Revisada por: Júpiter
Última Atualização: 17/01/2025— Olá — murmurei, cheia de vergonha, enquanto me segurava pela cintura.
Karin soltou uma exclamação quando me viu parada à porta. Börje foi correndo ver o que tinha acontecido e, quando me viu, apenas sorriu como se sempre soubesse que eu ia aparecer a qualquer momento. O sorriso típico de quem sabia demais dele.
Fui avisada antes que todos os sabiam que eu era uma viajante do tempo. Lilly tinha entrado e mostrado minha mensagem quando ele ainda estava no hospital, cercado pela família.
Karin me abraçou apertado e apertou minhas bochechas, como uma mãe — mesmo que ela ainda tivesse idade para ser minha irmã mais velha. Börje também me abraçou e vi aquele brilho cúmplice nos seus olhos. Nós penduramos nossos casacos e fomos nos sentar à mesa de jantar. Lilly e Andreas desceram juntos as escadas. Ela beijou o topo da minha cabeça e Andreas perguntou novamente se eu era uma alienígena. riu enquanto buscava minha mão debaixo da mesa.
No momento, nós comíamos Kroppkakor feitos, é claro, por Karin.
— Parece que você está grávida de novo — Börje disse, meio sorrindo, colocando ênfase no “de novo”. Ele já sabia de toda a verdade, pelo visto.
segurou uma risada enquanto mastigava ao meu lado.
Meu rosto esquentou e tive também que engolir uma gargalhada escandalosa para não correr o risco de sair comida pelo meu nariz.
No dia que Börje disse que sentia muito por eu ter perdido um bebê que nunca existiu, lembro de ter ficado curiosa para saber o que tinha dito para ele. Então, em algum ponto entre aquele momento e este, ele contou a verdade. Será que foi depois que fui embora?
— É, parece que dessa vez é para valer mesmo — falei, enfiando mais comida na boca ou eu iria rir.
— Dá para acreditar que a nossa família vai aumentar? — Lilly perguntou com uma animação notável. Andreas e Börje sorriram.
— De quantos meses você está? — Karin perguntou.
— Em torno de 9 semanas — respondi, sem fazer ideia de quantos meses isso daria.
— Minha nossa, essa coisa de viagem no tempo é estranha mesmo... Já se passaram muitos anos para nós, mas para você foi tão pouco tempo — ela comentou. — Esse bebê é a maior prova disso.
Concordei. Realmente era estranho e confuso. Nada fazia muito sentido, talvez por se tratar de uma criatura mística estar decidindo todo o meu futuro.
— É uma menina, o nome dela é Emma — deu a notícia com olhos ansiosos.
Todos eles sorriram à sua maneira, menos Lilly, que pisou no meu pé. Encarei-a, indignada, e ela me olhou, furiosa.
— Você não tinha me dito isso! — reclamou.
— Ai! Você está machucando uma gestante! — também reclamei, mas brincando.
— Era para eu ser a primeira a saber o nome da bebê!
— Eu que sou o pai, Lilly, não você — resmungou.
— Foda-se! — A voz dela ficou mais fina. — Fui eu a primeira a desconfiar da existência dessa bebê, porque você estava ocupado demais sendo um cafajeste.
— Eu fui um cafajeste? — A voz dele ficou fina demais. — Lilly, você e seu cão-de-guarda aí... — apontou para Andreas — que não me deixaram explicar tudo aquele dia que a apareceu no topo da escada. E causaram a maior confusão por isso!
— Você realmente foi um cafajeste, ainda namorou a Natalia de novo alguns anos depois — Andreas disse enquanto comia sua comida, sem olhá-lo.
Claramente tinha sido uma provocação para colocar lenha na fogueira, o que funcionou. Os ânimos já estavam exaltados, dava para sentir no ar.
— Vamos realmente falar sobre meu namoro com a Natalia na frente da ? — perguntou, irritado. — A sabe que eu a amo e nunca esperou que eu fosse um seminarista enquanto não estivesse aqui.
Tive que me controlar muito para não rir. Vi Karin e Börje sorrindo também enquanto olhavam para seus respectivos pratos.
— Mas precisava ser com a Natalia? Você sabe que a e ela não se bicam, até porque vocês dois têm um passado — Lilly disse enquanto cutucava a comida.
— A ... — ele começou a falar, mas eu o interrompi ao erguer a mão.
— A está bem aqui e vocês podem parar de falar nela como se ela não estivesse. — Olhei para Lilly. — Se é um problema tão grande assim, você vai ser a primeira a saber em 1991. — Olhei para que estava corado pela discussão. — E você, realmente, nunca pensei na possibilidade de encontrar um seminarista, visto que esse bebê definitivamente não veio da cegonha — zombei.
Levou uns cinco segundos para darem o braço a torcer e eles rirem, parando com a briga.
— Em 2004, eu pedi para vocês dois... — indiquei ela e Andreas — o deixarem calmo, antes de ele me ver, para não correr o risco de botar tudo a perder. E vocês três começaram a brigar, como agora — bufei.
Karin e Börje riram.
— Eles são assim desde que aprenderam a falar — Börje comentou.
— Aposto que o que começou a ficar com raiva e causou a briga — Lilly resmungou.
Ela tinha razão, mas eu não correria o risco de verbalizar isso e começar outra sessão.
No final do jantar, Lilly me puxou pela mão em direção à escada. Ouvi atrás de nós seu irmão mais velho resmungando:
— Você vai mesmo levar minha namorada para longe de mim?
— Ela é minha melhor amiga antes de tudo, seu panaca — ela disse e mostrou o dedo do meio para ele.
Ele revirou os olhos e devolveu o gesto. Ao subirmos, ela fechou a porta e se sentou no tapete de seu quarto rosa que ainda parecia pertencer à uma adolescente. Sentei-me sobre meus joelhos de frente para ela.
— Quero confessar uma coisa que aconteceu em 1990 que nunca te contei — ela disse, olhando nos meus olhos. — Você é minha melhor amiga, sempre será.
Sorri, porque lembrei dela falando isso para minha barriga, em 2019. Porém retribuí seu olhar com curiosidade. Parecia algo importante.
— Por isso, preciso te dizer que naquele período que você ficou de fossa no quarto, na viagem, eu fiz uma coisa muito, muito feia.
Franzi o cenho. Ok, definitivamente eu estava ouvindo.
— Lembra aquele cara que estava nos olhando estranho na piscina?
Me forcei a ter memórias dos dias felizes e lembrei que acordei na espreguiçadeira, encontrei Lilly na piscina e um homem olhando, sem disfarçar, para ela. Falei para ter cuidado e mais tarde naquele dia perguntei se precisaria avisar seus irmãos. Então, concordei com a cabeça, eu me lembrava muito bem.
— Ele me seguiu naqueles dias. O e o Dre estavam no mar de novo, e eu acabei... — suspirou e fechou os olhos — desperdiçando-minha-primeira-vez-com-ele — falou tudo rápido e emendado.
Precisei pensar um pouco para entender o que tinha saído. Porém, quando a ficha caiu, encarei-a com uma expressão de repreensão.
— Lilly! — Quase gritei.
— Desculpa — ela disse, quase chorando. — Desculpa por não te contar nada. Depois que você falou aquilo de não me forçar a fazer isso para provar nada a ninguém, é que eu me toquei da merda que fiz. Até comprei aqueles testes de gravidez, porque aquele imbecil, além de me machucar, nem tinha camisinhas. Mas nada aconteceu no fim e eles ficaram lá no armário. Eu ia te contar naquela hora que você estava no banheiro, mas, quando deu positivo, esqueci até meu nome. Tudo aconteceu tão rápido antes e depois de você ir embora...
Ela fungou enquanto limpava as lágrimas da bochecha. Agora, ela devia ter 24 anos e, mesmo assim, ainda parecia a Lilly adolescente. Toquei seu cabelo e comecei a chorar junto. A droga dos hormônios.
— Está tudo bem, Lilly. Isso ficou no passado, certo? — perguntei, ela concordou e eu comecei a rir. — Até mesmo porque, se você sonhar com o que sei sobre o futuro e não posso te contar... diria que estamos quites.
Ela me olhou com expectativa.
— Ah, mas agora você vai. , você vai contar tudo.
Ela passou o resto da noite tentando me convencer a contar. Não funcionou, é claro. Porém minha sensação foi de estar em casa finalmente, depois de dias longos e cansativos.
Uma semana depois, eu tinha conseguido organizar uma parte do apartamento enquanto ele trabalhava na produtora. Agora, ele ajudava a produzir outras bandas, então andava muito ocupado.
Depois de sair da produtora, ele tinha uma nova consulta com o médico. Cruzei os dedos e repeti como um mantra que daria certo, que eu conseguiria salvá-lo dessa vez.
Quase fiz um buraco no chão de tanto andar para lá e para cá, mas em seguida eu acabei cochilando no sofá com a televisão ligada.
Alguém me sacodiu suavemente e chamou meu nome, interrompendo meu pesadelo com a prova na faculdade que eu não estudei e era importante. Acordei, assustada, e me olhava com cautela.
— O que aconteceu? Em que ano estou? — resmunguei, segurando a testa. Minha cabeça estava doendo como se eu tivesse viajado de novo.
— Ainda é 1997, baby — ele sorriu e eu tive vontade de beijar seu sorriso.
Porém, antes, eu suspirei com o alívio e lembrei da consulta quando minha mente voltou para o lugar. Ele pareceu ver minha agitação e explicou:
— Ele vai fazer a cirurgia dia 21 de dezembro.
Sorri, sentindo a felicidade me emocionar.
— Meu amor, essa é a melhor notícia do século. — Aproveitei que ele estava ajoelhado perto do sofá e o abracei.
Ele perdeu o equilíbrio e caiu de costas no chão, eu acabei indo junto. Comecei a gargalhar por termos caído.
— A gente conseguiu, ! — Praticamente gritei em seu ouvido e sua risada ecoou pelo ambiente, fazendo borboletas dançarem na minha barriga. — Agora não tem mais jeito, você vai ter que me aturar por um bom tempo.
Minhas lágrimas molharam seu cabelo e só percebi que elas caíam por isso. Era uma boa hora para os hormônios agirem mesmo. Aquele era o dia mais feliz da minha vida, ao lado do dia que ouvi o coração da nossa filha pela primeira vez.
— Quero te aturar pelo resto da minha vida, Luz — ele disse, baixinho.
— Ei, desde quando você decorou meu nome completo? — perguntei, afrouxando o abraço para olhá-lo.
Ele estava sério e seus olhos estavam escuros. Franzi o cenho ao perceber o que aquilo parecia depois de muita fanfic e filmes de romance na cabeça.
— Espera, esse é um dos momentos de me pedir em casamento que você e seu pai ficaram me caçoando daquela vez?
As linhas na sua testa ficaram visíveis, mostrando confusão.
— Nossa, isso parece que aconteceu em outra vida — comentou, sorrindo, parecendo se lembrar.
Não consegui sorrir de volta porque queria saber o que significava, então continuei sustentando o olhar.
— Você quer se casar comigo? — ele perguntou, enquanto acariciava minha bochecha.
— Você está me pedindo em casamento? — confirmei para ter certeza de que o momento era real.
— Não, estou apenas perguntando sobre isso. Se algum dia já passou pela sua cabeça casar comigo. Se você me imaginou como o noivo quando disse aquilo da cena final daquele filme cafona, como eu senti na hora — ele perguntou e seus olhos brilharam como duas pedras preciosas.
— Eu quero. — Toquei seus lábios com as pontas dos dedos. — Aquele dia, eu inventei aquilo, me arrependi depois que saiu da minha boca, mas mesmo assim desejei que fosse você ao meu lado. Eu quero tudo com você, do Time of my life no casamento até a cerca branca da nossa casa.
Ele sorriu timidamente.
— Eu nunca tinha pensado em me casar, mesmo brincando sobre isso. O casamento dos meus pais me traumatizou tanto. Mas, esse dia aí, você me deixou pensando se valeria a pena acordar todos os dias ao lado de alguém. Se valeria a pena dançar e usar um terno só porque é o sonho dela. E sim, eu faria tudo e mais por você.
Sorri, sentindo o gosto salgado das minhas lágrimas.
— Não vou te pedir para casar comigo agora. Quero fazer isso do jeito que você merece, quando você voltar para ‘91.
— Eu me caso com você, . Um dia, nós vamos parar com essa aventura doida e finalmente viver felizes para sempre.
Ele riu enquanto secava minhas bochechas com o dedão.
— Nós somos muito piegas — comentou e me fez rir também.
Fiquei de pé e ele também. Acho que era hora de começar a refletir em qual vestido de noiva da época não ficaria tão ridículo para o gosto de alguém do século 21.
— Você acha que eu ficaria bem com um vestido igual da Stephanie Seymour em November Rain no nosso casamento? — perguntei, fingindo analisar meu próprio corpo.
Ele revirou os olhos enquanto sorria.
— Contanto que você não queira me vestir de Axl Rose — resmungou, indo mexer na geladeira.
— Mas você ficaria lindo ruivo — brinquei.
Ele bufou e me olhou de cara feia.
— ‘Tá bom, ‘tá bom — falei em português mesmo. — Sem fantasia de Axl Rose para você. — Fiquei um minuto em silêncio, refletindo. — Mas eu tenho essa fantasia secreta de me casar com o Axl Rose...
Ele me olhou de canto de olho e eu comecei a rir.
— Sua pestinha. — Deu um pulo em minha direção e começou a fazer cócegas na minha barriga.
Viajamos para uma cidade vizinha chamada Nykvarn. tinha um encontro de motociclistas durante o final de semana e me levou em sua garupa. Foi a hora mais incrível da minha vida. Não parei de pensar nem por um minuto o quanto estava feliz por andar na garupa de uma Harley Davidson com o homem mais foda do mundo.
Ele parou a motocicleta no estacionamento privativo da pousada e eu pulei do banco enquanto ele desligava a ignição.
— Isso foi muito legal — comentei, dando pulinhos. — Minha bunda está totalmente quadrada, mas valeu a pena.
Ele sorriu.
— Eu amo essa motocicleta! — sorri e abri os braços. — Eu amo 1997! — gritei, com a adrenalina lá em cima.
Ele me pescou em um abraço e beijou minha testa enquanto ria baixinho.
— Vem, vamos fazer o check-in antes que resolvam nos expulsar porque tem uma doida gritando na garagem.
Fiz um biquinho, mas o deixei me levar pela mão para a recepção. Era um lugar aconchegante que parecia ter saído de um filme de Natal da Netflix. A decoração era em madeira e em tons terrosos, a lareira aquecia o ambiente e tinha quatro corredores em direções diferentes com os quartos. Uma idosa simpática de cabelo muito branco e de sotaque muito forte nos atendeu. O ouvi dizendo que estávamos ali por causa da convenção e ela concordou com a cabeça, depois puxou uma chave ao conferir o nome dele no livro de visitas.
Nosso quarto era no final de um dos corredores. Uma lareira menor do que a da recepção parecia recém-acesa e deixava tudo quentinho. A cama estava coberta por uma manta xadrez verde e tinha vários travesseiros, me joguei de costas nela enquanto ele carregava nossas mochilas.
— Já estive em vários quartos de hotel com você, mas esse é o mais legal de todos, disparado — comentei, apertando o botão do controle remoto e ligando a TV.
Ele colocou as mochilas no guarda-roupa de madeira. Julia Roberts e Richard Gere apareceram na tela em Uma linda mulher.
— Não acredito! Eu fiquei esperando pelo cassete desse filme praticamente 1990 inteiro — comentei, balançando as pernas e bagunçando um pouco a cama. — Baby, você precisa ver esse filme.
— Eu já vi esse filme — comentou, tirando os coturnos.
— Você viu esse filme sem mim? — perguntei em um tom afetado, ele riu e se deitou ao meu lado. — Foi com alguma garota?
— Talvez. Não me lembro bem.
— Isso sim é uma traição imperdoável. — Cruzei os braços.
Ele tentou virar meu rosto em sua direção, mas me mantive firme. Ele só assistia filmes de romance comigo depois de muita insistência. Então não gostei de saber que não teria um vislumbre de suas primeiras reações a um dos maiores filmes da década.
— E se eu preparar um banho na banheira com muita espuma para me retalhar? — ele perguntou, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Ergui uma sobrancelha.
— Você pode tentar — fingi resmungar. Eu não me importava tanto assim com isso, se eu parasse para pensar, mas queria ver até onde ele iria.
Levantou-se e começou a fazer barulho dentro do banheiro. Aproveitei para trocar minha roupa pelo roupão branco e felpudo, amarrei o laço na cintura e fui dar uma olhada no banheiro. Ele estava conferindo a temperatura da água no meio de um monte de uma nuvem de espuma. Sorri.
— Você definitivamente sabe como conquistar o perdão de uma mulher, — comentei.
Ele desligou a torneira.
— Você não é tão difícil de agradar. Banhos de banheira com espuma, passeios de motocicleta, pantufas, chocolate, filmes e músicas cafonas costumam ser suficientes para te manter entretida — ele disse, se sentando na tampa do vaso sanitário.
— Você se esqueceu só de uma coisa — sorri de lado.
Ele ergueu uma sobrancelha e vi em sua postura que ele imaginava algo com teor sexual, o que fez meu sorriso aumentar ainda mais.
— Eu fico bastante entretida quando você... — desamarrei o roupão e o deixei cair aos meus pés, ele imediatamente desviou o olhar do meu rosto para o meu corpo — massageia meus pés — falei e depois soltei uma risadinha.
Ele sorriu em resposta.
— É claro, a massagem nos pés. Ultimamente você tem gostado muito disso — falou, tentando manter o foco nos meus olhos. Prendi o cabelo em um coque e passei por ele, sabendo que estava sendo observada.
Afundei-me na banheira e as bolhas sumiram um pouco, fazendo a forma do meu corpo. Tentei pegá-las e acabei fazendo mais sumirem. Ele pescou meu pé esquerdo de dentro da água e começou a apertá-lo nos pontos certos. Gemi e fechei os olhos. Aquelas mãos valiam ouro e não só por tocarem tantos instrumentos perfeitamente. Ele me tocava perfeitamente. Sorri com o pensamento e abri os olhos, ele observava minha barriga sem piscar.
— O quê? — perguntei, tocando-a.
— Você já está parecendo meio... grávida — ele murmurou.
Acariciei meu ventre que, de fato, já estava um pouquinho protuberante para ser notado sem as roupas. Bem pouquinho, mas com a análise minuciosa que ele fez e o quanto ele conhecia meu corpo, era possível constatar.
— E você é o culpado — brinquei.
Ele sorriu e beijou meu tornozelo.
— É. Eu sou. — Pegou meu outro pé. — Desde aquele dia que fiquei muito bêbado e você veio cuidar de mim sabia que, se eu viesse a ter filhos algum dia, seria com você. Se lembra, não é?
Assenti. Eu me lembrava bem.
— Eu nunca quis ter filhos, mas depois de ingerir uma quantidade obscena de álcool me pareceu uma possibilidade. Pensei que, mesmo que minha mãe tenha sido uma filha da puta, eu tive um pai que era basicamente meu melhor amigo. Ele fez o impossível por nós e ainda apoiou minhas ideias mais loucas. Então também posso ser um bom pai, eu tenho um exemplo a seguir.
— Você vai ser o melhor de todos — falei, encostando a cabeça na parede. — Eu nunca te contei sobre os meus pais porque tive medo de dar brecha para descobrir que não sou desse século. Porém agora posso te dizer que não tive uma infância muito fácil. Quer dizer, minha família sempre teve muito dinheiro, meu nascimento foi planejado e meus pais estavam juntos até o momento que falei com eles pela última vez. Só que eu sou filha de atores, então não tive muita atenção deles. Passei a vida com várias babás porque nem irmãos eu tenho para me distrair. Tentei ser invisível a vida toda para não perceberem e me tacharem de “a filha daquele ator ou atriz da novela das oito”, algumas vezes deu certo, outras não. Em geral, meus pais fizeram um bom trabalho em tirar os holofotes de mim, mas não foi sempre assim.
Encarei-o e ele ouvia atentamente enquanto suas mãos ainda trabalhavam no meu pé.
— Minhas lembranças infantis mais felizes são dos meus dias na praia com meus pais e meus avós, mas em todas elas consigo lembrar de gente tirando fotos nossas, principalmente paparazzis que nem faziam muito esforço para se esconder. — Dei um sorriso triste — Aquele dia, você viu meus pais na TV quando eles ainda nem eram famosos.
Ele sorriu e concordou, mostrando que se lembrava.
— Eu sabia que tinha algo ali, só não imaginei que fosse algo tão complexo.
— É, eu tive medo de me aproximar de São Paulo por causa disso. — Me ajeitei porque havia escorregado um pouco. — Realmente, eu sou bem parecida com minha mãe, sempre me disseram isso. Porém criticaram tanto o corpo dela, com aquelas fotos de biquíni na praia, que ela fez algumas plásticas e restrições alimentares para ficar com um corpo padrão, sem muitas curvas. Ela também caía matando em cima de mim, dizia que eu precisava me controlar ou ninguém iria querer alguém assim, do jeito que sou.
Ele fez uma careta acompanhada de um som de desgosto.
— Quando voltei para 2019, eu liguei para ela para meio que me despedir. Contei sobre você, te descrevi e ela disse que você era muito alto para mim.
Ele desmanchou a careta para deixar uma risada escapar.
— Essa foi a primeira vez que ela me disse que eu tinha perdido muito peso de um jeito ruim. Bom, mal sabe ela que é um bebê aqui dentro que não estava me deixando comer — sorri com certa tristeza por estar com saudades dos meus pais, assim como eu me sentia quando era criança quando eles passavam muito tempo fora. — Não contei sobre a Emma porque isso iria fazê-los surtar, mas perguntei o que ela diria para um neto, se tivesse oportunidade, e ela disse que provavelmente ele teria a melhor mãe do mundo, porque sabia que eu não cometeria os mesmos erros que ela.
Senti uma lágrima teimosa deslizar pelo meu rosto e a sequei.
— Foi aí que tive certeza de que eu posso ser uma boa mãe, porque aprendi com os erros dela e ela aprendeu com os erros da minha avó. Eu não guardo mágoas da minha mãe, ela fez o que estava ao alcance conforme o que conhecia, o bebê não vem com um manual de instruções. Porém quero que a Emma tenha uma criação diferente, uma vida diferente da minha. Acho que esse é o natural da vida, sempre evitar cometer os erros dos pais.
Ele concordou com a cabeça e soltou meu pé de volta na água.
— Nós vamos fazer dar certo.
Agachou perto da minha cabeça, me fazendo virar para fitá-lo. Ele estava tão perto que eu podia ver cada detalhe de seu rosto, cada pelinho de sua barba que já estava relativamente grande ou pontinhos escuros de sua íris.
— Nós vamos. — Ele segurou minha cabeça com as duas mãos e beijou a ponta do meu nariz.
Era mais um momento fofo, mas meu corpo estava querendo levar aquilo para outro rumo. Provavelmente também era obra dos hormônios, porque nunca fui tão necessitada assim. De repente, eu pareci muito concentrada nas suas mãos em mim e minha pele se arrepiou. Toquei seus pulsos com minhas mãos molhadas.
— Desculpa... — pedi, olhando-o nos olhos. — Sei que é um momento fofo, mas acho que os hormônios estão me fazendo um monstro insensível e insaciável.
Ele riu de olhos fechados, me fazendo sentir vergonha de pedir aquilo. Só que realmente todo o meu ser estava reagindo à sua presença de um jeito muito sexual e eu não conseguiria esconder aquilo. Nem queria.
— Me mostra o que você quer — ele disse, ficando sério.
Lancei-o um sorriso malicioso. Da última vez que ele atendeu minhas vontades, pude admirá-lo sem roupa no lago, então guardava boas memórias. Gostava quando ele fazia o que queria comigo, mas me deixar controlar tudo provocava uma sensação boa. Peguei sua mão e deslizei pelo meu corpo na água, passei seus dedos por um mamilo e depois pelo outro, gemendo bem baixinho. Depois pelas minhas costelas, minha barriga e finalmente deixei sua mão seguir o curso.
— Use os seus dedos — pedi. Ele concordou, seus olhos mostravam o quanto estava concentrado em suas mãos. Não parei de olhar seu rosto.
Seu dedão provocou meu ponto mais necessitado e eu me remexi na banheira para não escorregar. Era aquilo. Definitivamente aquilo. Apertei seu cotovelo e ele continuou. Abri minhas pernas para ele ter um melhor acesso. Uma ruguinha surgiu no meio de suas sobrancelhas. Puxei-o pela parte de trás do cabelo em minha direção e plantei um beijo em seus lábios entreabertos. Ele me encarou enquanto me penetrava com dois dedos. Ergui os quadris e tive vontade de fechar os olhos para me deliciar com a sensação, mas não tive coragem de quebrar aquela conexão, olhar quem fazia meu corpo virar do avesso era um nível diferente. Acompanhei suas pupilas dilatando e ele morder o lábio inferior conforme aumentava o ritmo. Soltei a parte de trás do seu cabelo para me segurar nas bordas da banheira. Tudo em mim entrou em um estado absoluto de satisfação, comecei a mexer os quadris conforme o ritmo de seus dedos e ele parecia ansioso pelo meu prazer. Gemi, deixando meu corpo encontrar o que necessitava tanto. Ele continuava me observando e isso me enlouqueceu totalmente.
— M-me leva para a cama — pedi, sentindo os efeitos do orgasmo misturados com mais desejo. — Eu preciso de você agora.
Ele nem hesitou, apenas ergueu as mangas da camisa. Passou um dos braços debaixo dos meus joelhos, outro debaixo dos meus braços e me tirou da água. Senti as gotas deixando minha pele e encharcando o carpete pelo caminho inteiro, mas logo elas secariam com o calor da lareira. Não senti nem um pouco de frio porque o calor que irradiava do meu interior era muito forte. Senti a cama fofa embaixo de mim e a televisão ainda ligada com o mesmo filme, mas minha atenção pertencia somente a ele. Quando estava desafivelando o cinto, alguém bateu à porta. Ele parecia querer ignorar.
— ? — um homem o chamou do outro lado da porta de carvalho.
Seus olhos reviraram, mas ele foi atendê-la. Entrei debaixo do cobertor e sorri ao lembrar que parecia a nossa primeira vez, quando o pai dele bateu à porta no outro dia e eu estava nua.
Mal ouvi o que eles diziam porque falavam muito rápido e com sotaque, mas alguns momentos depois ele fechou a porta e parecia tentar manter o controle.
— Desculpa. Tinha me esquecido do encontro no bar. — Ele pigarreou para corrigir a voz grossa demais. — Se você quiser ficar, não tem problema, mas eu terei que ir.
Grunhi e coloquei o cobertor na cabeça. Me senti frustrada, porém não podia pedi-lo para viver só em função de me agradar. Ainda mais depois de anos fora da sua vida. Não queria dizer que eu não iria junto porque podia convencê-lo de dar uma escapada.
Eu parecia uma adolescente na puberdade. Os hormônios estavam me transformando em uma versão irreconhecível de mim.
Levantei e comecei a tirar algumas peças de roupa da minha mochila enquanto ele se arrumava de novo. Precisava agir como um ser humano normal de novo e me controlar para não o atacar. Ele não parecia alguém que resistiria muito, na verdade, dava para ver em seu rosto que preferia muito mais ficar ali comigo.
Foco, .
Você não pode atrapalhar a vida dele mais do que já está fazendo.
Terminei de me arrumar e o esperei no corredor, antes que, por um pequeno deslize, eu acabasse em cima dele. Ele veio em minha direção, girando as chaves da motocicleta, e me pegou pela cintura. Não dissemos nada. Me perguntava se ele estava sentindo aquele desejo sexual reprimido, assim como eu. Olhei para seu rosto e ele não estava demonstrando emoção alguma.
O bar não era muito longe dali, estava lotado de motocicletas na frente. rodou um pouco, procurando alguma vaga, mas acabou tendo que estacionar em um beco ali perto. O vento cortou por nossa pele e me encolhi em seu abraço enquanto andávamos até a entrada.
Lá dentro, algumas pessoas vieram cumprimentá-lo e ele me apresentou a elas como sua namorada — na verdade, ele meio que parecia me exibir com esse título. Não achei ruim, fiquei até orgulhosa por ele gostar tanto quanto eu daquela sensação. Depois de uma hora sentada no banco do bar, tentando mostrar simpatia aos seus amigos, parecia ser o suficiente para darmos a escapada. Enganchei meu indicador no passa-cinto de sua calça e sussurrei no seu ouvido que precisava tomar um ar. Ele explicou aos outros que ia me acompanhar e já voltava.
Não dava para fazer muita coisa ali fora, nem o beijar um pouquinho, porque o frio nos castigava. Talvez, no beco, as paredes dos prédios impedissem o vento de correr solto...
O chamei, falando que esqueci algo no bolsão da moto, e consegui atraí-lo para o beco sem movimentação alguma. Ele encostou no banco da motocicleta e me observou enquanto eu fingia que procurava algo que não existia. Meus olhos observaram suas pernas se cruzando e Deus tenha piedade da minha alma, mas ele parecia gostoso para caralho. Aquela jaqueta de couro com os patches da banda e do motoclube, seu cabelo longo, a motocicleta, meu desejo reprimido, tudo se juntou e me fez largar o bolsão. Ele franziu o cenho. Puxei-o pela lapela para baixo e colei nossas bocas. Senti-o sorrindo contra meus lábios.
— Você não esqueceu nada, não é? — perguntou, nos separando um pouco.
— Não — respondi e voltei a beijá-lo.
Sua língua recebeu a minha com entusiasmo. Embrenhei meus dedos em seu cabelo macio e o puxei, expondo seu pescoço e desci os beijos para lá. Chupei sua pele e ele grunhiu, me fazendo sorrir. Tê-lo vulnerável nas minhas mãos já estava se tornando um vício. Fiz uma trilha de chupões até sua orelha direita, mordi seu lóbulo e minhas mãos conseguiram desafivelar seu cinto. Flexionei um pouco os joelhos à sua frente, os olhos brilhavam mesmo com a pouca luz enquanto observava cada movimento.
— O que está fazendo, baby? — ele perguntou, acariciando meu cabelo.
— Agradando um pouco meu homem — falei enquanto abria seu zíper. — Eu não consigo resistir ao quanto você fica um pedaço de mau caminho com essa motocicleta. — Ele me ajudou a descer um pouco sua calça e a samba canção para que eu tivesse acesso à parte que ansiava. Peguei-a e estabeleci o contato visual com ele. Vi ansiedade, tesão e curiosidade só pela expressão de seu rosto.
Lambi sua extensão para testar a reação, ele pulsou na minha mão e fechou os olhos.
— Olhe para mim — ordenei e ele obedeceu. — Quero que você me veja enquanto faço isso, está bem?
Ele concordou com a cabeça, mostrando obediência. Tenho a impressão de que ele faria qualquer coisa que eu mandasse agora. Abocanhei-o até meu limite e ganhei um gemido sofrido em troca, ele prendeu cuidadosamente um tufo do meu cabelo com sua mão e murmurou algo que não entendi. Tirei-o da boca só para fazer novamente, estabelecendo um ritmo. Ele parecia completamente entregue à luxúria daquele ângulo. Sua mão no meu cabelo insistia para aumentar a frequência, então dei o que queria. Ele ergueu os quadris e senti-o pulsar novamente, acelerei ainda mais e ele gemeu alto.
— Oh, porra — o ouvi praguejar enquanto se contorcia. — Se você não quiser que eu finalize na sua boca, é melhor tirar agora — avisou com a voz trêmula.
Sorri. Ah, , eu quero sorver cada gota. Meu coração batia descompassado, mostrando o quanto meu corpo queria aquilo. Ao ver que eu não iria a lugar nenhum, seu corpo convulsionou e ele uivou. Só parei mesmo quando percebi que ele tinha me dado tudo. Tirei-o da boca e ele finalmente fechou os olhos enquanto jogava a cabeça para trás. Ajeitei sua roupa, fechei seu zíper e afivelei seu cinto de volta porque ele parecia sem energias para se mover.
Levantei-me e fiquei entre suas pernas, com a cabeça em seu peito e os braços em volta do seu tronco. Encarei-o, ele pareceu perceber e abriu os olhos, suas mãos descansaram na minha bunda.
— Eu sonho em fazer isso desde aquele dia do lago quando te vi provando os dedos que enfiou em mim — admiti e ele soltou uma risadinha baixa.
— Você se tornou uma safada — ele murmurou e beijou minha testa.
— Queria você bem aqui e agora, mas acho que vão começar a desconfiar do nosso sumiço — falei como se fosse a coisa mais normal do mundo, me surpreendendo um pouco com o quanto estava necessitada.
— Acho que vou demorar um pouco a me recuperar para te dar mais — ele sorriu. — A gente pode voltar para lá enquanto isso.
Enterrei minha cabeça em seu peito, me preparando para voltar a conversar normalmente com outras pessoas. Não estava nada disposta, queria mais daquilo, queria mais dele. Ele me abraçou.
— Um beijo pelos seus pensamentos — brincou.
— Hmmm... — tentei pensar em algo interessante para disfarçar, mas nada veio. — Eu realmente queria você no meio das minhas pernas agora.
Ouvi sua risada ecoar em seu peito e ele me deu um selinho.
— Você só pensa nisso ultimamente? — ele perguntou.
— Sim — grunhi e enterrei mais a cabeça enquanto aspirava seu cheiro delicioso. — Acho que passei muito tempo me controlando para não te atacar em 1990, agora quero tirar o atraso. Fora que devem ser esses hormônios também...
Ele soltou um barulho de descontentamento.
— Você não precisava se controlar em 1990.
— Claro que precisava, se eu não tivesse cortado aquilo logo no começo, nós não seríamos o que somos hoje. Provavelmente nem teríamos durado, você teria me dado um fora quando se cansasse.
Ele deu um tapinha de leve na minha bunda, me fazendo pular com o susto e depois rir.
— Nunca me cansaria de você, , até porque você é uma caixinha de surpresas.
Belisquei sua barriga e ele se contorceu, sentindo cócegas. Nós voltamos para o bar enquanto conversávamos e ríamos sobre o que seríamos se eu não tivesse feito o que fiz. Sentei-me no banco do balcão novamente e bebi mais de um litro de Coca-Cola enquanto ele conversava com os amigos sobre peças de moto. Era um assunto totalmente desinteressante e nem percebi que tinha bebido tanto líquido até me dar uma vontade alucinante de fazer xixi. Expliquei em seu ouvido, por causa da música country alta, que precisava ir ao banheiro. Ele concordou e fui em direção à placa luminosa. Estava vazio quando entrei, mas, quando me tranquei em uma das cabines, ouvi as vozes de duas mulheres ali dentro.
Elas conversavam em sueco sobre alguns homens enquanto eu usava o banheiro. Ia saindo do lugar depois de assentar o jeans, mas, antes de girar a tranca ouvi o nome dele.
— Viu a mulher nova do ? — uma delas perguntou.
— Sim! Não tinha como não reparar, nunca o tinha visto apresentar ninguém como namorada.
— Faust me disse que ele é apaixonado por ela desde 1990.
Uma delas riu.
— Tão apaixonado que comeu Estocolmo quase inteira — disse, com sarcasmo. — E ela nem é tão bonita assim, é baixa demais e tem quadris largos que a deixam estranha.
Toquei meus quadris por cima da calça, me lembrando do que minha mãe me disse a vida toda. A insegurança me saldou, como uma amiga distante.
— Concordo. Fora que ela parece uma criança perto dele. Disseram, ainda, que ela está grávida e é dele.
— Ah, agora faz sentido. Ela deu o golpe da barriga no — riu. — Engraçado, porque ele é tão chato com preservativo. Nas vezes que ele dormiu comigo, quase teve um piripaque porque eu pedi para fazer sem. Achei que ele era mais um daqueles malucos com medo da AIDS ou algo do tipo.
— Comigo também, ele sempre foi rígido com essa coisa de preservativo. Ela deve ter embebedado ele ou furado um para conseguir isso. Não deve durar, ele nunca dura muito tempo com a mesma garota.
— Já, já ele vai perceber que é só outra aproveitadora. Queria eu ter tido essa ideia dela antes, uma criança com aqueles genes... Fora que ele tem dinheiro, é bonito e fode muito bem.
— Ele realmente fode muito bem.
Elas riram e ouvi a porta batendo. Girei a tranca como se eu tivesse sufocada lá dentro. Vi meu rosto vermelho, lágrimas desciam pelas minhas bochechas e só as notei naquela hora. Passei os dedos por elas. Saber que ele tinha fama de mulherengo em 2019 era uma coisa, ouvir duas mulheres discutindo como ele era bom de cama na minha frente era outra bem diferente. Senti a culpa por não ter lembrado que não tomava mais pílula naquela época e ter me aproveitado dele. Também me senti horrorosa demais para estar ao lado dele, logo ele que “comeu Estocolmo inteira”, com certeza garotas bem diferentes de mim.
Eu precisava fugir dali.
Foi meio irresponsável ter saído do banheiro me escondendo no meio das pessoas ali para ele não me ver. Porém eu não conseguia encará-lo. Eu só queria um momento para chorar por aquilo. Chamei um táxi com o pouco dinheiro que tinha no bolso. Ao chegar na pousada, a dona me olhou com compaixão. Pedi a chave do quarto, sem nem me dar o trabalho de disfarçar o choro, ela me entregou e não disse nada. Graças aos céus pelo traço de não se meter na vida alheia dos suecos.
Ao fechar a porta, arranquei minhas roupas como se elas que estivessem me fazendo mal. A lareira ainda estava acesa, mantendo o quarto quente, e a TV ainda estava ligada.
Eu tinha dado um golpe da barriga nele? Ele, de fato, era meu ídolo, mas não o enxergava mais assim. Não depois de tudo que a gente viveu. Ele era o amor da minha vida, o pai da minha filha, o cara que me fez atravessar o século duas vezes.
Solucei debaixo do cobertor. O que doía mesmo era me sentir feia e ouvir delas que ele tinha passado o rodo ou como ele fazia isso bem. O imaginei tocando-as, mulheres sem rostos, e chorei mais.
Fiquei tão absorta nos meus pensamentos e no meu próprio choro que só despertei do transe ao ouvi-lo irromper pela porta feito uma bala.
Ele grunhiu com alívio, provavelmente porque tinha me encontrado. A porta bateu.
— , você enlouqueceu? — ele perguntou em um tom muito bravo. — Eu achei que você tinha sumido de novo, que você tinha sido levada para longe de mim de novo, porra!
Ao ouvir aquilo, concluí que eu tinha sido absurdamente irresponsável de ter saído daquele jeito. Me encolhi mais ainda e tentei não fazer nenhum barulho.
A cama afundou na minha frente e ele tirou o cobertor, revelando uma pessoa chorando pelada. Seria cômico, se ele não tivesse escolhido o lado de que parecia mais assustador.
— O que houve? Tem algo doendo? Você está sangrando de novo? — ele perguntou, tirando meu cabelo do rosto enquanto procurava por algo fora do lugar.
Neguei com a cabeça.
— D-Desculpa, e-eu não d-deveria ter saído d-daquele jeito — gaguejei em meio ao choro. Suspirei e tentei me recompor.
Seu dedão acariciou minha bochecha. Ao ver que eu não estava muito bem para falar algo, ele tirou os coturnos e a jaqueta, depois se enfiou debaixo do cobertor comigo. Ele me trouxe para perto e minhas lágrimas molharam seu suéter azul escuro.
— Desculpa — pedi de novo, dessa vez mais contida. — Desculpa por não lembrar que não tomava mais pílula aquele dia, na praia. Eu me aproveitei de você.
Ele me afastou e me analisou.
— Que papo é esse? — perguntou, com a testa franzida.
— Sei que você é criterioso com proteção. Eu ouvi umas mulheres conversando no banheiro que você nunca esqueceu de usar proteção com elas.
Ele pareceu entender um pouco do que aquilo se tratava.
— Foi por isso que você saiu sozinha — ele concluiu.
— Mais ou menos. Elas também falaram que eu não sou bonita para você e que você comeu toda Estocolmo mesmo sendo apaixonado por mim. — Senti as lágrimas descendo furiosamente. — Eu não ligava para isso, você sabe, mas depois elas disseram que queriam ter tido essa ideia de engravidar para te prender, porque você é bonito, tem dinheiro e... — Fitei seus olhos compreensivos. — Elas disseram que você “fode muito bem” — fiz aspas com os dedos. — Doeu... doeu porque só agora te imaginei com outras mulheres de fato.
Ele escutou tudo com atenção e depois beijou minha testa.
— Você deveria ter me contado lá — ele disse. — Eu te traria de volta, em segurança. E não precisaria ter invadido o banheiro feminino para te procurar...
Concordei, me sentindo uma criança. Foi loucura ter saído daquele jeito mesmo.
— Você não se aproveitou de mim, a gente nunca nem usou preservativo, mesmo antes de você tomar pílula. — Ele tocou meu queixo. — Para falar a verdade, mesmo se você dissesse que estava pronta para ter um bebê naquele exato segundo, eu não teria dado a mínima. Só se te ouvisse dizendo que não me queria teria me parado. Eu te queria a qualquer custo. Agora nós realmente vamos ter um bebê, então não me arrependo.
Sorri minimamente.
— E você é linda demais para mim, isso sim. — Ele parecia até ofendido por eu não me dar conta disso. — Ainda não sei o que fiz para te merecer como fã, quem dirá como minha namorada. — Tentou organizar a bagunça que estava meu cabelo. — Não posso desfazer o que fiz, mas posso te garantir que não desejei outra no breve momento que estivemos juntos e as que tive depois não significaram nem um terço perto de você.
Enterrei o nariz em seu pescoço porque não queria encará-lo e perceber que era uma boba.
— Eu sei — murmurei, abafada pela sua pele e cabelo. — É que na hora eu me senti tão humilhada. Não pensei direito. Você poderia ter outra pessoa, casar e ter outros filhos, eu que não tenho que exigir nada quando só se passou tão pouco tempo para mim.
— Jamais, só você me fez pensar nessa possibilidade — sorriu. — Eu entendo que esteja com ciúmes porque consigo me visualizar no seu lugar. Se um dia eu tiver o desprazer de escutar alguém falando das suas habilidades entre quatro paredes... acho que prefiro morrer no segundo seguinte.
Bufei.
— Isso não é muito justo, você não vai dar um pulo lá em 2019 para ouvir qualquer coisa do tipo. Além do mais, não foram muitos assim. Eu nem sabia que sentia tanto desejo até te conhecer e te atacar naquele elevador.
— Pois me sinto honrado de ter despertado a Afrodite dentro de você — brincou.
Soltei uma risada.
— Isso foi um pouco brega — comentei, fazendo-o rir. — Mas tudo bem, porque posso me sentir um pouco melhor por ter te chamado de perfeito, gostoso e entre outros.
Senti seu corpo sacudir com a gargalhada e parecia que tudo estava se encaixando de novo no mesmo ritmo.
— Bom, você é brega. Então não espero muito.
Empurrei seu ombro e fingi estar indignada. Ele sorriu, me fazendo fitar seus lábios. Eu queria beijá-lo, mas deveria estar horrível depois de chorar, então achei melhor não.
— Por que você está sem roupa? — ele perguntou.
Conferi e acabei lembrando desse detalhe.
— Não sei — admiti.
Ele estava mordendo o lábio e olhava para o cobertor nas nossas cabeças para conter a risada. Empurrei de novo seu ombro.
— Ei, você está se segurando para não rir? — acusei-o. Ele acabou não conseguindo segurar mais e explodiu em risada.
Esperei de cara feia o engraçadinho terminar de rir. Agora sim, ele viu o lado cômico da situação.
— Você é ridículo — resmunguei. — A sua sorte é que você realmente é bonito e fode bem.
Ele começou a rir mais ainda, me levando a segui-lo. Era bom saber que ainda compartilhávamos esses momentos, em que ele ria de mim e eu acabava rindo também. A única vantagem de ser destrambelhada era essa. Depois de quase ficar sem ar, foi parando e vi seus olhos cheios de lágrimas. Eu sei que sou suspeita porque falo que ele é lindo a qualquer hora e que sempre falo isso, mas era a única coisa que poderia descrevê-lo. Ele ficava lindo quando ria tanto assim.
Dessa vez, ele percebeu que eu encarava sua boca, porque a grudou na minha. Um beijo calmo se iniciou. Tirei seu suéter e sua camisa só para poder colar nossos troncos sem nada para atrapalhar. Envolvi-o em um abraço e acabamos adormecendo assim.
Foram dias tranquilos em 1997. Passei a me sentir um pouco insegura de novo depois de ouvir aquilo, mas consegui contornar bem a situação para não deixar me afetar muito dessa vez. Não o imaginei mais com outras mulheres porque quis guardar essa memória no fundo do baú e engolir a chave. O enjoo matinal continuava sendo um problema, mas ele desaparecia lá pela hora do almoço. Consegui vencer a bagunça de sua casa um dia antes da cirurgia. Tive a impressão de que meu tempo ali estava se esgotando e o limite era o dia da cirurgia. O guardião vinha sendo muito paciente comigo. Porém, se dependesse de mim, eu poderia facilmente continuar minha jornada ali em 1997, sem voltar para 1991. Me sentia um pouco culpada por pensar aquilo, mas era a verdade. Tudo ali funcionava tão bem, como uma melodia perfeita. Tinha novidades, mas não tinha empecilhos, era fácil.
Pedi para Börje esperá-lo no quarto do hospital, enquanto eu entrava até o limite com ele.
— Isso é vergonhoso — resmungou enquanto se analisava de camisola e touca.
— Imagina sair andando assim no meio do outono — zombei de mim mesma.
— Nem quero imaginar, já estou me sentindo exposto o suficiente.
Um enfermeiro entrou no quartinho com uma maca.
— Pronto, senhor ? — perguntou.
— Não.
Soltei uma risada.
— Ele está sim.
O enfermeiro também riu discretamente.
— Agora se despeça da sua esposa porque o médico já está no centro cirúrgico — o enfermeiro disse, ajeitando a maca.
Sorri ao me imaginar como esposa dele. Ele beijou meus lábios e depois minha testa. Pareceu esperar minha aprovação.
— Vai dar tudo certo — falei, olhando a íris brilhante dele. Sua mão deslizou até minha barriga que já estava um pouco mais aparecida.
— Eu amo vocês duas. Aconteça o que acontecer. — Beijou a ponta do meu nariz.
— Eu te amo. Seja forte.
Ele se ajeitou em cima da maca e o enfermeiro o cobriu com um cobertor. Fui acompanhando-os até o corredor, segurando sua mão. Quando estava perto das portas duplas, me desesperei um pouco.
— Espera — pedi. — Alguma dica para te conquistar em 1988?
Ele sorriu.
— Fala que está grávida e é meu, em memória dos velhos tempos. Ah, e não se esqueça de me manter bastante entretido — ele piscou, deixando claro a que entretenimento se referia. — Essa seria a receita perfeita para me manter interessado nos anos 80.
O enfermeiro prosseguiu, deixando minha mão triste e solitária.
Que dê certo dessa vez.
Que dê certo dessa vez.
Que dê certo dessa vez.
Fiquei ali esperando, sentada e agarrada à minha mochila, alguma notícia dele. Tentei me controlar para não pensar em nada porque qualquer coisa poderia me enlouquecer de vez. Não sabia quantas horas se passaram, mas um médico apareceu para falar comigo.
— Você não deveria estar esperando seu marido no quarto? — ele perguntou quando me alcançou.
— O pai dele está lá. Deu certo? Ele está bem? — falei muito rápido.
— Sim, deu tudo certo. O dispositivo foi implantado com sucesso. Ele não deve estar acordado por causa da medicação, mas você pode vê-lo.
Concordei, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas.
— Obrigada — agradeci com a voz embargada.
— Não por isso. Tenha uma boa noite — ele se despediu e passou por mim.
Ele ia sobreviver além de 2004. Eu o salvei.
Deu certo!
Senti a sensação de desmaio como da outra vez e soube que chegara a hora de ir embora. Dessa vez, eu levaria boas memória de um badass que me conquistou ainda mais.
Aguente firme... Só mais uma parada antes de irmos para casa.
Aquela dor de cabeça estava se tornando assustadoramente familiar. Não demorei muito para abrir os olhos e me levantar, porque reconheci o jardim dos e me assustei em ter parado logo ali.
Ok, aquilo tinha sido extremamente conveniente.
O jardim parecia em frangalhos, um certo cuidado não passava ali há um bom tempo — o que não era comum, porque as mãos da Karin sempre mantiveram o local impecável.
Ajeitei a alça da mochila e, sem pensar muito, toquei a campainha.
Uma versão mais adolescente de Andreas abriu a porta alguns segundos depois. Dessa vez, não fui recebida por nenhuma festa ou comemoração, apenas por indiferença. Foi como um soco na cara, mas engoli em seco e resolvi prosseguir, afinal, eu estava presa ali mesmo.
— Olá — falei em sueco. — Você deve ser o irmão do . Sou a , prazer — estendi minha mão. Uma parte minha quis muito que ele me perguntasse se eu era uma alienígena, como das outras vezes. Porém apenas pegou minha mão despretensiosamente.
— Meu nome é Andreas. E ele não está em casa — avisou, meio ríspido.
— Sabe quando ele vai chegar? — perguntei, sentindo o vento bater nas minhas costas e bagunçar meu cabelo.
Ele gritou o nome da irmã e esperou por resposta. Passei os braços pela minha barriga para me proteger do frio e isso pareceu chamar sua atenção. Fitei também o suéter fino e justo. Agora, já dava para desconfiar que um bebê crescia ali, se olhasse com atenção, ou poderia ser apenas inchaço, mas um desavisado desconfiaria que seria um bebê. Me chamou para dentro e pediu para que esperasse ali, porque faria algumas ligações para descobrir onde o irmão estava.
Me sentei em um sofá que não combinava com a sala, mas nada deveria combinar com aquela bagunça. Era assim que eles viviam nos anos 80? O segundo andar nem existia ainda, a lareira era puro carvão, o carpete estava encardido e havia roupa, lixo e cinzas de cigarro por todo canto. Não sabia se seria uma boa ideia mesmo adotar aquela estratégia que ele disse em ‘97. Talvez eu devesse procurar outro lugar e tentar me aproximar devagar. Estava me sentindo absurdamente deslocada ali — um dos locais que me senti mais em casa nos últimos tempos.
Lilly de uns 14 ou 15 anos apareceu, me olhando, não como um monstro, mas como uma desconhecida qualquer que passava pelas mãos do seu irmão mais velho.
— E quem é você? — ela perguntou, analisando meu rosto. Eu a analisei por completo. Quis muito rir de suas roupas, mas seria muito inapropriado.
— Ahm... — Pensei no que dizer para uma Lilly de língua e mente afiadas. — Sou amiga do seu irmão, o . Meu nome é .
— Está de quantos meses? — ela perguntou repentinamente. Até fiquei sem saber o que ela estava falando por não ver seu olhar sair do meu rosto nem por meio segundo. — Seu bebê. É um bebê, certo?
Cruzei os braços em cima da barriga de novo, agora como proteção.
— Estou de treze semanas.
— É dele, não é? — ela perguntou, sentando-se no braço do sofá.
Nada escapava dela. Nada mesmo. Concordei com a cabeça, um pouco receosa de revelar aquilo.
— Aquele irresponsável... — Ela fez um som de desgosto. — Ele está encrencado, vou falar tudo para o papai.
Arregalei os olhos. Uma Lilly infantil não estava nos meus planos. Pensei em implorar para ela não fazer nada, mas Andreas voltou à sala.
— Meu pai vai avisá-lo — explicou. — Você quer beber ou comer alguma coisa? Não sei se temos comidas para grávidas — ele disse, como se mulheres grávidas comessem capim.
Sorri a ponto de sentir a pele das minhas bochechas repuxar, tentando parecer simpática a todo custo.
— Só água mesmo — falei com intenção de deixá-los familiarizados comigo. Afinal, eu também teria que reconquistá-los.
Ele saiu em direção à cozinha. Lilly voltou a me encarar.
— De onde você é? — perguntou.
— Brasil — respondi, controlando até minha respiração, com medo de revelar demais e ela correr para me delatar ou julgar, como seus olhos já faziam.
— Hm... — Ela passou aquela visão de raio laser por mim de novo. — Suas roupas são... estranhas.
Dessa vez, eu estava vestida apenas com calça jeans e um suéter quadriculado azul escuro e branco. Porém minha calça era um mom jeans e típico do meio dos anos 90 mesmo. Resolvi não responder porque, pelo menos daquela vez, eu não estava de pijama ou camisola hospitalar.
Andreas me entregou um copo mal lavado com água. Bebi o conteúdo sem reclamar.
— O está muito fodido — Lilly comentou, olhando para minha barriga de novo, levando seu irmão também a encarar.
— É... ele está — murmurou.
— Erm... — Pensei em algo para despistar a atenção deles. — Que tal se a gente assistisse um pouco de TV enquanto esperamos por ele? — sugeri.
Eles dois deram de ombros e Andreas foi ligar o aparelho velho. Lilly continuou ao meu lado, vez ou outra me lançava seu olhar julgador que parecia pesar toneladas. Os programas dos anos 80 para adolescentes suecos pareciam chatos e sem graça ou eu que estava me corroendo de ansiedade. Me senti perdida, em um lugar onde conhecia as pessoas e elas não me conheciam de novo. Só que agora tínhamos toda uma história. Minha melhor amiga estava me julgando por estar grávida do seu irmão, sendo que foi ela quem comemorou primeiro.
Ouvi as chaves no trinco da porta e vi um de cabelo em pé entrar por ela normalmente. Dava para notar que ele gastou, pelo menos, uma lata de laquê para colocar aquele cabelo repicado para cima daquele jeito. Levantei do sofá ao mesmo tempo que seus irmãos.
— E aí — falou, me analisando. — Quem é essa? — perguntou para Lilly, como se eu fosse a amiga dela. Bom, não naquele ano. A forma com que me olhava fazia com que eu me sentisse um pedaço de carne e causava nojo.
— A mã... — ela começou dizendo.
— Sou a — interrompi antes que ela revelasse logo de cara. — Provavelmente você não se lembra de mim, mas a gente se conhece.
Mais uma vez: seria uma cena cômica, se aquelas linhas de expressão na sua testa não estivessem ali. Ele não estava entendendo nada. Quando me viu andando em sua direção, fixou o olhar na minha barriga. Parece que a barriga chamava mais atenção do que eu previ, mesmo que ainda fosse bem pequena para uma barriga de grávida. Ele deu alguns passos para trás, parecendo entender tudo e eu parei em cima de uma caixa vazia de pizza.
— Quem é você? — perguntou de novo, com receio agora.
— Eu posso explicar. — Tentei tranquilizá-lo com as mãos. Eu estava ficando nervosa a ponto de querer rir descontroladamente da situação.
Pensei em contar toda a verdade, sobre ser uma viajante do tempo, sobre ele, implorá-lo para se apaixonar de novo por mim, para me reconhecer... Qualquer coisa que o fizesse parar de me olhar como se fosse uma desconhecida depois de tudo o que passamos. Eu não sabia se poderia suportar essa dor de olhá-lo e ser a única que se lembrava da nossa história.
— Oh, não... É m-meu? — gaguejou, e vi o medo em seus olhos tão familiares. Medo de mim.
Pensei em falar que “não” e sair correndo dali. Porém...
— É — Lilly disse atrás de mim. — Seu irresponsável!
Agora, pronto. A merda havia sido jogada no ventilador.
Ele colocou as mãos na testa em desespero. Vi seus olhos arregalarem. Temi pelo seu coração, mas ele não parecia estar passando mal nesse sentido. Só parecia que todo o seu sangue tinha sumido e o deixado pálido demais. Essa, sim, parecia uma reação à altura. Ao contrário da primeira vez. Talvez fosse mesmo uma mentira plausível em 1988.
— E-eu não me lembro — murmurou. Pigarreou para corrigir o volume da voz. — Não me lembro de você.
É, infelizmente eu sabia e aquilo doía. Queria chorar, mas não podia e, por isso, minhas emoções ficaram ainda mais intensas.
— Imaginei, você parecia meio bêbado — falei, assim como na primeira vez. Saiu como algo convincente dessa vez.
— Onde você mora? — Andreas perguntou, com uma mão no meu ombro.
parecia perdido, senti uma pontada no peito por vê-lo assim e não poder consolá-lo.
— Eu... fugi de casa. Meus pais não podem saber sobre esse bebê — menti com certa naturalidade e me surpreendi por isso. Na primeira vez, foi tão difícil, tão complexo inventar uma mentira. Agora, com certa simplicidade, saiu extremamente convincente. É, eu havia me tornado boa mentirosa, afinal.
Eles ficaram em silêncio por alguns minutos. Lilly andou até ele e deu um tapa atrás de sua cabeça.
— Fala alguma coisa para ela, seu idiota — ordenou.
— Falar o quê?! — ele praticamente gritou. — Eu não sei o que fazer! O que quer que eu faça?! — A pergunta foi para mim.
Suspirei. Ele era realmente uma pessoa diferente nos anos 80. Estava óbvio o que todas as pessoas ali presentes, além dele, esperavam que fizesse e, mesmo assim, ele parecia não enxergar o que estava bem à sua frente. Nem me questionar parecia disposto.
— Nada. Só achei que deveria saber que é seu — minha voz saiu por um fio, como se ele tivesse me apagado com toda a sua indiferença. Fui pegar minha bolsa que estava em cima do sofá. — Vou procurar um hotel. A gente se vê por aí.
— Vai deixá-la sair sem ter para onde ir? — Lilly perguntou para ele, me olhando ir até a porta. Tive vontade de pedir para deixar para lá, mas preferi sair sem falar mais nada.
Ninguém me seguiu pelo caminho até o hotel mais próximo, mas fui tola de achar que alguém o faria durante todo o trajeto.
Paguei adiantado três semanas pelo quarto, aquilo aparentemente demoraria. Reposicionei algumas coisas do quarto conforme me tornasse confortável, arrastei a cama de casal para debaixo da janela, a cômoda de mogno ao lado da porta do banheiro. Só não mexi no móvel da TV porque era pesado demais. Liguei o rádio velho que ficava em cima da cômoda e larguei o corpo em cima do lençol branco. My heart... So blue começou a tocar. Não sei o que começou primeiro: a risada ou o choro.
Como diabos despertei algum sentimento nele? Ele disse, na carta, que se apaixonou por mim desde que me viu usando suas roupas, apesar de que acho que não foi tão de cara. Só que agora tudo é diferente. Ele não pareceu nem comovido com minha situação, mas com a própria situação. Claro, ele só tinha 22 anos, queria que ele pensasse que ter um filho poderia ser positivo como sua versão de 31 e 38 anos? Ele provavelmente estava pensando no quanto ser pai iria atrapalhar suas aspirações. Era 15 de agosto de 1988, o quarto álbum da banda sairia em outubro. Esse álbum seria um dos primeiros passos para mudar o gênero da banda, de black metal para o viking. era o precursor de ambos os gêneros musicais — apesar de não saber sobre o segundo ainda —, mas, naquele momento, com apenas 22 anos, seu ego estava lá em cima.
Lembrava de algumas entrevistas dos anos 80, mas não mais da ordem exata. Algumas informações estavam sendo apagadas da minha mente, conforme eu vivia ali. Não lembrava se ele ainda se embebedava com frequência ou se ainda cuspia fogo por aí — nos anos 80, ele fazia algumas fotos cuspindo fogo, enchia a boca de uísque e cuspia na chama de um bastão, fazendo-a subir —, eu achava bonitinho quando o conheci, mas imaginá-lo atualmente me deixava preocupada com sua segurança.
Me sentia sozinha e não senti isso nem quando viajei para 1990. Só queria que ele tivesse aqui para me abraçar e dizer que iria dar tudo certo, que acreditava em mim. Ao menos, para que ele me deixasse chorar um pouco sentindo seu calor, pensando em seus olhos que me olhavam com medo e sem um pingo de amor. Queria que Lilly se lembrasse de mim e dissesse que sou sua melhor amiga antes de ser namorada do seu irmão, para depois me abraçar.
Aquilo era injusto. Era mais uma punição cruel desse grande castigo.
Uma semana trancada no quarto e chorando em posição fetal tinha se passado. Eu ainda não sabia o que fazer, por onde começar. Agora, parecia uma boa opção esperar até o guardião perceber que falhei na minha missão e me levar de volta para 2019, quando tinha chance de encontrá-lo. Eu queria passar a vida com ele, queria que ele me tivesse ao lado desde os 24 anos, mas, depois de sofrer tanto em 1988, tê-lo aos 53 anos parecia ótimo. Porém eu sabia muito bem que não era o que ele iria querer. Ele iria querer ver a própria filha crescer enquanto nós dois envelheceríamos no curso natural. Nós merecíamos ter nossa vida de volta.
O que não sabia era da minha capacidade de ficar mais tempo ali. Já me sentia cansada emocionalmente de me adaptar à tantas realidades e mudanças. Ser uma viajante do tempo era desgastante, era você que tinha que se moldar a tudo e o tempo todo, nunca o contrário. Estava tão farta.
Mas, lá estava eu, indo, mais uma vez, comprar roupas da época e comida. Não estava com muito apetite ultimamente, mas precisava me manter saudável para que aquele bebê crescesse.
Como cantava o vocalista do Whitesnake antes que meu dedo apertasse o botão de desligar: And here I go again on my own...
Meu mau humor era evidente, tanto que percebi que alguns caras no corredor queriam mexer comigo e desistiram. Eles já haviam mexido comigo antes, quando eu não parecia mal-humorada e, sim, triste. Falaram que poderiam me fazer sorrir rapidinho. Bem, eu duvidava muito.
Estocolmo parecia mais... antiga. Tudo parecia um pouco velho comparado à 1990. Me surpreendia que em dois anos algumas coisas tivessem se atualizado a ponto de me fazer notar a mudança. Aquela cidade estava se tornando meio maçante, sentia um pouco de falta da paisagem de um país tropical. Se bem que tudo parecia sem graça para mim, não era culpa de Estocolmo, mas do meu estado de espírito.
Não foi difícil encontrar roupas que servissem no meu corpo, porque ele vinha perdendo massa ultimamente. Eu estava péssima, o brilho que 1997 tinha me devolvido se esvaiu todo naquela semana. Porém trouxe maquiagem na minha mochila de sobrevivência e passei antes de sair para ficar mais apresentável.
Tentei comprar peças que não apertassem muito minha barriga e chegassem a incomodar, porque as roupas que trouxe comigo já estavam fazendo isso, mas nos anos 80 era meio que missão impossível por as roupas serem coladas demais. Pensei que a barriga fosse demorar mais para aparecer, como vi algumas mães de primeira viagem relatando, mas, na décima quarta semana, tentar escondê-la tinha se tornado um pouquinho mais difícil. Peguei um vestido rodado, para quando quisesse disfarçá-la e não receber olhares curiosos.
Sobre meu cabelo, me recusava a cortá-lo só para me adequar aos penteados extravagantes dos anos 80. Em 1991 ou 2019, eu me arrependeria de ficar com o cabelo todo picotado sem motivo. Fora que ele vinha crescendo muito rápido desde que descobri que estava grávida e era a única coisa que parecia brilhar em mim.
Estava com três sacolas de roupas, outra com algumas frutas da estação e compras diversas. Foi o motivo de não conseguir abrir a porta do centro comercial de primeira, mas uma mão masculina apareceu e segurou-a para mim.
— Obrigada — agradeci em sueco e me virei para sorrir.
Meu sorriso morreu antes de aparecer ao ver o dono da mão. Era , é claro. Não sei como não reconheci aquela mão antes, se ela já esteve por tantas partes do meu corpo. Senti um frio na barriga, um que não sentia havia um tempo.
— Por nada — ele respondeu, em inglês. Seu cabelo não tinha laquê, mas ele ainda usava muito couro para ser o meu . Mesmo que eu tivesse conhecido aquela versão dele em 2019 e me apaixonado, eu já tinha me acostumado a vê-lo em trajes normais e, por isso, sua escolha de roupa me irritava profundamente.
Virei para a frente e tentei andar a passos rápidos, porém as sacolas foram um empecilho. Não foi nenhuma surpresa ele ter me alcançado pouco tempo depois com suas pernas enormes.
— Me deixe ajudar com essas sacolas — ofereceu.
Ah, mas agora ele queria ajudar.
— Não preciso da sua ajuda, ... Ou eu deveria dizer ? — cuspi as últimas palavras, o encarando.
— Pode me chamar de — respondeu, impassível. — E é só uma ajuda, você mal está conseguindo andar e, se tropeçar, o estrago será maior.
Fiz cara feia. Realmente, tinha um ponto, eu não poderia ficar me acidentando no momento. Entreguei as sacolas mais pesadas com as roupas e ele que se ferrasse com o peso.
Nós dois andamos lado a lado. Parecia pura ansiedade só pela sua postura corporal e o modo como respirava. Resolvi não tentar puxar assunto por estar sem paciência, naquele momento, para lidar com uma versão imatura do homem que amava. Até porque ainda não sabia como lidar com ele.
Ao chegar à porta do hotel, eu parei e ele estancou ao meu lado. Não queria subir com aquelas sacolas e parecia realmente mal-educado não o convidar para entrar. Então o chamei, e ele aceitou de bom grado, provavelmente concluindo que seria incômodo para subir as escadas cheia de sacolas. Pesquei as chaves de dentro do bolso traseiro da calça e destranquei a porta. Ao entrar, coloquei a sacola com a comida de lado e o observei feito uma estátua no vão da porta. Por acaso, ele era um vampiro e precisava de mais um convite para entrar no quarto?
Arqueei uma sobrancelha.
— Vai ficar parado aí ou trazer essas sacolas para dentro? — perguntei, soando grosseira demais. Pareceu acordar do transe e entrou. Colocou as sacolas de roupa junto da outra. Antes que saísse correndo feito uma criança com medo do escuro, fechei a porta e indiquei a cama para que se sentasse. Comecei a esvaziar a sacola de comida, carreguei algumas coisas para o frigobar. Ele apoiou o peso do tronco nas mãos que estavam atrás de seu corpo.
— Quer beber algo? — ofereci, analisando o conteúdo da geladeira. — Suco de laranja ou água?
Nenhuma das duas opções agradavam muito seu paladar, eu estava mais do que ciente. Só que eu estava tão nervosa quanto ele e precisava quebrar o gelo falando algo simplório.
— Não, obrigado — respondeu, com a voz mais grossa que o normal.
Fechei a porta da geladeira e apoiei o quadril nela, cruzando os braços.
— E, então, como está a sua banda? — resolvi puxar assunto, porque não estava aguentando vê-lo tão sem jeito. Parecia que ele não falava direito com uma garota há muito tempo. Quer dizer, sem segundas intenções, é claro.
— Bem... — ele suspirou, visivelmente tentando voltar a si. — Vamos lançar um disco em outubro.
— É mesmo? — fingi que não sabia. Até que eu estava ficando uma boa atriz, meus pais ficariam orgulhosos de que, mesmo que eu tivesse escolhido o que escolhi, no final acabei sendo forçada a atuar tanto quanto ultimamente. As aulas de teatro tiveram uma finalidade.
Ele concordou com a cabeça. Pensei o quão fácil seria mantê-lo interessado. Se eu me sentasse em seu colo e falasse em seu ouvido algumas sujeiras que sabia que adorava escutar, ele não largaria do meu pé tão cedo. Porém não poderia ir por aquele caminho de cara, se quisesse que ele se apaixonasse. Teria que ser com calma e isso era algo que eu precisava aprender a ter. Meu corpo pedia pelo dele, mas meu cérebro me lembrava constantemente que ele não era o mesmo.
— É o quarto disco da banda — ele completou, depois de um tempo calado.
Murmurei algo positivo só para não mostrar desinteresse. Ele começou a fitar os próprios pés.
— É , certo? — ele confirmou meu nome e eu assenti. — É um nome legal.
Ele definitivamente tinha um mau gosto. Dessa vez, nem gostava de mim para defender meu nome.
— Já pensou em nomes para o bebê? — O nervosismo estava presente na sua voz por abordar aquele assunto.
— Por que você quer saber? — resmunguei, olhando-o feio. Talvez eu tenha sido muito ríspida, mas na minha cabeça ainda ecoava sua pergunta do que queria que fizesse e me irritava profundamente. Suspirei, tentando recuperar a calma ao ver seus olhos assustados. Fui longe demais. — O nome dela é Emma. É uma menina — dei a notícia pela terceira vez.
Parabéns. Você vai ser pai de uma menina, seu paspalho.
Ele parecia em choque de novo enquanto fitava a geladeira.
— V-você tem certeza de que eu sou o pai? — perguntou.
Ok, era aquilo. Definitivamente tinha esgotado todo o estoque restante da minha paciência com aquela pergunta. Marchei até a porta, pronta para colocá-lo para fora, mas, ao agarrar a maçaneta, ele disse baixinho:
— Desculpa.
Me virei para encarar a cara de pau de quem duvidou de que era o pai do bebê que eu estava carregando. Ou seja, não estava com uma expressão lá muito amistosa. Poderia descrever como um olhar de quem queria fazer picadinho daquele rostinho e corpinho perfeitinhos até não sobrar nadinha, e tudo no diminutivo porque estava muito brava.
— Eu conversei com o meu pai depois daquele dia e ele me fez perceber o quanto fui imbecil. Principalmente por te deixar ir embora, mesmo sabendo que você não tinha para onde ir — explicou. Seus olhos estavam escuros. — Vamos... — pareceu pensar — tentar tudo de novo, do começo. Do jeito certo.
Encostei as costas na porta, mostrando que estava ouvindo.
— O que você quer dizer? — perguntei, curiosa.
— Por que a gente não sai para jantar, como um primeiro passo? — sugeriu.
Soltei uma risada sarcástica.
— Você quer sair em um encontro comigo? Espere lá, não quero que se sinta pressionado a se casar só porque estou grávida — zombei.
Me arrependi amargamente de novo por não pensar antes de falar, porque eu precisava de uma migalha e ele estava me entregando um banquete de bandeja. Vi decepção manchar seus olhos, mas sua expressão era vazia. O velho estava de volta com sua ausência de expressões, quase grunhi ao constatar aquilo.
— É só um jantar para a gente se conhecer, não precisa segurar minha mão ou qualquer coisa parecida — explicou, com calma.
Agradeci mentalmente por não ter desistido depois da minha grosseria. Nunca o imaginei como alguém que insistiria, ainda mais sabendo da sua fama e de todas as garotas que tinha à sua disposição.
— Hoje à noite? — sugeri, tentando contornar a situação.
— Claro. Posso vir te buscar às oito. — Ele se levantou e parou na minha frente.
— Às oito... me parece bom — falei, meio desconcertada com a proximidade dele. Mordi o lábio inferior para controlar a vontade de tocá-lo, de descansar minha cabeça em seu peito e sentir seu calor tão familiar me inundando enquanto me acalmava.
Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele girou a maçaneta e saiu, me deixando presa com uma amostra generosa daquele maldito cheiro de shampoo de frutas. Pura sacanagem. Pensava que o cheiro do tanto de laquê que andava usando abafaria, mas me enganei. Fiquei ali, o aspirando, feito a patética que era. Eu senti falta da presença dele na semana que se passou, o cara que destroçou meu coração, eu só podia me odiar mesmo.
Droga, e quase desperdicei a única chance que tive depois de uma semana pensando em como consegui-la. Onde é que eu estava com a cabeça, hein? Talvez, depois de viver um conto de fadas em 1997, encontrar um que não se lembrava de mim foi pior do que eu imaginei. Porém não podia deixar que aquilo me atrapalhasse, eu precisava chegar em 1991.
Precisava também me recompor, já eram quase 18 horas e tinha que estar pronta logo mais. Não poderia arriscar dar outro show de grosseria daqueles.
Tomei banho, lavei o cabelo e enrolei uma toalha nele. Analisei minhas opções de roupa. O que poderia conquistar um garoto que era considerado por muitos como um ícone de um gênero musical? Eu já fizera aquilo uma vez, então não deveria ser tão difícil como parecia. Não comprei roupas de couro e com correntes, como as garotas que eram fã dele se vestiam; só roupas confortáveis. O vestido rodado pareceu ser uma boa opção, ele era azul claro e de mangas longas que tinham pequenas aberturas perto dos pulsos. Coloquei sapatos vermelhos e meia-calça branca. Me olhei no espelho e vi uma versão dos anos 80 de mim mesma. Sorri com a constatação. Aquilo ia ter que servir. Passei de novo a maquiagem e ouvi batidas na porta quando estava terminando de ajeitar o batom vermelho.
Peguei a bolsa que comprei e abri a porta. Ele parou com a mão no ar enquanto me analisava. Também o analisei, usava jeans de lavagem escura, uma camiseta preta de uma banda chamada Mefisto enfiada no cós e um par de tênis brancos surrados. Acho que essa era a definição dele de “arrumado” na época, mas ele nunca se arrumou muito para sair comigo, só quando tivemos um jantar com aquele povo da revista em 1990. O cabelo molhado lhe dava um ar de limpo, no entanto.
— Você está... — começou a dizer, mas o interrompi quando passei por ele e tranquei a porta.
— Disse que não era um encontro, então achei que não precisava me fantasiar de princesa das trevas para tentar te agradar — brinquei enquanto andava pelo corredor.
— Eu ia dizer que você está muito bonita — comentou, andando ao meu lado.
Agradeci. Dessa vez, não tinha um Volvo ou uma Harley Davidson nos esperando. Fomos a pé até o restaurante que era ali perto. Não sabia quem estava mais sem jeito durante o caminho, eu ou ele. O silêncio era extremamente constrangedor e tentei segurar ao máximo minha boca que queria soltar umas asneiras típicas de quando estava nervosa. Ainda bem que não demorou nem dez minutos para chegarmos.
Tinham muitos jovens ali, tornando o lugar barulhento. Era um restaurante de comida americana, a decoração devia ser a mesma desde os anos 50, o piso xadrez preto e branco maltratado era prova daquilo. Me sentei no estofado vinho descascado e ele se sentou em minha frente. Uma música romântica do Foreigner saía das caixas de som espalhadas. Abri o cardápio na frente do meu rosto.
Calma, . Você não é uma adolescente tendo seu primeiro encontro. Na verdade, você já saiu várias vezes com esse mesmo garoto que está te deixando tão nervosa. Ele só não sabe disso.
Suspirei. Se fosse em outro momento, eu me beliscaria para ver se voltava a agir racionalmente. Porém ele não precisava ver esse meu lado estranho agindo ainda.
— Você... — comecei a puxar assunto.
— Quantos... — começou a falar na mesma hora.
Sorrimos e indiquei com a mão que continuasse.
— Quantos anos você tem? — perguntou, me analisando.
— Vinte e seis.
Ele parecia surpreso. Talvez eu já tivesse idade para me denominar papa-anjo, como as pessoas do século 20 falavam.
— Acho que nunca saí com uma mulher mais velha assim — confessou.
— Também nunca me relacionei com um homem tão mais novo que eu, mas cá estamos — falei, voltando a olhar o cardápio. Sentia falta daquele cavanhaque que o deixava com ar mais maduro, acho que iria pedir para ele deixar crescer em ‘91. Era bonitinho.
— Já escolheu? — perguntou, atraindo minha atenção e me lembrando novamente que estava ali com o no começo de seus 20 anos. — Tenho que ir ao balcão fazer o pedido.
— Ah! — Eu nem tinha assimilado nada do cardápio, estava ocupada fantasiando com ele mais velho. Cabeça de vento. Fechei e o pousei na mesa. — Vou querer o mesmo que você, mas com uma Coca-Cola de cereja.
Assentiu e foi até o balcão. Dei uma secada nada discreta em suas costas. Ele poderia ser novo e babaca, mas já era um tanto quanto atraente.
Ei, ei. Não deixe o monstro insaciável acordar. Foco. Pense em algo legal para conversar.
Nada me veio à mente nos sete minutos seguintes. Nada. ‘Tá, talvez uma piadinha sexual, porque pensei nele pelado. Só que eu não poderia trabalhar com aquilo. Ele já estava voltando com a bandeja nas mãos e eu comecei a me desesperar.
Depois de sentado, pegou um dos sanduíches com batatas-fritas e o milkshake de morango. Tinha a impressão de que minha cara era de quem estava prestes a explodir e por isso me fitou sem entender ao comer uma batata.
— É... — Pensa, pensa. — , é verdade que você prefere mulheres mortas?
Sério? Foi isso que você pensou? Logo uma das perguntas proibidas que tirava da lista das entrevistas?
Ele soltou uma risada e acabou engasgando-se de tabela. Seu rosto começou a ficar tão vermelho que estava evoluindo para o roxo. Não parecia nem um pouco bem, até porque já estive engasgada assim para saber que não estava. Me levantei em um pulo para bater em suas costas e talvez ajudá-lo a desentalar. Fiquei agoniada e comecei a socá-lo para ver se surtia efeito. Sei lá. Não estava mais confortável em ficar perto dele tossindo tanto depois de 2004.
Ele pegou meu braço pelo pulso antes que eu o esmurrasse mais uma vez. Percebi que estava na hora de voltar para o meu lugar ao ver um brilho de divertimento em seus olhos e seus lábios se retorcerem. Me sentei e senti minha pele febril de tanta vergonha.
— Isso foi... interessante — ele comentou, sorrindo, e pigarreou. — Você fez de propósito.
Eu não tinha feito, por isso me forcei a rir e comer uma batata. Percebi que ele estava tentando disfarçar o sorriso enquanto comia. Bom, pelo menos meu jeito destrambelhado o divertia em qualquer ano.
— Qual sua banda favorita? — perguntou enquanto comia o sanduíche.
Eu costumava responder que era a dele, mas depois de conviver com ele e resolver as coisas da banda, nunca mais parei para admirar como antigamente. Até porque ele não tinha os próprios discos em casa, então acabei nem comprando para a minha. Por isso, depois daqueles meses, podia afirmar que:
— Erasure — respondi e recebi uma careta em troca.
— Que... cafona.
Até em 1988 teria que ouvir aquilo dele? Enfiei um pedaço grande do sanduíche na boca para não dizer nada. Na hora de engolir, parecia um bloco de cimento. Não sabia como eu mesma não me engasguei. Seria só o que faltava mesmo, para completar o desastre.
— A minha é KISS — murmurou.
Eu sabia tão bem...
— Seu álbum favorito é o primeiro, mas você também é um grande fã do Rock And Roll Over — revelei, sem me importar com as perguntas que aquilo poderia gerar.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Sua música favorita é Makin’ Love, apesar de que você gosta muito de Deuce também — continuei, me divertindo com seu espanto. Não sabia o que tinha me dado para querer mostrar todo aquele conhecimento. — Você estava bêbado, mas eu não — complementei com a mentira. A versão certa dessa sentença era: você não lembra, mas eu lembro. De tudo.
— E qual a sua favorita deles?
Antes ou depois de você enfiar a cabeça no meio das minhas pernas naquele lago?
— Ah, você provou seu ponto de Makin’ Love ser a melhor — ri enquanto enfiava batatas na boca para disfarçar minha vergonha.
Ele sorriu aquele sorriso malicioso tão familiar. Se ele fez aquilo com outras mulheres ao som daquela música, eu iria matá-lo em 1991. Definitivamente sofreria minha fúria. Aquele era um momento nosso!
— Queria lembrar de você. Parece que fui eu mesmo contigo te contando essas coisas e eu não sinto necessidade de ser assim com ninguém há um bom tempo — ele disse, com o olhar perdido em um ponto da mesa.
Parecia um pouco... triste. Hora de mudar de assunto.
— Minha música favorita é My heart... So blue do Erasure. Ela sempre toca na rádio e eu gosto muito de cantá-la tomando banho — falei tudo de propósito para provocá-lo.
Ele fez uma careta e eu soltei uma das minhas risadas espalhafatosas, fazendo-o rir junto.
— Bom... Você tem que saber também que meu filme favorito é Dirty Dancing e que pretendo fazer a dança final no meu casamento — continuei.
— Isso é um show de horrores? — brincou e tampou os próprios ouvidos. — Pare, minhas orelhas estão sangrando — riu.
— Tem só mais uma coisinha: não gosto muito do álbum mais famoso do Motörhead.
Abriu a boca para fingir perplexidade.
— Não é possível. Você ouviu de novo? Uma segunda, terceira, centésima vez?
Ah... o velho , lá estava o garoto que eu conhecia.
— Não, mas é uma perda de tempo — dei de ombros.
— Ok, a gente é basicamente o oposto — observou enquanto bebia o milkshake, intrigado. — Isso até que pode ser interessante — deixou escapar, olhando nos meus olhos.
Quando eu cheguei em 1990, estava disposta a fazer muito esforço para agradá-lo. Porém aprendi que ele nunca quis alguém que fosse o ideal que montaram em revistas, nem alguém igual a ele. Por isso, finalmente, fui me conhecendo a ponto de saber o que me agradava e não agradava. Aparentemente, ele gostava de saber que éramos diferentes, mesmo enchendo meu saco por causa de cultura pop. Também era saudável para o nosso relacionamento.
— Eu gosto bastante da sua banda. Acho bonito o que você fez na faixa 6 do terceiro disco, de misturar black metal e música clássica — falei e ele agradeceu, parecia genuinamente grato. O do futuro já não gostaria tanto desse elogio por considerar o disco uma porcaria. — Já a faixa 5 do segundo disco me faz rir, você estava com tanto tesão a ponto de escrever aquilo?
Prendeu uma risada e abriu a boca para sorrir.
— Nunca me perguntaram isso antes.
— Provavelmente por sentirem o mesmo tesão esquisito, são garotos na puberdade e noventa e oito por cento é virgem — ri, limpando minhas mãos no guardanapo após comer tudo.
— É verdade — sorriu. — Escrevi e gravei todo aquele álbum bêbado demais para ter senso crítico com meu próprio trabalho — suspirou, pousando o copo vazio do milkshake no tampo da mesa. — Tenho que parar de ficar bêbado assim e ser mais responsável, agora que vou ser pai.
Sorri minimamente, terminando o resto da minha Coca-Cola. Se ele via daquela forma, então quem era eu para falar algo? Ele colocou um cigarro entre os lábios e riscou um fósforo, mas parei-o com a mão no ar.
— Você não pode fumar perto de uma grávida — adverti.
— As mulheres fumam enquanto estão grávidas — falou, como se fosse óbvio. Claro que aquilo nos anos 80 era comum, só que eu jamais permitiria que acontecesse perto de mim, sabendo todos os malefícios.
— Mas eu não e você não vai fazer isso perto de mim, porque faz mal para a Emma. Ainda mais em um ambiente fechado, onde provavelmente vou aspirar toda a sua fumaça. — Neguei com a cabeça. — Nem pensar.
Ele guardou o cigarro de volta no maço e descartou o fósforo no prato. Indignado seria pouco para descrevê-lo. Cruzou os braços e perdeu o olhar no estofado atrás de mim. Eu também estava indignada, por isso não falei nada. Se dependesse de mim, ele pararia de fumar desde já. Esse vício era ainda mais intolerável depois de quase vê-lo morrer na minha frente, as coisas seriam diferentes em 1991, não comeria mais carne vermelha e iria fazer caminhada todos os dias. Me encarregaria disso.
— Vocês podem desocupar a mesa? — uma moça loira pediu, com três outros amigos atrás.
Nós concordamos e carregamos nossos restos até o lixo. O vento não estava tão forte, então não seria incômodo caminhar de volta para casa. Ele ainda parecia meio puto por não poder fumar depois de comer, então peguei sua mão. O assisti sobressaltar.
— Eu quero segurar sua mão, é um encontro — expliquei, lhe lançando meu melhor sorriso de propósito, para melhorar o clima. Sua boca se curvou num sorriso tímido, mostrando que gostava.
Ao sentir os famigerados calos em sua mão pelas cordas da guitarra e o tamanho dos seus dedos comparado aos meus, senti que não fizemos aquilo o suficiente na nossa primeira oportunidade. Sabia que a culpa tinha sido minha por ter causado um sentimento de instabilidade na maior parte do nosso tempo juntos, e ele até dizia aquilo em uma música que fez para mim, mas eu estava ali, tendo uma chance de criar memórias, e segurar a mão dele parecia um bom recomeço.
Vi um parquinho de crianças ali na frente e tive uma ideia para a noite não terminar tão cedo.
— Você tem algum compromisso depois? — perguntei, só para confirmar. Ele negou. — Ótimo.
O arrastei pela mão até a entrada e ele parecia confuso. Me sentei no balanço de metal e o fitei, esperando alguma atitude sua.
— O quê? — ele perguntou, me observando.
— Ou você se senta no do lado ou me balança, não vá ficar parado aí.
Se aproximou. Seu jeito de andar ainda não era charmoso como costumava ser, parecia mais desengonçado do que o normal com aquela altura toda. Pegou na minha cintura — me fazendo entrar em pane com aquele tipo de contato repentino — e empurrou levemente.
— Mais forte — pedi. Ele obedeceu, aumentando a velocidade nos próximos empurrões.
Balanços sempre foram meus brinquedos favoritos, desde criancinha. Cansei várias babás fazendo-as me empurrarem por horas.
Comecei a gargalhar por estar sendo empurrada pelo homem da minha vida em 1988. Não me importei com a saia do vestido esvoaçando com o movimento. Eu estava tendo um momento bom. Ele parou de empurrar por já estar alto o bastante. Tive vontade de pular no chão, mas não poderia correr o risco de cair. Então fui diminuindo de ritmo, até quase parar, e suas mãos agarraram as correntes em cima da minha cabeça. Virou o balanço em sua direção.
— Você me trouxe aqui para isso? — perguntou, em um tom brincalhão.
— Talvez — falei, sorrindo. — Está incluso no pacote “encontro comigo”, eu adoro balanços!
Ele também sorriu. Percebi que tinha molho em seu queixo, puxei-o pela camisa até se agachar e ficar da minha altura. Seus olhos me estudaram. Passei o dedão para limpar aquele pedaço de pele e isso pareceu, de alguma forma, chamar sua atenção para minha boca. Prendi o ar. Ele queria me beijar? Hm... Definitivamente queria, só o vi olhar para minha boca daquele jeito antes de me beijar. E eu também queria, o momento era totalmente propício. Não sei se deveria, se isso alimentaria seu ego e ele acharia que poderia ir além na questão sexual.
Estava pensando demais de novo. Não era mais assim, só estraguei tudo fazendo aquilo.
Embrenhei meus dedos no seu cabelo ainda úmido e fechei os olhos, permitindo com que selasse nossos lábios. Ele o fez. Senti suas mãos segurarem de leve minha cintura e me trazer para mais perto. Sua língua pediu passagem e concedi prontamente. O gosto era o mesmo, mas o modo como nossas línguas se moviam era novo. Abracei seu pescoço e me permiti desfrutar da sensação de conhecê-lo mais uma vez.
Parou de me beijar gradativamente, até nossos olhos abrirem ao mesmo tempo e seu rosto se afastar alguns centímetros. Aquele poderia entrar para a história como nosso primeiro beijo, foi calmo e sem segundas intenções. Ao contrário do primeiro de verdade, que bebi, o ataquei em um elevador e depois fui parar em sua cama. Este também veio em um encontro, o que era um ponto a mais.
Um sorriso modesto brotou em seus lábios.
— Talvez a gente esteja indo rápido demais... — ele disse, me dando a impressão de que não gostou — para duas pessoas que já estão esperando um bebê — completou, brincando.
Os olhos brilhavam sob a parca luz. Ele parecia ter tirado proveito daquele momento tanto quanto eu. A insegurança ainda me fazia duvidar um pouco daquilo, ele tinha milhares de encontros com mulheres não-grávidas que acabavam em muito sexo. Até fui uma delas. Aquela era apenas outra brincadeira de criança para ele. O afastei com a mão em seu peito e deixei o balanço. Já tivéramos o suficiente por aquele dia. Ele ficou de pé, mas evitei seu olhar para não ter que me explicar.
Nós andamos pela rua e eu peguei sua mão de novo. Sentia falta do seu calor na minha pele, estava me ajudando a pensar com mais clareza. Também não podia mostrar que estava insegura, estragaria com meus planos. Seus olhos me questionavam e apenas respondi com um sorriso fraco. Conquistar alguém do zero era muito difícil, ainda mais quando o fiz sem saber da primeira vez. Qualquer coisinha poderia ser fatal.
Foi comigo até a porta do meu quarto e tive que soltar sua mão para destrancar. Depois de a chave girar no trinco, virei para ele. Estava apoiado na parede, me esperando ditar o próximo passo.
— Obrigada por me convidar — falei, envergonhada, porque nunca tivemos um encontro daquele tipo, com todas as formalidades.
Ele sorriu de lado.
— Foi divertido — comentou, se abaixando para me abraçar. Fiquei na ponta dos pés e descansei o queixo em seu ombro. Aquele cheiro, combinado à saudade que eu estava sentindo dele, me fazia querer chorar de novo. Ele fez menção de sair, mas o segurei firme só para poder aproveitar um pouco mais a sua presença. Minha vontade era de arrastá-lo para dentro só para dormir enroscada nele.
Quando começou a extrapolar o limite de esquisito, me forcei a soltá-lo. Eu estava a um fio de me debulhar em lágrimas.
— A gente se vê — falei com a voz um pouco embargada, pigarreei e repeti. Abri a porta e entrei, de uma vez só, fechando-a em sua cara.
Não podia suportar olhar para o seu rosto e ver que ele não me entendia. Era uma dor insuportável ser a única que lembrava de nós dois. Eu só sabia que, depois de daquele dia, precisava me curar para outra dose de tortura.
Não tinha muito o que fazer, além de dormir. Eu estava ali unicamente por causa do . Dois dias se passaram... e nem sinal dele.
Não sabia o próximo passo ou o que fazer a partir dali no plano conquistar--dos-anos-80. E sinceramente? Cansei de quebrar a cabeça pensando naquilo. Resolvi que sairia de manhãzinha para absorver um pouco de vitamina D, tentar lutar mais um dia contra o enjoo matinal e dar umas férias para os meus neurônios.
Quando ia saindo do quarto, tropecei em algo e só não caí porque me segurei na maçaneta. Olhei para o chão e se tratava de uma pessoa curvada em uma bola.
— Desculpa — uma voz familiar ressoou pelo corredor e não demorei nem meio segundo para reconhecê-la. Era Lilly.
— Lilly? O que você está fazendo aqui? — perguntei, me agachando para ter uma visão melhor.
Ela sorriu e seus olhos se iluminaram.
— Não quis bater na porta e correr o risco de te acordar — explicou o motivo de estar no chão.
— Seu irmão te mandou aqui? — tentei adivinhar.
— Ah, não. Ele viajou para a Inglaterra, acho que volta hoje à tarde. — Abraçou de novo os próprios joelhos. — Pensei que você poderia estar precisando de algo, já que ele não está por aqui.
Eu não precisava dele para nada e ela sabia muito bem depois do que rolou na casa deles. Porém estava sendo gentil e resolvi que poderíamos usar aquela deixa para nos aproximar.
— Preciso de alguém para tomar um pouco de sol comigo, o que você acha?
Arrumou a postura, se animando.
— Sei de um lugar que os idosos costumam tomar sol aqui perto. — Ficou de pé em um pulo e me estendeu a mão para ajudar.
Ela não fez de propósito ou sequer percebeu, mas achei engraçado que associasse nossa atividade a idosos. Ainda mais por ser uma adolescente que não deveria se interessar por atividades simples, como apenas aproveitar o sol fraco da manhã. Bem, se fosse eu, não me interessaria. Mas, se bem conhecia Lilly, aquele era o seu jeito de demonstrar que estava me dando uma brecha para entrar em sua vida. Não sabia o que sentiu ao me ver da primeira vez ou dessa, mas agradecia aos céus por ter simpatizado comigo. Não ganhei só com a viagem no tempo, mas ela também. Por isso, adoraria conquistá-la mais uma vez.
Foi uma surpresa quando me guiou, quase saltitando, até o parque que eu tinha levado seu irmão. Era um final de semana e o verão ainda estava por ali, então todos queriam estocar o máximo de calor possível para enfrentar o frio e a escuridão implacável da Escandinávia. Escolheu um dos bancos de ferro para a gente e notei que alguns deles estavam, de fato, ocupados por idosos, mas também por famílias com bebês no carrinho e crianças pequenas. Senti um calafrio em pensar que dali a alguns meses seria eu a empurrar um carrinho com meu bebê dentro e só pude desejar que, ao menos, estivesse de volta à 1991 quando acontecesse. A possibilidade de ter um bebê em meio a essa viagem do tempo era assustadora.
Havia uma árvore grande em cima de nós e os raios solares que nos banhavam vinham do espaço entre as folhas. Tirei os chinelos e passei os pés pela grama verde, tentando buscar uma distração para os meus pensamentos ansiosos.
— disse que o nome da bebê será Emma. É um dos meus nomes favoritos, por causa do romance da Jane Austen. Está na moda ultimamente, não é? — tagarelou, me imitando com os pés na grama.
— É. E realmente é um bom livro — respondi, relembrando só naquele momento da existência do livro. Gostei muito dele, só estava atrás de Orgulho e Preconceito para mim. Emma também me lembrava a Emma Roberts, a Emma Stone e a Emma Watson, que eram atrizes que gostava muito e nem haviam nascido ainda;inclusive, a Emma Stone nasceu no ano que estávamos. O quão doido era aquilo? — Por enquanto, será apenas Emma , porque não consegui pensar em um nome do meio. Alguma sugestão?
— Você vai colocar o nosso sobrenome? — ela pareceu impressionada e animada ao mesmo tempo. — Espera. Você sabe o nosso sobrenome?
Bem-notado, Lilly. Não tinha lembrado do mero detalhe de que o não contava o nome e o sobrenome para ninguém. Quis me estapear por aquilo. Eu costumava ser mais preparada.
— Ah, sim. Precisei pedir informação para chegar e mencionaram que era “a casa dos ” — inventei, me surpreendendo que saiu algo convincente. Tinha ficado nervosa a ponto de sentir meu rosto começar a esquentar. Concordou, mostrando que passei no teste. — Bom, já que ela tem um pai e eu sei bem quem é, então decidi colocar o sobrenome dele.
Tive uma ideia, de repente. Aquela pergunta poderia testar minhas chances com o irmão dela.
— Você acha que ele pretende não assumir a paternidade? — perguntei, fingindo despretensão. Os planos consistiam em voltar para 1991 bem antes do terceiro trimestre da gestação, então não importava tanto assim no momento, mas, se ele escolhesse assumir, queria dizer que tinha chances.
— Não, não. Ele vai. Se dissesse que não assumiria, eu o obrigaria, minha sobrinha não nasceria sem o nome do pai na sua certidão — falou, com o nariz empinado, mostrando o quanto já era bem decidida.
Sorri. Depois que a conheci, descobri que aquela só era uma casca que ela criou para proteger o quanto era sensível e emotiva. Ela nunca me contou com palavras, mas juntei várias pecinhas do quebra-cabeça para concluir que era culpa de sua mãe. Uma vez, Börje me disse que ela se referia, com frequência, à Lilly, como bebê-chorona e isso irritava a menina profundamente. Então, ela cresceu e virou aquela garota que adorava colocar os outros contra a parede, mas também a que chorava junto.
— Eu acho que você vai ser uma boa tia, Lilly — comentei, enquanto observava seu perfil. Ela estava vestida estilo disco, uma blusa que parecia até um vestido curto com estampa de oncinha, um cinto verde na cintura que combinava com seu short de malha e suas sandálias eram rosa choque. As argolas de plástico na sua orelha, da mesma cor que as sandálias, balançavam junto com seu cabelo repicado com a brisa. Precisava me lembrar de comentar sobre seu visual assim que eu voltasse. Era muito bom para deixar cair em esquecimento.
Ela sorriu timidamente.
— Eu sempre quis ser tia — comentou, seus olhos adquiriram um brilho conforme falava. — O passou a vida toda dizendo que não queria ter filhos por causa do que sofreu, mas algo me dizia que ele seria um bom pai. Talvez por ter cuidado de mim e do Andreas uma boa parte da vida... A gente almoçava e jantava pizza, não fazia o dever de casa até sermos obrigados porque nosso pai foi chamado na escola, escutava KISS e discutia o dia inteiro; mas era legal, eu sempre fui apegada a ele. Então, pedi ao universo que se esse pensamento fosse verdade mesmo, algo ia acontecer um dia e uma garota bem legal apareceria grávida, provando-o que tudo que acreditava estava errado esse tempo todo. — Se virou para mim, sorrindo. — Bom, aqui está você e grávida.
Soltei uma risada, mas na verdade queria chorar. Droga, estava tão chorona... Mas ela estava revelando uma parte da vida com o irmão, assim como na primeira vez que nos vimos.
— Então a culpa é sua, afinal de contas? — brinquei, fazendo-a rir. — Nada que umas fraldas sujas e umas noites com a tia Lilly não me façam te perdoar.
— Pode deixá-la comigo quando quiser, eu vou achar o máximo!
Ela voltou a observar o parquinho, que estava um pouco mais à frente. Um casal ensinava um bebê a dar seus primeiros passos em cima de uma toalha para piquenique, ao seu lado esquerdo.
— Que tal Claire? — perguntou, depois de uns minutos em silêncio. — Emma Claire .
— É bonito, mas por quê?
— Não sei… — Ela pareceu pensar no motivo da sugestão. — Só me veio à mente.
Imaginei que eu poderia recompensá-la por não participar da escolha do nome assim.
— Você gosta? — confirmei e fez que sim com a cabeça. — Então vai ser Claire, prometo.
Seu semblante se tornou radiante. Ainda bem que ela tinha um bom gosto, se perguntasse ao seu irmão, provavelmente sugeriria que o nome do meio da menina fosse . E Claire era um nome lindo. Além do mais, me lembraria sempre da Claire de Outlander, que era minha viajante do tempo favorita.
Emma Claire .
Toquei minha barriga e repeti mentalmente várias vezes para ela ir se acostumando a ser chamada assim.
Lilly fitou minhas mãos espalmadas e pareceu dividida.
— Posso tocar na sua barriga? — ela perguntou, finalmente, enquanto mordia o lábio inferior.
Tirei uma das minhas mãos e assenti. Ela esticou a sua com unhas pintadas de rosa neon e pousou no meu ventre levemente arredondado.
— Não é doido pensar que tem um neném aqui dentro? Um neném com os meus genes e que será da minha família! — sorriu de boca aberta.
Sorri de lado por ser cúmplice do seu momento de descoberta.
— Emma, seu pai é um bobão — riu alto, como costumava fazer quando estava muito extasiada. — Ele, seu tio Dre e o seu avô fedem. Meninos são fedidos. Ainda bem que você é uma menina, nós podemos gastar todo o dinheiro deles com perfumes e sabonetes caros para não federmos também.
Depois de ouvi-la falar pela primeira vez com minha barriga em 2019, 2004 e 1997, podia concluir que aquele discurso era só uma versão mais infantil, mas que não mudou tanto o próprio jeito.
— Não sei o que sua mãe viu naquele garoto esquisito. Desculpa, sei que ele é seu pai e foi assim que você foi feita, mas, quando tiver idade o suficiente e ver fotos dessa época, vai concordar comigo. Ele tem uma coleção pavorosa de revistas de mulheres nuas e faz música falando sobre Satanás, sendo que nem acredita nisso. Um bobão, né? Mas vou fazê-lo virar um pai digno até o seu nascimento. Pode contar comigo, serei a tia mais legal de toda Estocolmo!
Quis muito chorar de novo com sua última frase, por ela ter me pedido para dizer para Emma exatamente aquilo em 1991. Eu nunca disse, mas ela mesma se encarregou. Recolheu sua mão e sorriu para mim, totalmente alheia às minhas emoções.
— Eu falei com a minha sobrinha pela primeira vez! — comemorou com um soquinho no ar. — Greta e Karen vão morrer de inveja quando eu contar para elas na escola. Elas acham o bonito. — Transformou a expressão em puro nojo.
Fiz a mesma cara porque deveria ser estranho demais ter amigas que achavam o seu irmão mais velho bonito e o pior: te falavam.
— Isso deve ser estranho — comentei.
— Pra caralho — ela xingou, sem nem se importar que tinha quase 15 anos. Só imaginei meus pais brigando e me castigando se fosse eu a xingar naquela idade. — Elas sabem que ele é meio… famoso, então acho que é por isso. Uma vez peguei um bilhete que elas estavam trocando escondido e Karen escreveu que queria que ele a tocasse como tocava guitarra. Nunca mais as convidei para minha casa depois disso. Na verdade, a gente não tem mais se falado muito desde então.
Nossa... Conseguiram até me deixar um pouco sem graça com aquela expressão. Imaginei uma Lilly convidando as amigas para casa e elas mais interessadas no seu irmão tocando guitarra no outro quarto. Outro calafrio atravessou meu corpo e me senti mais enjoada ainda.
— Sinto muito — falei, sem saber o que dizer e sem coragem de deixá-la sem resposta.
— Tudo bem — deu de ombros e me analisou, parecendo ter superado totalmente o assunto. — Você tem um cabelo bonito, posso fazer alguns penteados?
Sorri de lado com a mudança abrupta de assunto. Eu me sentia absurdamente bem perto dela e não queria me despedir tão cedo, por isso resolvi responder:
— Se você prometer que não vai cortá-lo ou arrancar uma parte dele, por que não?
— Eu prometo! — Ficou de pé. — Vamos até minha casa, porque tenho todos os instrumentos necessários lá.
Olhei o relógio no meu pulso e já haviam se passado quase uma hora. Quantidade suficiente de vitamina D adquirida. Deixei que me carregasse para sua casa enquanto discursava sobre penteados que viu na televisão. Não ousei interrompê-la. Quando ela falava sobre o que gostava com paixão, me lembrava tanto seu irmão e o quanto eu costumava ter sede por cada curiosidade que ele tinha para oferecer. Me lembrava de nós dois jantando em um hotel durante a promo e ele falando da mesma forma que Lilly estava falando. Naqueles momentos, eu me embebedava dele, mal sabendo que ficaria sozinha no futuro com o gosto daqueles pensamentos.
Entrei novamente naquela casa, mas senti uma sensação ruim pelas lembranças da última vez ainda estarem vívidas na minha memória. A bagunça permanecia intocada. Me perguntava quando Karin se casaria com Börje e começaria a intervir naquela situação precária, porque deve ter sido ela que deu um basta naquilo dali. Aquele ambiente era insalubre até para roedores, quem dirá pessoas em fase de crescimento. Desviei da caixa de pizza da última vez e a segui até o corredor depois da cozinha. Só de passar pelos quartos, senti o fedor de testosterona que emanava lá de dentro, minha vontade era de tampar o nariz, mas não seria nada educado. Lilly entrou no terceiro quarto e, ao colocar meus pés lá, finalmente meu olfato teve paz.
— Tenho que concordar com você, eles fedem — comentei, me sentando em sua cama.
Ela me olhou com cara de “eu avisei”. O papel de parede era diferente, mas ainda era rosa. De resto, tudo parecia igual. O guarda-roupa ainda tombava por estar cheio demais, os mesmos pôsteres de ídolos jovens estavam na parede e a escrivaninha era uma bagunça de papéis. O tapete rosa redondo no meio do quarto, que molhei no dia que saí andando sozinha pela neve, estava quase escondido totalmente pelas peças de roupa espalhadas. O sentimento era de estar de volta ao meu próprio quarto, mais do que senti quando voltei ao meu em 2019.
Separou um arsenal em cima dos papéis da mesa: secador, prendedores, rolos para cabelo, spray, gel, pomada, óleos, grampos etc. Talvez eu me arrependesse de ter dado tanta liberdade para ela. Só de olhar aquilo, meu couro cabeludo doía.
Meu cabelo foi sua principal diversão pelas próximas horas, só paramos para almoçar. Ela me contou tudo sobre a escola, já havia decorado o nome de algumas pessoas e sentia que as conhecia. Karen e Greta eram minhas inimigas declaradas, elas andavam falando mal de Lilly pelas costas só porque, depois do episódio com , preferiu se afastar. Ora, ela estava certíssima. No final, me sentia uma adolescente bem-informada das fofocas adolescentes.
Me deixou ir ao banheiro no corredor ver o resultado do cabelo, seu quarto ainda não tinha um — como quando ele passasse a ser no segundo andar. Ao ligar a luz do banheiro, quase pulei de susto. Se a Bonnie Tyler e o Eric Carmen dos anos 80 tivessem uma filha, seria eu. Toquei uma mecha dura de laquê. Estava em choque em como ela conseguiu fazer uma franja e todo aquele repicado sem usar uma tesoura.
— Como você conseguiu fazer isso? — perguntei, conferindo se ela não tinha usado mesmo uma tesoura.
— Grampos, gel, laquê, pomada e muito tempo. Gostou? — Parecia ansiosa pela minha aprovação.
— Surpreendentemente, sim.
Não sabia se sairia na rua com alguém daquele jeito, mas como um penteado de teste tinha ficado legal. Me remetia ao scene hair dos anos 2000, que eu era fortemente adepta até se tornar ridículo demais.
— Que ótimo! Podemos fazer mais vezes! — comemorou. — Está com fome?
Fiz que sim. Já anoitecera e nós estivéramos bastante entretidas, mas meu estômago lembrou que precisava de um pouco de comida para sobreviver. Nos sentamos no sofá para assistir televisão enquanto comíamos as sobras do almoço — comida chinesa pedida por telefone. Nós estávamos rindo de um episódio de Anos Incríveis da semana anterior gravado em cassete, quando ouvimos o barulho da porta e outras risadinhas que não eram nossas.
Olhamos para trás ao mesmo tempo, mas estava muito escuro e vimos apenas as silhuetas de duas pessoas enroscadas. Lilly se levantou e puxou a cordinha que ligava o abajur, revelando seu irmão mais velho aos beijos com uma garota loira e alta que parecia até a Natalia. Não era, porque eu reconheceria a risada daquela mulher a um milhão de quilômetros. Porém constatar que não era ela não fez minha raiva dissipar.
Minha vontade era de me levantar e ir embora, mas, fora que eles estavam no meio da saída e teria que empurrá-los para sair, eu simplesmente congelei no lugar. Minhas mãos se fecharam em socos e eu podia sentir meu olhar se tornando mortal. Os braços dele soltaram a garota assim que pôs os olhos em mim, mas ela ainda passava as mãos pelo abdômen e beijava seu pescoço. Eu me contorci de ódio internamente assistindo àquilo. Só quando ele a afastou foi que ela parecia ter percebido a presença de outras pessoas na sala, sendo flagrados.
Aquilo era pura babaquice. Enquanto eu esperava por notícias dele naqueles dois dias, ele simplesmente estava correndo atrás de outra garota. Dentro de mim, não estava nada satisfeita em saber que meu-namorado-que-não-se-lembra-de-mim vinha se atracando com outra. A gente ainda não tinha nada, mas ele saiu comigo.
— Se eu fosse você, iria para casa — Lilly aconselhou a garota. — Essa que está no sofá está grávida de um bebê dele e ele está prestes a ouvir um sermão da irmã mais nova.
Ela ficou sem saber o que fazer, não queria ir embora sem o aval dele, mas também não queria ficar — pude ver em seus movimentos desengonçados.
Eu não iria fugir daquela vez. Não depois de ter causado toda uma confusão por causa da Natalia em 1991, além de o ter deixado preocupado depois de ouvir aquelas garotas no banheiro em 1997. Se tirei alguma conclusão de tudo aquilo, era que fugir nunca seria a melhor opção.
— Eu te ligo, Sonya — ele murmurou e abriu a porta. A coitada da garota ficou tão sem graça que até me daria dó, se eu não tivesse presa pensando, por um segundo, que ele tinha falado comigo. Porra, ela ainda tinha o mesmo nome que a Natalia confundiu o meu! O destino continuava a rir da minha cara.
Não entendi o que ela falou antes de sair, mas tinha a impressão de que gaguejou.
— Que merda está passando nessa sua cabeça de vento? — Lilly se levantou para atacá-lo. E começou a estapeá-lo e falar rápido demais em sueco, não consegui acompanhar.
— O que ela está fazendo aqui, Lilly? — O ouvi se referir a mim para ela como se eu não pudesse responder por conta própria. Isso me despertou e fiquei de pé, chamando a atenção deles.
— Você é um tremendo filho da puta — esbravejei, sentindo meu corpo ferver. — Mas isso é bem a sua cara mesmo... Afinal, você é o , deus do black metal, com baita fama de comedor. — Revirei os olhos, sem paciência nenhuma para aquela versão do homem que passei meses amando e admirando. — Já entendi que tudo isso é codinome do maior otário do mundo inteiro. — Soltei um barulho de escárnio. — Nós poderíamos tentar ser algo depois daquele encontro, poderíamos tentar por causa desse bebê, mas é claro que você preferiria uma loira alta qualquer. — Apontei para a janela ao meu lado para me referir à mulher que tinha acabado de sair. — Elas realmente fazem o seu tipo, não é? Bom, acho que, se você correr agora, ainda pode garantir a sua foda da noite.
Despejei tudo nele como um balde de água fria e me senti um pouco melhor por aquilo. O de 1988 era um babaca e eu estava cansada dele. Lilly não merecia ouvir aquilo, até me achava um pouco mal-educada por falar daquele jeito com seu irmão e na casa deles, mas precisava ser feito antes que desistisse e fugisse sem falar uma palavra de novo. Ela não parecia nem um pouco incomodada, aliás. Só olhava para ele como se desejasse seu sumiço da face da Terra.
— Desculpa, Lilly. Preciso ir embora — falei, passando por eles. — Depois te devolvo seus grampos.
— , espera — ela disse e pegou minha mão. — Fala alguma coisa para ela — exigiu, olhando para ele.
O encarei e só ali percebi aquelas roupas de couro irritantes. Estava em trajes perfeitos mesmo para o seu papel de imbecil. Ele não demonstrava emoção alguma, mas vi em seus olhos que estava nervoso. Eu aprendi a lê-lo tão bem depois que começou a estabelecer nossos contatos visuais hipnotizantes. Dificilmente esconderia algo de mim.
Nem sabia o motivo de ter esperado por uma declaração dele, não achava que merecesse o direito de falar. Talvez por consideração à sua irmã.
— Você fugiu depois que te beijei e me abraçou daquele jeito na porta do quarto... — murmurou, com olhos nublados olhando em minha direção. — Achei que estava dando a entender que só podíamos ser amigos — explicou.
Bufei, extremamente irritadiça. Por mais que eu tivesse que olhar para cima, eu me sentia do mesmo tamanho que ele quando a gente discutia. Um certo complexo de grandiosidade da minha parte, por assim dizer.
— Não quero ser sua amiga, — cuspi o stage name dele, porque sabia que me ouvir o chamando daquilo causava incômodo em qualquer ano que fosse. Ele parecia ter levado um tapa na cara pela pausa dramática que fiz. — Não que você mereça, porque não merece, mas eu gosto de você. Eu sou uma idiota por achar que poderia mudar um maldito mulherengo. A partir de agora, não se preocupe, você não vai ter que lidar mais comigo atrapalhando os seus casinhos.
Usar aquela palavrinha em especial também o deixava possesso, lembrava pela carta que ele comentara ter ficado algum tempo no celibato porque o chamei de “mulherengo”. No fim das contas, era o adjetivo certo para descrevê-lo, juntamente com “cafajeste”. Eu podia não ter o poder para mudar sua versão de 1988, afinal, não se ensinava a ter maturidade e responsabilidade com o sentimento dos outros de uma hora para outra. Porém, em 1991, nós dois iríamos conversar de novo sobre exclusividade e queria seu total comprometimento. Não queria passar por aquilo nunca mais.
Finalmente, vi em seus olhos arrependimento e consciência de que tinha errado. Só que não estava mais com paciência para ele e por isso saí andando pela rua escura. Bastava daquela palhaçada, eu não iria me humilhar mais por aquele garoto.
Eu precisaria de um balde de chá de camomila para me acalmar e conseguir dormir. Ele me deixava tão estressada e nervosa. Se eu tivesse caído na primeira vez com um dos anos 80, teria achado um jeito de voltar para 2019 em menos de uma semana. Depois daquele episódio, estava começando a me preocupar com a possibilidade de voltar para ‘91 dali a algumas semanas. Não queria nem cogitar que a Emma nascesse naquela realidade, era cruel e ela não merecia.
— Como sua tia diz: seu pai é um bobão — sussurrei para a minha barriga, andando de volta para o hotel com meu penteado estilo poodle.
O dia mal amanheceu e já batiam à porta. Vesti meu roupão e calcei os chinelos que estavam ao pé da cama. Fazendo o caminho para abrir, pensei: por que tinha a impressão de que sabia quem estava batendo à porta e mesmo assim iria abri-la? Acho que para me livrar do barulho e talvez voltar a sonhar com o Noah Centineo. Tudo definitivamente era mais fácil na época que eu gostava dele.
— Meu, sério mesmo? — resmunguei em português quando entrou no meu campo de visão.
Ele não vestia couro àquela hora da manhã, apenas uma camiseta preta velha e uma calça azul escura — ou seja, pijamas.
— Não consigo dormir depois de o que você disse e de o que eu fiz — confessou. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo que eu costumava achar atraente, mas que naquele momento me dava uma vontade de dar um puxão daqueles. As bolsas debaixo dos seus olhos reafirmavam o que sua boca emitiu.
Me obriguei a formular frases em inglês para respondê-lo:
— Não deveria ter deixado a “Sonya”... — fiz aspas com os dedos — ir embora. Comer alguém é um remédio bem eficaz para sua insônia. Aposto que, se você fizer aquela ligação que disse, ela atende. Agora, boa noite, porque nem acordei direito e já estou irritada.
Fiz menção de fechar a porta e ele impediu, espalmando a mão.
— Espera, — pediu. — Me perdoa. Eu sei que continuo fazendo merda, mas não sabia que sentia algo por mim.
— Por um acaso você está se fingindo de tapado?! — me exaltei, percebendo depois que estávamos discutindo no corredor de um hotel e não deveria ser mais do que seis da manhã. O puxei para dentro do quarto pelo pulso da mão que estava espalmada na madeira e fechei a porta. — Eu estou carregando um filho seu, fui em um encontro com você, peguei a sua mão e te deixei me beijar. Precisa de o que mais para se tocar? Que eu deixe cartinhas de amor com corações na sua caixa de correio?
Me fitava com o mesmo olhar que o deixei no dia anterior.
— Veio aqui para ficar mudo e parado assim? — perguntei, esperando uma atitude sua. Queria que rebatesse para podermos armar uma discussão à altura.
— Você fez cara de quem não gostou depois de me beijar, saiu do balanço e quis ir embora. Como eu poderia saber? — Gesticulava exageradamente.
Tinha que reconhecer que estava certo em partes, mas fiz aquilo por achar que não tinha ficado satisfeito em só me beijar como um pré-adolescente, que ele esperava mais e eu não poderia dar mais no momento. Por isso, saí daquela forma.
— Eu gostei, está bem? — admiti, dando o braço a torcer. — Você é um idiota, mas, pelo menos, beija bem.
Vi um brilho orgulhoso passar pelos seus olhos. Eu não suportava o ego daquele garoto, ainda mais em ’88, que parecia mil vezes maior, me sufocava naquele quarto pequeno. Porém, já que me acordou, era obrigação dele me fazer dormir. Espalmei as mãos em seu peito e o empurrei de costas em direção à cama.
— Sei que você não pretende sair daqui tão cedo — porque te conheço e sei quando pretende torrar minha paciência ao máximo, completei mentalmente —, então, fique deitado e quieto para que eu possa dormir. Preciso das minhas oito horas de sono para o bem desse bebê.
Ele se ajeitou no lado arrumado da cama, sem questionar. Deveria ter percebido que a melhor decisão era realmente ficar quieto. Uma escolha sábia.
Descalcei os chinelos e preferi deixar o roupão (quanto mais roupa entre nós, melhor). Deitei minha cabeça em seu peito e senti seu corpo enrijecer debaixo de mim, até esqueci que era a primeira vez que me sentia fazer aquilo. Provavelmente, estava pensando o quanto era esquisito devido à nossa falta de convivência e intimidade, mas estava muito cansada para me importar. Só precisava fechar os olhos, aspirar aquele cheiro e fingir que estava com o meu .
Adormeci ouvindo seu coração que batia em um ritmo tranquilo. Antes, me perguntei: como poderia haver um problema mortal ali quando tudo soava perfeitamente bem?
Se não fosse por aquilo, eu nem teria viajado no tempo, ainda estaria vivo em 2019 e não tomaria como minha missão salvá-lo. Não estaria envolvida nessa aventura doida, dormindo no peito de um garoto que nem sabia quem eu era e revivendo a nossa história na mente sem parar. Nada teria acontecido se esse maldito coração batesse do jeito certo.
Era visível que já haviam se passado algumas horas quando abri as pálpebras novamente. Chequei para ver se ele dormia, mas seus olhos me observavam parecendo só ter feito isso pelas últimas horas. Eu não duvidada, ele tinha essa mania bizarra. Seus músculos ainda estavam rígidos, me levando a concluir que mal respirou com receio de me acordar. Meu estômago deu uma reviravolta, como se fosse uma experiência nova para mim também. Não fiquei ali para sustentar o clima que se instaurou entre nós na troca de olhares, ainda estava meio irritada com ele.
Fui até o banheiro escovar os dentes. Senti seus olhos acompanharem cada movimento meu, parecia que eu tinha antenas na testa. Quando acabei, tirei uma garrafa de água da geladeira e bebi um pouco enquanto retribuía o olhar.
— Por que está me encarando como se, de repente, eu fosse a pessoa mais interessante do mundo? — indaguei, guardando a garrafa de volta.
— Você disse que eu beijo bem — comentou com um sorriso bobo de alguém que deu o primeiro beijo.
— E daí? Também disse que você é idiota. — Me sentei no mesmo lugar da cama.
— Posso te beijar de novo? — perguntou, perto e esperançoso demais.
— Não — declarei, me afastando para colocar uma distância segura entre nós. — Eu não te perdoei.
Alcancei o painel que controlava a televisão na parede, próximo à mesa de cabeceira, e apertei o botão. As notícias matinais começaram a passar pela tela. Sua mão pousou sobre a minha, que estava entre nós dois. Conferi para ver se era aquilo mesmo.
— O que está fazendo? — perguntei, para ter certeza de que não era sem querer.
— Segurando sua mão, como você fez com a minha aquele dia — explicou.
— Aquele dia não existe mais desde que você estragou tudo. — Fitei seu rosto, ele parecia decepcionado e obstinado ao ouvir minhas palavras. — Por que foi atrás de outra? Por que não me procurou depois?
— Já disse, pensei que não queria me ver depois de fechar a porta na minha cara. Você até parecia que ia chorar.
Ele tinha mesmo uma resposta que fazia sentido para tudo?
Voltei a fingir que estava assistindo o jornal, mas deixei minha mão debaixo da dele. Estava torcendo para que percebesse que não queria falar sobre parecer que ia chorar, não conseguiria inventar uma mentira com ele tão perto.
Seu polegar acariciou a lateral da minha mão bem de leve, talvez para que eu não percebesse e o enxotasse. Encostou o joelho na minha perna discretamente e o corpo ficou cada vez mais perto. Prendi meus lábios para não sorrir com sua audácia. Ele mostrou que não desistiria sem lutar. Talvez eu estivesse o perdoando, mas estava no processo ainda.
Me virei em sua direção. Sem forças para resistir mais à presença dele, resolvi que baixaria um pouco a guarda.
— ‘Tá, você pode — falei, seus olhos faiscaram na minha direção em resposta. Ele quase comemorou. Quase.
Se remexeu, arquitetando um jeito confortável para poder colocar em prática o que tanto queria.
— Seria estranho se eu pedisse para você sentar no meu colo? — perguntou, um pouco envergonhado.
Arqueei uma sobrancelha. Estava bastante familiarizada em sentar no seu colo, por isso não via problema. Mas ele ficar com vergonha de pedir? Aquilo, sim, era novidade.
— Posso fazer isso — dei de ombros. Passei uma perna pelas dele e me encaixei sobre suas coxas.
Fiz questão de estabelecer uma distância de algo que poderia aparecer ali e evitar de deixar a situação, repentinamente, mais esquisita. Pousei minhas mãos em seus ombros e sorri para ele.
— Olá — falei para tentar quebrar o gelo.
— Oi — sorriu de volta, todo galanteador.
No segundo seguinte, já estava investindo contra minha boca. Fiquei um pouco tonta por ter sido tão repentino, achei que iríamos conversar um pouco primeiro. Meu primeiro pensamento foi o quanto minha memória era curta demais quando se tratava do seu beijo, toda vez me surpreendia. A sensação dos seus lábios macios nos meus era tão prazerosa, como provar bolo coberto com muito glacê. Sua língua logo acariciou a minha. Alguns segundos depois, passou a exigir mais, queria comprovar se possuíamos sintonia. Ah, se ele soubesse... Nosso encaixe era tão perfeito que causava raiva. O tempo, que quase sempre trabalhou contra nós, passava a funcionar quando nos conectávamos.
Ele me beijava com maestria, acariciando meu maxilar. Tinha dó de quem espalhou por aí que o beijo dos europeus era sem gracinha por nunca ter trombado com e provado dos seus beijos, teria mudado de ideia tão rápido...
Suas mãos me puxaram pela cintura até colar nossos corpos e tive vontade de suspirar por tê-lo tão perto. Enrolei seu rabo de cavalo com uma mão e com a outra alcancei a pele de sua barriga por baixo da camiseta. Só não gemi ao sentir seu calor depois de todos esses dias, porque ele mal me deixava respirar. Passeei os dedos por todo o seu abdômen, gravando tudo na minha mente mais uma vez para matar a saudade. Estava quase tudo ali, tão pouco havia mudado naqueles dois anos.
Desenrosquei a mão do seu cabelo e envolvi seu pescoço em um abraço, acabando com a distância restante para montar de vez nele. Nem percebi que o monstro insaciável dos hormônios acordou e tomou de conta de mim.
Ele rompeu o beijo para me olhar com as pupilas dilatadas.
— Desculpa, baby, mas eu estou ficando animado demais.
Quase soltei uma risada escandalosa da sua expressão, só que aquelas pupilas expandidas e os lábios inchados me distraíram. Senti meu sangue borbulhar pela excitação.
Só mais um pouco, . Você não deixará passar disso.
Me ajeitei, finalmente me dando conta do quão “animado” ele estava ficando. Sorri de lado e ele mordeu o lábio inferior — por tesão e por vergonha.
— Está tudo bem. — Desprendi o seu lábio com o polegar. — Contanto que pare antes que vá para outro patamar — murmurei. Não esperei que respondesse, grudei nossas bocas de volta.
Definitivamente não ficaríamos brincando de amigos que se beijavam de novo.
Sua mão esquerda deslizou para minha bunda e a outra segurava minha nuca. Nossas línguas voltaram a se acariciar da maneira de antes, conhecendo o movimento uma da outra. Deslizei as mãos pelos seus braços, notei que eram mais magros dos que me lembrava. Apertei-os. Senti seus dedos retribuírem o aperto, mas com possessividade. Gostava tanto quando ele fazia isso... Que acabei me emocionando demais. Mexi os quadris e me esfreguei em seu colo. Nós dois soltamos gemidos abafados juntos.
Aquilo era demais, tinha plena noção, mas eu estava disposta a ir só um pouquinho além para ouvi-lo gemer para mim de novo. Desci os beijos pelo seu maxilar, mordi seu queixo e chupei a pele do seu pescoço. Friccionava nossas intimidades separadas pelas roupas de maneira lenta, para prolongar a sensação. Sentia o calor irradiando dele e o seu corpo acompanhando o meu, esses estímulos faziam minha cabeça interpretar tudo errado de onde iríamos parar. Invadi sua camiseta de novo e minhas unhas deslizaram, provavelmente deixando vergões, pela barriga dele, fazendo-o soltar outro gemido. Beijei seu pomo de adão, saboreando sua expressão de sofrimento.
— Chega — pediu, de olhos fechados. — Não consigo ir além disso sem te deitar nessa cama e me perder de vez em você.
Voltei à postura ereta para vê-lo melhor. Meu coração até palpitou com a visão. Ele estava com alguns fios fora do lugar, a boca inchada e as pálpebras semiabertas. Já a cabeça, encostada na parede, me permitia acompanhar os chupões no pescoço evoluírem de vermelho para um tom arroxeado. Sorri como um escultor orgulhoso de sua obra de arte.
— Pensei que deveria estar muito bêbado mesmo para esquecer de me prevenir quando dormimos juntos. Agora, percebo que, se você me beijou assim, eu deveria só estar desesperado demais — brincou.
Joguei a cabeça para trás e gargalhei.
— Você... — pigarreou e me olhou fascinado — fica linda rindo assim.
Mal sabia ele que já havia feito aquele elogio antes. Algumas coisas nunca mudariam, deveria me preparar para as semelhanças ao mesmo tempo que fazia com as diferenças entre eles.
— Esperava mais de quem é conhecido por ter tido tantas mulheres, — comentei, saindo de cima dele e indo tirar o roupão no banheiro. Minhas pernas estavam bambas. Ele tinha o mesmo efeito em mim, mas não precisava saber por enquanto. — E obrigada — falei alto, para que escutasse.
Escutei sua risada baixa atrás da porta semiaberta.
— Não foram tantas assim — disse. — Não gosto muito de quando me chama de , nós já somos próximos demais para isso.
A versão de ’88 teve coragem de admitir algo que a original nunca teve. Fiquei surpresa, mas ele não viu.
— Eu sei, uso mais para te provocar. — Acabei por sorrir enquanto tirava o pijama.
Dei graças por ter pelo menos me dado o trabalho de lavar o cabelo no dia anterior depois de chegar, senão teria que lidar com um ninho pior do que era acostumada. Vesti uma saia levemente rodada vermelha que ia até o meio das coxas, amarrei o cinto que vinha nela, e depois coloquei a regata preta dentro do cós. Me arrumar nos anos 80 estava me provando que a moda deles poderia ser até simpática, se soubesse dosar (é claro!). Penteei o cabelo sem me atrever a espiar o que ele estava fazendo, por mais estivesse muito tentada. O que ele estaria fazendo depois de nos agarrarmos daquela maneira?
Ao deixar o banheiro, constatei que nem tinha se movido, apenas fechara os olhos e parecia pacífico demais para um caótico. Apertei minhas mãos uma na outra atrás das costas para resistir à tentação de acariciar seu cabelo e plantar um beijo em seus lábios.
Ele abriu os olhos ao notar minha presença e me analisou.
— Aonde você vai? — perguntou com curiosidade.
— Almoçar. Você vem? — chamei-o, alcançando as meias e o tênis.
— Hm... Eu estou de pijama. — Pareceu finalmente se dar conta daquilo.
— É, você está — zombei. — Podemos passar na sua casa no caminho. Aproveito para devolver os grampos da sua irmã. — Fui até o banheiro para pegá-los.
Quando voltei, ele já havia levantado. Abriu a porta e me esperou passar.
O hotel e a casa deles eram separados por uma rua. Então, não passou muita vergonha encontrando com outras pessoas. Os suecos estavam ocupados almoçando em suas casas em um domingo de sol.
Ele pegou a chave debaixo de um vaso de planta vazio e destrancou a porta principal. O interior estava extremamente silencioso.
— Não tem ninguém em casa? — perguntei ao entrar.
— Não. No domingo, meu pai leva meus irmãos para passar o dia com a Karin, a namorada dele. Só voltam tarde da noite.
Ah, Börje já namorava a Karin... Provavelmente, logo mais se casariam. Ela deveria chegar àquela casa feito uma brisa no verão.
Ele disse que só ia se trocar. Concordei e fui até o quarto de Lilly para deixar os grampos.
O cheiro de baunilha dela invadiu minhas narinas e eu já senti saudades da minha pirralha favorita. Nunca senti aquela vontade de correr para contar nada para ninguém. Lilly era minha melhor amiga e minha cunhada — depois que o irmão dela falou que queria casar comigo, já podia considerá-la assim. Pousei a mão no peito, em cima do meu coração que batia rápido, e soltei uma risada. Lilly era minha cunhada. Se ela me ouvisse falando aquilo, teria um troço. Andreas era meu cunhado e Börje era meu sogro. Tive que abafar a risada com a mão para não correr o risco de chamar atenção.
Era melhor voltar para a sala antes que viesse me procurar e me encontrasse no meio de um ataque de risos bem nada a ver. Passei a mão pelo cabelo, respirei fundo e deixei o quarto da minha cunhada. Mordi o lábio para não rir mais. Ele me esperava ao lado da porta da sala, fortes chances de ter escolhido o lugar por ser o mais limpo da casa.
Nós fomos até um shopping típico da época de táxi. Permiti que me guiasse para um restaurante da sua escolha e entramos em um Roller Disco. Assim que entrei, me senti imergir em um filme. O piso de madeira polido, a música dançante, as pessoas patinando na pista sob um globo espelhado que girava... Era um ambiente típico.
Ele disse que o lugar possuía a melhor comida italiana de toda Estocolmo, então imitei mais uma vez seu pedido. Se tinha uma coisa que entendia era de comida italiana. Ah, e de me tirar do sério também, em todos os sentidos possíveis — o que estava fazendo no momento, batucando com o cardápio na mesa impacientemente. A falta de assunto o incomodava.
— Vou colocar o seu sobrenome na Emma — quebrei o silêncio para fazê-lo parar e colocar o mesmo teste que fiz com a Lilly em prática.
Pareceu ficar um pouco desconfortável pela sua postura corporal, e deduzi que era por ainda não saber se contava qual era seu sobrenome.
— O nome dela vai ser Emma Claire . Deixei sua irmã escolher o nome do meio. Tudo bem para você?
Suspirou, parecendo um pouco aliviado em ver que eu já sabia.
— Sim. Se deseja que ela tenha meu sobrenome, é sua decisão. — Olhou para a pista ao nosso lado. A única separação entre as mesas e a pista eram grades de ferro.
— Você é o pai. — Inclinei a cabeça e arqueei as sobrancelhas. — Quer dizer, você vai assumi-la, né? — deixei explícito o ponto em que queria chegar.
Franziu o cenho como se eu tivesse lhe insultado.
— Claro. Não vou dar as costas para a minha filha — murmurou. Em seguida, bebeu seu chá gelado e desviou o olhar.
Então, eu estava no caminho certo. Também bebi meu chá gelado para esconder meu sorriso. Não era muito fã de chá gelado, mas bebi sem reclamar.
Alguns minutos em silêncio se passaram até que perguntasse:
— Onde seus pais moram?
Pensei no quanto aquela pergunta poderia gerar gatilhos para outras. Se falasse que era em outro país, porque ele obviamente sabia que eu era estrangeira, iria me perguntar o motivo do meu sueco ser consideravelmente bom. Precisava ser alguma cidade distante na Suécia. Tentei me lembrar da cidade que eles viajaram no Ano Novo.
— Malmö — respondi quando me veio à cabeça.
— Por que vocês deixaram o Brasil? — perguntou. A Lilly deveria ter dito a ele minha nacionalidade.
— Meu pai é sueco — inventei. Não soou muito convincente, então complementei com a verdade: — Meu sobrenome é .
— Entendi — falou devagar, parecendo ter fingido acreditar. — E por que seu nome é ?
Isso, pelo menos, não necessitava de uma mentira.
— Meus pais acharam que seria legal ter um nome diferente. Minha mãe resolveu inovar até demais, procurando uma palavra aleatória em outra língua. Et voilà.
Ele riu baixinho.
— Seu nome é bonito... — Ele deveria ser o único a pensar aquilo por saber a tradução do meu nome antes de me conhecer — mas imagino que tenha sido um inferno na escola.
— E você está certo — concordei com a cabeça. — Por isso, decidi dar um nome comum e bonito para nossa filha. Não quero que ela passe por tudo o que passei, ainda mais por causa de um nome — falei e bebi outro gole do chá.
— Acredi...
Ele nunca terminou o que ia falar. Uma pessoa escorregou na pista e caiu que nem uma jaca podre ao nosso lado com as pernas para cima, me fazendo quase cuspir todo o conteúdo que estava na minha boca. abafou uma gargalhada com a mão, mas saiu tudo pelo seu nariz. O homem de cabelo no estilo mullet também ria enquanto tentava se levantar, mas caiu outra vez. Uma pessoa que também estava na pista teve que ajudá-lo, nós dois não conseguíamos alcançar através da barra de ferro, além de que não podíamos fazer nada rindo que nem duas hienas. Não havia nada no mundo que me fizesse rir mais do que uma boa queda.
— Esse lugar é o meu favorito agora — comentei, me recuperando da sessão de risadas.
— Tenho que admitir que venho aqui mais para rir disso do que para comer a comida em si. — Passou a mão pelo cabelo e o jogou pra trás. Lembrei que, no começo, aquela mania dele costumava me chamar muita atenção, mas se tornou tão cotidiano que parei até de reparar. Só que reparar naquilo novamente me fez pressionar minhas coxas para conter o monstro recém-desperto. Queria me inclinar sobre a mesa, tocar o cabelo dele e sussurrar todas as obscenidades que passaram pela minha mente suja, apenas para ver aquele sorrisinho de lado dar as caras.
Precisava urgentemente me distrair falando sobre outro assunto ou correria o risco de colocar em prática minhas vontades.
— Você não patina? — perguntei, já sabendo que não tinha chances de ele se submeter àquela atividade por gostar. Riu com sarcasmo, confirmando o meu pensamento. — Deveria, parece divertido.
— É divertido quando você é o espectador, não a pessoa que cai.
Prendi os lábios em uma linha fina. Aquela frase tinha me dado uma ideia mirabolante. A garçonete colocou os pratos na mesa e, ao invés de olhar para o macarrão ao molho pesto na minha frente, continuei fitando o homem.
— Sabe que não deve desagradar uma grávida, né? Dá um terçol horrendo — falei, fazendo-o arquear uma sobrancelha e desconfiar que o que viria não poderia ser bom. Estava certo, o que me fez continuar: — Então... Se você colocar os patins e entrar naquela pista ali por cinco minutos, estou disposta a ouvir aquele disco do Motörhead de novo contigo e te perdoar por ontem.
Semicerrou as pálpebras, me fuzilando, e pousou o garfo de volta no prato.
— Achei que você já tinha me perdoado.
— Não tão fácil, garotão. — Peguei o meu garfo com a comida e coloquei na boca. Estava incrivelmente bom, ele continuava não-decepcionando na escolha.
Conseguia sentir dali que estava considerando e não porque iria perdoá-lo, mas por ter uma chance de me provar que aquele disco do Motörhead era bom. O conhecia a ponto de saber as suas prioridades, e contrariar alguém — no caso dele, principalmente eu — estava no topo da sua lista.
— Depois que sairmos daqui, vamos voltar para minha casa e ouvir esse disco até você mudar sua opinião — declarou.
Sorri e concordei com a cabeça. Estava disposta a falar que o álbum era bom só para presenciar aquela cena. Nós dois comemos em silêncio, provavelmente por estarmos mais ocupados imaginando como seria quando a comida acabasse. O Andreas e a Lilly de ‘91 iriam adorar saber daquilo, já conseguia ouvir as risadas deles.
A garçonete apareceu para recolher as louças e eu fiz menção de pagar a conta, mas recebi um olhar atravessado em troca. Não entendia o motivo de insistir tanto em pagar a conta sempre, nós não éramos nada. Não estava em posição de ficar ostentando por não ter trazido uma quantidade absurda de dinheiro, minha poupança não era tão recheada assim, mas podia pagar pelas minhas refeições. Resolvi não arrumar caso, estava mais interessada no que ele se comprometeu.
Me apoiei na grade de ferro com vista privilegiada enquanto ele alugava os patins. Queria muito ter a filmadora ou meu celular nas mãos, não conseguia confiar na minha memória para gravar com exatidão o que seria aquele momento. Fora que seria incrível rever um bilhão de vezes.
Apareceu na pista com os patins retrô e a barra da calça jeans dobrada. Só aquilo já foi o suficiente para me fazer rir, mais uma situação que nunca imaginei vê-lo para a conta. Não sabia se me olhava feio ou se tentava se segurar na grade.
— Essa é a melhor vingança de todas — falei baixinho, só para ele ouvir.
— Se tem duas coisas que eu aprendi é: não fumar perto de uma gestante e nem a desagradar de forma alguma — resmungou. Seus pés começaram a perder a estabilidade e deslizar desordenadamente. — Cara, eu não fiz nada. Estou parado, merda! — brigou com os patins, tentando retomar o controle.
Não demorou um minuto para que se espatifasse de bunda no piso de madeira, causando um estrondo. A minha gargalhada escandalosa chegou a me assustar, de tão alta. Era óbvio que aquilo iria acontecer, mesmo assim não estava preparada para o tanto que a cena foi engraçada. Ele apoiou as mãos na grade e tentou fazer força para se levantar, porém um pé deslizou para a frente e o outro para trás em um desajeitado espacate. Tinha a impressão de que havia chegado a um ponto da gargalhada que parecia um relinchado. O ouvi praguejar em sueco com uma expressão ranzinza.
Agachou e conseguiu manter as pernas unidas novamente para se empurrar com a mão no chão assim até a entrada da pista. Arrancou os patins com raiva. Puxei o ar para tentar voltar o oxigênio para o meu cérebro e poder retornar às atividades normais.
Me sentia vingada. Ele merecia ficar com a bunda dolorida por uns dias para se lembrar de não ficar beijando bocas que não eram a minha. Depois que apareceu sem os aparatos e com a maior cara de cu do universo, fomos até o ponto de táxi. Insisti para passar no meu quarto para tomar banho quando chegamos, ele disse que também o faria e me esperaria em sua casa.
Em minha companhia, ri o tempo todo. Durante o banho e o trajeto para sua casa, lembrei sem parar da queda e do espacate.
Deus, obrigada por me abençoar com aquela ideia maquiavélica.
Toquei a campainha, mas ninguém atendeu. Ele deveria estar no banho, então girei a maçaneta e entrei sozinha. Escutei o barulho do chuveiro, confirmando o que pensei. Encostei na parede do corredor para esperá-lo e talvez conseguir assustá-lo. Fechou o registro e, alguns minutos depois, abriu a porta com uma nuvem de fumaça atrás de si.
Ao me ver parada ali, deu um passo para trás e segurou a toalha como se sua vida dependesse daquilo.
— Fy fan!* Que susto do caralho! — praguejou metade em sueco e metade em inglês.
— Não se preocupe tanto assim, já vi o que tem aí — comentei, olhando sugestivamente para sua mão na toalha. A velha brincadeira da toalha e do “não é nada que eu não tenha visto antes”. Assisti suas bochechas ficarem vermelhas. Não podia acreditar que o bad boy estava enrubescendo!
— Espera só um minuto — murmurou.
Andou mancando até o quarto. Deveria estar tendo uma boa dose de bunda dolorida a cada vez que andava. O pensamento me fez sorrir de lado enquanto o esperava vestir uma roupa de porta fechada. O quarto dele era a segunda porta, antes do de Lilly, e imaginei que o de Börje era a única porta no lado direito. O banheiro era ao final do corredor.
A porta voltou a abrir. Ele apareceu vestido com uma calça jeans azul escura e camiseta branca com a estampa de algum quadrinho. Não pude deixar de notar que vinha se vestindo mais como e menos como comigo. Bagunçou o cabelo com os dedos e me chamou com a cabeça. Entrei no ambiente mais catastrófico que já estive. Roupas, livros, discos, papéis, revistas, mochilas, bonecos colecionáveis... Estava tudo no chão.
— Uau — comentei, sem saber onde pisar.
Abriu a cortina e a luz do dia invadiu o quarto — que provavelmente não via o sol há um bom tempo. Tinha pôsteres de mulheres nuas e heróis de quadrinhos nas paredes. Visualizei uma estante lotada de fitas, LPs e mais bonecos colecionáveis na outra extremidade do quarto. Sua escrivaninha tinha uma pilha enorme e bagunçada de livros, além de centenas de papéis. Me sentei na cama — que parecia ser o lugar mais vazio do quarto — e vi uma guitarra e um violão familiares pendurados ao lado da porta. Pelo que percebi, ainda não tinha aqueles instrumentos tão exóticos que ficavam no segundo quarto de seu apartamento. A banda ainda nem era um projeto, ele mantinha outros dois membros para a gravação daquele álbum e só no ano seguinte passaria a ser o que o que todos conheciam. Pendurou a toalha verde no encosto da cadeira e foi na estante procurar o LP que me faria escutar.
Tirei os chinelos e passei o pé pela bagunça, tentando juntá-la um pouco em um só lugar. Senti a textura de algo gosmento e imaginei que provavelmente era uma criatura esquisita nascendo ali. Me abaixei para tentar alcançar aquilo com a mão. Quando endireitei o tronco e vi o que era, soltei um grito ao mesmo tempo que segurei na garganta o almoço que já ameaçava querer sair junto. Ele se virou e me pegou segurando uma maldita camisinha usada. Arregalou os olhos e fechei os meus, ainda tentando não vomitar. Senti seus dedos arrancarem aquela coisa nojenta da minha mão e seus passos apressados deixarem o quarto. Eu o segui, não ficaria naquele lugar traumatizante sozinha e necessitava esfregar meus dedos com soda cáustica. Corri o mais rápido que consegui para o banheiro, a ponto de presenciá-lo jogando a tal porqueira na lixeira.
Nunca lavei minha mão com tanta vontade e tantas vezes seguidas como fiz naquele momento. Ao sentir que estava ficando quase sem digitais, saí do banheiro e voltei para o quarto grotesco. Fechei a porta atrás de mim e atraí sua atenção, ele mexia no toca-discos em cima da estante. Escondeu o rosto com o cabelo ao posicionar a agulha. Era bom ter vergonha mesmo, por culpa dele toquei em algo que esteve dentro de outra pessoa! A faixa 1 saiu do aparelho para preencher o silêncio do quarto.
Ele pareceu hesitar em me olhar, mas ficou sem escolha, já que só tinha nós dois ali. Me sentei de novo na cama, rezando para não encontrar outra. Tinha certeza de não conseguiria impedir meu estômago de expelir todo o conteúdo mais uma vez. Seus lábios estavam presos em uma linha fina ao se sentar na cadeira à minha frente.
— Desculpa — pediu, finalmente reunindo coragem para me encarar. — Tem um tempo que não limpo isso daqui.
— Dá para perceber — respondi, analisando a bagunça do chão. — Quando você terminar de usar um preservativo, por favor, lembre dessa situação e jogue no lixo.
Tentou não sorrir, mas saiu ainda assim. Analisei a mulher arreganhada e sem roupa na parede atrás dele.
— Acho que consigo ver o útero dela daqui — comentei com uma careta.
Ele se virou para ver do que eu estava falando.
— É uma boa foto — comentou, agora sorrindo de lado.
— Ah, com toda certeza. Não tenho dúvidas. — Analisei o resto do quarto e percebi que por mais que seu apartamento do futuro não fosse um exemplo de arrumação, definitivamente ele tinha melhorado um pouco e amadurecido para não pregar aquelas fotos nas paredes. — Eu só me pergunto como você consegue trazer mulheres para cá e as convence a te dar enquanto olham para outras nessas posições.
— Elas nem notam isso — bufou.
— Você que acha, estou me sentindo observada por todas agora mesmo. — Ainda encarava as mulheres das paredes com espanto. São muito explícitas. Um ginecologista poderia facilmente usá-las no consultório para explicar todas as partes exteriores que compõem o aparelho reprodutor feminino. — E sinto também que estão furiosas por eu estar com o homem delas...
Ele ficou de pé e veio até a cama, me carregando junto consigo para nos deitar. Ajeitei a cabeça no travesseiro e se espremeu para que coubéssemos na cama de solteiro.
— Você não pode vê-las se estiver olhando para mim. — Piscou um olho, me fazendo rir.
— Está tentando me distrair ou me seduzir? — perguntei, posicionando as costas na parede e olhando-o de frente para mim.
— Os dois, é claro. — Tocou meu queixo com o polegar, seus olhos fitavam minha boca com desejo. — Espero que esteja aproveitando o melhor álbum do Motörhead.
— Bom, até que tem um jeito de deixá-lo melhor... — Segurei a lateral de seu rosto e, sem rodeios, o beijei. Nossas pernas se entrelaçaram e ele me pegou pelo cabelo. Se eu não me engano, passaram umas duas ou três músicas nesse meio-tempo.
Em algum momento, ele tirou a mão do meu cabelo sem que eu percebesse e adentrou a barra da minha camiseta. Senti seus dedos percorrendo a lateral do meu tronco calmamente, feito um carinho, e pararem no limite do sutiã. Interrompi o beijo para encará-lo e tentar entender o que pretendia. Não queria apressar demais as coisas. Os olhos azuis me observaram com expectativa e ousadia. Ele mordeu o lábio inferior, parecendo bem travesso, e apressar as coisas se tornou inevitável depois disso. Forçou a entrada dos seus dedos e roçou a auréola do meu seio. Solucei de surpresa com a sensibilidade pelo seu toque. Se divertiu às custas das sensações que aquilo me causava, circulando-o com a ponta do dedo de leve.
— Gosta disso? — perguntou em um sussurro.
Fiz que sim e fechei os olhos. Distribuiu beijos pelo meu maxilar enquanto continuava com a provocação, me levando a ronronar. Não podia deixar vê-lo que estava enlouquecendo só com aquilo, seria alimentar demais o ego gigante dele. Dois poderiam jogar aquele jogo. Passei minha perna por cima de sua coxa e meu dedo no passa-cinto da sua calça. O puxei para mais perto, prendi sua cintura com minha perna e encaixei nossos quadris, fazendo-o puxar o ar entre os dentes. Provocou de novo e o pressionei. Estava tendo o efeito contrário, me fazendo desejá-lo mais, mas decidi continuar. Puxou meu cabelo suavemente para ter a visão do meu rosto. Fiz de novo, mas demorei mais tempo e deixei um gemido escapar.
Ele sorriu de lado, entendendo o meu plano. Tirou a mão de dentro do meu sutiã e só com ela soltou o fecho. Levantou a blusa com o sutiã e me ergui um pouco para que conseguisse tirar. Vi suas pupilas dilatas se fixarem nos meus seios e sua língua umedecer o lábio inferior. Ele me olhou com tanta vontade que pensei que me devoraria. Veio para cima de mim com toda aquela fome. Prendi sua cintura, agora com as duas pernas, e senti perfeitamente sua ereção despontar contra o zíper da calça jeans. Foi minha vez de sorrir, mas um sorriso cheio de malícia. Beijou meu pescoço e desceu até os lábios alcançarem um seio. Sugou-o, depois o outro. Eu o apertei no meio das minhas pernas, para incentivá-lo a continuar. Circulou o bico com a língua, me levando a erguer as costas para pedir mais. Deixei com que se divertisse até estar insuportável e querer desesperadamente arrancar as roupas dele.
Empurrei seu corpo de volta no colchão e montei nele. Fiz o mesmo, beijei seu pescoço ao levantar devagar a camiseta. Tinha mandado para o inferno todo o meu plano anterior e dado razão ao outro , se ele disse que aquele garoto precisava de entretenimento, eu o daria um de qualidade. Passeei minhas mãos pelo seu abdômen e ele me envolveu com os braços. Desci os beijos calmamente por todo o seu peito e barriga, deixando uma trilha de poros arrepiados. Ao chegar ao cós da calça jeans, desabotoei e abaixei o zíper — um pedaço da sua rigidez coberta pela roupa íntima se revelou. Uns beijinhos e esse safado já estava naquele estado? Parei para olhá-lo e, percebendo que estava sendo observado, me devolveu o olhar. Sorri, afinal, a quem eu iria enganar? Gostava de vê-lo doido por mim. Plantei um beijo demorado em cima do caminho da felicidade. Em resposta, pressionou as pálpebras e sua expressão se retorceu. Deslizei a língua ao redor do seu umbigo e desci de novo até onde terminava sua pele e começava o pano. Jogou a cabeça para trás, soltando um gemido longo. A expectativa estava acabando com ele. Fiz o caminho de volta entre beijos e mordidas, para finalizar com um selinho nos seus lábios entreabertos.
O analisei embaixo de mim, parecia em seu limite.
— Calma, baby — falei, sorrindo, vitoriosa por conseguir deixá-lo daquele jeito. Alcancei minha blusa e o sutiã no chão e os vesti. Ele parecia se recuperar.
— Que merda está acontecendo comigo? , se você não tivesse parado... Eu estava quase... Puta que pariu! — reclamou, embrenhando os dedos no cabelo. É, eu sentia a mesma indignação. Parecia que estava todo mundo ali bem atiçado.
Me encolhi de volta no canto que restava entre seu corpo e a parede. Só naquele momento percebi que não havia mais música tocando e não me lembrava de nenhuma. Acompanhei com os olhos suas mãos descerem a barra da camiseta, fecharem o zíper, abotoarem a calça e se embrenharem no cabelo de novo. Virou o corpo para ficar de frente para mim de novo e nossas pernas se entrelaçaram.
— Acho que preciso de outro banho, dessa vez de água gelada — murmurou, prendendo as duas mãos entre a cabeça e o travesseiro. — Estou começando a ficar com medo de você.
— Por quê? — franzi o cenho.
— Porque você parece saber exatamente o que fazer para me deixar subindo pelas paredes — respondeu, parecendo enfrentar uma luta interna para entender.
Deslizei o indicador pela pele do seu braço e a senti arrepiar.
Eu conheço cada pedacinho seu e como reage a mim, assim como você está começando a me conhecer de novo.
Ergueu meu pulso para poder beijar o meu dedo, segurou-o ali. Nos olhamos com curiosidade. Ele deveria estar tentando desvendar quem era aquela estranha. Já eu tentava desvendar como aquele homem — que conhecia com a palma da minha mão — poderia aparentar ser tão desconhecido.
*Fy fan é uma expressão que já apareceu aqui antes, mas relembrando: os suecos usam quando estão muito aborrecidos, equivale ao que é em inglês “Damn it!”.
Abri os olhos ao ouvir uma movimentação na sala. Ouvi a voz de Lilly falando em sueco no corredor, mais distante a de Börje, no tom que usava para piadas, e a risada de Karin em seguida.
Droga, tínhamos dormido demais.
ainda dormia serenamente com meu dedo em seus lábios e refleti se deveria acordá-lo. Motivo número um: eu não queria sair dali naquele momento e dar de cara com toda a família dele, que ainda não me conhecia direito. Seria estranho por ser a primeira vez que veria Börje e Karin sem que se lembrassem de mim. Motivo número dois: sair do quarto dele daquele jeito e àquela hora poderia dar a impressão errada. Motivo número três: se bem conheço a Lilly, começariam os questionamentos depois da noite anterior. Acariciei seu lábio com meu dedo. E, finalmente, o motivo principal: eu queria estender o momento por mais tempo.
O de ‘91, ‘97 e 2004 reagia do mesmo jeito à minha presença por já me amar, mas o de ‘88 estava me fazendo criar uma versão novinha dele nas minhas lembranças. Uma versão pronta para me mostrar que existia a opção de me apaixonar de novo, mas que a memória dele nos outros anos impediria. De alguma forma, eu sentia que estava o traindo se me deixasse levar. Não tinha certeza se havia espaço no meu coração para dois, ainda que estivesse falando do mesmo homem. Vê-lo dormir remetia tanto ao meu , mas alguns detalhes pequenos me lembravam de que era o que estava me conhecendo pela primeira vez. Sentia saudades dele, ao mesmo tempo que ansiava de certa forma por conhecer este.
Fechei os olhos, perdida em meio à confusão e cansaço.
— ? — ouvi a voz de me chamar com cautela.
Estava sonhando algo com ele, então não dei muita importância. Senti sua mão afastar meu cabelo do rosto e seus dedos rasparem meu pescoço. Estremeci com o toque e tive a impressão de que ele estava sorrindo.
— Acorda, baby — pediu baixinho e meus olhos traidores obedeceram.
Me espreguicei. Ali estava o sorriso e o dono dele, que parecia também ter acabado de acordar. Olhei pela janela e o sol já estava alto.
— Que horas são? — perguntei.
— Onze — respondeu, me fitando.
— Nós dormimos por tanto tempo assim? — Passei a mão pelo cabelo e senti meu estômago responder à pergunta. — Minha nossa... O seu pai e os seus irmãos...
— Lilly e Dre devem estar voltando da escola daqui a uma hora, mas o meu pai foi trabalhar — explicou.
Levantou-se para que eu pudesse me sentar. Passei a noite no quarto dele, na casa dos . Agora, estava me sentindo uma adolescente que fugia de casa para passar a noite na cama de solteiro do namorado, sem que ninguém soubesse. Merda, mas foi exatamente o que eu fiz. Fiquei de pé, procurando meus chinelos. Ele se sentou na beirada da cama e alongou os braços.
— Tenho que ir — murmurei. Não tinha nada programado, mas fugir era o certo, dadas as circunstâncias. Finalmente, achei os chinelos e os calcei.
— Você nem me deu o seu número de telefone — lembrou.
Era verdade. Peguei uma caneta em cima da escrivaninha, anotei o número que dava direto no meu quarto e escrevi meu nome embaixo para que não confundisse com outra garota. Me virei para ele para garantir que, dessa vez, não teríamos outro mal-entendido.
— Gostei dos beijos, mas o álbum ainda é uma droga — falei. Ele sorriu de lado em resposta.
Joguei um beijo no ar e o deixei.
Na tarde do dia seguinte, Lilly bateu à minha porta.
— Oi. Você está muito ocupada hoje? — perguntou assim que entrou no meu campo de visão.
Ela era tão direta...
— Oi, Lilly — sorri. — Não estou. Quer entrar?
— Não, senão vamos nos atrasar. — Mostrou uma bolsa de praia grande. — Temos uma aula de hidroginástica agora, li em uma revista que era bom para gestantes.
Pisquei enquanto tentava digerir a notícia.
— Hidroginástica? — perguntei para confirmar. Ela fez que sim. — Mas eu nem tenho roupa de banho.
— Imaginei que diria isso e preparei tudo para nós duas nessa bolsa. Então, vamos? — ela falou muito rápido.
Não me restava muita escolha, ela parecia ter se organizado mesmo. Peguei minha bolsa no móvel da televisão e fechei a porta. Nós saímos em direção à rua.
Estava relembrando ultimamente de como a casa deles ficava em um lugar bom da cidade, havia muito comércio perto e a maioria conseguíamos ir andando. Em menos de cinco minutos, chegamos a um ginásio grande com uma piscina semiolímpica. Lilly me contou que aquela piscina era pública e durante a semana eram ofertadas algumas atividades promovidas pelo governo.
Nós trocamos de roupa no vestiário. Analisei no espelho o quanto o maiô de Lilly deixava a desejar no quesito me tapar e fiquei envergonhada demais para sair, mas ela apareceu e me enxotou para fora da cabine.
A piscina estava cheia, havia mulheres, outras adolescentes, idosas e gestantes. A professora vestia um maiô laranja neon, cinto, polainas, meia calça e tênis. Era tanta informação para só uma pessoa que até me deixou tonta com a visão.
Nós entramos na piscina e ela explicou a atividade. Primeiro, nós alongaríamos os braços. Shout at the devil do Mötley Crüe começou a tocar muito alto e quase soltei uma gargalhada pela escolha. Estávamos fazendo movimentos com os braços durante uma aula de hidroginástica, pela tarde, com idosos e donas de casa ao som de uma banda de glam metal. Os anos 80 foram selvagens.
A professora pediu para formarmos os mesmos pares das aulas anteriores, porque a atividade seria igual. Ela teve que nos ajudar porque ficamos perdidas. Lilly ficou de pé e me segurou por baixo dos braços, enquanto eu estava deitada e batia os meus pés com força.
Começou a rir e a acompanhei.
— Isso é divertido! — gritou, por causa do barulho das outras pessoas fazendo o mesmo movimento.
— Muito! — gritei de volta.
Fiquei uns minutos batendo os pés ao som de Looks That Kill e, quando a professora pediu para trocarmos, já sentia minhas pernas sem força. Lilly batia os pés tão forte que quase nos afogou, provocando mais nossa risada. A próxima atividade era para grupos separados, uma parte da piscina concentrava os idosos, a outra, mulheres de meia-idade e adolescentes, e, na última, ficaram as gestantes. Insisti para Lilly ficar comigo por não querer passar pelos exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico sozinha.
Nós estávamos com uma bola entre as pernas e as mãos na cintura, encostadas na borda, apertando as coxas e flexionando os joelhos.
— Não acredito que estou fazendo exercícios de gestantes com a namorada grávida do meu irmão — comentou, rindo.
Pensei em adicionar que eu não era namorada dele ainda, mas discutir aquilo com a Lilly seria o mesmo que falar nada. Então apenas ri.
— Pelo menos você vai ficar com um assoalho pélvico sarado, o que quer que seja isso — brinquei.
— Quando chegar a minha vez, já serei uma profissional.
Sorri para ela. Ficamos alguns minutos em silêncio, mas decidi quebrá-lo, compartilhando o outro dia. Não me aguentava de ansiedade em guardar essa experiência.
— Fiz o seu irmão andar de patins no Roller Disco — falei.
Me encarou com um sorriso ameaçando brotar.
— É sério? — confirmei.
Concordei com a cabeça. Sua risada escandalosa ecoou pelo ginásio.
— Falei que só o perdoaria por aquele incidente com a “Sonya”... — fiz aspas com os dedos como da última vez — assim.
Pareceu se divertir ainda mais.
— Eu já sou sua fã número um, garota — disse com os olhos brilhando em divertimento. — Agora entendi o motivo de ele estar mancando, deve ter se arrebentado no chão. Nunca andou antes.
— É mundano demais para o poderoso — zombei, fazendo uma voz grossa ao falar o nome dele. Ela gargalhou. — Ele fez um espacate lindo, que nem uma linda bailarina russa.
— Eu vou encher tanto o saco dele por isso. Ele vai ter que fazer meu dever de casa para que eu não conte para o Dre e o papai — deu aquele sorrisinho de lado típico da família.
— Bom, ele merece cada segundo disso.
Nós duas rimos, cúmplices.
Partimos para o próximo exercício que era pedalar com o espaguete de isopor no meio das pernas. Alongamos os membros por fim. Depois, fomos até o vestiário que estava tomado por mulheres demais.
— Contei para as meninas sobre você e a bebê — ela comentou na cabine do lado.
Ajeitei a calça fuseau roxa na cintura. Estava tão afundada na vida escolar dela que até senti um frio na barriga para saber o que Greta e Karen disseram. Esperava muito que tivessem se colocado no lugar.
— E o que elas disseram? — perguntei.
— É... — hesitou. — Elas querem ver você para ter certeza que não estou inventando.
Abri a porta e ela já me esperava do lado de fora.
— Como? — franzi o cenho ao vê-la.
Pegou o maiô e a toalha da minha mão para guardar de volta na bolsa.
— Então... Eu estava pensando que, amanhã, você e o poderiam me buscar na escola para elas quebrarem a cara.
Foi a minha vez de hesitar.
— Lilly, não tenho certeza se isso é uma boa ideia — concluí. — Como você o convenceria disso?
— Já convenci, só precisei falar que você ia — sorriu. — Ele está caidinho por você.
Senti minhas bochechas esquentarem.
— Nem nos conhecemos direito — comentei, toda abobalhada, saindo do vestiário ao lado dela.
— Eu não disse no sentido de que ele já está apaixonado, apenas que está interessado demais.
Alcançamos a rua e fizemos o caminho de volta na calçada.
— Estou com medo de perguntar como sabe disso.
— É simples. Perguntei se ele poderia me buscar na escola amanhã para impressionar minhas amigas, o bobão respondeu que estaria ocupado. Aí, falei que você também ia, para fingirem que são um casal superfeliz esperando um bebê e, de repente, ele concordou. E rápido demais! Fora o que o ouvi falar para o meu pai, que vocês dois estão se conhecendo — imitou a voz dele. — Ele geralmente não tem a curiosidade de conhecer as garotas, só de dormir com elas. Mas, também, geralmente elas não aparecem grávidas, não é mesmo?
Tive que concordar, ele já fazia isso nos anos 90, mesmo que tentasse se relacionar mais. Já nos anos 80, ele era rebelde demais para sequer tentar. Tentei me controlar ao máximo para não demonstrar minha felicidade em ouvir aquilo. Estava dando certo. Nós tínhamos acabado de começar, mas estávamos no caminho certo. Abafei um sorriso. Mudar de tática até que tinha funcionado.
— Que horas tenho que estar lá e onde é? — perguntei, emocionada demais para me importar que estava concordando entrar em um drama adolescente. Quer saber? Por Lilly, eu faria.
— Ele vai passar para te pegar meio-dia. Coloca uma roupa que te deixe bem... — Ela fez uma barriga na frente da sua com a mão.
— Vou tentar — ri.
Nós chegamos à entrada do hotel. Ela parou, indicando que não ia entrar.
— Você não vem?
— Tenho que terminar um projeto de ciências — explicou.
Concordei com a cabeça e puxei a porta. Ela se virou para ir embora, mas parou quando a chamei.
— Obrigada pela aula de hidroginástica. Me diverti bastante. — Fitei seus olhos . Sorriu, parecendo genuinamente feliz ao ouvir aquilo.
— Que bom, porque nós estamos inscritas para participar toda terça e quinta. — Ela deu “tchau” com a mão. — Até amanhã!
Nem me surpreendi com a notícia, era a cara dela me enfiar em compromissos assim. Apenas mexi a mão, me despedindo, e passei pelas portas duplas.
Pela noite, o telefone tocou. Imaginei que fosse Lilly para falar sobre a minha roupa do dia seguinte. Porém, quando atendi, ouvi uma voz masculina que soava como música aos meus ouvidos.
— Oi, baby — disse, depois de me ouvir atendendo.
— Oi — respondi, nervosa demais para a situação.
— Como você está?
— Bem, um pouco enjoada depois da aula de hidroginástica que sua irmã nos inscreveu. E você?
— Também estou bem... Espera, você deixou a Lilly te carregar para uma aula de hidroginástica? — Ouvi uma risadinha baixa.
— Não tive muita escolha, ela apareceu aqui toda paramentada e só me fez ir. Disse que leu em uma revista que é bom para gestantes.
— Deve ser muito entediante.
— Que nada, nos divertimos exercitando o assoalho pélvico ao som de Mötley Crüe.
— Qual a serventia de exercitar o assoalho pélvico?
— Segundo a professora, isso diminui a incontinência urinária conforme o avanço da gestação, também ajuda na hora do parto.
— Parece importante, então, embora eu não faça ideia do que é um assoalho pélvico — riu.
— Nem eu — também ri.
— Está tudo certo para amanhã?
— Sim. Estava agora mesmo analisando quais das minhas roupas me fazem parecer mais grávida. Ordens da sua irmã.
— Ela precisa que você pareça mais... Erm... Grávida... para impressionar as amigas?
Não sabia explicar a hesitação com a palavra, mas resolvi seguir o assunto.
— Tem uma história por trás disso, mas amanhã te conto o resumo. Agora meu assoalho pélvico está me dizendo que preciso urgentemente fazer xixi.
Escutei um sopro do outro lado da linha e imaginei que estivesse sorrindo.
— Ok. Meio-dia, certo?
— Certo. Até lá.
— Até.
Coloquei o fone no gancho. A voz dele no telefone ainda fazia minha pele arrepiar de desejo. Aquela seria uma longa noite de solidão...
— O que acha? — perguntei quando chegou perto. Estava o esperando na porta do hotel. Girei o corpo para que pudesse analisar. — Parece suficiente?
Sorriu de lado.
— Sem dúvidas — murmurou enquanto apagava o cigarro na lixeira ao lado.
Aproximou-se para me cumprimentar. Virei o rosto para beijar sua bochecha, mas ele foi mais rápido e roubou um selinho. Quanta ousadia... Deixei um sorriso escapar, ele me lançou um sapeca de volta. Nos afastamos em seguida. Senti meu rosto pegar fogo pela timidez, até parecia que não o beijara umas centenas de vezes ao longo daquelas viagens.
Peguei sua mão para darmos início a mais uma caminhada. Ele vestia o jeans de lavagem escura e uma camiseta do primeiro álbum — fortes chances daquela vir a ser minha camisa favorita dele dali a dois anos. Agora, ela parecia nova, mas, em 1990, estava surrada e cheirava a ele. A camiseta que Natalia usara aquele dia. Fiz uma careta ao lembrar e o enjoo matinal se manifestou com força total.
Ele me fitou. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, mas era bem repicado e a franja caiu em seu olho.
— Está tudo bem? — indagou.
— É só o enjoo matinal que ainda está me castigando. Apesar de que já estou quase de dezesseis semanas e ele deveria estar retrocedendo — expliquei, acariciando minha nuca para tentar me acalmar e não colocar tudo para fora.
— Podemos parar um pouco, se quiser — sugeriu, diminuindo os passos.
— Não. — Peguei-o pela mão e aumentei a velocidade dos passos. — Só de pensar em ficar parada já me dá calafrios. Vamos indo.
Ele me deixou carregá-lo pela mão por alguns minutos. Quando percebi isso, soltei-a. Eu nem sabia onde era e estava basicamente o guiando.
— E o resumo que você me disse ontem? — puxou assunto.
Ah, até me esqueci que falei para ele de que contaria um resumo da história por trás do que estávamos fazendo para Lilly.
— Ela tem duas amigas na escola, Karen e Greta. Antes, elas três eram melhores amigas, mas quando Lilly as convidou para a casa de vocês, as duas ficaram de olho em você. — Fiz cara de nojo ao imaginar. — Um dia, ela encontrou um bilhete que estavam trocando e uma dessas meninas disse que queria que você a tocasse como tocava guitarra.
Ele imitou a minha expressão.
— Credo, uma amiga da escola da minha irmã mais nova. Uma menor de idade.
Concordei, compartilhando do seu asco.
— Agora, ela disse pra essas duas que você tem “uma namorada”... — fiz aspas com os dedos, aquilo estava se tornando uma mania sem nem que eu percebesse — que está grávida, só para vê-las quebrando a cara.
Sorriu discretamente e chutou uma pedrinha.
— Gostei do plano — concluiu.
— Só não fale para ela que te contei a história toda — fiz questão de avisar.
Assentiu.
Enxerguei os portões de uma escola. Ele se encostou na grade de metal ao nos aproximarmos do local.
— Você estudou aqui? — perguntei, analisando a escola. Uma escola sueca era diferente de uma brasileira, mais aberta, era possível ver os alunos dentro das salas de aula daqui de fora. Talvez fossem as escolas do século 20 e a menor necessidade de segurança.
— Não. Ainda não morávamos por aqui quando larguei a escola para trabalhar com meu pai — explicou.
Vi sua mão brincando com a carteira de cigarro no bolso. Tive vontade de abrir um sorriso orgulhoso ao constatar que estava sendo gentil em me respeitar e não fumar perto de mim, até mesmo nos ambientes abertos.
— Ainda está com a bunda dolorida?
Ele prendeu os lábios e, em seguida, sorriu.
— Agora só quando me sento que incomoda.
— Hm... — murmurei, me aproximando. — E se eu fizer isso daqui?
A apertei com vontade. Me olhou com divertimento e ultraje.
— Ai! — reclamou. — Você acabou de apertar minha bunda na frente de uma escola cheia de crianças?
Mordi o lábio inferior e dei uma checada nas janelas para ver se havia crianças sendo testemunhas. Havia algumas nas salas de aula, mas não podia confirmar se não traumatizei uma delas tocando na bunda de um ser do sexo oposto.
— Talvez.
Recebi uma risada sacana em troca.
— Posso apertar a sua? — arqueou uma sobrancelha.
— Não, seu tarado — franzi o cenho, fingindo ultraje.
— Por que sou tarado quando pergunto se posso apertar sua bunda e você não é quando aperta a minha sem perguntar?
— Porque é você que tem fotos de mulheres peladas no quarto — usei a primeira desculpa que me veio à mente.
Aquela cara de desconfiança falsa e irritante começou a se formar. Cruzei os braços.
— Não faça essa cara pra mim — briguei. — Ainda mais fora de contexto.
— Por quê? Te irrita? — perguntou, se divertindo.
— Claro, você já faz com a intenção de irritar.
— Tipo assim? — repetiu. Dei um tapa na sua bunda e ele pulou. — Ai!
Me segurei para não soltar minhas gargalhadas típicas.
— Agora, eu me sinto no direito de apertar a sua — falou, vindo na minha direção.
— Você não ouse! — Dei alguns passos para trás. Seus passos foram maiores e me colou contra a grade com o seu corpo. Estremeci, mas não deixei com que percebesse. — Sai daqui — falei, meio rindo e meio inebriada pela sua presença.
— Só depois que você me deixar dar uma boa apertada na sua bunda, como retaliação — falou com um sorriso malicioso.
— Como retaliação, né? Você nem deveria estar pensando nisso o tempo todo — retruquei, segurando seus cotovelos. — Pervertido.
Ele agarrou minha cintura possessivamente.
— Está certa — falou com a voz baixa e umedeceu o lábio inferior com a língua. — Eu venho pensando nessa sua bela bunda o tempo todo.
Senti todo o sangue se esvair do meu corpo. A lembrança do meu usando as mesmas palavras na carta me veio à mente para me lembrar que eu estava me distraindo demais com este. O afastei pelo peito e murmurei algo sobre estar enjoada. Ele se encostou na grade ao lado e ficou quieto. Me senti mal de afastá-lo daquela forma, mas, antes que pudesse tentar me redimir, o sinal da escola tocou e as portas se abriram.
Nós nos viramos para esperar por Lilly. Depois de ver o rosto de umas duzentas crianças e adolescentes, ela entrou no nosso campo de visão junto com duas garotas, uma de cabelo preto curto e outra de cabelo ruivo longo. Elas três pareciam a versão disco das meninas superpoderosas. Coloquei minha mão no bolso de trás da calça dele e ele passou o braço pelos meus ombros. Quando ela nos viu, seus olhos brilharam de satisfação, principalmente porque eu vestia um vestido tubinho com mangas bufantes para exibir minha barriga — que nem era tão chamativa assim, mas já fazia sua aparição. Antes que elas se aproximassem, ele puxou meu queixo com os dedos, me analisou com aqueles olhos irresistíveis, sorriu timidamente e me beijou. Senti até vontade de suspirar com a intensidade daquilo, atuou mesmo feito o príncipe que eu dizia que era.
— Ah, o amor é mesmo lindo... — a voz de Lilly se manifestou ao nosso lado e ele se obrigou a parar de tentar enfiar a língua na minha boca.
Puxei o ar para tentar me recuperar. Minhas pernas estavam até bambas de novo. Minha nossa, o efeito ...
— Karen e Greta, vocês já conhecem meu irmão, o . Essa é a namorada dele, a . — Apontou para minha barriga. — E essa pequenina que está ali dentro é a minha sobrinha.
As duas pareciam me olhar como se fossem me queimar com a visão a laser. Ele esticou a mão que não estava na minha cintura para cumprimentá-las. Me limitei a apenas cumprimentar com a mão de longe, tive medo de que elas fizessem algo só de me tocar.
— Você está de quantos meses? — uma delas praticamente rosnou. Percebi que foi a Florzinha, a outra parecia muito assustada, observando minha barriga para falar.
— Estou no quarto mês. — Acariciei minha barriga para protegê-la do olhar fixo da Docinho.
Ele esticou o braço e a acariciou junto. Controlei meus membros para não enrijecerem ao primeiro contato dele com minha barriga. Não podia surtar agora e pensar muito a respeito ou estragaria toda a encenação.
— Vocês vão se casar? — ela voltou a perguntar em um rosnado. Tirei meus olhos de nossas mãos para fitá-las. Lilly parecia estar aproveitando cada segundo.
— Estamos pensando, não é, baby? — ele falou, ainda perto da minha cabeça e fui obrigada a me afastar para poder encarar aquela cara de pau.
— Claro. Pedimos para a Lilly convidar vocês — me forcei a entrar mais no personagem.
Florzinha parecia a ponto de soltar fumaça pelas orelhas, mas tentou disfarçar. Imaginei que tenha sido ela a falar aquele absurdo da guitarra. Ele recolheu a mão que estava junto da minha.
— Então, a Lilly realmente escolheu o nome do meio da bebê? — Mais uma pergunta dela.
— Sim, o nome dela vai ser Emma Claire . Lilly que escolheu o Claire — respondi.
Lilly parecia triunfante. Depois de um silêncio constrangedor, perguntou:
— Acabaram as perguntas?
Florzinha pareceu refletir, já Docinho, ainda encarava muda a minha barriga.
— Você a ama? — ela perguntou para . Quase soltei uma risada com a inocência que continha essa pergunta. Só uma adolescente para perguntar para um homem no auge de seus 22 anos, com toda uma fama, se ele amava uma garota que nem lembrava de ter engravidado. Nós nem atuávamos bem assim, elas estavam acreditando por ainda não possuírem malícia o suficiente para desconfiar.
Ele confirmou com a cabeça, deixando-a mortificada.
— Espero que isso seja o suficiente para vocês pararem de falar do meu irmão, afinal, agora ele vai ser pai de família. — Saiu do lado delas e veio para o nosso. — Com licença, temos que comprar um berço para a Emma.
Ela nos pegou pelos braços e nos fez sair andando. Quando estávamos a uma distância segura, soltou uma gargalhada contagiante.
— Esse é o dia mais feliz da minha vida — comentou.
— Agora, nós estamos quites e você não vai contar para o Dre e o Börje sobre os patins — ele disse, olhando-a.
— Nunca concordei com isso.
Vi seus olhos fuzilando os idênticos dela.
— Está bem, mas só por causa daquele beijo digno do mocinho de um romance de banca.
Então não foi só eu que pensei isso!
Abafei um sorriso ao constatar.
— E esse vestido é perfeito! — disse, me olhando. — Vocês são perfeitos juntos. Esse bebê é perfeito. Estou nas nuvens! — Ergueu os braços.
Ele a observava com desdém, como se estivesse acostumado aos ataques adolescentes dela. Ela nem ligou, tagarelou mais um pouco enquanto andava entre nós dois no caminho até em casa. Apenas nos limitamos a ouvir seus devaneios.
Lilly destrancou a porta e passou primeiro, eu e ele viemos em seguida. Falou algo sobre ir preparar o almoço como agradecimento. Nunca vi Lilly cozinhar, o que era um mau sinal. Sumiu pela cozinha e avisou que não queria ninguém a incomodando.
— Onde está o Andreas? — perguntei para ele.
— Ele tem aula de tarde alguns dias da semana — explicou, ao mesmo tempo que me guiava com a mão na base das minhas costas até seu quarto. — Tenho uma surpresa para você. Feche os olhos.
Obedeci, mas já pensando no pior e imaginando um monte de camisinhas usadas em uma pilha. Do jeito que ele era engraçadinho, era bem capaz. O ouvi fechar a porta atrás de mim após minha passagem.
— Pode abrir — anunciou.
Abri minhas pálpebras, olhando em volta. Fiz uma análise do quarto bagunçado em busca de algo diferente. Tinha muita coisa ali, então não sabia de o que sentiria falta. Ele me puxou para sentar na cama e me olhou com expectativa. Sorri ao finalmente notar.
— Você resolveu doar aqueles pôsteres para um ginecologista? — brinquei.
— É só um teste. Guardei-os, por enquanto — disse com cautela.
Senti meu sorriso aumentar. Ele tinha feito aquilo por mim. Passei os braços em seus ombros e o carreguei comigo para se deitar sobre mim na cama. Sustentou o peso com uma mão em cada lado do meu corpo e o soltei para fitá-lo.
— Obrigada — falei com sinceridade.
— Não por isso, baby — sorriu. Meus dedos tocaram as linhas da sua testa que estavam menos aparentes pela pouca idade. Ele fechou os olhos. — O que está fazendo?
— Só tocando para te conhecer...
...e me convencer de que você é a mesma pessoa que eu amo.
Pareceu aproveitar o toque que acariciava levemente seu rosto. Comparado ao de ‘97, ele era bem novo, quase nenhuma linha de expressão além dessas.
— Não consegui te tirar da cabeça desde segunda — confessou. — O que você conseguiu fazer comigo sem nem me tocar direito… não consigo entender.
Passei os dedos pelos seus lábios.
— Eu te enfeiticei — brinquei e fui presenteada com um sorriso.
— Não estou nem um pouco arrependido de ceder aos seus encantos.
Peguei seu queixo e trouxe sua boca até a minha. Daquela vez, eu que invadi sua boca com minha língua primeiro. Ele gemeu baixinho quando nossas línguas se tocaram. Minha mão trabalhou em tirar a barra de sua camiseta de dentro da calça e, ao conseguir, passeei meus dedos agora pelas suas costas. Fiz com que parasse de me beijar para tirar a peça de roupa e conseguir explorá-lo melhor. Era incrível como o clima esquentava rápido com esse só com uns beijos, parecia que eu era banhada em gasolina e ele carregava o fósforo, o mínimo contato era suficiente para causar um incêndio. Deslizou a ponta do nariz pela lateral do meu pescoço até atrás da minha orelha e mordiscou a cartilagem. Arrepiei até o último fio de cabelo, minhas unhas descontaram na pele de suas costas. Nem raciocinei que deixaria uma trilha de arranhões para trás, estava presa demais no meu frenesi.
Empurrei seu corpo para que se deitasse de lado na cama, porque aquela posição parecia desconfortável para ele, e enrosquei minha perna em sua cintura para trazê-lo para perto. Me puxou pelo cabelo para grudar nossas bocas. Continuamos a nos beijar feito desesperados por um tempo, até que ele nos separasse em busca de oxigênio. Minha respiração estava ofegante como se tivesse corrido uma maratona.
— Eu poderia te fazer perder a cabeça daquela maneira de novo, mas tenho impressão de que sua irmã vai aparecer aqui dentro sem nem bater para avisar que o almoço está pronto — sussurrei.
Essa impressão veio, é claro, de uma situação semelhante que a Lilly mais velha me pegou com a mão dentro da calça dele e saiu traumatizada.
— Fortes chances, porque não tranquei a porta — sussurrou de volta. Seus olhos reluziam com a claridade.
Como se soubesse que era o assunto, ela abriu a porta bruscamente — daquela maneira de sempre. Nós dois nos viramos para encará-la.
— Hm... Que bom que estão vestidos. O almoço está pronto — anunciou e saiu, deixando a porta aberta.
Se ela pensou na possibilidade de nos encontrar pelados e no meio de algo, me perguntei o motivo de não ter batido antes. Ele se levantou e fui em seguida. Ajeitei o vestido no corpo e pensei em provocá-lo um pouco, só para variar. Era uma das minhas atividades favoritas.
— Ei, minha calcinha está marcando? — perguntei, virando as costas para que analisasse.
Sorriu e encarou descaradamente.
— Não — respondeu, depois de uma análise bem minuciosa.
— Que bom, porque não estou usando uma — falei inocentemente e passei por ele.
Ficou lá parado e boquiaberto.
Revirei os olhos enquanto sorria. Era tão fácil...
Lilly abriu espaço na mesa da cozinha para nos sentarmos. Ela se sentou de um lado e nós nos sentamos juntos do outro. A comida tinha aparência normal. Estranhei, não demorou muito para fazer todos aqueles legumes e o peito de frango.
— Karin, a namorada do meu pai, sempre deixa comida para nós — ela explicou.
Fazia sentido, por isso concordei com a cabeça e comecei a comer. Se Karin fez aquilo, então era seguro. Estava uma delícia, assim como tudo que ela fazia. Peguei o copo com água com gás que Lilly colocou na minha frente e dei um gole. Minha pele da perna se arrepiou com a mão boba querendo se enfiar por baixo da barra do vestido e quase cuspi a água quando ela atingiu seu objetivo. Censurei com os olhos. Ele sorria atrás do seu próprio copo. Lilly parecia entretida demais com uma revista adolescente em cima do tampo da mesa para notar.
“Tira essa mão daí”, mexi a boca sem emitir som.
“Quero confirmar o que você disse”, mexeu de volta.
Deixei com que passasse os dedos na minha pelve. Me olhou de boca aberta pela surpresa ao constatar que eu realmente falava a verdade. Nenhuma calcinha que tinha ficava discreta naquele vestido, por isso optei por não usar. Apesar de que, agora, deveria estar pensando que foi para impressioná-lo. Belisquei seu braço para tirar a mão dali e a recolheu rapidamente. Ouvi sua boca mexendo em um “outch” sem som enquanto abraçava o próprio braço, me concentrei em não rir. Lilly ergueu os olhos da revista e nos fitou.
— O que está acontecendo? — perguntou.
— Acho que uma formiga o picou — falei, sorrindo com inocência. Me esforcei muito para não o olhar ou poderia explodir em risadas.
Ela deu de ombros e começou a ler de novo. Nós dois terminamos de comer. Percebi que ele queria me arrastar de volta para o quarto, mas eu não podia deixar Lilly ali e ir agarrar seu irmão. Já a considerava minha amiga. Esperei pacientemente que terminasse a comida de seu prato e lesse o horóscopo. realmente parecia que tinha sido atacado por formigas do tanto que se remexia na cadeira ao lado. Depois de finalizar, ela fechou a revista e foi colocar os pratos na máquina de lavar louça.
— Se estão me esperando, podem ir para a sala. É meu dia de colocar a louça para lavar — comentou.
Afastei a cadeira para sair e percebi que ele estava quase me pegando nos ombros para me tirar dali o mais rápido possível. Claro que depois de constatar aquilo, andei devagar até o sofá da sala. Passou à minha frente para se sentar primeiro. Quando fiz menção de me sentar no estofado, ele pegou meu pulso. Queria que me sentasse em seu colo, mas não achei de bom tom Lilly nos encontrar assim.
— Ela vai demorar um pouco — sussurrou, parecendo ter lido meus pensamentos. Deixei com que me posicionasse de lado em cima das suas coxas. Começou a beijar meu ombro e sua mão acariciava minha panturrilha, provocando arrepios. — Estou indignado que só vim saber da ausência da sua calcinha agora.
— Por quê? O que faria a respeito, se soubesse antes? — perguntei, também sussurrando para que Lilly não nos ouvisse.
— Trancado a porta, para começar. — Subiu mais a mão, deixando um rastro de poros arrepiados para trás.
— Tenho uma proposta para você — falei. Me encarou, mostrando que estava ouvindo. — Se eu te fizer gozar usando o mesmo método da primeira vez que me beijou, você vai me conceder um desejo. Se eu não conseguir, te concedo um.
— Isso é sério?
— Tenho certeza de que consigo te fazer enlouquecer só com a ideia da coisa em si. — Mordi o lábio inferior, já fantasiando com a cena.
Sorriu de lado e seus olhos escureceram.
— Ok. Estou curioso para ver onde isso pode dar.
Ouvi passos se aproximando e desci de suas coxas. Me sentei no sofá para fingir normalidade.
— Acabei de me lembrar que tenho aula de inglês agora — Lilly disse. Me virei para olhá-la. — , você pode me esperar aqui até eu voltar? Tenho algo para te mostrar.
Assenti.
— O vai te fazer companhia, não é? — perguntou para ele.
Ele que assentiu agora, mas veementemente.
— Pode deixá-la comigo, irmãzinha — falou com a voz carregada de malícia. Arregalei os olhos e esperei a reação dela.
— Tudo bem, então. Estarei de volta pela noite, vou esperar Andreas para voltar comigo. — Pareceu totalmente alheia ao tom de voz dele.
Não sabia dizer se me sentia muito segura com um possível predador como companhia. Por isso, engoli em seco quando ela bateu a porta depois de pegar os materiais no quarto. Ele me olhou, lançando um sorriso perverso em minha direção.
— Você quer aqui ou no quarto? — perguntou, sugestivo.
Só de imaginar que alguém da família dele poderia entrar e nos pegar no meio desse joguinho em cima do sofá da sala, já estremeci.
— No quarto — respondi. Tomou a frente e o segui.
Fechou a porta atrás de mim e trancou. Se havia expectativa antes, eu ficava sem saber por onde começar. Provavelmente, deixei nítido ao ficar de pé enquanto ele se sentava na cama. Nós trocamos olhares carregados de hesitação.
— Talvez uma música... — murmurou e passou por mim para começar a mexer na estante.
Falei para mim mesma: para de hesitar, você precisa mostrar que está no controle e o tem na palma da mão. Ele gosta disso e você precisa ganhar essa competição para prosseguir com o plano de fazê-lo se apaixonar.
Me virei quando I Stole Your Love do KISS começou a tocar. Dessa vez, ele tinha escolhido o álbum Love Gun. Fiquei pensando se fazia aquilo com frequência: usar KISS como fundo de suas preliminares. Parecia bem a cara dele. Não iria dizer que achava ruim; da última vez, me mostrara que era bem conveniente.
Tirei os sapatos e os larguei ali no meio mesmo. Ele hesitou em andar até mim, por isso tomei coragem para quebrar nossa distância. Peguei sua mão e o conduzi para a cama. Seus olhos curiosos acompanhavam cada movimento meu. Pedi para que ficasse meio sentado e meio deitado com as costas apoiadas na cabeceira, ele obedeceu sem questionar. Sentei em seus quadris e senti uma ereção ameaçando me cutucar. Ele estava mesmo sempre pronto para o ataque? Tive vontade de ofegar por senti-lo, porém, mordi o lábio para me controlar. Inclinei um pouco para beijá-lo. Parecia uma estátua de tão imóvel, mas moveu os lábios para corresponder ao beijo. O que diabos estava acontecendo com ele? Peguei suas mãos e as pousei em meus quadris, os dedos me apertaram por cima do tecido, finalmente ganhando vida. Desceu para erguer um pouco a barra do vestido, aproveitei para romper o beijo e tirar a peça.
Foi calculado, eu previ que o deixaria mais vulnerável. Percebi que prendeu a respiração enquanto me comia com os olhos. Era a primeira vez que me via completamente nua.
— Gosta do que vê? — murmurei, usando seu típico sorriso de lado como arma. Assentiu devagar. — Então, toca. Me toca, .
Suas mãos deslizaram pelo contorno do meu corpo, me desenhando. Encheu ambas as mãos com meus seios e mordeu o lábio inferior. Podia ver pelos seus olhos todos os atos libidinosos que queria fazer comigo. Me inclinei de novo para sussurrar em seu ouvido:
— Se você continuar agindo feito virgem será muito fácil.
Uma de suas mãos me agarrou pela nuca e me trouxe até sua boca. Nossas línguas dançaram juntas. Ele se tornou um competidor à altura, era possível notar só pelo seu toque ter deixado de ser curioso e passado a ser mais trabalhado. Agora, seu polegar rodeava meu mamilo. Abri o botão de sua calça e desci o zíper, mas só para que o atrito não me machucasse. Por isso, parti o beijo só para baixá-la um pouco. Movimentei os quadris para testar e ele resmungou contra meus lábios. Eu podia sentir sua extensão perfeitamente, era uma posição perfeita. Fiz de novo. Tive que usar de muito autocontrole para não me deixar levar ou eu arrancaria suas roupas e daria fim ao nosso sofrimento. No entanto, era cedo demais para pensar nisso.
Por mais que não fosse o alívio que tanto queríamos, era muito bom, levava nossos sentidos a se concentrarem somente na fricção. Beijei seu pescoço e recebi um gemido sôfrego. Uma mão segurou meu cabelo e a outra segurava minha cintura para ditar um ritmo. Aumentei a velocidade, sentindo seu calor embaixo de mim através do tecido; a pele parecia queimar. Peguei sua mão e enfiei dois de seus dedos na minha boca para chupá-los. Seus olhos brilharam com fascínio. Depois que os libertei, desceu pelo meu queixo, meu pescoço... Foi seguindo até umedecer meu mamilo. Arfei, inebriada demais para estragar com o meu plano. Prendeu meu lábio inferior com os dentes e nossos olhares se encontraram. Seu olhar me desafiava de todas as formas possíveis. E eu odiava ser desafiada.
Ele estava se segurando ao máximo para não me deixar vencê-lo. Puxei seu cabelo com brutalidade e investi com mais força os quadris. Seus olhos reviraram enquanto ele soltava o ar de uma vez. Um sorriso de lado se formou no meu rosto. Alcancei a barra de sua roupa íntima e a desci um pouco, só para garantir que ele não conseguiria segurar. Continuei a me movimentar e o apertei com as coxas. Seu peito começou a descer e subir mais rápido.
— Sei que está tentando se segurar — sussurrei e mordi o lóbulo da sua orelha. — Não vai funcionar, porque sei que você gosta de ouvir umas sujeiras, seu safado. Já pensou em como seria se você me jogasse nessa cama agora, arrancasse suas roupas e entrasse em mim tão fundo a ponto de me fazer gritar? Eu estou tão pronta para você, está sentindo? Seria delicioso, eu e você, um só de novo. Você não gostaria de sair vitorioso desse joguinho? Me ensinar da maneira mais depravada possível a não brincar contigo...
— S-sim — gaguejou, mordendo o próprio lábio. Parei de movimentar meus quadris e ele resmungou. — Porra, eu quero tanto.
— Eu sei bem o que está passando na sua mente, bad boy. Você quer me fazer provar do meu próprio veneno, me deixar à beira da insanidade de tanto desejo assim como estou fazendo. Quer deixar sua marca e me fazer lembrar do quanto você é melhor do que qualquer homem que posso vir a ter. Quer foder a mim e a minha vida — sorri, consequentemente soprando seu ouvido e o fazendo estremecer.
Ele tentou erguer os quadris para continuar a se esfregar em mim, mas o prendi com as coxas.
— Não maltrata, linda — choramingou.
— Não vai funcionar, sabia? — continuei. — Eu que vou te foder bem gostoso primeiro, vou te levar a lugares que nunca imaginou, te fazer sentir coisas que nunca sentiu, começando por agora. E, no fundo, você até que quer isso, não é? — Hesitou, mas acabou por assentir. Invadi a barra da sua camiseta para deslizar a mão pela barriga dele. — Você precisava de uma mulher que te colocasse no seu lugar. Aqui estou eu. Vou te levar ao seu extremo assim só para provar que você não é tão poderoso quanto pensa. — Me ajeitei para começar a me movimentar de novo. — Então seja um bom garoto e chame meu nome ao me dar o que quero, entendeu?
— Entendi — respondeu com a voz trêmula, um poço de obediência. O que a necessidade não era capaz de fazer com um homem?
Movi os quadris devagar, com mais pressão dessa vez, e vi suas mãos segurarem o lençol com força.
— Goza para mim, — sussurrei a ordem em seu ouvido.
Ele levantou o queixo, pressionou as pálpebras e gemeu meu nome. Todos os músculos de seu corpo pareceram tremer. O senti pulsar embaixo de mim, chegando ao clímax, mas não parei. Se engasgou com a respiração, que ia se acalmando e voltou a ficar profunda.
— ... — Suas mãos tentavam me impedir pela cintura. — Para, por favor... — implorou.
Resolvi dar um desconto por ter pedido com jeitinho. Achava que ele tinha entendido bem o recado. Voltei a me afastar só para ter um vislumbre de sua imagem.
Lindo, tão absurdamente lindo.
Suas pálpebras voltaram a se abrir, porém, de forma mínima. Sua expressão era de derrota.
— Venci — comentei, triunfante.
— Foi golpe baixo — resmungou. — Não sabia que uma mulher poderia ser sedutora ao prometer me arruinar.
— Tem tanta coisa que você acha que sabe, mas não sabe, baby. — Toquei o seu queixo e acariciei. Ele tinha tanto para aprender naqueles dois anos. — E não se esqueça de cada palavra que eu disse, foi sério.
Saí de cima dele para que pudéssemos nos limpar. Ele tirou uma caixa de lenços da mesa de cabeceira e me entregou alguns. Tão típico de garoto ter isso do lado da cama que preferi nem comentar. Me limpei e pensei em jogar os lenços fora, mas não queria vestir aquele vestido de novo. Eu o fitei se limpar e ele pareceu perceber.
— O quê? — perguntou.
— Quero a sua camiseta. Tire-a para que eu possa vestir.
Arqueou uma sobrancelha, questionando silenciosamente.
— Não quero vestir o vestido de novo, preciso de algo mais confortável — expliquei.
Colocou os lenços de lado e se levantou um pouco para poder passar a camiseta pelos ombros. Peguei quando ele a estendeu e me controlei para não a cheirar, como de costume. Vesti a peça e fui abraçada pelo cheiro dele, tendo uma pequena amostra do sentimento de lar.
Recolhi os lenços e fui até o banheiro — dando uma espiada antes para ter certeza de que estávamos sozinhos. Vesti a roupa íntima que tinha levado na bolsa para caso a situação se tornasse desconfortável sem ela, tipo agora.
Quando voltei para o quarto, o álbum do KISS já tinha acabado e pensei em escolher outro para ficarmos ouvindo. Fui até a estante e analisei minhas opções. Havia um disco ali que tinha certeza de que era do pai dele, mas o escolhi em memória aos dias de praia. Tentei alcançar o toca discos em cima da estante inutilmente, era muito alto. Pensei em pegar a cadeira, mas, antes de tomar qualquer atitude, ele se levantou para fazer o gesto mais fofo possível: se abaixou e me colocou sentada em seu ombro para que pudesse alcançar.
Me derreti inteirinha feito um picolé.
Foco, . Não se apaixone por ele junto.
Encaixei o disco e desci a agulha. Ele me colocou de volta no chão, me virou e me beijou. Me arrepiei quando In The Still Of The Night do The Five Satins começou a tocar, a trilha sonora perfeita. Suas mãos fizeram pressão nas minhas pernas para subir nele e atendi ao seu pedido. Andou comigo agarrada a ele ao mesmo tempo que me beijava. Senti a maciez do colchão embaixo de mim. Partiu o beijo para se deitar ao meu lado. A luz da tarde o banhava, deixando os olhos e o cabelo mais claros e destacando sua beleza etérea. Olhando assim, nem parecia um maldito destruidor de corações. Enquanto eu fazia a minha análise, ele também fazia a dele.
— O quê? — imitei sua pergunta.
— Você fica fofa com minha roupa. — Colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
Ali estava o fraco dele em me ver usando suas roupas. Sorri, vitoriosa. Foi sem perceber, mas parecia ter caído como uma luva.
— Gosto do seu cheiro — admiti. — Faz com que me sinta segura.
Sorriu e ficou alguns minutos só me observando. A música estava bem baixinha, por isso soava agradável.
— De onde você saiu, ? — perguntou.
— Como assim? — franzi o cenho, já estranhando a pergunta.
Não dê uma de Andreas, por favor.
— Você chegou de repente, mudando minha vida com um bebê e com esse seu jeito. Por que me escolheria para isso? Eu não sou bom o suficiente para alguém como você.
Suspirei, aliviada. Aquele, sim, parecia o meu . Beijei a ponta do seu nariz da mesma forma que fazia comigo.
— Queria que você se visse como eu vejo — sussurrei, quase a mesma frase que disse na praia quando ele respondeu que não era o homem mais bonito.
— E como você me vê?
— Como a pessoa mais fascinante que já pus meus olhos. — Entrelacei nossas pernas. Optei pela versão resumida para que não estranhasse a dimensão do meu sentimento, já que não nos conhecíamos há tanto tempo assim na visão dele.
— Engraçado, eu penso exatamente o mesmo de você. — Acariciou meu cabelo. Parecia sincero ao dizer aquilo, não era apenas para me conquistar. Prendi meus lábios em uma linha fina. Realmente havia um interesse ali, como disse a Lilly. Me esforçaria ainda mais para explorar esse sentimento, sem forçar demais.
— Então você é bom o suficiente para mim. Se me mantiver alimentada, entretida e segura dentro das suas roupas, estarei feliz. — Nós dois sorrimos. — Eu não espero que seja um pai perfeito para minha filha, , mas com paciência e dedicação podemos dar o nosso melhor. Você vai se tornar uma versão melhor de si mesmo por ela.
Ele se perdeu em pensamentos ao encarar a parede. De alguma forma, sabia que estava pensando em sua mãe, alguns pequenos detalhes me mostravam isso. A pequena ruga entre suas sobrancelhas, o jeito que ele estava mordendo a parte interior da bochecha, a veia do pescoço saltada e, principalmente, o assunto. Como era um pensamento desconfortável, senti a necessidade de trazê-lo de volta e mostrar que seria diferente. Me deitei de costas e ergui a camiseta até a altura dos seios, exibindo a barriguinha de quinze semanas. Ele despertou do transe e me encarou, sem entender.
— Fala com ela — pedi. — Ela precisa se acostumar com a sua voz.
Ele pôs a mão com cautela, como se estivesse com receio de machucar uma de nós duas. Pousei a minha em cima e a guiei por toda a extensão para acariciar. Sorriu abertamente e me olhou, pedindo permissão, fiz que sim com a cabeça para incentivá-lo.
— Oi, bebê. — Refez o caminho com a mão mais uma vez. — Estou em dúvida se me encontro mais assustado ou encantado por te ver meio aparecida. Mas, com certeza, estou feliz por você estar crescendo. Continue fazendo coisas de bebês, seja lá quais sejam, enquanto tento me acostumar com a ideia de ser seu pai. — Soltou uma risadinha. — Tenho pouco tempo para isso, mas prometo estar mais preparado quando você nascer.
Acariciou a pele perto do meu umbigo, olhando fixamente.
— Ainda não a senti mexer pela primeira vez, mas sei que isso acontece a partir da 15ª semana, então pode rolar a qualquer momento. Para ouvir a voz do pai mesmo e reagir aos seus estímulos, só daqui umas dez semanas. Porém, acredito que, de alguma forma, ela pode te ouvir e fica feliz com isso, tipo uma planta — tagarelei.
— Você acha que ela vai se parecer mais com quem? — perguntou, ainda sem me olhar.
— Definitivamente com você, os genes dos são fortes — falei e me interrompi antes de soltar que eles são todos a cara de Börje. Afinal, teoricamente, nem o conheci ainda. — Vocês três são um a fuça do outro.
Virou-se para mim, sorrindo um sorriso que iluminou o meu interior.
— Fiquei um pouco ansioso para conhecê-la agora.
— Eu imagino uma garotinha com seu cabelo e de olhos , mas que tem o formato do meu rosto e minha boca.
Pareceu divagar por alguns minutos sobre o que falei.
— É... Posso me contentar com essa imagem dela por agora.
Pousei uma mão em cada lado de sua cabeça e o puxei de volta até meu rosto. Ele parecia emotivo de uma forma que nunca o imaginei em 1988. Sempre tentava se esconder atrás de uma película de indiferença, assim como a primeira vez que nos conhecemos. Me sentia bem em saber agora que era só o jeito dele, que em grande parte era pura timidez. Quem diria que O Tão Poderoso , que só usava couro e cuspia fogo em sessão de fotos, era só um cara tímido no fundo. Por mais que eu fosse muito tímida também, agora, sabia lidar comigo e com ele — o que, definitivamente, não era o caso da primeira vez que cheguei. Aprendi o que fazer para que o desse as caras. Encostei nossos lábios para mostrar que compartilhava do seu sentimento. Apesar de ter passado por outras primeiras vezes que falara com minha barriga, sempre acabava me emocionando junto.
Acariciei seu queixo e seus olhos me fitavam. Senti um sorriso se formando nos meus lábios por estar sendo observada.
— Por que está sorrindo? — perguntou, curioso.
— Você falou com nossa filha pela primeira vez. Como se sente em relação a isso?
— Estou apavorado, para ser sincero. Nunca quis ter uma criança e me pego apreciando a imagem que minha mente criou de uma garotinha com traços meus. É tudo muito novo para mim ainda, então peço que tenha paciência comigo. Ainda preciso assimilar a ideia melhor.
Ele parecia inseguro e eu sentia que seu passado ainda estava o pesando. Queria fazê-lo se abrir comigo mais uma vez.
— Você confia em mim, ? Confia em mim para ser mãe da sua filha? — Afaguei seu cabelo.
Pareceu refletir um pouco, até que respondeu:
— Eu sei que nem te conheço direito — sorriu —, mas é bizarro o quanto sinto que posso confiar em você. Sinto também que, de todas as mulheres que poderia ter acontecido isso, posso ficar aliviado que tenha sido com uma como você. Não me pergunte o motivo, ainda estou tentando descobrir junto com o motivo que você me deixa subindo pelas paredes assim.
Também sorri. Era quase a mesma coisa que me disse em 1990 e desconfiei que fosse por estarmos destinados um ao outro. Ele sempre vai sentir essa confiança e eu dava graças aos céus por isso ou estaria ferrada.
— Que bom que sente isso — murmurei, genuinamente feliz.
Ele apenas deitou a cabeça no meu peito. Derreti pela segunda vez no dia quando começou a desenhar círculos na minha barriga com a ponta dos dedos. Corri os meus dedos pelo seu cabelo e, em algum ponto, acabei pegando no sono.
— ! — alguém gritou, me levando a abrir os olhos, assustada. não estava mais em nenhum lugar visível. Me desesperei um pouco em ter acontecido algo. — ! — Voltaram a gritar, mas, dessa vez, percebi que era a voz de Lilly atrás da porta.
— Espera um pouco — gritei de volta.
Levantei da cama e comecei a procurar meu vestido no meio da bagunça.
O sol estava se pondo, então provavelmente deveria ser quase umas nove horas de acordo com a posição dele no final do verão. Arranquei o vestido laranja do meio da pilha e substituí a camiseta dele. Prendi o cabelo em um coque para disfarçar o amontoado de nós que ficava após acordar e calcei os sapatos. Esperava muito que ele não tivesse me abandonado nesse ambiente asqueroso sem avisar nada. Tentei destrancar a porta, mas obviamente não havia sido trancada depois que ele saiu. Comecei a achar estranho Lilly não ter irrompido sem avisar. Girei a maçaneta e ela me esperava pacientemente. Depois dessa, desisto de entender essa menina.
— Estava dormindo? — perguntou, me analisando. Concordei com a cabeça. — Imaginei, por isso pensei que seria pior se eu abrisse a porta e acabasse te assustando mais ainda.
— Onde está seu irmão? — perguntei, coçando a cabeça e forçando meus olhos a ficarem abertos.
— Os dois saíram com meu pai. Ele me pediu para avisar porque não queria te acordar. Esperei mais de uma hora depois que eles saíram, mas acabei ficando impaciente — explicou.
Bocejei.
— Desculpa, é que ando tendo muito sono — me justifiquei. — Onde encosto, acabo dormindo por horas.
— Não tem problema. Afinal, é a minha sobrinha sugando sua energia para poder crescer. — Ela pegou minha mão e me arrastou até o seu quarto. — Quero que você veja o que comprei.
Me sentei em sua cama, ainda tentando convencer meu cérebro de que estávamos acordados agora. Ela pegou uma sacola de loja que estava dentro do guarda-roupa e a virou em cima da cama, ao meu lado. Não consegui identificar o que era, por isso mostrou um e explicou:
— Maiôs para a hidroginástica.
Ela tinha comprado para mim?
— São para mim? — dei voz aos meus pensamentos.
Assentiu.
— Você parecia desconfortável com o meu — justificou.
Lembrei que não poderia falar que “não precisava”, eles não gostavam.
— Obrigada, Lilly! — sorri. Um era roxo neon, o outro era rosa neon do jeito que sabia que ela gostava.
— De nada — sorriu de lado, orgulhosa. — Queria te convidar para algo também. No domingo, geralmente saímos com o meu pai e a namorada dele, e nesse vamos ao Ängbybadet. Não sei o quanto conhece da cidade, mas é uma praia muito frequentada. E queria que você viesse junto.
Prendi os lábios em uma linha fina. Era a primeira vez que eu era convidada para uma atividade da família deles nessa realidade. Fiquei em dúvida se deveria concordar.
— Não sei, Lilly. Seu pai e a namorada dele não podem achar ruim? Fora que seu irmão também pode não gostar de me ver com a família toda, afinal, não temos nada.
— Karin e meu pai que deram a ideia. O não costuma ir com a gente, então você pode ir como minha amiga. Apesar de que, se ele souber que você vai, com certeza vai aparecer também.
Hesitei.
— Eu vou conversar com ele antes e vamos ver qual vai ser o parecer. Se tiver tudo bem, eu vou.
Bateu palma e deu um pulinho. Lilly estava me acolhendo assim como da outra vez, eu nem estava fazendo esforço para que gostasse de mim e já parecia me considerar mesmo uma amiga.
— Preciso voltar para o hotel — anunciei, me sentindo grudenta pela falta de banho. — Obrigada pelo presente e pelo convite.
Coloquei os dois maiôs de volta na sacola. Uma nostalgia tremenda me invadiu, lembrei de quando ela me convenceu a comprar aquelas roupas de banho reveladoras no Brasil. Fiquei de pé. Ela não insistiu para que eu ficasse, provavelmente, deveria estar com uma nítida cara de cansada. Passei antes no quarto do só para pegar minha bolsa. Quando fui até a rua, ela ficou me observando do batente.
— — chamou. Olhei para trás. — Não se esqueça da aula de hidroginástica amanhã.
Concordei com a cabeça, me despedi e saí.
Nos momentos que estive sozinha, pensei no que poderia escolher para reivindicar como prêmio. Nada que soasse muito desesperado, mas algo que nos ajudasse a ter mais tempo juntos. Precisava me dedicar para armar uma situação perfeita e, para isso, iria contar com a ajuda de Lilly na aula de hidroginástica. Por mais que ela desse bastante com a língua nos dentes, guardou meus sentimentos pelo seu irmão a sete chaves antes e eu contaria com sua compaixão novamente.
Arriscado? Muito.
Muito mesmo.
Esperei-a na entrada do hotel e ela pareceu estranhar me ver parada ali. Não pude conter minha ansiedade, assim como no dia anterior. Estava uma pilha de nervos pela possibilidade de sua reação, ela poderia simplesmente agir da mesma forma de quando cheguei e ir correndo contar para sobre minhas intenções.
Calma, . É a Lilly, você pode confiar nela.
Depois de me cumprimentar, nós fizemos o caminho até o ginásio enquanto ela contava que Florzinha e Docinho passaram a manhã toda emburradas. Como acreditaram naquela encenação barata? Ainda não sabia dizer, mas ficava feliz em ter sido útil uma vez, já que ela sempre esteve pronta para me ajudar com tudo em todas as realidades.
Ao sair da cabine no vestiário, ela assoviou para mim por causa do meu maiô rosa novo. Escolhi a cor de propósito, para deixá-la de bom humor e disposta a me ajudar. Pisquei um olho para ela, que soltou uma risada alta.
Estava tudo funcionando.
Após entrarmos na piscina e alongarmos os músculos, a professora nos passou os exercícios de gestantes.
Era a hora.
Pulávamos, flexionávamos os joelhos e socávamos a água, então virei apenas o rosto para fitá-la.
— Lilly, pode guardar um segredo? — perguntei, torcendo internamente para que a resposta fosse positiva. Ela me olhou com curiosidade, indicando que estava ouvindo. Nada como um segredo para chamar a atenção dessa menina. — Sabe que sou apaixonada pelo seu irmão, certo? — Esperei que assentisse para continuar. — E você disse que ele está “interessado”... — Fiz aspas com os dedos. — Quero muito despertar um sentimento nele e fazer com que me corresponda. Por isso, preciso da sua ajuda.
Ela sorriu, mas não deixei que começasse a falar ainda.
— Ele me deve um desejo, podemos começar pensando em uma forma de cobrá-lo. Uma situação que nos aproxime... — adicionei.
— Estou lisonjeada de uma mulher da sua idade estar me pedindo ajuda com namoro. Eu nunca namorei — disse, e só aí me lembrei que estava pedindo ajuda para uma garota de quase 15 anos —, porém leio muito sobre isso. Vou guardar seu segredo, não se preocupe. Sobre esse desejo, ele pode fazer qualquer coisa que você pedir?
Não estabelecemos limites, então assenti. A professora gritou para mudarmos de exercício, começamos a flexionar as pernas para trás e fazer ondas com as mãos.
— Ele se deu mal — sorriu, perversa. — Tenho uma ideia infalível. Sábado é dia de baile romântico na discoteca e você vai pedir para ele te levar.
Engoli em seco. Essa ideia não parecia infalível.
— Tem certeza de que não estamos correndo o risco de acontecer o contrário? Ele me odiar ao invés de se apaixonar? — perguntei, receosa.
— Claro que não! — falou como se tivesse escutado um absurdo. — Ele só nunca esteve em um lugar desses por ser careta, mas tem um clima ótimo para casais que estão começando. É o que dizem as revistas e elas nunca mentem, .
Mentiam, sim. Só que não iria falar isso, preferia dar o benefício da dúvida ao conselho por necessidade. Precisava fazê-lo se apaixonar por mim e se, para este fim, tivesse que seguir os ensinamentos de uma revista... Podia mandar ver, Lilly.
— Também nunca estive em um antes — admiti. — Não sei como funciona e nem o que usar.
— É um dia especial da programação da discoteca dedicado a só tocar músicas lentas e românticas. Tenho muita curiosidade em participar, mas só maiores de idade podem entrar. — Fez um bico. — Só que, para sua sorte, sei onde estão minhas revistas de ideias de visuais para uma noite de dança. — Olhou para o teto e sua expressão se transformou. Um sorriso enorme apareceu nos seus lábios. — Vou te arrumar para arrasar com o coração do meu irmão. Ai, como é bom dizer isso!
Resolvi não questionar mais para não acabar com o momento dela, apenas me limitei a sorrir. Observando sua alegria em poder ajudar, soube que tomei a decisão certa em recorrer. Todo o nervosismo tinha esvaído para dar lugar à sensação de segurança que a confiança em Lilly me proporcionava. Ela guardaria meu segredo.
Ao voltarmos para o hotel, ela recusou outro convite para subir por conta do dever de casa. Deixamos combinado uma ida ao centro comercial no dia seguinte para comprar roupas para a tal ocasião. Fiquei entusiasmada assim como costumava ser com a Lilly mais velha quando saíamos às compras, por parecer estar vivendo tudo de novo de uma forma diferente.
Passei o resto do dia assistindo bobagens na televisão e dormindo. Perto de meia-noite, o telefone tocou para me arrancar da monotonia.
— E aí, — falei, assim que tirei o fone do gancho.
O ouvi soltando o ar para sorrir.
— Como soube que era eu? — perguntou do outro lado. Não tinha certeza se era só impressão minha, mas a voz dele parecia embolada.
— Imaginei que sua irmã não fosse me ligar tão tarde em um dia de semana, seria mais a sua cara.
— E só nós dois te ligamos?
— Sim, minha família e meus amigos não sabem onde estou desde que fugi — respondi, mascarando a verdade.
— Então vou te ligar mais vezes, só não prometo ligar em horário diferente por estar ocupado com os últimos ajustes do álbum. Está me tomando um tempo que, sinceramente, preferia passar com você.
Sorri, toda pateta, caindo no seu papinho.
— Tudo bem, estou feliz que tenha reservado esse tempo para mim.
Ele ficou um tempo sem falar nada, me levando a desconfiar que a linha tinha ficado muda.
— ? Essa porcaria de tecnologia pré-histó...
— Estou um pouco bêbado — me interrompeu para confessar. Ah, então não era impressão, sua voz estava mesmo arrastada e a culpa era da bebida. — Só um pouquinho.
Suspirei impacientemente.
— Você está brava — adivinhou.
— É claro. Você não sabe beber só um pouquinho, se bebeu, foi para ficar bêbado como um gambá!
Não era tão verdade assim, já o vi beber em outra realidade casualmente. Porém, depois da fala dele no encontro, concluí que seus problemas com álcool nessa idade ainda existiam. Fora que, nesse mesmo dia, ele disse que tinha que parar de se embriagar por conta da paternidade. Não estava só brava, estava decepcionada também.
— Gambá?! Como eu poderia ficar feito um gambá? É no sentido de fedor?
Esquecia que não podia traduzir as expressões brasileiras literalmente, mas não estava com paciência para explicar a origem no momento.
— Isso não é importante — falei, ríspida. — Estamos no meio da semana e você está enchendo o rabo de cachaça. Acha que essa é a atitude ideal de alguém que estava se comprometendo em estar mais preparado para a nossa filha?
— Eu... também fumei um baseado — admitiu, esperando uma bronca.
Só faltava essa. Dizia nas músicas que as drogas não eram para ele, mas nunca comentou que se aventurou com elas antes de tirar essa conclusão. Agora, soltava isso no meu colo.
Suspirei mais uma vez, criando paciência para lidar.
— Por que você me ligou, ?
— Sei que estou errado em ter feito isso e ainda te ligar, mas queria ouvir sua voz e... Espera um pouco. — Abafou o fone. Ainda assim, consegui escutar alguém de longe perguntando com quem estava falando e ele respondendo “não te interessa” em sueco. Deduzi que estava no meio dos amigos, não parecia a voz de ninguém conhecido. — Pronto. Então, me conta o que fez hoje.
Outra pessoa gritou “ está de namorico!”. Comecei a desconfiar se não eram os amigos adolescentes do Andreas presentes. Se bem que homens quando se juntavam com outros...
— Fui para a hidroginástica com sua irmã, assisti TV e dormi. Nada de diferente — respondi, ignorando o comentário. — Você ainda não voltou para casa, né?
— Ahm... não.
Podia me aproveitar da situação para anunciar o que Lilly sugeriu mais cedo, já que ele estava manso demais para negar qualquer coisa. Na verdade, ele não poderia me negar o meu desejo, mas falar agora me economizaria de ouvir a reclamação como seria com ele sóbrio.
— Então... — comecei a falar em um tom sugestivo, enrolando o dedo no fio do telefone. — Eu me decidi quanto ao meu desejo.
— Que desejo? — pareceu confuso.
— Do nosso joguinho.
— Hmmm... aquilo. Ainda não acredito que… — pigarreou — ...agi feito um... inexperiente.
Sorri de lado ao constatar que ele estava escolhendo as palavras com sabedoria para os seus amigos não entenderem. Resolvi que iria pentelhá-lo um pouco.
— Imagina quando eu te deixar me comer, hein? — Mordi o lábio para não rir.
Ele tossiu algumas vezes.
— Você estava falando sobre o que decidiu — tentou mudar de assunto.
Só que eu estava determinada, por isso continuei:
— Depois que se lembrar como é estar dentro de mim, você realmente vai me implorar, não para que eu pare, e, sim, para que te deixe fazer de novo... e de novo... e de novo. Quando estiver exausto, te terei na palma da mão, se é que me entende. — Soltei uma risadinha baixa. — Ah, e na boca também. Pensa na minha língua tão atrevida te lambendo inteirinho enquanto meus olhos estão nos seus — falei, imitando as atendentes das linhas de sexo. — Você já está duro? Estou tão molhada imaginando você aqui comigo, acho que vou... — e comecei a gemer de forma exagerada.
O ouvi abafar o fone de novo.
— Vai, ! — gemi mais alto.
“Fora daqui!”, gritou para os seus amigos curiosos. Tive que parar para explodir em gargalhadas.
— Já conseguiu o que queria? — perguntou, mal-humorado.
— É isso que ganha por me ligar bêbado e chapado. — Me controlei para não rir mais. — Continuando o que eu estava falando... Você vai me levar à discoteca sábado.
Pela demora em responder, pude visualizar sua expressão de nojo como se estivesse de frente para ele.
— Discoteca? — falou devagar demais.
— Sim.
— No dia do baile romântico?
— Como você sabe disso? — Franzi o cenho.
— Tentaram me carregar para lá algumas vezes.
O ciúme dominou meu corpo feito um calafrio.
— Você tem certeza de que quer isso? Tem tantos lugares mais legais para irmos… — falou ao notar minha hesitação.
— Tenho. Lilly vai me arrumar, então você não precisa me buscar. Esteja pronto às oito. Boa noite e sonhe comigo, .
— Não me chame assi…
Desliguei o telefone em sua cara, sem deixar que terminasse a fala.
— Não é exagerado? — comentei, encarando meu reflexo no espelho do quarto de Lilly.
— Óbvio que não! Você nem me deixou fazer o mesmo penteado da outra vez — ela respondeu enquanto juntava os acessórios que usou em cima da escrivaninha.
É, mas eu a deixei me convencer a comprar um power blazer preto com ombreiras, uma calça de vinil vermelho e uma blusa ombro-a-ombro da mesma cor. Fora a maquiagem carregada no meu rosto que concordei com que fizesse. Parecia muito exagerado, ainda mais para alguém do século 21. Toquei minha barriga para conferir pela vigésima vez se o cós alto não a estava apertando, mas um tipo de magia fazia com que a calça conseguisse ser extremamente colada sem apertar. Me sentia a Olivia Newton-John no final de Grease, só que de vermelho e com uma scrunchie no cabelo. Deslizei os dedos pelos fios presos e estavam firmes por conta do laquê.
— ‘Tá. O que vou calçar? — Me virei, ficando de costas para o espelho e desistindo de julgar minha imagem.
Ela deu pulinhos e bateu palminhas animadas, provavelmente por ver que cedi e iria assim mesmo. Foi até o guarda-roupa, tirou duas botas pretas novinhas e me entregou. Calcei as meias e as botas. Analisei meus pés, impressionada mais uma vez por calçarmos o mesmo número, sendo que nós tínhamos trinta centímetros de diferença. Será que ela pensava que eu tinha um pézão para a minha estatura? Bom, não que importe...
Senti uma nuvem de perfume ao meu redor, me arrancando dos meus devaneios. Não era o de baunilha habitual, esse cheirava a ocasiões especiais. Me entregou o batom vermelho e virou meu corpo pelos ombros de frente para o espelho. Fiz o contorno dos meus lábios enquanto ela ajeitava a scrunchie.
Deu alguns passos para trás para admirar o que tomou toda a sua tarde. Seu olhar orgulhoso de mãe-antes-do-primeiro-baile-da-filha me fez sorrir. Sem perceber, acabou me dando a motivação que precisava para seguir com esse plano maluco.
— Ele vai ficar doidinho — sorriu de lado.
Ela guiou o caminho para o corredor. Andreas e assistiam TV na sala, de costas para nós. Börje saiu pela manhã com aquele amigo esquisito, o Sebastian, antes que eu chegasse. Desconfiei até que estava me evitando por nos desencontrarmos todas as vezes.
Não sabia se foi o cheiro forte do perfume ou a risadinha discreta de Lilly que fez Andreas olhar em nossa direção. Ele deixou o queixo cair, dando um tapa na barriga do irmão para chamar sua atenção. olhou para a barriga e depois para o que ele olhava. Seus olhos se arregalaram ao me analisar do pé até a parte do cabelo preso no topo da minha cabeça.
— E então? — Lilly perguntou, balançando a cabeça para eles se levantarem e falarem algo para me incentivar.
Os dois ficaram de pé.
— Nossa... — Andreas começou a dizer. — Com todo respeito, você está bonita. Não parece uma grávida.
— E grávidas têm que ficar feias, seu idiota? — Lilly reclamou, colocando a palma da mão na testa.
— Não, é que a barriga... — Deu outro tapa no abdômen do irmão. — Fala você alguma coisa.
Mordi o lábio em expectativa.
— Acho que você e a Lilly não querem escutar o que tenho para falar — brincou, ainda me secando. Andreas riu baixo.
Sorri, me sentindo mais confiante.
— Bobão — ela resmungou ao meu lado.
— Vamos? — chamou. Lilly me entregou uma bolsinha dourada de lado que havia me emprestado. Passei a alça pelo ombro.
Ele abriu a porta para que eu passasse primeiro e repetiu o ato de cavalheirismo com a porta do passageiro do carro que estava ali na frente. Me sentei e enxerguei detalhes que provavam que o carro era do pai dele. Se posicionou no banco ao lado e girou a chave na ignição, dando partida no motor. Lilly e Andreas nos observaram da entrada da casa. Iluminados pelo farol, vi os lábios dela se movendo em um “divirtam-se!”.
Espero que suas revistas não me decepcionem, Lilly.
Enquanto ele dirigia, apoiei a cabeça no vidro (com cuidado para não estragar o penteado) e fiz minha análise minuciosa. Não sabia qual tinha sido o preço pago pela irmã dele para colocá-lo em uma camisa de botões preta, mas combinada à calça xadrez de flanela, ele estava bem atraente. As cores vermelha e preta da calça me fizeram lembrar da camisa que ele usava por cima das regatas em ‘90. De repente, minha ficha caiu e percebi que estávamos combinando. Aquela pirralha deveria ter escolhido toda a roupa dele, assim como a minha.
— Sinto que estou sendo comido com os olhos — comentou, passando a marcha.
— E você está mesmo — sorri de lado. — Lilly escolheu sua roupa também?
— Ela me prometeu que vai colocar a louça para lavar nos meus dias dessa semana — explicou.
— Bem espertinha.
Ele sorriu e continuou dirigindo em silêncio. Não escondi que o estava observando durante o trajeto, mas não pareceu o afetar. Demoramos uns quinze minutos para chegar ao estacionamento de um estabelecimento com letras neon que piscavam Disco Fever. Super original, hein, Estocolmo?
Deixei com que pagasse pelas entradas, já que ele parecia fazer tanta questão. Nos deparamos com um ambiente abafado e muito, muito lotado. As luzes eram praticamente nulas, a iluminação vinha de lâmpadas coloridas nas paredes em alguns pontos e do palco, que era um pouco iluminado para o DJ enxergar. Podia afirmar, com toda a certeza, que o lugar não era feito para comportar tantas pessoas.
Me perguntei se os casais estavam dançando tão colados para não esbarrar nos que os rodeavam ou se era falta de pudor mesmo. Bem, quem era eu para julgar se fosse a segunda opção? Meu interior ficou em festa por podermos dançar com juntinhos, sem passar uma agulha no meio.
Ele me pegou pela mão e me conduziu até um lugar “livre” — outro casal teve que se apertar para que pudéssemos ocupar o espaço.
Sorri quando reconheci a música que estava começando, Love Bites do Def Leppard.
Senti seu corpo colando ao meu e passei as mãos pelos ombros para abraçar seu pescoço. Suas mãos se posicionaram hesitantes na minha cintura após olhar para as pessoas à nossa volta. Dessa vez, não era novidade só para mim. Nossa dança não exigia muito, que nem a que Börje e Karin quiseram nos ensinar naquele dia, era simplesmente dar pequenos passos enquanto rodávamos em nós mesmos.
— Que música brega — reclamou em um tom que eu pudesse escutar.
Uma frase tão típica dele que quase me fez rolar os olhos.
— Eu gosto, é romântica e dançante — usei o mesmo tom.
— É claro que você gosta — disse com aquela presunção toda.
— Aposto que você vai gostar também, se eu te deixar escorregar as mãos um pouco mais para baixo — sorri sugestivamente.
Seu sorriso ladino fez minhas pernas ameaçarem bambear, mas não me permiti fraquejar. Senti suas mãos deslizando da minha cintura para o local.
— Se divertiu muito com os seus amigos? — perguntei enquanto completávamos um giro sem pisarmos no pé um do outro. Aquilo era um avanço se tratando de nós.
— Antes ou depois de começar a gemer daquele jeito?
— Achei que você gostasse de me ouvir gemendo, — praticamente sussurrei, mas, se não ouviu, ele leu cada palavra enquanto olhava com desejo para os meus lábios.
— Não me chame de — advertiu, ainda sorrindo. — Gosto de te ouvir gemendo quando só eu posso escutar.
— E se eu gemer agora baixinho só para você, vai gostar? — Mordi o lábio inferior.
— Não me provoque, baby.
Comecei a rir por ele parecer prestes a me atacar.
— Você é muito fácil, .
— Não me chame de...
— Blá, blá, blá — interrompi-o. — É só isso que tem para me ofere...
Ele literalmente me calou com um beijo. Uma mão segurou a parte de trás da minha cabeça e a outra apertou minha bunda. Me controlei para não ofegar com a surpresa. Se essa não fosse a segunda música a tocar desde que chegamos, eu o convidaria a me levar de volta para o carro e só sair de lá quando estivéssemos satisfeitos. Vi alguns veículos com janelas embaçadas no estacionamento, não éramos apenas nós que desejávamos tanto um ao outro nesse lugar que era puro cheiro de suor e cigarro, ao som do maior clichê ao se pensar em músicas de rock dos anos 80. Não mesmo, sentia a excitação das outras pessoas correndo pelo meu sangue. Eu o peguei pelo cabelo e o braço, aprofundando o contato. Tinha certeza de que, se estivéssemos sozinhos, ele teria forçado minhas coxas para se prenderem em sua cintura e me prensado contra a parede para continuarmos por mais uns bons minutos. Porém preferiu dar um fim àquilo, selando nossos lábios e encostando a testa na minha.
— Você me deixa louco, garota — murmurou.
Pisquei um olho. Estava atordoada demais para falar, mas precisava manter o meu personagem.
Nós retomamos a dança em silêncio, observando os casais fazerem o mesmo à nossa volta, até que Making Love Out Of Nothing At All do Air Supply começou a tocar. Droga, eu reconhecia mesmo todas as músicas famosas da década?
— Essa até você tem que concordar que é muito cafona — quebrou o silêncio, me levando a fitá-lo.
— Odeio quando você fala isso — comentei, sem perceber que estava me deixando levar pela memória afetiva de todas as vezes que ele falou aquilo.
— O quê?
— O jeito que sua boca mexe ao falar “cafona” é irritante.
— Porque geralmente estou me referindo a você? — me provocou.
Tive vontade de estapeá-lo.
— Só você mesmo para mexer tanto com a cabeça de alguém: beija e tira do sério. É um talento seu, não é? — Tentei soltá-lo, mas ele enlaçou minha cintura com seus braços. — O que está fazendo? Me solta.
— Ei, calma. Era só uma brincadeira. — Franziu o cenho.
Das outras vezes, eu entrei na sua brincadeira, agora estava pronta para sair andando. A memória do outro estava entre nós, mas ele não notou, só eu. Me trouxe nostalgia, mexeu comigo.
O homem de um dos casais ao nosso lado girou a mulher que era seu par, levando todos a repetirem o gesto. Ele pegou minha mão e senti um frio na barriga ao pensar que faria o mesmo. Me fez rodar duas vezes, depois me pegou possessivamente de volta pela cintura para colar sua boca no meu ouvido.
— Vamos recapitular o que aconteceu desde que chegou: descobri que vou ser pai, te empurrei em um balanço no parquinho no nosso primeiro encontro, levei um tombo porque te deixei me convencer a andar de patins, tirei meus pôsteres colecionáveis da parede, gozei feito um virgem enquanto você se esfregava em mim e, no momento, estou no maldito baile romântico te rodopiando.
Um sorriso se formou em meus lábios gradativamente.
— E sabe o que é pior? — perguntou, neguei com a cabeça. — Eu estou gostando de cada segundo.
Tive vontade de comemorar com um soquinho no ar. A maior parte das coisas nem fiz com intenção de conquistá-lo, mas me alegrava tanto saber que meu jeito destrambelhado e impulsivo se encarregou disso mais uma vez.
Me afastei um pouco para olhar seu rosto, então disse:
— Bem-vindo ao meu mundo, .
Ele revirou os olhos, sorrindo.
Depois de dançarmos uma música que não reconheci, Total Eclipse Of The Heart tocou. Ele começou a dublar a Bonnie Tyler, me levando a rir.
— There’s nothing I can do, a total eclipse of the heart — cantou, antes dos efeitos da metade da música.
— Nossa, que romântico. Você até aprendeu as músicas para me agradar? — zombei.
Semicerrou as pálpebras.
— Engraçadinha. A Lilly é viciada nessa música.
Aparentemente, as pessoas presentes também. Um coro acompanhou a letra da música. Nós trocamos um olhar, achando estranho, e rimos até o final.
O discotecário anunciou que a próxima era bem lenta, tremi com a expectativa. Eu estava totalmente imersa na experiência. Os primeiros acordes de I Still Love You do KISS me levaram a sorrir de lado. Sabia do seu desprezo por esse álbum, mas eu tinha minhas desconfianças que era ainda pior por essa música em especial.
— Tinha como piorar — o senhor rabugento resmungou.
Encostei o ouvido em seu peito, me deliciando com o momento. Claro que para alimentar nossa oposição, eu amava a música. Dançar com ele só a deixava melhor. Era mais um dos momentos que queria carregar na memória.
Senti sua mão segurar a minha para me girar. Outras pessoas também rodopiavam ao nosso redor, como antes. Voltei a encostar minha cabeça no peito dele e me perdi em pensamentos. Essa vinha sendo uma aventura que nunca imaginei viver nem um por cento. Valia a pena por um homem? Meu coração batendo tão rápido só por estarmos perto provava que sim, eu passaria por tudo aquilo dez vezes se o meu prêmio fosse poder ficar com ele. Uma voz soprou dentro de mim: será que você não acabará se apaixonando por esse garoto nessa trajetória?
Não.
Se isso acontecesse, seria como trair a outra versão dele. Era a mesma pessoa, mas essa não me conhecia e não tinha vivido uma história comigo.
A música já estava em mais da metade, nem me lembrava de boa parte. Fechei os olhos e deixei com que meus pés agissem por conta própria.
Memórias do seu sorriso nesses diferentes anos passaram feitos flashes: ele cantando e sorrindo para mim em ’90; ele finalmente reagindo à minha presença em 2004 e detalhes da idade marcavam seu rosto ao sorrir; ele fechando os olhos e sorrindo ao admitir que sonhou comigo de pijama em ’97; e ele olhando com felicidade para a sua mão na minha barriga aqui em ‘88.
Percebi que amávamos mesmo alguém ao nos lembrar de ter amado todas as suas versões.
Ele se afastou para me fitar. Ao me analisar, sua expressão se tornou de preocupação. Me forcei a sorrir. Afinal, ele estava ali em carne e osso, eu deveria parar de tolice e desfrutar da sua companhia, certo? Peguei sua mão e o fiz me rodopiar, gerando uma reação em cadeia à nossa volta.
— Você está bem, baby? Quer sair daqui? — perguntou.
Me conhecia há pouco tempo, mas já sabia interpretar meus sinais tão bem...
— Estou. Só... — suspirei, pensando no que pedir — ...me beija de novo.
Ele voltou a se colar em mim, me pegando pela cintura e entre a linha do maxilar e a orelha. Fechei os olhos para esperá-lo. Senti seus lábios roçarem os meus, nossos narizes se encostarem e seus dedos acariciarem a parte exposta da minha pele. Puxei seu lábio inferior com os dentes para mostrar que o queria, porém, ele se desvencilhou. Abri as pálpebras a tempo de ver seu sorriso de lado se formar. Estava armando algo.
— Vou te mostrar como se beijar de um jeito cafona — comentou e me rodopiou bem rápido.
Não tive nem tempo de checar as outras pessoas dessa vez. Quando percebi, estava inclinada na sua frente e sua boca investia contra a minha. Ainda bem que seus braços me seguravam, porque eu não poderia contar com minhas pernas, elas pareciam gelatinas. Meu coração correspondeu marretando ainda mais minha caixa torácica. Minha nossa, eu estava sendo beijada do jeito mais romântico possível! Ouvi as pessoas aplaudirem e assoviarem, como uma plateia ao nosso redor.
Ele me voltou para a vertical e tive que lutar com o equilíbrio. Apesar da pouca luz, notei que suas bochechas estavam coradas pela vergonha de ter chamado tanta atenção. Sorri, abraçando seu tronco, enquanto gracejavam sobre nós. Um sujeito de bigode brotou do nosso lado falando:
— Olá, casalzinho. Eu sou seu discotecário essa noite — sorriu. — Vocês ganharam o direito de escolher uma música por causa desse beijo espontâneo. Olhei para — que ainda estava grudado ao meu corpo — e esperei sua reação. Indicou com a cabeça para que eu escolhesse. Refleti por alguns segundos, precisava ser uma boa escolha.
— Você tem algum disco de banda brasileira? — perguntei por curiosidade.
— Tenho o de ’84 do Roupa Nova.
Levei outros segundos para entender o nome pronunciado. Ele deveria ter conjurado um demônio pelo que saiu. Bem, de qualquer forma, era o álbum que eu gostava.
— Ok. A faixa 7, por favor — pedi.
Assentiu e saiu.
Olhei de volta para o meu homem e ele parecia mortificado pela timidez.
— Não era isso que eu pretendia. — Coçou a nuca.
— Foi incrível. Eu adorei! — Enterrei minha cabeça em seu peito e apertei o abraço. — Obrigada, .
Ele me envolveu com os braços para balançarmos ao som de uma música desconhecida. Todos os pensamentos embaralhados de antes se esvaíram e deram lugar a um sorriso bobo.
Quando Whisky a Go-Go saiu das caixas de som, me afastei em um pulo para olhá-lo com entusiasmo. Ele não entendia a letra e eu queria muito que entendesse, então tentei improvisar uma tradução simultânea para o inglês:
— “Na minha fantasia, o mundo era você e eu. Eu perguntava: Do you wanna dance?” — Envolvi seu tronco, apoiei o queixo para olhá-lo e continuei: — “E te abraçava, do you wanna dance?” — Balancei nossos corpos. — “Lembrar você, um sonho a mais não faz mal”.
Sorriu com a minha palhaçada. Um pouco da música passou enquanto nos encarávamos.
— “Quase no fim da festa num beijo, então, você se rendeu” — traduzi, arqueando uma sobrancelha de modo sugestivo.
Seus olhos brilharam mesmo no escuro. Abaixou para selar nossos lábios. E, realmente, como a música: na minha fantasia, o mundo tinha virado nós dois. Subi em suas botas e fiquei na ponta dos pés para alcançar seu pescoço. Distribuí beijos por sua extensão enquanto outra música tocava. A pele dele emanava um cheirinho gostoso de sabonete. Suguei um pedaço, deixando uma marca vermelha que deveria arder. Embrenhei meus dedos no seu cabelo e puxei os fios para se expor mais, fazendo-o arfar.
De repente, esbarraram em suas costas e fui lançada para trás. Se não tivesse me segurado pelos braços, teria me desequilibrado e caído no casal que dançava atrás de mim. Meio atordoada por ter sido arrancada do pescoço dele com brutalidade, murmurei:
— Vamos sair daqui.
Ele concordou com a cabeça e me puxou em direção à saída.
Nós corremos até o carro. Não entendi o motivo da pressa até que fui prensada contra a porta fria e praticamente atacada. Abri minha boca para questioná-lo, ele aproveitou a oportunidade para enfiar a língua dentro. Estava cego pelo desejo. Suas mãos passaram por todos os lugares, acordando pontos do meu corpo.
Puxei seu cabelo para podermos respirar ou morreríamos sem oxigênio.
— Calma! — exclamei com o pouco de ar que me restava.
— Eu quero você, — admitiu, ofegante. — Quero muito.
As borboletas no meu estômago ganharam vida.
— Agora não, baby. — Pousei a mão em cima da dele no meu maxilar e a tirei. — Vem, vamos comer.
Escapei do seu toque e fui para o lado do carona. Ele suspirou com o olhar fixo no teto do carro, era notório que enfrentava uma luta interna para acalmar os ânimos. Alguns segundos depois, destrancou a porta, entrou e puxou o pino para destravar a minha.
Encontramos um McDonald’s por perto. A retirada era o único método possível devido ao horário avançado, então nós comemos em silêncio no estacionamento. A vontade de rir descontroladamente pairava sobre minha cabeça, feito as nuvens de tempestade dos desenhos animados, querendo que eu quebrasse o silêncio. Enfiei a metade restante do sanduíche na boca para espantá-la, eu o vi me encarar em choque e acabei deixando a risada sair. Me engasguei, mas não conseguia parar de rir da sua expressão.
— Porra, para que você foi fazer isso? — perguntou, levantando meus braços e dando tapinhas leves nas minhas costas.
Engoli o bloco de cimento que tinha se formado na minha garganta.
— Acho que está saindo até pelo meu nariz — comentei. Prendeu os lábios para não sorrir.
Depois de me ver recuperar o ar por completo, ele voltou para o seu lugar e começou a comer de novo.
— Está pensando no quanto sou estranha? — tentei adivinhar, pegando o copo e pescando o canudo com os dentes.
— Não, estou apenas tentando entender o que passou na sua cabeça para enfiar um sanduíche todo na boca. — Limpou a mão no guardanapo.
— Ah, você não entenderia... — Bebi o refrigerante, me sentindo misteriosa. Na verdade, eu sabia que era muito destrambelhada e ele deveria estar pensando o mesmo.
— Terminou? — perguntou, recolhendo o lixo. Assenti e entreguei meu saco. Em seguida, abriu a porta e saiu em busca da lixeira mais próxima.
Observei os carros estacionados, concluindo que este era um dos estacionamentos usados pelos jovens para se pegarem (em todos os sentidos possíveis da palavra). Se queria trepar ou sair no soco parecia o lugar perfeito. Lembrei dos meus pais mencionando o quanto isso era normal na época deles, mas não esperei que os suecos aderissem por serem tão fechados. Uma mão espalmou e deslizou pela janela do carro ao lado. Mordi o lábio inferior, querendo provar da diversão também.
Fui para o banco de trás. Ele passou pela janela sem notar que eu o observava. Com a porta do motorista aberta, seus olhos escanearam o interior do veículo à minha procura e sua sobrancelha esquerda arqueou ao me encontrar. Bati com a palma da mão no estofado ao meu lado para convidá-lo. Um sorriso cheio de segundas intenções emoldurou seus lábios. Em seguida, fechou a porta e abriu a de trás.
— Posso saber o que a senhorita faz aqui? — perguntou enquanto se sentava e fechava a porta.
— Não é óbvio? — perguntei, me deitando e o puxando junto pela camisa. — Quero conversar com você assim como os outros estão conversando por aqui. Sorriu.
— Você vai realmente terminar de me enlouquecer? — perguntou, entre minhas pernas e com a boca deliciosamente roçando a minha.
— É esse o meu intuito, . — Afastei-o para começar a desabotoar a camisa dele. — Sabe... Você deveria deixar a sua irmã te vestir mais vezes. Te acho muito mais gostoso sem aquelas roupas de couro ridículas.
A camisa se abriu ao tirar o último botão da casa, foi um colírio para os meus olhos ver o abdômen dele exposto. Ele notou.
— Você tem certeza de que quer me ver vestido? Porque, depois desse olhar, ficou parecendo que quer me ver pelado. — Arqueou uma sobrancelha.
— Bem convencido você, não é? — perguntei, deslizando meu indicador pela sua pele desnuda e fazendo-a arrepiar. Parei no limite da calça para puxá-lo pelo cós e aproximá-lo novamente.
Ele apoiou as mãos no assento ao lado da minha cabeça. Mirei as íris , vi ali dentro que, se dependesse dele, iria até o fim no banco de trás mesmo. Minhas coxas envolveram sua cintura com firmeza, um convite silencioso para prosseguir.
Ah, qual é! Eu também não era de ferro. Queria ver onde isso iria dar.
Suas mãos escancararam o blazer, arrancaram a blusa de dentro da calça para subi-la até exibir meus seios. Se abaixou até alcançar um dos bicos, rodeando-o com a língua por cima do tecido fino do sutiã. Revirei os olhos, sentindo a excitação crescer muito rápido. Ele não estava disposto a perder tempo, era possível perceber só pelo seu toque. Espalhou beijos ao longo do colo, pescoço e atrás da orelha. Logo depois, a boca capturou a minha de maneira lenta e sensual. Funcionou como uma distração, para que não sentisse sua mão boba se enfiar na minha calça.
Parei de beijá-lo, perguntando:
— O que está fazen... — Sua boca me calou de novo. Quando senti seu toque em cima do tecido da minha roupa íntima, quase parei o beijo novamente, mas sua boca investia contra a minha com fervor.
Ele afastou o tecido e tocou no ponto mais sensível do meu corpo no momento. Seus dedos começaram a massageá-lo. Gemi, movendo os quadris no mesmo ritmo. Eu estava tão necessitada que o deixei me carregar até a beira do abismo. Então, tirou a mão repentinamente. Rosnei com a indignação que subiu pelo meu interior. Começou a sugar a pele do meu pescoço enquanto tentava com insistência abaixar minha calça.
Ficou bem na cara o que pretendia.
— — chamei-o.
— Hm? — murmurou, sem deixar de se concentrar no meu pescoço.
— Não vamos fazer isso em um estacionamento.
— Baby, do jeito que estou aqui, eu prometo que não vai demorar o bastante para que alguém note. Fora que está todo mundo fazendo o mesmo — justificou.
— Não, não é por esse motivo. Eu quero ir devagar, do jeito certo dessa vez.
Desenterrou a cabeça da minha pele e olhou nos meus olhos.
— O que você quer dizer? — perguntou com a voz grossa.
— Que vamos guardar isso para depois. — Afaguei seu cabelo.
Suspirou e fechou os olhos.
— Mas já fizemos isso, você não engravidou de uns simples beijos.
— Sim, você está correto. Só que agora tudo é diferente, não é? Estamos nos conhecendo do jeito certo — falei, pacientemente. Ele hesitou, mas acabou concordando com a cabeça e abrindo os olhos. — Ainda podemos nos divertir, se quiser.
Ele sorriu. Segundos depois, começou a me beijar de novo, com mais calma dessa vez. Só que o terrível monstro dos hormônios já havia despertado. Meu interior ardia em expectativa, então eu mesma intensifiquei o contato. Passeei minhas mãos pelas suas costas, tirei sua camisa pelos braços e a joguei nos bancos da frente. Apalpei seus glúteos e o fiz apertar sua rigidez em mim. Oh, céus... Realmente seria rápido. Ele parou de me beijar para soltar uma risadinha baixa quando gemi ao senti-lo. Olhei-o de cara feia, iria mesmo estragar tudo com aquele esnobismo todo? Pegou meus joelhos flexionados em cada lado do seu corpo e fez de novo.
— Puta merda... — xinguei em português.
Os lábios dele exigiram que os meus voltassem a corresponder ao beijo. Seus quadris se chocavam contra mim em um ritmo lento, praticamente me fodendo por cima das roupas e fazendo o carro movimentar. Pensei em jogar tudo que falei para o alto e me livrar de todo o tecido que nos separava, mas demoraria demais. Seus lábios descolaram dos meus, os dentes deixaram uma mordida na pele debaixo do meu lóbulo. Soltei outro gemido com a ardência que parecia ter ecoado diretamente no meio das minhas pernas — onde ele continuava a investir com força. Sentia que, surpreendentemente, estava próxima do orgasmo só com aquilo. Eu não estava necessitada como achava, estava desesperada.
— Para — pedi, me sentindo humilhada demais pelo meu próprio corpo.
— Você quer mesmo que eu pare? — perguntou, contra meu pescoço, para ter certeza. Neguei, incapaz de mentir com tanto acontecendo dentro de mim. Ele começou a beijar e deixar marcas no meu colo. — Parece que tenho o mesmo efeito em você.
Travei o maxilar, sentindo beirar o topo do precipício de novo e em menos de dez minutos. Agarrou minha cintura com as duas mãos e começou a chocar nossos corpos com mais rapidez.
— Vamos, baby... — Ele soltou uma risadinha sacana. — Diz o que você sabe que quero escutar.
Ergui os quadris para senti-lo melhor, meu interior explodiu em êxtase. Apertei as pálpebras e franzi o cenho.
— , você-é-um-filho-da-puta... — gemi tudo enrolado enquanto meu corpo convulsionava sob o dele.
Me perdi em um vazio, escuro e frio. Meu interior gritou enquanto minha mente silenciou. Senti-o depositar um último beijo nos meus lábios, que me trouxe de volta para a realidade de uma vez só. Alguns tremores ainda percorriam pelo meu corpo por causa de sua proximidade. Meio zonza, abri os olhos para fitá-lo. Ele usava o meu sorriso orgulhoso das outras vezes.
— Eu te odeio — resmunguei, voltando a fechar os olhos.
— É a primeira vez que uma mulher me chama de filho da puta gemendo — riu.
Entreguei absolutamente tudo de bandeja para ele: a faca, o queijo, a porra toda. Teria que conviver com aquele ego gigante.
— E você gostou, não é? — perguntei, mal-humorada.
— Para caralho — respondeu, radiante.
Resmunguei, escondendo o rosto no estofado. Até que demorou para que descobrisse que tinha o mesmo efeito em mim. Pensei que tinha dado mais na cara quando me esfreguei nele e quase me deixei levar. Ele enterrou o nariz no meu pescoço.
— Vou te levar para casa — sussurrou.
Me veio a lembrança que havia sido convidada para sair com a família dele no dia seguinte e ainda nem conversamos sobre o assunto. Afastei meu rosto do estofado para fitar o teto, já que ele estava do outro lado do meu pescoço.
— ? — chamei-o de novo.
— Sim? — respondeu, abafado pela minha pele.
— Sua irmã me chamou para sair com ela amanhã, disse que seu pai e a namorada dele que deram a ideia. Você se incomoda? — Senti minhas mãos ficarem frias pela expectativa. Conhecer a família dele era um grande passo.
Levantou a cabeça e me analisou. Notei que sua testa estava franzida, não era um bom sinal.
— Ninguém me avisou nada — comentou.
— Eu pedi para falar com você antes — expliquei, torcendo para que sua irritação fosse fruto da minha imaginação.
Suspirou.
— Posso ir também? Quero que seja eu a te apresentar para o meu pai.
— Claro! — me animei subitamente. — É a sua família.
— Está bem — sorriu, parecia tão animado com a ideia quanto eu.
Ele saiu de cima de mim, foi para o banco do motorista para que pudesse vestir a camisa de novo. Nunca pensei que ele fizesse tanta questão de me apresentar para o Börje, mas percebi que não teve a chance em ‘90. O pai dele foi a primeira pessoa a me ver do lado de fora da loja de discos e, depois de me colocar para dentro, me emprestar as roupas do filho, eu finalmente conheci o . Nós estávamos mesmo fazendo tudo do jeito certo daquela vez, com exceção do bebê que crescia na minha barriga.
Passei para o banco da frente. Era boa a sensação de ter um relacionamento normal para variar. Ele dirigia ao som da mesma fita com músicas do KISS. Pousei a mão em sua coxa e acariciei o tecido com o dedão. Voltei minha atenção para a janela, sem observar sua reação.
Ele estacionou em frente à sua casa; no hotel, não havia estacionamento externo perto, então nós fomos andando. Sua mão tocou a minha e deixei com que a segurasse.
Ouvi uma risada discreta, me virei para ver do que se tratava. Ele encarava o céu.
— Por que está rindo? — perguntei, estranhando.
— A última música que tocou agora no carro — disse, esperando que aquilo me despertasse alguma memória.
Ainda não sabia reconhecer todas as músicas do KISS assim a ponto de entender todas as referências.
Ele percebeu e começou a cantar baixinho:
— “Well, she walked up to me and she asked me if I wanted to dance. She looked kind of nice and so I said I might take a chance. When we danced she held me tight, and when I walked her home that night all the stars were shinin’ bright”** (Bem, ela veio até mim e me perguntou se eu queria dançar. Ela parecia até que legal e então eu disse que poderia arriscar. Quando nós dançamos, ela me abraçou forte. E quando eu a acompanhei até em casa naquela noite, todas as estrelas estavam brilhando).
Ele apontou para o céu. Conferi, lá estavam as estrelas brilhando. Eu me lembrava dessa música. Puxei-o pela mão e fiz com que se inclinasse.
— And then she kissed me (E então, ela me beijou) — murmurei a continuação contra a sua boca e plantei um selinho ali. — Sua vida está se tornando um maldito clichê, .
Ele revirou os olhos e me puxou pela mão para continuar andando.
— Não me incomodo com o clichê, me incomodo com você se referindo a mim como . É só um stage name idiota e você é a mãe da minha filha, não deveria me chamar assim — retrucou sem me olhar. Seu tom não parecia irritado. Porém, achei um pouco incômodo ouvir aquilo.
Resolvi não verbalizar por não querer estragar o momento, mas tinha planos de questioná-lo assim que entrássemos. Quando chegamos à porta, peguei a chave de dentro da bolsa e a destranquei. Ficou parado, esperando que me despedisse dele como da outra vez, mas puxei-o para dentro. Não ia conversar no corredor e incomodar os outros hóspedes. Deixei a bolsa e o blazer em cima da cômoda enquanto ele se sentava na cama.
— Você pretende me apresentar ao seu pai amanhã como “a mãe da minha filha”? — Fiz as aspas com os dedos. Ele virou o pescoço para me encarar. Andei até sua frente.
Permaneceu calado, não sabia aonde eu queria chegar.
— É isso que sou para você? — indaguei, cruzando os braços. — Só quero entender onde estamos agora no nosso relacionamento — expliquei para mostrar que não estava brava.
Prendeu os lábios em uma linha fina, parecendo pensar. Esperei uma resposta por, mais ou menos, um minuto.
— Ainda não entendi o que quer dizer — respondeu, por fim.
Agora foi a minha vez de revirar os olhos. Eu que não iria ficar ali desenhando para ele. Fui até a cômoda, tirando meu pijama de lá.
— Então pensa aí enquanto tomo banho — falei. Em seguida, me tranquei no banheiro.
Só queria saber se ele continuava me vendo como a hospedeira do seu espermatozoide ou se nós havíamos evoluído pelo menos um pouco. Talvez fosse a pressa para ir embora, mas não sentia isso dentro de mim no momento. Estava aproveitando a nossa noite. Por isso, queria estender essa sensação. Queria mais dele. Suspirei e esfreguei com mais raiva o shampoo no laquê do meu cabelo. Eu queria mais desse garoto... Só podia estar perdendo a razão mesmo.
Vesti meu pijama e sequei meu cabelo com o secador do hotel. Dei bastante tempo de vantagem para ele. Saí do banheiro, nem sinal do bonitinho. O rádio estava ligado e tocava alguma música que deveria ser do Metallica. Quando eu me tornei tão musical assim? Viver com um músico tinha suas consequências, afinal. Aquele tempo que ele ficou sem falar comigo, aprendi a prestar bastante atenção no seu gosto musical. Muito KISS (zero surpresas), The Beatles, Motörhead, mas também muitas outras bandas de metal também, contrariando o que ele dizia nas entrevistas. Inclusive Metallica, que disse estar enjoado de tanto ouvir na rádio. era um personagem hipócrita e sem noção, criado para afastar as pessoas do verdadeiro . E, por mais que negasse se ouvisse, ele andava brincando muito de por ali.
Estava tentando disfarçar o quanto estava brava. Deitada na cama e acariciando minha barriga por cima da blusa de pijama, deixei a música rolar para alimentar minha raiva.
Ele simplesmente foi embora? E por que eu ainda esperava algo?
A porta abriu. Ele entrou, trazendo o cheiro da nicotina junto. Não precisei nem perguntar onde estava. Encostou as costas na madeira.
— Você quer que eu te apresente ao meu pai como minha namorada? — perguntou.
Precisei pensar um pouco na pergunta e assimilar com a sua presença. Na minha cabeça, ele tinha simplesmente ido embora.
— Quero saber se vai me apresentar como apenas a mãe da criança, como se não tivesse nada rolando entre nós dois.
Soltou o ar e fechou os olhos.
— Eu não sei fazer isso — confessou.
Arqueei uma sobrancelha.
— Fazer o quê?
— Namorar — disse, ainda de olhos fechados.
Comecei a rir. Ele tinha 22 anos e um histórico de namoradas, ainda queria mandar essa? Me perguntei onde estava a Natalia agora, já que os dois não estavam no meio do amado vai-e-volta deles. Eu que deveria estar apavorada e não estava.
— É claro que você sabe namorar, . Você já teve namoradas antes — lembrei-o, como se estivesse falando com um garotinho. Se ele me perguntasse como sabia disso, me fingiria de desentendida.
Abriu os olhos.
— Mas já faz um tempo que não tenho uma. Acho que estou enferrujado.
Soltei outra risada, mas dessa vez foi escandalosa. Ele disse que estava enferrujado. O mesmo cara que convivi esse tempo todo e escutei aventuras com mulheres. Não consegui me controlar, senti seu olhar me fuzilar.
— Desculpa — tentei me recuperar —, mas você também não é o Homem de Lata para ficar enferrujado.
— Que engraçado, estou morrendo de rir — resmungou de cara feia.
Bom, se ele não sabia apreciar uma boa piada, o problema era dele.
Tirei o lençol da cama para me cobrir.
— Se quiser continuar aí sendo ranzinza, fique à vontade. Vou dormir porque amanhã o dia promete. Serei apresentada como amiga da Lilly, já que você tem uma facilidade para atraí-las, não deve ser grande coisa. Não precisa se preocupar — alfinetei, ajeitando o travesseiro.
Eu o ouvi percorrer a distância a passos apressados e se ajoelhar no chão ao meu lado.
— O que diabos você está fazendo agora? — perguntei, desistindo do travesseiro e olhando para ele.
— , quer ser minha namorada?
Seus olhos brilhavam na minha direção, como duas pedras preciosas. Meu cérebro derreteu. Não achei que ele fosse fazer um pedido, só que falasse casualmente que éramos namorados, foi assim que fiz em ‘97. Nunca fui pedida em namoro antes, então as borboletas estavam se debatendo no meu estômago, ansiosas para que desse minha resposta.
Anuí, assustada. Ele também estava assustado, mas soltou o ar e parecia aliviado. A insegurança deu as caras para dizer que ele só fez isso porque o pressionei. Espantei-a. Ela não estragaria o momento. Ia puxá-lo para podermos nos beijar, mas algo aconteceu na minha barriga. Eu congelei no lugar. Alguns segundos depois, de novo.
— A Emma está... — falei, arrancando o lençol para segurar minha barriga — se mexendo! Ela está se mexendo!
Ele se aproximou e pousou a mão também. Ela se movimentou mais uma vez, me sobressaltei pela sensação.
— Acho que ela mexeu de novo — comentei.
Esperei para ver se aconteceria outra vez, porém acho que foi o suficiente por hoje. Olhei-o.
— Ainda não consigo sentir, mas quero que ela saiba que estou aqui para quando quiser se comunicar comigo — justificou-se.
Sorri, sem conseguir conter minha alegria.
— É a primeira que a sinto fazer isso. Ela deve te aprovar como meu namorado — brinquei.
— Ah, com certeza. Deve ter algo a ver com o fato de eu ser o pai dela. — Levantou-se.
Descalçou as botas, tirou a camisa pela cabeça e deixou tudo no chão para vir se deitar ao meu lado. Enfiou-se debaixo do lençol e me cobriu junto.
— Já posso te pedir para morar comigo? — perguntou. Pensei que ele estava brincando, mas aguardava uma resposta.
— Não — respondi, franzindo o cenho. — Do jeito certo, lembra?
— Acho injusto você ficar pagando por um hotel, sendo que eu moro aqui do lado.
Realmente era. Se meu dinheiro acabasse antes que ele se apaixonasse por mim, eu concordaria. Até o momento, não era um problema.
— Agora não, baby. Um passo de cada vez, ainda nem conheço o seu pai — falei, me ajeitando para ficar de frente para ele.
— Mas já conhece a Lilly e o Dre. Eles gostam de você. É até perigoso a Lilly querer que vocês dividam o quarto.
Acariciei o cabelo dele. Eu sabia bem que os irmãos dele gostavam de mim, eles sempre foram incríveis comigo. Não estávamos no mesmo nível do que em ‘91, Andreas talvez ainda não me defendesse como um cão-de-guarda e Lilly poderia não tomar meu partido, mas sabia que um dia fariam.
— , você tem que pensar melhor nisso. Não é uma decisão que se toma assim de forma impulsiva. — Bocejei. — Vamos dormir? Hoje foi um dia cansativo, tenho que recuperar minhas energias.
Sentia falta das mãos do de ‘97 massageando meus pés e me tocando nos pontos certos. Balancei a cabeça para espantar o monstro insaciável.
— Boa noite, namorada. — Beijou a ponta do meu nariz.
Senti falta desse gesto também.
— Boa noite, .
Ele me lançou um olhar atravessado. Me virei para puxar a corda do abajur, rindo silenciosamente da indignação dele. Ele poderia estar se divertindo brincando de ser o personagem e, por mais que me irritasse, eu estava me divertindo muito às suas custas.
— Boa noite, meu amor — falei para o escuro, porém, foi como se eu pudesse ver nitidamente seu sorriso tímido brotar aos poucos.
Senti beijos sendo distribuídos pela extensão do meu rosto. Meu cérebro parecia confuso depois de sonhar com o inverno de 1991.
— Acorda, dorminhoca. — Ouvi a voz de de longe.
Dorminhoca. Eu estava em 1997? Abri os olhos, esperando encontrar de cabelo na cintura. Porém, sua versão mais nova me observava com um sorriso. Ainda era 1988... Então, por que minha cabeça doía como se tivesse viajado no tempo?
Segurei minha testa.
— Nossa, parece que levei uma pancada na cabeça — comentei.
Era uma das consequências de viajar tanto no tempo dando um “olá”. O cérebro confundia a realidade que se encontrava, já que a mudança vinha sendo tão brusca.
— Quer um remédio? — ofereceu.
Neguei. Não sabia quais remédios poderia tomar, não perguntei informações básicas assim. Eu só teria que ter um pouco de paciência comigo mesma. Observei o teto branco enquanto a dor começava a retroceder. Sem a adrenalina de estar em outro ano e em um lugar totalmente aleatório, aquela dor castigava mais. Pensei que seria bom confirmar se estava, de fato, em ‘88 ainda.
— ? — chamei-o. Ele apareceu no meu campo de visão e seu cabelo fez cócegas no meu rosto. — Na ordem dos seus álbuns, qual é o número desse que você vai lançar agora?
— O quarto? — respondeu, sem certeza se era isso mesmo que eu estava perguntando. Seu cenho estava bem franzido. Foi uma pergunta inusitada para alguém que acabou de acordou. — Por quê?
— Nada, é só que sonhei que você me mostrava uma prévia — inventei.
Não dava para perguntar o ano assim do nada, ele acharia que bati mesmo minha cabeça.
— Posso te mostrar — sorriu. — Às vezes esqueço que você é fã da minha banda.
Sorri minimamente. Não era a primeira vez que escutava aquilo.
A dor de cabeça vinha se reduzindo a um mero incômodo no centro do crânio, por isso me sentei no colchão.
— Fui em casa para tomar banho e trocar de roupa. Combinei com meu pai de nos encontrarmos no Ängbybadet — explicou, mexendo no frigobar. — Mas, se você quiser ficar aqui por causa da dor de cabeça, eles não vão se importar.
Ele pegou a garrafa de água, encheu o copo que estava em cima da geladeira e me entregou. Não sei como adivinhou que eu estava com sede, mas bebi sem questionar. Estava pensando no que ele disse antes, sobre se esquecer que eu era sua fã. Nunca pensei a fundo nisso.
— Você já ficou com fãs, certo? — perguntei, depois me escondi atrás da borda do copo.
Franziu o cenho, estranhando minha pergunta repentina.
— Já — respondeu com cautela enquanto guardava a garrafa.
— Por que você disse que se esquece que sou uma delas? — Pousei o copo nas minhas coxas cobertas pelo lençol.
— Não sei — riu, meio nervoso. — Talvez seja pelo mesmo motivo que não gosto de ser chamado de por você. É só um personagem criado para fins midiáticos e eu separo bem minha carreira musical da minha vida pessoal. — Endireitou a postura. — Qual o motivo disso de repente, ?
— Então quando sai com uma fã, você não pede para que ela te chame de ? — fiz minha pergunta, ignorando a sua.
Por que eu estava perguntando essas coisas? Estava querendo provocar um ataque de ciúmes em mim mesma?
— Às vezes, depende muito se estou bêbado o suficiente para não ligar caso ela me chame de Anders — brincou.
Não consegui rir. Estava ocupada demais com algo que nem eu mesma entendi. Sentou-se no colchão, ao lado das minhas pernas, me analisando. Olhei para o lado, tentando disfarçar minha cara fechada.
— Por que está perguntando tudo isso? — insistiu.
— Nada. — Cruzei os braços. — É que eu sou só mais uma delas no fim das contas.
Sua mão pousou no meu joelho, me levando a olhá-lo.
— Você é minha namorada — declarou, sério. — Eu sequer pensei em namorar uma fã. Nem esqueci de me prevenir antes e... Bem, olha só no que deu — arriscou uma brincadeira.
Lembrei das mulheres falando quase o mesmo no banheiro, em ‘97, e meu estômago revirou. Fiz uma careta, totalmente insatisfeita com a resposta. Tanto para responder e ele escolhia logo as palavras que me lembravam que eu não era boa o suficiente?
Levantei e passei por ele.
— Vou me arrumar.
Bati a porta do banheiro. Em momentos como este era que me sentia só mais uma fã que tirou a sorte grande de poder entrar na vida dele e esse sentimento era desolador de certa forma.
Suspirei.
Pensando na nossa história até aqui, não dava para negar que minha cabeça alimentava a fé que éramos feitos um para o outro. Era isso que dizia aquele site, certo? Era por esse motivo que eu estava aqui, viajando no tempo para ficar com ele. Por que, então, eu não conseguia me ver como a pessoa que ele escolhia todas as vezes para ficar ao seu lado?
Escovei os dentes. Penteei e prendi o cabelo. Passei protetor solar de rosto que trouxe comigo — de validade e fabricação raspadas, caso um curioso o pegasse. Quando não tinha mais nada que pudesse fazer no banheiro, me forcei a sair.
Esperava que o assunto não voltasse, não queria falar mais sobre isso ou até poderia começar a chorar. Peguei o maiô roxo da cômoda e troquei atrás da porta aberta do banheiro. Aproveitei para pegar um short de malha branco e calçar meus chinelos. Guardei uma camiseta na bolsa e roupa íntima, para caso precisasse. Ele me acompanhava zanzar para lá e para cá com o olhar, parecia ainda estar confuso pela conversa. Me amaldiçoei mentalmente por deixar com que minhas emoções saíssem pela boca.
— Você está brava — concluiu. Eu estava de costas pegando uma banana no frigobar, então virei de volta para fitá-lo. Não consegui decifrar aonde queria chegar, se sabia que raios estava passando pela minha cabeça maluca, quando nem eu fazia ideia, ou outra coisa. — Eu não me arrependo. Sei que, pelo que falei, ficou parecendo que foi um arrependimento ter feito o que fizemos, mas, por mais que eu não me lembre e você nunca tenha contado, não me arrependo. Nunca me arrependeria do que te trouxe até mim.
Ah, puta que pariu!
Sorri meu maior sorriso.
— Nunca se arrependeria? — perguntei, deixando a banana e o short de lado para montar em seu colo.
Foi a vez de ele sorrir. Nós estávamos tão perto que eu podia contar as pintinhas da sua íris e perceber com perfeição a forma que a sua boca chamava a minha.
— Sim, você é um furacão que revira tudo por onde passa. — Suas mãos pegaram minha cintura e me trouxeram para mais perto. — E eu gosto de ser revirado por você.
— Você não é uma vítima minha, posso te garantir que estamos mais de igual para igual nesse quesito.
Se ele soubesse do jeito que revirou minha vida...
Afastei sua franja para ter uma visão ainda melhor dos seus olhos, que me miravam sem piscar.
— Me conta como foi a nossa primeira vez juntos — mudou de assunto subitamente.
Quase desmanchei o sorriso com aquela pergunta por ter me pegado desprevenida, mas precisei sustentá-lo para manter a mentira. Fiz rápido um aparato de tudo que aconteceu aquele ano na minha memória. Sabia que ele andava distribuindo autógrafos por Estocolmo, assim como quando nos conhecemos. Então, optei por contar uma versão resumida da nossa história:
— Eu fui te ver em um desses encontros com os fãs. Fiquei na espreita o tempo todo e acho que você se sentiu um pouco observado por mim. Quando todos foram embora, você veio até mim e me chamou para sair. Eu usava roupas maiores que o meu tamanho e parecia te divertir. — Pulei para o dia que dormimos juntos pela primeira vez. — Nós saímos, conversamos, bebemos... Eu acabei te atacando no elevador de um hotel... — Minha mente voou para o dia em questão. — Frisei bem que seria apenas uma noite antes de tudo. Só que tudo entre a gente foi intenso, mágico, como se fosse para acontecer. Você me fez sentir especial e continua fazendo.
Ele me assistia como se imaginasse tudo. Depositei um beijo em seus lábios para trazê-lo de volta.
— Eu realmente deveria ir menos bêbado para esses encontros — concluiu. Quase suspirei pelo alívio da história ter colado.
— Você deveria beber menos e ponto — censurei-o.
— Essa é uma conversa que podemos ter depois. Agora, acho que sei o que se passou na minha cabeça quando devo ter te visto me observando.
— O quê? — sorri, já pensando no que viria.
— Será que uma garota dessas está mesmo me olhando ou estou só no meio do caminho?
Gargalhei, jogando a cabeça para trás. Imaginei me observando de relance e pensando se eu estava interessada em observar o som atrás dele ou nele.
— Estou falando sério.
Me recuperei um pouco da gargalhada.
— É claro que eu estava te olhando! Fui lá só para te ver.
— Ainda não estou convencido — garantiu. — Na verdade, estou indignado, a garota mais bonita do mundo inteiro e eu não me lembro como foi vê-la pela primeira vez — fez um bico.
Na verdade, você se lembrava. Você me olhou como se fosse um pedaço de carne e depois com medo. A memória ainda doía em mim sempre que a revivia.
Dispersei os pensamentos para baixo do tapete da consciência.
— Achei que preferia mulheres com pernas do meu tamanho — brinquei.
— Foi o que você jogou na minha cara aquele dia, não é? — riu. — Te prefiro, namorada, mesmo que eu tenha que me abaixar para te beijar — brincou.
— Então é pela praticidade? — perguntei, sorrindo. — É por isso que as prefere?
— Não sei, . Não faça perguntas difíceis enquanto está só de roupa de banho no meu colo — pediu em tom de súplica. — Não tem sangue o suficiente no meu cérebro para pensar direito.
Comecei a rir.
— Parece que está na puberda... — fui interrompida pela sua boca na minha. Quando dei por mim, ele já estava deitado na cama comigo por cima. Eu atacava o seu pescoço.
— Baby... — ele soprou, mas ignorei. — ...
— ... — gemi, depois de esfregar acidentalmente nossas virilhas.
— Estão nos esperando no Ängbybadet — lembrou.
Me afastei do seu pescoço para fitá-lo. Minha nossa, a família dele! Eu esqueci completamente! Saí de cima dele, sentindo vergonha. Ele voltou a se sentar, ajeitando o short que parecia apertado demais para a sua excitação. Parecia duro feito pedra e...
— Você olhando fixamente só está tornando a situação mais constrangedora — disse.
Pelo amor de Deus, . Para de olhar!
— Ah, perdão, eu... Não sei o que passou pela minha cabeça — murmurei, vestindo o meu short para parar de encarar e querendo sumir do planeta por ter sido pega olhando logo isso.
— Não sabe mesmo? — sorriu sugestivamente.
— Para de gracinha e vamos logo — resmunguei enquanto pegava minha bolsa.
Me forcei a comer dentro do táxi. Ainda me sentia enjoada para ter fome, mas o mínimo que poderia fazer era me alimentar direito. Sorri e meus dedos tocaram meus lábios. Pensei em Emma finalmente ter mostrado que estava aqui ontem. A sensação era engraçada, como sentir um peixinho dentro da barriga. Estávamos entrando na 16ª semana e, de acordo com as minhas pesquisas em 2019, ela estava indo tão bem. Meu coração se enchia de orgulho.
Ao chegarmos ao Ängbybadet, ele pagou o taxista e eu saí do carro. Estava com frio no estômago para conhecer Börje e Karin pela segunda vez. Antes eles foram me acolhendo aos poucos e me fazendo ter a sensação de que sempre estive lá, mas agora tudo era diferente. Eu tinha caído de paraquedas de novo, mas agora havia um relacionamento, também havia um bebê de verdade (como o próprio Börje lembrou em ’97).
— Pronta? — ele perguntou ao me encontrar ali fora. Seus olhos estavam em evidência por conta da claridade. Assenti. Quando ele me olhava assim, eu sentia que poderia enfrentar até o fim dos tempos. Pegou minha mão e me guiou até a areia que estava cheia de pessoas.
O Ängbybadet era uma praia cercada por árvores e lembrava um pouco um parque, pelas áreas de piquenique nas gramas ali perto. Boa parte das pessoas se acumulavam na areia e na água. Vi Lilly, Andreas, Börje e uma versão bem jovem de Karin sentados em toalhas sobre a areia. Andreas nos achou primeiro com seus olhos de águia e avisou aos outros, que se levantaram para nos esperar. Um sorriso se formou nos meus lábios conforme nos aproximávamos, não por estar tentando soar simpática, mas por sentir falta deles.
Quando paramos em frente aos quatro, disse:
— Esse é meu pai, Börje, e a namorada dele, Karin. E essa é minha namorada, a .
Börje sorriu de lado para o filho, mostrando que depois conversariam. Depois, me olhou com o olhar familiar de sempre, aquele de como se nos conhecêssemos há anos. Dispensando formalidades, ele não ergueu a mão para me cumprimentar como da primeira vez e, sim, me deu um abraço aconchegante. Me sentindo confortável o suficiente, fiz o mesmo com Karin. Observei seu cabelo vermelho mais longo pelas suas costas. Ela me apertou, como se estivesse ansiosa por esse momento. Também a apertei, porque eu estava. Ao me soltar, sorriu para mim. Fiquei impressionada o quanto ela era jovem, nossa diferença de idade agora não deveria passar de uns cinco anos. Suas sardas estavam em evidência por todo seu corpo e seu cabelo vermelho brilhava como eu lembrava. Ela franzia o nariz e os olhos por causa da claridade.
conversava com seu pai sobre o carro, já Lilly e Andreas apenas nos observavam.
— Você é tão linda! — Karin me elogiou. Em seguida, desceu o olhar para minha barriga e inclinou o tronco para falar com ela: — Oi, bebê.
Sorri abertamente, como a mãe orgulhosa que eu vinha me tornando.
— Pai, como você se sente sabendo que vai ser avô? — Andreas perguntou, distraindo Börje e nós duas das nossas respectivas conversas.
— Um maldito velho — Börje respondeu, nós rimos. — Não pensei que ele seguiria meu exemplo e fosse pai aos 22 anos.
— Por isso que tudo foi calculado e vou ter 23 quando a Emma nascer — respondeu, fazendo-o revirar os olhos e bufar.
Lilly me puxou para um abraço.
— Esse maiô também ficou incrível — comentou perto do meu ouvido. — Você vai me contar tudo sobre ontem, né?
Assenti. Uma versão resumida e para menores de idade, claro. Karin entregou uma toalha para , que a estendeu no chão ao lado de Lilly. Sentei-me na toalha e descrevi como era o baile romântico para ela enquanto passava o protetor solar pelo corpo que me oferecera. Escutei atazanando seu pai para lhe dar o jornal. Karin voltou a se sentar e pegou um livro. Andreas foi para a água.
Era bom saber que eles não estavam me tratando como atração principal. De alguma forma, me acalmava. Depois de conseguir o jornal, ele veio se deitar ao meu lado. Eu estava falando sobre ele ter me beijado de uma maneira hollywoodiana e, por isso, nos pediram para escolher uma música.
— Vocês vão mesmo falar sobre mim na minha presença? — ele perguntou, lendo o jornal através das lentes dos óculos de sol.
Sorri ao constatar que era verdade, ele estava nos ouvindo falar dele.
— Já estávamos falando sobre você antes da sua chegada — ela retrucou. — Continua, .
Voltei a tentar descrever com detalhes como foi o beijo, porque ela pediu anteriormente.
— Ainda não entendi — Lilly disse. — Foi mais a fotografia do beijo no fim da Segunda Guerra ou o beijo do filme A Um Passo da Eternidade?
Mordi o lábio enquanto tentava me decidir com base na minha memória dos dois.
— Acho que... — pensei — o beijo do fim da Segunda Guerra.
— Quer que eu faça uma reprodução para a crítica poder analisar? — ele zombou, ainda olhando para o jornal. — Talvez seja digno de uma premiação.
— Que romântico! — ela disse, batendo as pernas e ignorando o irmão. — A sua perna levantou como a da enfermeira?
— Não lembro, mas é provável. Foi um bom beijo, típico de príncipe encantado — brinquei, sabendo que ele iria querer encher o saco.
Lilly riu. Ouvi o resmungão chiar ao meu lado.
— Que pena que, na verdade, ele não é o príncipe mas um sapo — ela disse. Deu língua para ele, que retribuiu o gesto super maduro.
— Avança para a parte boa — ele pediu com segundas intenções na voz.
Dei uma olhada nele por estar sendo pervertido na presença da sua irmã.
— Continuando... — falei para ela, ainda olhando feio para ele. — Depois comemos no estacionamento do McDonald’s. Ficou um silêncio constrangedor no ar, sabe? — Ela assentiu. — Eu enfiei praticamente o sanduíche inteiro na boca e acabei me engasgando. Ele teve que dar tapinhas nas minhas costas para me ajudar.
— Isso é romântico — ela comentou com a mão sustentando o queixo.
— Como o ato de ajudar uma pessoa a desengasgar pode ser romântico? — ele perguntou.
— A situação inteira, idiota — ela respondeu para ele. — Vai, continua — me pediu.
— Eu perguntei se estava me achando estranha por causa disso, ele respondeu que estava tentando entender o que se passou na minha cabeça para enfiar todo o sanduíche na boca. Disse que ele não entenderia.
Ela riu.
— Ele realmente não entenderia — falou.
— O quê?! — ele perguntou com indignação. — Ela nem estava lá e sabe o que você estava pensando, mas eu não entenderia?
Tentei esconder meu sorriso. Estava sendo engraçado, contar as coisas do meu ponto de vista e ele escutar tudo. Ela me pediu com a mão para continuar.
— Aí nós fomos para casa — adiantei um pouco a história para pular o resto da parte do estacionamento.
— Ei, você pulou uma parte importante — ele lembrou, fingindo inocência. — Quando você foi para o banco de trás...
— Cala a boca — rosnei entredentes. Ele começou a rir atrás do jornal.
— Agora quero saber — ela reclamou.
— Não, essa parte não é nada importante — falei, em pânico.
Sua risada começou a ficar mais alta. Dei um tapa no seu braço.
— Ah... — Ela sorriu timidamente e olhou para a toalha, ficando vermelha. — Era um daqueles estacionamentos do McDonald’s.
Notei que Lilly ainda não tinha curiosidade para me botar contra a parede e me fazer perguntas sobre sexo, como sua versão de 17 anos. Ela ainda era uma adolescente que enrubescia quando o assunto era mencionado.
— Olha aí o que você fez: traumatizou sua irmã — briguei com ele. O engraçadinho continuou rindo. Tive vontade de acrescentar: de novo. Porém, me cortei.
— Tudo bem, já tenho idade o suficiente para saber que ele não plantou uma sementinha no seu umbigo — ela disse, ainda vermelha.
— É, definitivamente plantei minha semente em outro lugar — o palhaço falou. Fiquei mortificada, não sabia onde enfiar a cara enquanto os dois riam. Só pude concluir que eles eram, de fato, farinha do mesmo saco pela maneira que me faziam queimar de vergonha.
Tomei o jornal das mãos dele.
— O Andreas está te chamando — menti. Ele olhou em direção a água para checar e, depois, me olhou. Fechei a cara para que percebesse que era para dar o fora. Soltou uma última risadinha, tirando sarro da minha cara. Arrancou os óculos, os shorts e a camiseta. Beijou minha testa e a da irmã, para sair em direção à água.
— Meninos — ela comentou, ajeitando os óculos escuros em formato de coração na ponta do nariz e revirando os olhos .
— Nem me fale. Você deveria ganhar um prêmio por aguentar três.
— Concordo.
Continuei contando sobre ele ter mencionado a música durante o caminho da sua casa para o hotel, o pedido e depois o primeiro movimento da Emma. Lilly ouviu tudo quieta e atenta demais.
— Foi isso — falei para indicar que finalizei.
— Eu nem sabia que meu irmão era capaz de analisar uma letra, quem dirá fazer conexão da música com um momento. Aquele bastardo é um romântico enrustido — disse, virando de barriga pra cima.
Ri pelo modo que ela se referiu a ele.
— Ele é músico, é claro que ele vai fazer conexão com letras de músicas sem perceber.
— Mas não associá-la com o momento dessa forma. — Ajeitou a parte de cima do biquíni. — Eu concordo sobre ele ser tapado. Está parado em você há um tempo recorde e simplesmente não percebeu que já estavam namorando. Ainda bem que você resolveu tomar a iniciativa.
Analisei minhas pernas que reluziam com o protetor solar. Foi um pouco sem querer que o incitei, mas pelo menos ela não disse que o forcei, como a insegurança insistia em bater na tecla.
— Emma é a fã número dois de vocês, porque a número um sou eu. Nós montaremos um fã clube. — Ela sorriu de lado. — Estou tão feliz que deu certo. Posso ser madrinha do casamento de vocês?
Deitei com a cabeça ao lado da dela.
— Você será — me ajeitei, fechando os olhos por causa do sol. — Ei, você acha que eu ficaria bem com um vestido estilo da princesa Diana? — Fiz a mesma brincadeira com ela que havia feito com seu irmão em 1997, mas adaptada para a época em questão.
— Com certeza! Vou recortar algumas ideias, só para a gente ter um portfólio pronto. Nunca se sabe quando ele vai resolver ajoelhar de novo e te pedir em casamento.
Soltei uma risada escandalosa.
— Quando eu tomar a iniciativa, óbvio — brinquei, sabendo que tinha fortes chances de acontecer em ‘91 também.
Ela riu.
— Não há dúvidas quanto a isso.
Acabei gastando o resto do tempo só dormindo na toalha. Em certo ponto, Lilly parou de conversar comigo e foi ler uma revista. Eles deveriam ter tentado fazer o mínimo de barulho possível para não me acordar, então estiquei minha soneca, sem perceber, até a hora de ir embora. veio me acordar e os outros já tinham ido embora. O sol estava começando a dar alguns sinais de que ia se pôr, então deveria ser umas sete. Me senti mal por ter passado tão pouco tempo com a família dele e conversado praticamente nada, esperava que eles não pensassem que era falta de educação da minha parte. Acabei encostando no táxi e dormindo também, ele teve que me acordar de novo quando chegamos em sua casa. Ele explicou o motivo de termos passado ali primeiro, mas não lembrava. Só tinha a lembrança de concordar antes de me deitar em sua cama e dormir mais um pouco.
Acordei com ele me chamando para jantar. Fui tomar banho enquanto fazia o pedido pelo telefone. Estávamos sozinhos, porque Börje, Lilly e Andreas foram deixar Karin depois de sair do Ängbybadet, mas imaginei que resolveram ficar um pouco por lá. A quantidade de sol me exauriu, tentei reverter com a água gelada no banho e não funcionou muito.
Nós comemos pizza assistindo um programa de auditório sueco.
— Já quer ir para casa? — perguntou ao me ver pescando depois de terminar de comer.
Não me sentia disposta a andar até o hotel, mesmo que ficasse tão perto. Resolvi pedir:
— Posso ficar aqui hoje?
Sorriu e assentiu. Observei-o levar o lixo para a cozinha — por incrível que pareça, de acordo com a bagunça daquela casa — e desligar a televisão.
Ao entrarmos no quarto, me deitei perto da parede e ele se encaixou no espaço que sobrou. Dormir sentindo o calor dele estava me deixando mal-acostumada de novo, sentiria falta dele assim como quando foi embora em ‘91 e quando dormi sozinha no meu quarto em 2019. Envolvi-o em um abraço e enfiei meu nariz em seu pescoço para inspirar o cheiro. Fiquei na mesma posição por vários minutos esperando o sono vir e simplesmente não veio.
Patético. Absolutamente patético.
Não sabia dizer se os irmãos e o pai dele voltaram, estava tão absorta em tentar dormir que algumas horas poderiam ter se passado. Ele não se movia, mas eu sabia que se comportava feito o Edward Cullen para não me acordar, por isso resolvi tentar sorte.
— ? — chamei-o.
— Oi? — ouvi sua voz embaixo de mim. Abri os olhos, um pouco de luz do poste de fora entrava pela janela.
— Não consigo dormir — confessei. — Acho que dormi demais.
Ele se virou para mim, então tive que sair de seu pescoço. Apoiei minha perna em sua cintura e ele subiu a mão pela minha coxa. Foi um gesto carinhoso, mas o monstro insaciável começou a querer dar as caras àquela hora da noite. Mordi o lábio inferior enquanto ele me fitava. Ficamos assim por alguns segundos. Tentei controlar meu interior que se ligava gradativamente, minha mente fantasiava.
— Você sabia que sua cara muda quando está com tesão? — quebrou o silêncio.
Senti meu rosto esquentar. Foi como se ele soubesse tudo que estive pensando, por isso, comecei a rir com a vergonha que me assolou.
— É sério? — me forcei a perguntar.
— Sim — ele sorriu de lado. — Vou resolver esse problema. Levante-se.
As borboletas no meu estômago deram sinal de vida com a expectativa. Fiquei de pé, sem questionar.
— Tira a roupa — pediu, se sentando com os pés para fora da cama.
Não pude conter a curiosidade dentro de mim, eu que andava dando as ordens por ali e inverter os papeis ainda não cruzara minha mente. A ideia era ter controle sobre ele para fazê-lo se apaixonar, mas deixá-lo brincar um pouco parecia uma boa ideia também. Seus olhos me assistiam passar a camiseta pela cabeça, tirar o sutiã e descer o resto da roupa. Esperei que ditasse o próximo passo.
— Vem aqui — chamou.
Obediente, dei um passo até me encaixar no meio das suas pernas. Ele plantou um beijo entre meus seios. As mãos calejadas deslizaram pelo meu corpo, despertando meus poros. Não consegui me conter, me abaixei para beijá-lo. Correspondeu apenas por um breve momento e me fez voltar à posição normal quando nos separou. Sua língua deslizou pela pele da minha barriga e me encolhi com todo o desejo que me dominou. Era forte, era intenso, era devastador. Agarrou minha bunda com vontade, me levando a arfar.
Se ele continuar assim, ao invés de resolver, vamos é ter um problemão.
Inclinou a cabeça para me olhar.
— ? — me chamou. Em seguida, mordeu o lábio inferior. Toquei seu cabelo e indiquei com a cabeça que estava ouvindo. — Vou me deitar agora. Quando eu te chamar, você vai se sentar no meu peito, está bem?
Franzi o cenho. Não fazia a mínima ideia das suas pretensões.
— Para quê? — perguntei com inocência.
Ele sorriu de lado. Mesmo na pouca luz, seus olhos brilharam com malícia.
— Nunca sentou na cara de ninguém antes?
Senti meu queixo cair e olhei para a parede atrás dele para disfarçar. Essa era a última pergunta que esperava que ele fizesse, só perderia se me perguntasse se vim de outro ano. Engoli em seco antes de responder.
— Não — minha voz saiu por um fio.
Soltou uma risadinha safada, se deitando em seguida.
— É a minha especialidade — comentou enquanto se ajeitava.
Não lembrava desse lado dele em ‘90. Foi tudo muito romântico e desesperado. Agora, ele estava mais carnal. Me chamou com o dedo e obedeci a sua ordem de sentar em seu peito, com cuidado para não deixá-lo sem ar. Ele me explicou como eu deveria posicionar os joelhos ao redor da sua cabeça. Estava um pouco nervosa, como se eu fosse perder minha virgindade de novo. Enquanto me posicionava conforme suas instruções, só conseguia pensar que se eu perder o controle poderia sufocá-lo ou algo pior. Apesar do perigo que provavelmente não existia, eu estava tremendo de excitação. Senti sua respiração fazendo cócegas lá embaixo e me dei conta da minha exposição. Ele estava me vendo de um ângulo que ninguém nunca viu, nem ele mesmo. Suas mãos tocaram minha bunda, me ajeitando. Depois, lambeu toda a minha extensão. Meu corpo convulsionou, soltei um gritinho pela surpresa.
— Calma, baby — ouvi sua voz abafada.
Percebi ter mexido na posição que ele me colocou, então tentei me arrumar de novo. Suas mãos me apertaram para que eu ficasse quieta e ele voltou a movimentar a língua. Caralho, aquilo era bom demais para o meu próprio bem. Colei minha testa na parede e apoiei as palmas das mãos. Os movimentos que fazia com aquela maldita língua me convenceram de que ele era bom naquilo. Me lembraria de brigar com ele por ter escondido aquele talento de mim nos outros anos. Ele sugou o ponto mais sensível do meu corpo no momento. Mordi o lábio inferior a ponto de machucar para não gemer.
— Você é mesmo um tremendo filho da puta por ter escondido isso de mim até hoje — resmunguei de olhos fechados. Ele riu, soprando a pele sensível e me levando a revirar os olhos com a sensação. Sem me dar um tempo para me recuperar, voltou a movimentar a língua.
Tinha que me lembrar agora que seus irmãos dormiam nos quartos ao lado e não poderia fazer muito barulho. Porém, a cada movimentação dele, ia esquecendo até coisas básicas, tipo meu nome. Circulou minha entrada. Senti que era agora que eu botaria tudo a perder, mas ele parou para me ajeitar.
— Perdeu a noção? Não para — implorei com a voz esganiçada.
Voltou a se movimentar da mesma maneira. Meu corpo correspondeu, chegando ao ápice. As estrelas explodiram em frente às minhas pálpebras. Gritei o nome dele antes que pudesse me segurar.
Ele continuou, mesmo sabendo que eu já havia terminado.
— O-que-você-está-fazendo? — perguntei tudo embolado por conta do formigamento no ponto que continuava a ser provocado.
— De novo — murmurou.
— Não consigo — respondi, sentindo meus membros virarem gelatina e enrijecerem mais uma vez.
— Vamos, . Me deixa experimentar você de novo.
Revirei os olhos novamente, deixando as sensações me abraçarem. Eu fui pega pelo ritmo que a língua dele estabeleceu, ele me dava mais e eu queria mais. Suas mãos apertaram a pele das minhas nádegas com firmeza, da forma que eu gostava. Apertei minhas coxas em volta dele, sentindo que não conseguiria durar muito. Minhas unhas arranharam o papel de parede enquanto soltei um rosnado do fundo do meu ser. Prendeu o ponto sensível suavemente entre os dentes. Eu me desfiz pela segunda vez, vendo a constelação das minhas pálpebras aumentar.
Sua língua continuou a me exigir.
— Vou morrer — murmurei bem baixinho.
— Só mais uma vez, linda. Você consegue — falou. Quer dizer, acho que falou isso, não tinha forças nem para decifrar a voz abafada dele.
Meu corpo tremia junto com sua língua. Senti meus dedos do pé se cruzarem para se preparar para outra onda dentro de mim. Dessa vez, não tinha forças nem para gemer, só emitia alguns barulhos baixos que pareciam primitivos. Ele ameaçou me penetrar com a língua e foi o suficiente. Não estava nada exigente, apenas sensível demais. Meu interior explodiu, as estrelas voaram para todos os lados. Comecei a chorar. Eu chorei. Não por querer, deveria ser uma resposta natural ao turbilhão de emoções que me dominaram pela terceira vez. Desabei em seu peito, sem um pingo de energia para me manter em pé. Senti suas mãos me ajeitarem na cama e seu corpo se largar ao meu lado.
— Eu estou chorando — comentei baixinho, tocando as lágrimas no meu rosto. — Isso é normal?
Ouvi sua risada baixa, mas minhas pálpebras se mantinham fechadas mesmo que quisesse o olhar.
— Às vezes acontece. Prova que você está bem satisfeita — respondeu e beijou minhas lágrimas. — Você foi incrível, . Descanse um pouco.
Um sorriso brotou nos meus lábios por causa da sensação boa.
Acho que o mundo virou um arco-íris e eu estou dentro dele.
— Me sinto feliz e leve como uma pena — admiti.
Ele riu e acariciou meu couro cabeludo. O cansaço ameaçava me tombar.
“— Acho que se o de ‘91 ficar sabendo disso, ele vai ficar com muito ciúmes — quebrei o silêncio que se instaurou enquanto tentávamos restabelecer uma respiração normal.
Ele riu.
— Com certeza, ele tem motivos.”
— Agora ele tem muitos motivos — sussurrei para a memória.
No dia seguinte, acordei com a luz do sol invadindo o quarto pela cortina. estava de costas para mim, sem camiseta, sentado e apoiado na escrivaninha. Senti o cheiro de nicotina no ar, mas bem fraquinho, então soube que ele estava acordado há um tempo por já ter saído para fumar seu primeiro cigarro do dia. Me espreguicei. A noite anterior me veio à mente quando olhei para cima e enxerguei marcas das minhas unhas no papel de parede. No mesmo momento, meu rosto começou a esquentar pela vergonha.
Meu Deus... Depredei o quarto do garoto.
Parecendo perceber que eu estava acordada e tendo um momento que puxava minha orelha mentalmente pela falta de noção, ele virou a cadeira para me encarar. O sorriso que se formou em seus lábios foi tão sincero que me levou a abrir um igual.
— Oi — disse, cruzando as pernas. — Dormiu bem?
— Muito bem, graças a você. — O seu sorriso aumentou e passou a ter outra conotação assim que terminei de falar. Iria ignorar que dei alimento (servi um banquete, na verdade) para o bendito ego dele às seis e trinta e cinco, segundo o relógio de cabeceira. — Não conseguiu dormir?
— Eu tenho insônia. — E eu sabia disso como somar dois mais dois. — Resolvi sair daí para você conseguir dormir melhor, sei que precisa das suas oito horas de sono.
Me sentei no colchão para terminar de acordar. Já fui passando a mão pelo meu cabelo para tentar colocar uma ordem na bagunça.
— Não precisava sair, durmo melhor quando você está por perto — comentei. Quando percebi que ele estava tentando olhar para um outro ponto ao meu lado a todo custo, foi que me dei conta da minha situação. Puxei o cobertor para cima. — Ai, meu Deus! Estou pelada! — constatei o óbvio.
— Erm... Você está.
Porra...
Se alguém da família dele abrisse essa porta, me pegaria dormindo desse jeito!
A Lilly com a mania dela de abrir portas sem bater...
Controlei a vontade de bater a mão na testa.
— Para de me encarar como se nunca tivesse visto uma mulher nua na vida e passa sua camiseta para cá — pedi entredentes.
Ele pegou a que estava no encosto da cadeira e jogou em minha direção. Vesti, deixando o cobertor de lado.
— Pronto, pode voltar a me olhar normalmente agora.
Ele parecia aliviado por eu estar coberta, mesmo que minimamente, e não ter que fingir que estava olhando para a parede ao invés dos meus peitos. Controlei a vontade de revirar os olhos. Enquanto isso, ele virava a cadeira e, depois, a desvirava com o jornal em mãos.
— O que acha de irmos ao cinema drive-in hoje? — perguntou, me entregando o jornal.
Não entendia o sueco escrito tão bem quanto o falado, mas compreendi o básico que se tratava do filme A Casa do Espanto II em cartaz. Não fazia ideia de que filme era aquele, nunca tinha assistido o primeiro, mas concordei com a cabeça e entreguei de volta o jornal para ele.
Eu não perderia um encontro assim, o plano de conquistá-lo ainda seguia o seu curso.
E, bom, porque eu também nunca perderia a chance de sair com ele.
— Te busco às sete — avisou, dobrando as folhas.
Assenti mais uma vez.
Era hora de ir embora, o dia deles precisava começar e eu não fazia parte da rotina da casa. Me levantei para procurar pelas minhas roupas no meio do caos.
Vesti as roupas de baixo, mantendo a camiseta dele por puro apego emocional. Escovei os dentes bem rápido para ir embora o quanto antes. Quando saí do banheiro, ele me esperava na porta do quarto, vestido e com minha bolsa em mãos.
Eu podia me acostumar com aquela situação tão fácil... Acordar no quarto dele depois de passar uma noite juntos, vestir uma camiseta dele para ir para casa e o encontrar à minha espera do lado de fora do banheiro com essa expressão de sono que fazia seus olhos ficarem inchados e adoráveis. Me parecia natural. Cumprimentei Börje que estava tomando café na mesa da cozinha, ele me lançou um sorriso simpático de volta. Agora que nós havíamos sido apresentados (outra vez), me sentia um pouco mais segura em dar minhas caras na casa dele em uma manhã qualquer. Afinal, eu era oficialmente a namorada.
Um frio na barriga aparecia toda vez que pensava que estávamos namorando, não pelo sentido literal da palavra — até porque fazemos isto há certo tempo —, mas por estar acontecendo com todas as trivialidades. Elas vinham dando um ar diferente à nossa história.
Não que eu não gostasse da minha história com a outra versão dele, foi incrível passar por tudo desde o começo...
De repente, ao me recordar do que se lembrava de mim, me senti um pouco culpada por ter esse tipo de sensação.
Andamos lado a lado pelo caminho do hotel enquanto conversávamos sobre músicas do ano anterior.
— Girls, Girls, Girls é uma música memorável — declarou.
— É claro que você pensa isso. — Dessa vez, não me controlei e revirei os olhos. Típico dele achar logo essa música “memorável”. — Ele objetifica a mulher literalmente quando canta: I’m such a good, good boy, I just need a new toy (Eu sou um bom, bom garoto, eu só preciso de um novo brinquedo).
— E o que tem? — perguntou como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Quase parei de andar para olhá-lo por falar aquilo assim, na maior cara de pau. Só que minhas pernas permaneceram caminhando conforme me lembrava internamente quanto o pensamento dele era mesmo normal ali.
No entanto, eu não precisava ficar calada.
De que forma eu iria fazer um garoto do século 20 entender que objetificar uma mulher era ridículo?
Pensei, pensei...
Uma maneira bem antiquada e simples me veio à mente.
— Se um menino chamasse a Emma de “novo brinquedo” dele, o que você acharia?
Ele pareceu refletir por um segundo, semicerrando um olho e franzindo o nariz.
— Acho que, provavelmente, eu o esganaria — concluiu. Acabei por sorrir, não da frase, mas o que representava. Estava me surpreendendo com a rapidez da sua mudança.
— Exatamente. Se você não gostaria que fizesse com sua filha ou até mesmo com a sua irmã, não deve fazer com mulher nenhuma. As mulheres não são meros objetos masculinos.
Ele ficou em silêncio durante o resto do caminho até o hotel. Resolvi deixá-lo refletir em paz, podia ouvir as engrenagens trabalhando intensamente na sua cabeça de onde estava. Pelo menos, eu o fiz repensar no que acreditava. Quando chegamos à porta do quarto, resolveu falar:
— Você tem opiniões meio impopulares.
Tive vontade de responder: É porque eu sou uma millennial e você é um geração X.
Só que saiu da minha boca:
— Tenho. E se você não gosta delas, azar o seu.
Girei a chave na tranca, pensando que soei um pouco grosseira. A conversa fluiu tranquila até esse ponto, ele estava se mostrando maleável. Só que não poder falar a verdade e sustentar a mentira às vezes se tornava sufocante a ponto de sair de alguma forma.
Ele me puxou pelo bolso traseiro do short, fazendo com que virasse para encará-lo. Ao mesmo tempo, escutei a porta abrir atrás de mim.
— Eu gosto. — Suas mãos estavam na minha cintura. Me fez dar passos para trás, nos colocando para dentro do quarto. Vi quando seu pé fechou a porta com um chute. — Pelo menos, sei que teremos bastante assunto.
Jogou minha bolsa em um canto qualquer. Caí de costas na cama, sem lembrar mais da possível grosseria que deixei escapar. Acabei deixando o que falei para lá e entrando no clima. Ele apoiou os braços em cada lado da minha cabeça para ficar por cima de mim. Seu cabelo caiu na minha bochecha, fazendo as habituais cócegas. Coloquei-o para trás do ombro.
— Você vai achar que a sua opinião é a certa, nós vamos discutir e, no fim, eu vou te fazer admitir que concorda nem que seja um pouquinho comigo — provoquei.
Um sorriso de lado se formou em seu rosto.
— Não sei não, acho que sou bem firme no que acredito. É uma característica sueca, sabia? Mesmo errados, preferimos perder um dedo a admitir.
— E teimosia é uma característica minha, . — Enganchei o indicador na gola da sua camiseta, deslizando a unha e arranhando a pele do seu peito. — Você vai concordar comigo.
Assisti de camarote um brilho de desafio passar diante dos seus olhos. Novamente, ele precisava provar que discordava comigo.
— Que tal vermos quem vai ganhar, então? Não vai ser difícil encontrar um tópico de discórdia. — Enterrou o rosto no meu pescoço. Só sua respiração quente batendo contra minha pele bastou para me fazer soltar todo o ar dos meus pulmões. — E então? — perguntou ao ver minha ausência de resposta. Plantou um beijo na minha garganta. Concordei com a cabeça, me deixando levar. — Quando eu falar três, nós falamos quem é o melhor guitarrista da atualidade. — Mais um beijo. Mantive minha cabeça atenta para responder à altura e ganhar, mas queria mesmo era me concentrar no que sua boca fazia. — Um, dois, três...
— Slash — murmurei.
— Frehley — disse ao mesmo tempo. Em seguida, levantou a cabeça para fitar meus olhos. — O que diabos é Slash?
— Do Guns N’ Roses — expliquei como se fosse óbvio. Todo mundo conhecia essa banda, mas ele parecia achar que eu estava falando grego e eu despiroquei a falar para tentar me explicar: — Eles lançaram um álbum ano passado que se chama Appetite For Destruction, tem aquela que todo mundo conhece...
— Eu sei de qual banda está falando — me interrompeu. — Mas... Slash? — Fez uma careta. — Melhor do que o Frehley?
— Por que não? Você disse “atualidade”, Frehley já está velho, o Slash vem trazendo coisa nova. Além do mais, eu gosto da banda — justifiquei, como se realmente entendesse de guitarristas e não estivesse falando aquilo para contrariá-lo.
Lembrei de quando falei, em 1997, que tinha esse sonho de me casar com o vocalista dessa banda para causar ciúmes nele depois do nosso momento no chão da sala.
Chutei essa outra memória para baixo do tapete da consciência. Era melhor que todas ficassem lá por enquanto.
— Isso não cabe nem discussão — parecia até ofendido pelo seu tom. Soube que aquela eu tinha ganhado. Preparei uma fala para me vangloriar, mas ele voltou a enterrar o rosto no meu pescoço. Mordiscou um pedacinho perto da minha orelha, me fazendo ver estrelas. — Gosta mesmo dessa bandinha, ?
— Gosto — falei, de olhos fechados. Seus dentes me mordiscaram outra vez.
— Acho que conheço uma música deles.
Deslizou o nariz pelo lado do meu pescoço.
— Pensei que nunca tivesse escutado.
— Eu não disse isso — soprou com a voz baixa.
Ele estava tentando me fazer cair nos seus encantos, virar o jogo. Eu não deixaria vencê-lo tão fácil, apostei meu orgulho nessa.
— Então canta para mim.
Ele soltou uma risada provocante. Só aí, tirei que não faria. Apenas soltaria outra provocação do mesmo nível.
Mas ele fez.
— I might be a little young, but honey, I ain’t naive (Eu posso ser um pouco jovem, mas querida, eu não sou ingênuo) — cantarolou perto do meu ouvido.
Não sabia dizer se a vontade era de rir por ele conhecer Rocket Queen em questão e logo essa parte — já que ele era mais novo do que eu —, ou se era de pedir que se livrasse das minhas roupas e mostrasse o quão “não-ingênuo” aprendeu a ser em 22 anos. O puxei em direção ao meu rosto para beijá-lo, porém acabei notando que ria silenciosamente.
— Do que está rindo? — perguntei, sem entender.
— Da minha habilidade te deixar toda derretida com uma música qualquer — se gabou, ainda rindo da minha cara. — Ganhei.
Revirei os olhos. Claro que ele estragaria o clima fazendo gracinha.
Lancei seu corpo ao meu lado para tirá-lo de cima de mim, sem paciência para encará-lo. Ele se perdeu entre o vão do móvel e a parede, causando um barulho seco.
Levantei para procurá-lo.
— Meu Deus, ! Machucou?
Negou com a cabeça.
Ótimo. Permiti a gargalhada que queria sair.
— Você me jogou da cama! — acusou, me fuzilando com os olhos.
— Eu?! – fingi estar chocada. Em minha defesa, eu nem tinha visto que não tinha cama ali, só queria tirá-lo de cima de mim. — Jamais faria isso, namorado.
— Que absurdo — fingiu ultraje enquanto tentava ficar de pé. — É assim que pretendia me convencer a concordar contigo?
— Talvez — ri mais um pouco. — Nunca disse que meus meios eram convencionais, baby.
Desvencilhou-se da cama para ficar na minha frente. Recolhi minhas pernas, sem saber o que ele estava pensando porque seu semblante ficou sério. Em um movimento rápido, abaixou-se. E em outros, suas mãos estavam em vários pontos da minha barriga e me arrancavam gargalhadas altas.
— Para, para, para! — pedi, quase sem ar. Ele obedeceu e me olhava com divertimento. — Ai, mas que mania feia essa sua, sempre fazendo cócegas em mim, não importa qual ano seja! — resmunguei em português, meio ofegante pelas risadas.
Ele me olhou fixamente — como se a resposta para o que falei estivesse dentro dos meus olhos — e depois balançou a cabeça.
— O quê?! Isso é espanhol? — perguntou.
— Assim você ofende, lindo — sorri de lado. — É português, a minha língua materna — expliquei, com paciência.
Outra lembrança veio. Agora de quando ele não sabia que eu falava português e me pediu para falar em “brasileiro” naquele quarto de hotel.
Ah, ... Eu acho que estou me divertindo demais com esse garoto.
Ao contrário daquela vez, ele não pediu para que eu traduzisse e, sim, disse baixinho:
— Isso foi... sexy.
Comecei a rir.
— Você nem sabe o que falei. E se eu tiver te chamado de um palavrão daqueles bem cabeludos?
Ele se aproximou, apoiando o peso nas duas mãos que estavam ao lado das minhas coxas no colchão. Colou o nariz ao meu e a boca roçou deliciosamente na minha.
— Eu até que gosto de ser xingado por mulher bonita. Se você soubesse de cada nome que já me chamaram...
Selou nossos lábios uma, duas vezes.
— Ah, posso imaginar... Se você as deixou com raiva como vem me deixando, posso mesmo imaginar cada um. — Meu sorriso ampliou. — Porém, elas te paparicam também? Te contam o quanto você é cheiroso e gostoso?
Ele soltou uma risadinha cheia de si e sacana. Por mais que, em outros momentos, me doesse admitir, mas o meu tipo favorito.
Passei meus braços por cima de seu cabelo.
— Isso é algo que você vai ter que me contar mais.
No outro segundo, ele me beijou para valer.
Não tinha ideia de quanto tempo ficamos grudados, mas fomos obrigados a interromper por conta do telefone tocando. O som parecia ensurdecedor, nos causando o maior susto. Estiquei o braço para pegar o objeto enquanto ficava sobre os joelhos entre minhas pernas. Nem dei muita atenção para ele.
— Alô? — atendi.
— Oi, ! — Lilly saudou. — Estava ocupada?
Meu pescoço esquentou em uma velocidade absurda.
Estava ocupada enfiando a língua na boca do seu irmão mais velho, o que venho fazendo muito ultimamente.
— Não, não — menti. — Pode falar, Lilly — enfatizei o nome para que ele soubesse quem era. — Espera. Não está meio cedo para você estar me ligando? E a escola?
Fui ignorada. Um milissegundo depois, mãos e lábios atrevidos subiram pelas minhas pernas, fazendo meus poros arrepiarem quase que imediatamente. Olhei para o responsável, que retribuía em um olhar ansioso, e mexi os lábios em: “O que está fazendo?”
— Estão dedetizando aquele inferno e tenho o dia livre — explicou. — Então, queria falar com você que estava lendo numa revista…
— Deixando as coisas interessantes — ele respondeu com a boca ainda na minha pele, agora deslizando a língua e desabotoando meu short.
— O que foi isso? É o ? — ela se interrompeu.
— Não, é a TV! — menti de novo. Meu Deus, eu iria para o inferno e carregaria que nem acreditava na existência dele junto.
— Ah, então, como eu estava dizendo... Aquela atriz inglesa disse que usa essa cera para depilação e estive pensando… — continuou com seu monólogo.
Ele desceu a roupa pelas minhas pernas, me levando a arregalar os olhos. Mexi os lábios de novo: “Você é louco?”
Suas mãos abriram minhas coxas enquanto nos olhávamos. Deslizou devagar a ponta do indicador no meu baixo ventre ao redor do elástico da calcinha. Arfei pela surpresa.
— O que você acha? — ela perguntou, chamando minha atenção para a ligação de novo.
— Incrível! — respondi, descompensada demais pelo que estava acontecendo.
— Eu sabia que você ia adorar. Aí, também tive ideia de…
Ele continuou passando o dedo por cima do tecido, mexendo com minha excitação. Eu comecei a corresponder movendo meu quadril. Embrenhou os dedos no elástico lateral, começou a descer a peça bem devagar e, quando ela passou pelos meus pés, a guardou no bolso da calça. Me lançou um sorriso que interpretei como sugestivo. Franzi o cenho. Tarado. Provavelmente ele tem uma coleção de calcinhas também naquele quarto asqueroso.
Depois conversaríamos sobre isso.
Quando suas mãos voltaram, deslizou-as pelas minhas coxas e parou bem perto de alcançar o centro. Mordi o lábio, sentindo a ansiedade inflar feito um balão no meu ventre.
— Pode ser? — Lilly perguntou do outro lado da linha.
— Como você quiser — respondi, sem fazer ideia do que ela estava falando.
Ele pareceu perceber, porque abafou uma risada.
— Ótimo! Era só isso — falou. Quase fechei os olhos para agradecer que ela ia desligar aquele telefone. — Ah, e ? Como eu sei que o está aí, diz a ele que o Jonas ligou e precisa dele no estúdio o mais rápido possível.
Espera, o quê?! Aquilo parecia ter me despertado. Arqueei as sobrancelhas.
— Como você sabe disso? — perguntei com a voz esganiçada enquanto ele deslizava o mesmo dedo agora pela minha barriga e eu dava um tapa em sua mão.
— Eu reconheço a voz desse bobão. Sei que, claramente, atrapalhei algo. Não se esqueça: esteja aqui às treze horas.
Queria muito saber em qual momento da conversa concordei com isso.
— Certo — falei, ainda lutando contra aquela mão grande cheia de calos.
— Tchau — e desligou.
Encaixei o fone de volta na base.
— Ela disse saber que atrapalhou algo. Espero muito que ela não saiba o que e quando foi. — Me virei para ele.
— Claro que não, fora que a Lilly nem se importaria com isso — respondeu. — Agora, me deixe terminar o que comecei.
Abaixou-se e, repentinamente, estava por todos os lugares do meu corpo. Colocou mesmo em prática o que disse, sem me dar brecha para respirar, sequer para replicar.
Afastei-o um pouco pelo peito para dizer o que Lilly pediu:
— O Jonas ligou e precisa de você o mais rápido possível no estúdio.
— Ele pode esperar — respondeu, curto e grosso. Estava mais interessado em beijar meu maxilar do que na emergência do amigo.
— Parece urgente. Afinal, ninguém liga às sete da manhã falando que precisa ser o “mais rápido possível” se não for — insisti.
Parou de querer se fundir a mim para me encarar.
— Por que você sempre acaba com a minha graça? — reclamou, fazendo um biquinho fofo. Sorri e deslizei o polegar pelos lábios franzidos. A vontade era de morder.
— Você acabou com minha graça lembrando que tínhamos que ir ao Ängbybadet — refresquei sua memória. — E a sua irmã meio que tirou toda a minha vontade.
— Posso dar um jeito nisso rapidinho — sorriu seu sorriso de conquistador. E meu coração que aguentasse...
— Sei que pode, mas você precisa ir porque o dever te chama. Tem um álbum que precisa de você para ser lançado.
Ele saiu de cima de mim com cara de poucos amigos. Um ventinho bateu com a ausência dele e percebi minha nudez parcial, puxei a camiseta dele que eu vestia para tentar esconder.
— Devolve — pedi.
— O quê? — se fingiu de desentendido.
Foi minha vez de fechar a cara.
— Você sabe bem o quê.
— Pertence a mim agora — disse e bateu de leve no bolso onde estava.
— Eu não vou ser mais uma no seu museu bizarro de calcinhas! — afirmei.
Ele ficou sério por uns cinco segundos — acho que provavelmente assimilando o que eu disse —, depois caiu na risada.
— Do que diabos você está falando? — perguntou.
— Que você é nojento e não é segredo para ninguém, com aquele preservativo usado no chão e as fotos pavorosas. Então, já imagino que você tenha uma coleção de calcinhas das garotas que já passaram pelas suas mãos também — justifiquei, mal-humorada por ele estar rindo de mim. No futuro, ele também colecionaria latas e garrafas de refrigerante empilhadas em seu apartamento, mas eu jogaria tudo fora por achar aquilo o cúmulo do absurdo. Ele tinha hábito de colecionar coisas estranhas, então não estava falando asneiras.
Acariciou meus joelhos.
— Eu não coleciono isso, baby — sorriu, ainda parecendo achar graça. — E mesmo se colecionasse, eu guardaria a sua em um lugar mais especial — brincou. Eu semicerrei os olhos. — Agora, é sério: nós trocamos, você fica com a minha camiseta e eu fico com ela. Vou guardá-la com carinho.
Prendi meus lábios para não abrir um sorriso.
Por que você está querendo sorrir ao saber que ele vai guardar “com carinho”, ? Isso era para ser estranho!
Meu Deus, parece até que estava me apaixonando por ele.
Não. Não estava.
— Vou guardar sua camiseta com carinho também — respondi, meio tonta pelos meus pensamentos.
— Sei que vai. Te vejo às sete?
Concordei com a cabeça. Ele me mandou um beijo antes de sair e depois bateu a porta.
Passei a manhã toda preocupada com o rumo que meus sentimentos pareceram estar tomando. Por mais que eu garantisse que estava no controle todas as vezes, algo insistia em dizer que não estava. Deveria ser bobagem da minha cabeça. Não poderia me apaixonar duas vezes pelo mesmo homem. Quer dizer, eu me apaixonei duas vezes, como disse aquele dia na praia quando discutimos, uma vez quando ele era só o e quando ele se tornou o . Mas era só, não era? Não cabia mais amor aqui, eu já tinha reservado tudo para a versão que me retribuía. Não poderia trair o amor dele. Cheguei à casa dos no horário que nem lembrava de ter marcado com a integrante mais nova da família. Nós almoçamos juntas; enquanto ela falava sobre tudo ao mesmo tempo com animação, eu era o retrato do desânimo. Minha ansiedade me corroía de dentro para fora.
Aparentemente, hoje de manhã, durante as peripécias de , concordei em deixar Lilly mexer no meu cabelo e usar uma cera em mim que uma atriz recomendou. Esse homem lindo seria minha ruína. Ela separou várias mechas e colocou bobs, depois passou a cera ao redor das minhas sobrancelhas e buço. Confiava em Lilly com seus aparatos de beleza depois dos penteados, mas fiquei com um pouco de medo de sair com um pedaço de sobrancelha faltando.
Saí do quarto para ir ao banheiro e acabei dando de cara com Andreas.
Estava plenamente ciente da cera vermelha espalhada pelo meu rosto e dos bobs.
— ... Uau! — ele disse, de olhos arregalados como se tivesse levado um susto.
— Estou horrível, não é? — perguntei, rindo.
— Ah, não. Que isso! — Ele parecia sem graça pela sua reação.
— Pode dizer, Andreas — falei, afofando os bobs.
— É isso que dá deixar a Lilly brincar de boneca com você — riu. — Você não consegue dizer “não”, né?
— Ela fica tão animada, eu não tenho coragem de acabar com toda aquela alegria.
— A Lilly parece feliz de novo, ela andava tão apagada nos últimos tempos... — sorriu. — Acho que foi bom ter você ter aparecido, em todos os sentidos. O também parece estar bem e meu pai está muito animado para ser avô.
Acabei sorrindo também, por mais que sentisse a cera repuxando meu buço de uma maneira bem dolorida.
— Eu gosto muito deles e de você também, Andreas.
Coçou a nuca, o rosto começando a ficar vermelho por causa da timidez.
— E-eu tenho que ir. — Virou-se para se esconder em seu quarto.
Comecei a rir silenciosamente de sua reação. Um dia, você vai deixar de ser tímido assim comigo.
Quando voltei ao quarto de Lilly, ela arrancou a cera e eu pude jurar que um pouco da minha cara também. Ignorando meus protestos, ela tirou toda a minha dignidade e depois a restaurou com cremes refrescantes. Deixei que ela trabalhasse em mim, adicionando um toque especial por causa de mais um encontro, enquanto conversávamos ao longo da tarde. No fim, ela também fez o cabelo dela e nos maquiou. Complementei com um vestido de bolinhas preto e branco que trouxe na bolsa.
Ouvimos uma batida na porta às sete em ponto. Lilly abriu enquanto dizia:
— Ela é toda sua, Romeu.
E abriu o caminho.
Ele esticou a mão e a toquei com a minha que tremia um pouco. Quis me dar um belo tapa na cara pela reação. Sempre que saía com era como se fosse a primeira vez, a magia não sumiu em todo esse tempo. Me puxou para perto e plantou um selinho nos meus lábios.
— Eco — ouvi a voz de Andreas reclamar em suas costas.
— Para de ser imaturo — Lilly retrucou. — Eles são um casal e um casal precisa trocar beijos.
— Eu sei muito bem tudo o que um casal faz, sou mais velho que você, mas não preciso presenciar meu irmão fazendo isso no meio do corredor com a namorada grávida dele.
— Você sempre tem que mencionar que ela está grávida? Não pode deixar passar uma vez?
— Ela está, não está?
E, assim, começou mais uma discussão dos . De dois deles, pelo menos, porque o terceiro tinha os olhos nos meus.
Nós dois nos olhávamos como se estivéssemos absorvendo cada detalhe um do outro. Seu cabelo molhado emanava aquele perfume familiar e o rosto liso indicava que tinha acabado de se barbear.
O flash de lembrança estourou na frente dos meus olhos, trazendo a memória de quando vivíamos juntos e costumava o ver se barbeando na pia do banheiro. Como aquela era uma cena corriqueira na minha vida e virou apenas uma lembrança esquecida em um cantinho qualquer da memória.
— Senti saudades, namorada — sussurrou. Os outros dois discutiam atrás de nós, formando um plano de fundo.
— Você dormiu comigo — lembrei-o, sorrindo.
— Aposto que você também sentiu saudades de mim.
Lá vem...
— Não tive tempo nem de pensar na sua existência — menti. Eu tinha pensado muito nele e na versão mais velha dele. Incansavelmente.
Fez aquela cara de desconfiança ridícula e apontei o indicador em seu peito.
— Não faça essa cara para mim, — censurei-o.
Ele parou para me encarar e morder o lábio inferior.
— O que é? — perguntei, sabendo que ele queria falar algo só pela expressão.
— Eu nunca pensei que meu nome poderia soar bonito assim como soou agora.
Meu interior se derreteu de imediato, as pupilas virando corações.
— , você é um saco quando está gamado em uma garota — Andreas interrompeu nosso momento.
Em algum momento que eu desconhecia, eles pararam de discutir e passaram a assistir nós dois. Ainda bem que ninguém ali me conhecia o suficiente para perceber minha reação. Usando a gíria dele para ilustrar: fiquei gamadona
. Lilly riu atrás de mim.
— Dre, vai para o seu quarto. Já contribuiu o suficiente por uma noite — falou, com mau-humor.
— Você não manda em mim. — Cruzou os braços em frente ao peito em uma pose intimidadora, apesar de que o outro estava de costas e nem veria.
Toquei o braço de que já puxava o ar para respondê-lo e iniciar outra discussão.
— Vamos? — chamei.
Ele concordou com a cabeça, desistindo de arranjar confusão, e passou na frente pelo corredor estreito. Depois de mim, Lilly veio atrás. Andreas também nos seguiu. Börje assistia televisão na sala e desviou o olhar da tela para sorrir para mim.
— Oi, ! — me cumprimentou com animação, como se fôssemos velhos conhecidos.
— Boa noite — falei em sueco.
— Ela não está linda, papai? — Lilly perguntou e ajeitou o tule do meu vestido.
— Sim, está de arrasar. — Senti minhas bochechas esquentarem em resposta. — Karin vai me buscar daqui a pouco para passar a noite na casa dela, então não estarei aqui quando voltarem. Deixe a chave do carro no lugar de sempre e não no seu quarto — ele disse para o filho mais velho que já abria a porta.
— Você que manda, coroa — respondeu, me fazendo arquear as sobrancelhas pela maneira que ele falou com o pai. Börje pareceu não se afetar, como sempre. — Primeiro as damas. — Indicou com a mão para que eu passasse.
— Até mais, Börje! — falei com um sorriso estampado no rosto e recebi outro de volta. — Tchau para vocês dois — despedi dos dois irmãos.
Lilly se despediu e fechou a porta quando passamos por ela.
Enquanto ele dava ré e seguia pela rua, fiz minha análise de sempre. Ao me dar conta da sua calça jeans azul e sua camiseta branca, uma música da Lana Del Rey ecoou na minha cabeça.
Sorri de lado. Se ele soubesse que fazia comparações dele com cultura pop mentalmente ficaria possesso.
Colocou uma fita para tocar e me surpreendi ao perceber que era justamente a banda de todo o drama de mais cedo. Virei para ele, questionando-o com o olhar.
— Resolvi dar uma chance e peguei emprestado com o Jonas — explicou. Cruzei os braços, toda orgulhosa.
— Eu disse que te faria dar o braço a torcer — comentei, olhando, agora, para frente.
— Calma aí. Ainda não disse que era bom, só que ia dar uma chance.
— Já é o suficiente para quem disse que não cabia nem discussão.
— Você disse que gosta, então pensei que poderia ao menos ouvir de mente aberta.
Ouviu isso? O som das minhas barreiras fraquejando?
Ele estava dando uma chance para o que eu gostava mesmo sendo um cabeça-dura. Queria pedir para parar o carro e beijá-lo como se não houvesse amanhã no acostamento, mas me limitei a sorrir mais uma vez em silêncio.
Foco, . Lembra que seu está te esperando em casa, em 1991.
Entramos no cinema ao ar livre quando o filme estava prestes a começar. Não havia muitos carros ali, mas era um lugar pequeno e a distância não era tão grande de um veículo para o outro. Ele sintonizou a rádio do áudio do filme enquanto eu me ajeitava para prender minha atenção à tela.
Depois de alguns minutos, concluí que se tratava de um filme bem tosco. Não dava para esperar muito dos efeitos cinematográficos de uma produção qualquer dos anos 80, o orçamento não deveria ser grandioso. No entanto, ele parecia estar gostando pelo modo que assistia. Já eu estava odiando e começando a ficar com fome.
— ? — ouvi sua voz quebrando o silêncio.
— O que foi? — perguntei, assustada.
— Você está me encarando há uns minutos. — Me olhou. — Não está gostando?
— Não gosto tanto assim de filmes de terror. Gosto de romance.
— Sei que gosta de romance, mas pensei que... — se interrompeu, dando a impressão que soube que falaria alguma merda.
Só que o conhecia melhor do que a mim mesma.
— Pensou que ao me trazer para ver um filme de terror, eu ia ficar com medo e você tiraria uma casquinha? — adivinhei. Abafou um sorriso, provando que era isso mesmo. — Não vou fingir que tenho medinho para te fazer parecer meu salvador, bad boy. Isso é ridículo.
— Todas fazem isso — disse, como se esperasse isso de mim também.
Ao mesmo tempo, uma música de ação ecoou pelos alto-falantes do carro e me senti intimidada.
— Oh, , me salve! — Apoiei as costas da mão na testa, fechei os olhos e deitei a cabeça em seu ombro. — É um monstro tão horrível, não posso olhar! — encenei.
Ele se afastou enquanto ria.
— Você é péssima atriz — comentou.
Só quando quero, querido.
— E esse filme nem de terror é, está mais para um trash. — Voltei para o meu lugar e observei os atendentes para lá e para cá sobre seus patins entre os carros. — Dá para chamar alguém? Estou com fome.
Ele ligou o farol para indicar que precisava de atendimento. Não demorou muito, uma moça de cabelo castanho se aproximou da janela dele de uniforme vintage. Ela deu uma checada nada discreta nele, mas longe de mim culpá-la por isso, ele possuía uma beleza comum de uma forma fora do normal... E causava um certo efeito nas pessoas por onde passava.
Ela anotou nosso pedido e nos deu privacidade de novo.
Voltamos a assistir aquele filme podre, só parando quando nossa comida chegou. Ele começou a atacar a pizza vegetariana assim que abriu a caixa.
— Você sempre está faminto por pizza? — Era uma pergunta retórica.
— Sempre — respondeu de boca cheia.
Revirei os olhos enquanto sorria. Ele podia estar diferente em diversos aspectos, mas, no fundo, a essência era a mesma.
Comemos em silêncio durante alguns minutos só com o som do filme vibrando entre nós, até que comecei a me incomodar. Lembrei das curiosidades que ele tinha guardadas em 1990 e que agora parecia ser um bom momento para escutá-las.
— Conte uma curiosidade — pedi.
Parou de mastigar e me encarou.
— Uma curiosidade? — perguntou, sem entender.
— É. Uma curiosidade aleatória que só você sabe — falei com entusiasmo.
Ele pareceu pensar enquanto mastigava e depois engolia.
— Não precisa pensar muito, diga a primeira coisa que veio à sua mente — incitei, limpando minhas mãos no guardanapo.
Ele sorriu com incerteza, mas acabou dizendo:
— Sabia que se você comer peixe e beber vinho, seus dedos cheirarão a boce...
— Nem pense em terminar essa fala! — interrompi, berrando, antes que ele falasse o que sabia que falaria. Li uma entrevista que esse idiota dizia isso em 2019 e quase caí para trás. — Não sei onde você andou enfiando esse seus dedos, mas, com certeza, não foi em mim!
Ele desatou a rir.
Esse garoto imaturo…
— Você pediu a primeira coisa que passou na minha mente e saiu isso — tentou se explicar. O olhei de cara feia, indicando que era melhor calar a boca.
Depois de broxar minhas expectativas, recolheu o lixo e saiu do carro para buscar uma lixeira.
Peixe e vinho, só me faltava essa. Não sabia dos hábitos de higiene desse povo, mas não são nada bons para cheirar a esse tipo de coisa. Me perguntava se no frio intenso da Escandinávia, o pessoal dali também deixava de tomar banho. não tinha esse hábito quando moramos juntos.
Talvez fosse influência minha. Talvez eu devesse me preocupar com ISTs...
Abriu a porta, interrompendo meus pensamentos.
— Pela careta, deduzo que ainda está pensando no mesmo assunto — notou enquanto se sentava.
— Estou pensando que você deve enfiar essa... coisa... em cada buraco — falei com nojo.
— Coisa? — franziu o cenho.
— É, essa coisa — e apontei.
Ele olhou para onde o meu dedo apontava e depois para mim. As linhas de expressão da testa ainda mais visíveis.
— Não fale assim dele — disse com ultraje, como se eu estivesse falando mal do... sei lá... Börje.
— Dele? — perguntei, deixando meu pescoço pender para frente. — Espera... — soltei uma risada desacreditada — não vai me dizer que tem um nome.
— É claro que tem, eu o chamo de Master. Porque ele me comanda.
Comecei a gargalhar tão alto, mas tão alto, que as pessoas dos carros ao lado provavelmente escutaram. Isso não podia ser sério. Deveria ser mais uma brincadeira dele. Quando eu estava sem ar para gargalhar mais, ouvi a sua voz perguntar:
— Acabou?
— Ai — coloquei a mão sobre a barriga e a acariciei —, essa foi uma boa piada.
— Não é uma piada — respondeu com cara de poucos amigos.
— E o tal Master não gosta que eu pense que ele deve ter andado visitando muito peixe e vinho e acabado se tornando um também? — brinquei.
— Não, ele é limpinho e você sabe.
— Eu não sei de nada. — Virei para frente. — Ainda quero saber onde ele vem se metendo.
Ele cruzou os braços e olhou para a frente também.
— Quero metê-lo em você — disse baixinho em sueco para que eu não entendesse.
Pisquei, totalmente desacreditada na baixaria que meus ouvidos escutaram.
— Minha nossa! — gritei pela segunda vez em menos de dez minutos. —Seu... explícito!
Ele começou a rir.
— Explícito? Sério? — zombou da minha escolha de palavras.
— Você é um maldito depravado. — O sangue todo subiu para meu rosto.
— Kuk, fitta, röv… — começou a falar um monte de palavras feias que também eram partes íntimas em sueco e o estapeei.
— Pare já com isso! — briguei.
Ignorando meus tapas, me olhou e disse:
— Knulla mig, . “Me fode, ”.
Meu braço parou no ar e acho que meu maxilar deve ter batido no freio de mão. Ele sorriu quando pegou meu pulso, abaixando o braço.
— É a primeira vez que te vejo sem palavras — comentou.
— E-eu... — gaguejei.
— Vai, eu te ajudo. Você quer me chamar de imoral, imundo, obsceno... — sugeriu, se aproximando.
— ...chulo, insolente... — dei continuidade, olhando para sua boca.
— Isso, insulta mais.
— ...sem-vergonha, devasso e indecente — concluí.
— Sou mesmo tudo isso — sussurrou com um sorriso perverso. — Ainda mais quando estou fantasiando em te comer em todos os bancos do carro do meu pai.
Um calor dominou o ambiente feito uma onda e senti suor brotar em diversas partes do meu corpo.
— Meu Deus — saiu como um miado. — De onde pode estar saindo tanta sujeira?
Colocou a mão que segurava em cima da sua virilha, indicando que estava gostando de falar tudo aquilo.
— Senta aqui no meu colo que vou te mostrar.
Antes que eu pensasse em considerar o convite, ouvimos uma batida no vidro e olhamos ao mesmo tempo para a minha janela.
Tinha alguém ali.
Endireitando a postura, girei a manivela para abrir.
— Desculpa atrapalhar, mas vocês têm um cigarro? — o homem perguntou.
enfiou a mão no cinzeiro do carro. Pegou o maço, abriu, pescou um cigarro e me entregou junto com a caixa de fósforos para que eu pudesse dar ao homem. Os movimentos lentos demais. Ele colocou o cigarro entre os lábios e ofereci um fósforo. Agradeceu, depois voltou a entrar no carro ao lado.
— Acho que depois dessa, quem precisa de um cigarro sou eu. Talvez até três — resmungou ao meu lado.
— Deixa de exagero. Ele não atrapalhou nada, só estávamos conversando. Nada demais.
— Fala isso porque não é você que está com a calça apertando.
Soltei uma risada.
— Deveria usar calças menos apertadas, assim não incomoda o poderoso Master — fiz uma voz grossa ao falar o nome.
— Se soubesse que iria ficar tirando sarro, não teria contado. — Cruzou os braços em aborrecimento.
— Está todo irritado assim por eu ter tirado sarro ou por ter ficado sem me agarrar? — perguntei.
— Os dois — disse, por fim.
Ligou os farois de novo para pagar a conta. A mesma moça apareceu, disse que buscaria o talão e, em seguida, saiu.
Precisei ir ao banheiro depois de me entupir de suco de laranja, então deixei o carro. Estava tudo escuro e tive que tomar cuidado para não tropeçar nos veículos. Não demorei porque era ali perto e cheguei a tempo de ver a atendente voltar ao carro de Börje. Ela deixou o talão cair no chão e abriu a porta para ajudá-la, já que estava escuro e provavelmente por ela estar de patins. Quando ele se abaixou para procurar, a garota começou a abrir os primeiros botões da camisa e eu congelei no lugar.
Ok, aquilo era estranho.
Como eu disse, estava bem escuro, então nenhum dos dois me viu. A assisti com atenção soltar o cabelo do coque. Ela sorriu de lado quando ele se levantou com o talão em mãos. Fiquei curiosa, por isso decidi não forçar minhas pernas a me tirarem de onde estava. Meu rosto queimava e o corpo tremia, como se algo de ruim fosse acontecer.
Ele tirou a carteira do bolso e algumas notas dela. A garota recebeu, guardando no bolso inferior do uniforme. Depois, ele ia se virando para entrar de volta no carro, e meu coração deu indícios que se acalmaria; porém, ela o puxou pelo pulso, tirou um papelzinho de dentro do bolso superior e colocou em sua mão. Ele conferiu o que era, enquanto ela se aproximava, e franziu o cenho. Ao olhar para a garota, ela já estava perto o suficiente para beijar o canto de sua boca. Depois de deixar um beijo ali, deu as costas e foi embora. Ele apenas entrou no carro, como se nada tivesse acontecido.
Minha alma voltou para o corpo, então, finalmente, entendi o que tinha acabado de se desenrolar em frente aos meus olhos.
Meus pés me levaram de volta e abri a porta de uma maneira brusca.
— O que ela te deu? — já fui logo direto ao ponto. — Me mostra! — aumentei o tom de voz.
Vi o receio invadir seus olhos ao mesmo tempo que sustentei minha postura para mostrar que não tinha para onde correr. Pegou o papel que estava no cinzeiro e me entregou. Lá estava o nome da garota, o telefone e a marca de um beijo com um batom vermelho. Tive vontade de vomitar o meu coração ao ver aquilo. Amassei o papel em uma bola e joguei nele.
Ah, também fiz o que fazia de melhor:
Fugi.