uma bagunça de papéis. O tapete rosa redondo no meio do quarto, que molhei no dia que saí andando sozinha pela neve, estava quase escondido totalmente pelas peças de roupa espalhadas. O sentimento era de estar de volta ao meu próprio quarto, mais do que senti quando voltei ao meu em 2019.
Separou um arsenal em cima dos papéis da mesa: secador, prendedores, rolos para cabelo, spray, gel, pomada, óleos, grampos etc. Talvez eu me arrependesse de ter dado tanta liberdade para ela. Só de olhar aquilo, meu couro cabeludo doía.
Meu cabelo foi sua principal diversão pelas próximas horas, só paramos para almoçar. Ela me contou tudo sobre a escola, já havia decorado o nome de algumas pessoas e sentia que as conhecia. Karen e Greta eram minhas inimigas declaradas, elas andavam falando mal de Lilly pelas costas só porque, depois do episódio com , preferiu se afastar. Ora, ela estava certíssima. No final, me sentia uma adolescente bem-informada das fofocas adolescentes.
Me deixou ir ao banheiro no corredor ver o resultado do cabelo, seu quarto ainda não tinha um — como quando ele passasse a ser no segundo andar. Ao ligar a luz do banheiro, quase pulei de susto. Se a Bonnie Tyler e o Eric Carmen dos anos 80 tivessem uma filha, seria eu. Toquei uma mecha dura de laquê. Estava em choque em como ela conseguiu fazer uma franja e todo aquele repicado sem usar uma tesoura.
— Como você conseguiu fazer isso? — perguntei, conferindo se ela não tinha usado mesmo uma tesoura.
— Grampos, gel, laquê, pomada e muito tempo. Gostou? — Parecia ansiosa pela minha aprovação.
— Surpreendentemente, sim.
Não sabia se sairia na rua com alguém daquele jeito, mas como um penteado de teste tinha ficado legal. Me remetia ao scene hair dos anos 2000, que eu era fortemente adepta até se tornar ridículo demais.
— Que ótimo! Podemos fazer mais vezes! — comemorou. — Está com fome?
Fiz que sim. Já anoitecera e nós estivéramos bastante entretidas, mas meu estômago lembrou que precisava de um pouco de comida para sobreviver. Nos sentamos no sofá para assistir televisão enquanto comíamos as sobras do almoço — comida chinesa pedida por telefone. Nós estávamos rindo de um episódio de Anos Incríveis da semana anterior gravado em cassete, quando ouvimos o barulho da porta e outras risadinhas que não eram nossas.
Olhamos para trás ao mesmo tempo, mas estava muito escuro e vimos apenas as silhuetas de duas pessoas enroscadas. Lilly se levantou e puxou a cordinha que ligava o abajur, revelando seu irmão mais velho aos beijos com uma garota loira e alta que parecia até a Natalia. Não era, porque eu reconheceria a risada daquela mulher a um milhão de quilômetros. Porém, constatar que não era ela não fez minha raiva dissipar.
Minha vontade era de me levantar e ir embora, mas, fora que eles estavam no meio da saída e teria que empurrá-los para sair, eu simplesmente congelei no lugar. Minhas mãos se fecharam em socos e eu podia sentir meu olhar se tornando mortal. Os braços dele soltaram a garota assim que pôs os olhos em mim, mas ela ainda passava as mãos pelo abdômen e beijava seu pescoço. Eu me contorci de ódio internamente assistindo àquilo. Só quando ele a afastou foi que ela parecia ter percebido a presença de outras pessoas na sala, sendo flagrados.
Aquilo era pura babaquice. Enquanto eu esperava por notícias dele naqueles dois dias, ele simplesmente estava correndo atrás de outra garota. Dentro de mim, não estava nada satisfeita em saber que meu-namorado-que-não-se-lembra-de-mim vinha se atracando com outra. A gente ainda não tinha nada, mas ele saiu comigo.
— Se eu fosse você, iria para casa — Lilly aconselhou a garota. — Essa que está no sofá está grávida de um bebê dele e ele está prestes a ouvir um sermão da irmã mais nova.
Ela ficou sem saber o que fazer, não queria ir embora sem o aval dele, mas também não queria ficar — pude ver em seus movimentos desengonçados.
Eu não iria fugir daquela vez. Não depois de ter causado toda uma confusão por causa da Natalia em 1991, além de o ter deixado preocupado depois de ouvir aquelas garotas no banheiro em 1997. Se tirei alguma conclusão de tudo aquilo, era que fugir nunca seria a melhor opção.
— Eu te ligo, Sonya — ele murmurou e abriu a porta. A coitada da garota ficou tão sem graça que até me daria dó, se eu não tivesse presa pensando, por um segundo, que ele tinha falado comigo. Porra, ela ainda tinha o mesmo nome que a Natalia confundiu o meu! O destino continuava a rir da minha cara.
Não entendi o que ela falou antes de sair, mas tinha a impressão de que gaguejou.
— Que merda está passando nessa sua cabeça de vento? — Lilly se levantou para atacá-lo. E começou a estapeá-lo e falar rápido demais em sueco, não consegui acompanhar.
— O que ela está fazendo aqui, Lilly? — O ouvi se referir a mim para ela como se eu não pudesse responder por conta própria. Isso me despertou e fiquei de pé, chamando a atenção deles.
— Você é um tremendo filho da puta — esbravejei, sentindo meu corpo ferver. — Mas isso é bem a sua cara mesmo... Afinal, você é o , deus do black metal, com baita fama de comedor. — Revirei os olhos, sem paciência nenhuma para aquela versão do homem que passei meses amando e admirando. — Já entendi que tudo isso é codinome do maior otário do mundo inteiro. — Soltei um barulho de escárnio. — Nós poderíamos tentar ser algo depois daquele encontro, poderíamos tentar por causa desse bebê, mas é claro que você preferiria uma loira alta qualquer. — Apontei para a janela ao meu lado para me referir à mulher que tinha acabado de sair. — Elas realmente fazem o seu tipo, não é? Bom, acho que, se você correr agora, ainda pode garantir a sua foda da noite.
Despejei tudo nele como um balde de água fria e me senti um pouco melhor por aquilo. O de 1988 era um babaca e eu estava cansada dele. Lilly não merecia ouvir aquilo, até me achava um pouco mal-educada por falar daquele jeito com seu irmão e na casa deles, mas precisava ser feito antes que desistisse e fugisse sem falar uma palavra de novo. Ela não parecia nem um pouco incomodada, aliás. Só olhava para ele como se desejasse seu sumiço da face da Terra.
— Desculpa, Lilly. Preciso ir embora — falei, passando por eles. — Depois te devolvo seus grampos.
, espera — ela disse e pegou minha mão. — Fala alguma coisa para ela — exigiu, olhando para ele.
O encarei e só ali percebi aquelas roupas de couro irritantes. Estava em trajes perfeitos mesmo para o seu papel de imbecil. Ele não demonstrava emoção alguma, mas vi em seus olhos que estava nervoso. Eu aprendi a lê-lo tão bem depois que começou a estabelecer nossos contatos visuais hipnotizantes. Dificilmente esconderia algo de mim.
Nem sabia o motivo de ter esperado por uma declaração dele, não achava que merecesse o direito de falar. Talvez por consideração à sua irmã.
— Você fugiu depois que te beijei e me abraçou daquele jeito na porta do quarto... — murmurou, com olhos nublados olhando em minha direção. — Achei que estava dando a entender que só podíamos ser amigos — explicou.
Bufei, extremamente irritadiça. Por mais que eu tivesse que olhar para cima, eu me sentia do mesmo tamanho que ele quando a gente discutia. Um certo complexo de grandiosidade da minha parte, por assim dizer.
— Não quero ser sua amiga, — cuspi o stage name dele, porque sabia que me ouvir o chamando daquilo causava incômodo em qualquer ano que fosse. Ele parecia ter levado um tapa na cara pela pausa dramática que fiz. — Não que você mereça, porque não merece, mas eu gosto de você. Eu sou uma idiota por achar que poderia mudar um maldito mulherengo. A partir de agora, não se preocupe, você não vai ter que lidar mais comigo atrapalhando os seus casinhos.
Usar aquela palavrinha em especial também o deixava possesso, lembrava pela carta que ele comentara ter ficado algum tempo no celibato porque o chamei de “mulherengo”. No fim das contas, era o adjetivo certo para descrevê-lo, juntamente com “cafajeste”. Eu podia não ter o poder para mudar sua versão de 1988, afinal, não se ensinava a ter maturidade e responsabilidade com o sentimento dos outros de uma hora para outra. Porém, em 1991, nós dois iríamos conversar de novo sobre exclusividade e queria seu total comprometimento. Não queria passar por aquilo nunca mais.
Finalmente, vi em seus olhos arrependimento e consciência de que tinha errado. Só que não estava mais com paciência para ele e por isso saí andando pela rua escura. Bastava daquela palhaçada, eu não iria me humilhar mais por aquele garoto.
Eu precisaria de um balde de chá de camomila para me acalmar e conseguir dormir. Ele me deixava tão estressada e nervosa. Se eu tivesse caído na primeira vez com um dos anos 80, teria achado um jeito de voltar para 2019 em menos de uma semana. Depois daquele episódio, estava começando a me preocupar com a possibilidade de voltar para ‘91 dali a algumas semanas. Não queria nem cogitar que a Emma nascesse naquela realidade, era cruel e ela não merecia.
— Como sua tia diz: seu pai é um bobão — sussurrei para a minha barriga, andando de volta para o hotel com meu penteado estilo poodle.


Continua...


Nota da autora: Oi! Estou bem animada em enviar a fic para esse site tão lindinho e tentarei ao máximo manter as atualizações mais adiantadas. Se é a sua primeira vez lendo One Rode, espero muito que você venha se divertindo com as trapalhadas da Sonne e o jeitinho do . Se você já vem acompanhando a trajetória dessa viajante do tempo destrambelhada, provavelmente está com raiva do senhor , assim como eu, porque ele vacilou feio mais uma vez. Vocês vão precisar de muita paciência com essa versão dele, dois anos fizeram esse homem amadurecer de um tanto... É isto, a gente se vê na próxima att (que acontece geralmente todo mês, se não acontecer nenhum imprevisto). Obrigada por lerrrr <3

Nota da beth: Eu estava com saudades de ORT20C! Foi um prazer recebê-la novamente 💜

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