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Independente do Cosmos🪐

Última Atualização: 08/09/2024

estava em um dos corredores do campus, rumo ao estacionamento, quando sentiu aquela energia. Não sabia dizer de onde vinha, mas não era realmente preciso. Seu corpo sentiu, estremecendo enquanto sua cabeça virava imediatamente para a direção certa. Ele não deu nenhum comando, foi puro instinto.
Bruxos das sombras não deveriam mais existir. Os dois últimos haviam sido seu irmão e seu pai, ambos já mortos. O primeiro, por um dos companheiros de clã do próprio . O outro, seu pai, ele mesmo havia eliminado, cerca de cinquenta anos atrás.
Mas então ele sentiu, magia das sombras. Bem ali.
Curioso, o híbrido se deixou guiar por seus instintos, sentindo necessidade de encontrar a fonte daquele poder. Provavelmente se atrasaria para o serviço mais uma vez, teria que ouvir um novo sermão de sobre pontualismo e comprometimento, mas isso era mais importante. Se ainda havia um bruxo das sombras vivo, ele precisava saber.
Havia pessoas demais no campus para que deduzisse exatamente quem ele estava procurando, mas aos poucos passou a desconfiar do garoto encolhido dentro de um moletom preto duas vezes maior que ele. Quem quer que fosse a pessoa, era maior que , tanto em altura quanto em massa muscular, mas com o gorro que ele usava sobre a cabeça, não conseguia ter nenhuma idéia de quem poderia ser.
O híbrido continuou andando, e sua teoria se mostrou certa quando acabou seguindo aquele estranho até uma cafeteria próxima ao campus. entrou logo atrás dele, mas o perdeu de vista quando o estranho entrou direto por uma porta de funcionários.
sentou no balcão e olhou o cardápio para disfarçar enquanto o esperava. Infelizmente, o estranho demorou demais e precisou fazer um pedido para que ninguém estranhasse sua ida até ali. O pedido chegou, mas o rapaz não apareceu. passou a se sentir ansioso e devido a isso, por costume, acabou levando uma das mãos distraidamente até o pescoço, onde a pele humana dava espaço para sua característica animal.
, assim como os bruxos das sombras, era híbrido de serpente. Ele deveria ter controle sobre a transformação, mas não tinha. Algumas características do animal apenas se fundiram a ele quando nasceu. Atrás de sua orelha esquerda, sua pele humana dava espaço para a pele negra do réptil e cobria parte de seu pescoço e ombro, refletindo sempre que tinha contato com o sol. Ele usava magia para cobrí-la quando inserido no mundo humano, assim como fazia com seus olhos amarelados. Suas pupilas também não eram comuns, ao invés de redondas, eram mais como um risco na vertical e ele usava lentes de contato para que ninguém estranhasse.
O problema era que o animal dentro dele não gostava nada disso, de saber que ele tentava escondê-lo, e às vezes lutava contra a magia, fazendo sua pele pinicar, especialmente quando ele estava nervoso com alguma coisa.
torceu para que o estranho aparecesse logo para que pudesse ir para a clínica e se livrar da magia em seu pescoço, mas ainda levou alguns minutos para que o garoto voltasse.
Pela porta de funcionários, saiu um rapaz alto, vestindo o uniforme branco do café. Ele tinha o cabelo ligeiramente comprido, cobrindo praticamente todo seu pescoço, mas estava parcialmente preso para trás, evitando que lhe caísse nos olhos.
A manga da camisa estava dobrada e podia ver parte da tatuagem em um dos braços. Uma serpente, ironicamente. quase riu. Claro que ele iria se atrair pelo animal.
Decidido a chegar mais perto dele, se levantou, sem se importar de ter terminado seu café. Podia apenas chamar pelo rapaz e pedir atendimento, mas ver o nome em seu crachá não bastava, precisava tocá-lo, sentir sua energia para entender o que realmente estava acontecendo.
ficaria louco se soubesse que ainda existia outro bruxo das sombras por aí. O mundo mágico não costumava vê-los com bons olhos, não depois do que seu irmão havia feito.
se aproximou e esbarrou propositalmente no funcionário, sentindo tudo dentro de si vibrar em resposta. Ele tinha definitivamente magia das sombras presa dentro dele, mas notou que ele não era um ser mágico, o que o deixou profundamente confuso.
Como alguém que tinha magia não era mágico? Nunca antes ouviu falar de algo assim.
— Desculpe. — o garoto falou, mesmo que o encontrão não tivesse sido culpa dele. Ele era um funcionário, era de se esperar que agisse assim, mas não estava disposto a deixar que ele se afastasse tão rápido.
— Na verdade, foi culpa minha. — respondeu rapidamente, com um enorme sorriso no rosto. Espiou o crachá em seu uniforme, memorizando rapidamente seu nome. , ele se chamava, e não parecia ter passado ainda dos vinte anos humanos. — Acho que te vi no campus, estuda lá? — puxou assunto, mas o rapaz não pareceu disposto a conversar.
— Não. — ele mentiu, caminhando para longe totalmente desinteressado. ficou boquiaberto.
Ninguém nunca o tinha ignorado dessa forma antes. Por que aquele cara o tinha ignorando?
Não era uma questão de ego. nasceu como um bruxo das sombras, mas não era mais um. Possuía magia da luz dentro dele, o que atraia naturalmente as pessoas. O animal dentro dele também, embora de uma forma totalmente diferente e levemente traiçoeira, já que se tratava de um predador.
Aquele cara não deveria ignorá-lo e decidido a conseguir sua atenção, foi atrás dele novamente.
— Sério? Eu tenho certeza de que te vi lá.
— Por que você está falando comigo? — o garoto parou de andar, indo direto ao assunto. ficou boquiaberto mais uma vez. — Outra aposta?
— Aposta? Por que alguém apostaria para falar com você...? Oh... — murchou ao se dar conta de que, se ele estava falando isso, era porque muito provavelmente já deveria ter acontecido. Se a magia da luz atraia as pessoas, a das sombras repelia. Não era muita surpresa que ele tivesse passado por isso, embora ainda fosse triste. — Isso é meio cruel.
O rapaz não respondeu nada, apenas deu as costas de novo, e dessa vez o deixou ir. Ser invasivo obviamente não ajudaria e seus encantos naturais também não estavam surtindo efeito. Já sabia que ele trabalhava ali pelo menos e como chamá-lo. Poderia encontrá-lo de novo outro dia.

🔮🔮🔮

novamente estava atrasado e soube que levaria uma enorme bronca quando notou o caos que a clínica estava.
Ao encontrar o líder de seu coven, após se vestir para o trabalho, recebeu apenas um olhar duro antes de ser mandado para o primeiro atendimento do dia. Até tentou lançar a ele seu melhor sorriso angelical, buscando amolecer seu coração, mas nem mesmo isso pareceu dar certo. Estava perdido.
apenas não era o único imune a seus encantos porque os membros de seu coven já sabiam como lidar consigo. Estavam juntos há trinta e cinco anos e ele nem era o único bruxo da luz entre eles. Já estavam acostumados consigo e quando se deixavam levar por ele ou , na maior parte das vezes, era mais pelo fato de serem os mais novos.
já tinha cento e vinte e três anos embora sua aparência permanecesse congelada na casa dos vinte. Ele sempre costumava olhar para os mais jovens com muito carinho, mesmo que estivessem fazendo uma bobagem potencialmente duvidosa. Era por isso que sabia que se não havia recebido um sorriso do líder, era porque ele provavelmente estava estressado e seu atraso o tinha sobrecarregado.
Sentiu-se culpado por isso. Sabia que a clínica podia deixá-lo tenso às vezes e não gostava de saber que havia contribuído para isso quando podia estar dividindo aquele fardo com ele.
Normalmente seus atrasos não chegavam há dez minutos, mas justamente hoje foi quase meia hora.
entrou em seu consultório já com a primeira ficha em mãos. Seu paciente era um familiar bruxo sob a forma de um guaxinim.
era um curandeiro, mas diferente de , que atendia tanto humanos quanto animais, ele não tinha pleno conhecimento de magia de cura humana. O que ele sabia, no máximo, o permitia tratar alguns híbridos quando se feriam em sua forma animal.
Buscando aperfeiçoamento em seu trabalho, cursava veterinária, mesmo que não fosse totalmente necessário quando usava magia para tratar seus pacientes. Apenas achou que seria útil, assim como era formado em medicina.
Apesar de querer se desculpar com seu líder de coven e também contar sobre seu encontro com , não teve tempo para vê-lo durante todo o dia. Aparentemente, todas as pessoas do mundo mágico haviam decidido se lesionar ao mesmo tempo.
Quando finalmente atendeu sua última ficha e estava pronto para tirar o jaleco, ouviu gritos na recepção e correu para lá alarmado. Não era sempre que tinham uma emergência.
Ao chegar lá tomou um susto ao se deparar com o rastro de sangue no chão. Era outro familiar ferido, embora não tenha atendido nada tão grave durante todo o dia. O animal, uma águia, tinha seu pequeno corpo atravessado por uma flecha.
— Ajuda, por favor! — o bruxo responsável por ele gritou. Era um homem alto de cabelos vermelhos, como fogo. Ele trazia o animal no colo, embalado em seu peito. Sua camisa branca estava coberta de sangue e não pensou duas vezes antes de correr até ele.
— O que houve?! — questionou, antes mesmo de se aproximar.
— Ele foi atingido por algum caçador enquanto voava. — o homem respondeu, em prantos, enquanto estendia o animal para . O bruxo da luz o pegou, já dando as costas para seguir apressadamente até o consultório. O outro o seguiu. O animal estava vivo, mas diante da quantidade de sangue que havia perdido, talvez não tivessem mais tanto tempo. — Por favor. Eu não retirei a flecha, imaginei que seria pior.
— Você fez bem. — respondeu, surgindo na porta de uma das salas. — Aqui, . — chamou, e o bruxo imediatamente obedeceu, entrando no consultório do bruxo mais velho e colocando o animal sobre uma das mesas. — Está mandando energia para ele?
— Sim. — o homem respondeu prontamente. Os familiares eram abastecidos com a magia de sua família mágica. Em uma batalha, ele servia como um banco de energia, recebendo de todos e compartilhando com quem precisasse mais. O mesmo acontecia se fosse ele precisando de energia, o que era o caso. — Ótimo, continue. Não precisa olhar se não quiser, mas continue.
— Certo.
— Eu contenho o sangramento e você retira a flecha. — falou, arregaçando as mangas antes de colocar as luvas. Raramente precisavam delas, poucos tratamentos envolviam tocar de fato o paciente, mas diante de tanto sangue, imaginou que talvez fosse necessário.
concordou, colocando luvas assim como havia feito. O mais novo não o esperou antes de começar a trabalhar, erguendo ambas as mãos sobre o animal e repetindo mentalmente os encantamentos que já conhecia. Uma luz amarelada surgiu em suas mãos, fluindo dele para o animal sobre a mesa. se focou apenas nisso, não dando atenção a enquanto ele se posicionava ao seu lado, esperando o sangramento diminuir para retirar a flecha.
Quando achou ser seguro, o bruxo mais velho pegou um alicate e o usou para cortar a ponta da flecha antes de retirá-la do animal, evitando que o formato da ponta o machucasse mais ao ser retirado. colocou uma das mãos ao redor do ferimento em seguida e iniciou outro encantamento, sua mão brilhando em um tom de verde. Ele provavelmente estava se garantindo que fosse seguro remover a flecha. Assim que o fez, o sangue voltou a escorrer abundantemente, independente dos esforços de . Preocupado, o bruxo mais novo intensificou seus esforços, colocando mais energia no encantamento mesmo que isso também o drenasse mais rápido, deixando-o cansado.
— Você está indo bem. — o elogiou. — Continue, eu vou fechar o ferimento, vai parar de sangrar.
Assim como estava fazendo, o bruxo mais velho estendeu as mãos sobre o pássaro e a luz verde fluiu com mais força, fechando lentamente o ferimento. Com cuidado, pôde ir diminuindo a quantidade de energia que mandava ao animal e apenas quando o sangramento parou completamente, graças ao trabalho de , ele pôde mudar o encantamento. Precisava agora recuperar o familiar da perda de sangue.
Levou apenas mais alguns minutos, mas por fim conseguiram salvá-lo.
Assim que as luzes cessaram e tanto quanto abaixaram as mãos, o bruxo responsável pelo bicho se aproximou, chorando ainda mais.
— C-como ele está? Ele está bem? — perguntou, tentando conter a vontade de se debruçar sobre ele para abraçá-lo.
— Ele está bem. — sorriu. — Pode pegá-lo se quiser.
O bruxo não precisou ouvir duas vezes, tomando o animal nos braços e chorando copiosamente sobre ele. O alívio do homem era quase palpável e não julgava. Se sentiria da mesma forma se fosse um membro de seu coven ferido.
— Obrigado, obrigado. Eu achei que o perderia. Obrigado.
— É o nosso trabalho. — respondeu, sorrindo também apesar do cansaço. — Tanta magia em seu corpo tem alguns efeitos colaterais e ele provavelmente precisará de muito descanso nos próximos dias, mas está totalmente fora de perigo.
— Não se assuste se ele estiver indisposto ou dormindo demais. — o alertou também.
— Tudo bem. — o homem sorriu para os dois. — Obrigado.
Depois que o homem saiu, se deixou desabar sobre a cadeira de . O dia foi exaustivo, mas por sorte já estava quase no final do expediente. Ele estendeu as pernas, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos por um instante, mas o pigarrear de o fez se endireitar imediatamente na cadeira, lembrando-se que precisava se desculpar com seu líder.
! — ele exclamou, levantando-se apressado.
— Me poupe das suas desculpas, . — o mais velho lhe deu as costas, retirando as luvas para jogá-las no lixo.
— Eu sei que eu prometi não me atrasar mais, mas dessa vez eu realmente tive um bom motivo. — explicou, entrando na frente de para que o mais velho o encarasse. O líder revirou os olhos, dando-lhe as costas novamente. — É sério, me escute, eu encontrei esse rapaz no campus...
, eu juro que se você se atrasou para flertar com um rapaz... — ele o encarou novamente, agora por conta própria, mas foi quem revirou os olhos dessa vez.
— Não foi isso! — bufou, indignado que esperassem tão pouco dele. — , ele tinha magia das sombras!
— Como é?!
— Sim, exatamente! Eu senti a energia antes de realmente ver o garoto, ele era um exórdio, . Com cerca de vinte anos, talvez. — explicou. Exórdio era alguém que ainda estava vivendo os anos de vida humanos e não tinha passado dos vinte e cinco, quando o envelhecimento dos bruxos normalmente passava a desacelerar. — Só que não era só isso, . — continuou. — Apesar dele ter magia, ele não é um bruxo.
, isso não faz o menor sentido. — respondeu, e o mais novo não o culpava. Também não acreditaria se não tivesse visto com seus próprios olhos. Sabia que se não conhecesse sua índole, desconfiaria de que ele estivesse mentindo para justificar seu atraso.
— Eu sei que não faz, mas quando o toquei, era como se a magia estivesse presa dentro dele, entende? E como ela não se manifesta, ele não chega a ser um bruxo. Na verdade, eu acho que talvez ele nem saiba que isso está dentro dele.
— Tem certeza que não imaginou?
— Claro que tenho, ! — respondeu, impaciente para fazer com que o outro acreditasse nele. — Você sabe que eu posso sentir.
— Certo, e onde podemos encontrar esse garoto? Você conseguiu descobrir alguma coisa sobre ele? Um nome? O curso que faz?
— Tenho o nome e o local onde ele trabalha. É uma cafeteria perto do campus.
— Certo, então vamos lá assim que acabarmos aqui. Se for isso mesmo, quero ver com meus próprios olhos.
revirou novamente os olhos. Claro que era, sabia o que tinha sentido.
Ele olhou para o relógio sobre a mesa de , a fim de verificar o horário, e se iluminou ao notar que já tinha dado a hora de ir embora.
— O expediente se encerrou nesse minuto, podemos ir! — falou para o outro animado, já se encarregando de livrar-se de seu jaleco.
Ao invés de fazer o mesmo, cruzou os braços, e murchou. Claro que não seria poupado, independente de ter uma boa desculpa.
— O expediente acabou, mas você vai limpar tanto a minha sala quanto a sua para compensar o atraso de hoje.
! Mas foi por uma boa causa!
— Independente disso, o atraso aconteceu. Limpar as salas é para compensar suas horas e limpar sem magia é sua punição.
— Sem magia?! — exclamou, indignado.
— Quanto antes começar, antes termina. — piscou para ele antes de dar as costas para sair da sala. — Tictac, tictac.
Frustrado, choramingou, se deixando cair sentado de volta na cadeira por alguns instantes. Odiava limpar, e ter que fazer isso sem magia era ainda pior.

🔮🔮🔮

o olhou com desconfiança assim que passou pela porta do café naquele fim de tarde. Quando entrou logo atrás, conversando com ele, estreitou os olhos. não tinha pensado nisso ainda, mas podia ser intimidador para quem não o conhecia. O homem além de alto tinha os ombros enormes, parecia o tipo de pessoa capaz de te quebrar ao meio com um tapa, mesmo que fosse inofensivo.
, infelizmente, não tinha como saber disso.
— Interessante, ele parece não gostar de você. — comentou, analisando o garoto com curiosidade enquanto ambos seguiam até uma das mesas.
— Para de olhar para ele. — o repreendeu com um sussurro.
Uma coisa sobre é que apesar do QI altíssimo, ele não tinha noção sobre muitas coisas, desde o próprio tamanho até o quanto conseguia constranger as pessoas com assuntos que apenas ele conhecia. O coven já estava acostumado a se sentir meio burro perto dele -exceto, talvez, -, mas estranhos normalmente não. , claro, nunca entendia o que estava acontecendo.
— O quê? — ele questionou, confuso, provando seu ponto. — Eu nem falei nada ainda!
— Não falou, mas tem mais de um metro e oitenta e está encarando o garoto.
— Não sei se você reparou, mas ele também não é exatamente pequeno. Esse é você.
Diante de sua resposta, parou no meio do café para olhar feio para ele, indignado. O mais novo colocou as mãos na cintura e apenas o puxou pela manga da camisa para continuar andando.
— Eu não sou pequeno. — retrucou, enquanto se sentava.
— 'Tá bom, eu que sou.
Sem dar muita atenção para ele, abriu o cardápio que estava sobre a mesa, mas bufou. Ele não era baixo, tinha um e setenta e quatro de altura. Seus companheiros de coven que eram altos demais e isso não era culpa dele.
— Vocês que cresceram muito. — resmungou, mas ciente de que não responderia mais nada, apenas puxou o outro cardápio sobre a mesa para olhar também.
sentiu sua pele pinicar novamente, e levou a mão até o pescoço para coçar. Seu lado híbrido querendo se virar para o garoto das sombras também não estava ajudando, mas se controlou para não deixá-lo ainda mais constrangido.
— Você deveria parar de cobrir isso. — falou, embora não tenha levantado o olhar do cardápio para . — Pode apenas dizer que é uma tatuagem.
— Uma tatuagem em relevo?
— Para alguém saber que é em relevo vai precisar tocar, você não acha? Sem isso você pode apenas dizer que é uma arte 3d.
— Vou pensar. — respondeu, mas ambos sabiam que ele não ia. se sentia mais confiante se escondendo.
Mesmo no mundo mágico, a maioria das pessoas costumava olhar feio para ele porque seu lado híbrido entregava suas origens. Metamorfos eram comuns, mas híbridos, especialmente como ele, eram uma particularidade de bruxos das sombras. podia ser um bruxo da luz e as pessoas sentiam isso, mas o preconceito ainda estava ali, junto com a fofoca que corria sobre ele. era o único ainda vivo, vindo da família de bruxos das sombras que tentou derrubar o conselho mágico. Só estava vivo porque era o único deles que não era também um bruxo das sombras, mas as pessoas ainda julgavam. Se não vissem suas características de serpente, às vezes, esqueciam-se de quem ele era. Achava melhor assim.
Após escolher o que pedir, fechou o cardápio, indicando que havia terminado. era indeciso demais para escolher qualquer coisa com agilidade, então não olhou muito, apenas decorou um nome aleatório no cardápio para que pudesse atendê-los logo. Ainda evitavam olhar muito para ele, mas usou o reflexo das janelas de vidro para observar quem viria até a mesa.
O rapaz cochichou algo com outra atendente e ela olhou na direção deles. praguejou por isso e ela rapidamente desviou o olhar. Ele estava pedindo para que ela assumisse a mesa deles, o que estragaria completamente seus planos.
— Eu faço. — falou, notando o mesmo que ele, e antes que pudesse se pronunciar ou fazer qualquer pergunta, a garota escorregou no chão limpo e seco, derrubando a bandeja que ela tinha em mãos com algumas bebidas.
Tudo aconteceu em segundos. Todas as pessoas ao redor olharam para ela, e rapidamente se ofereceu para limpar a bagunça em seu lugar, meio desesperado pela garota. Antes que decidissem qualquer coisa, no entanto, outra pessoa, provavelmente a chefe, saiu pela porta de funcionários. Ela repreendeu a garota duramente enquanto mandava cuidar das mesas.
— Essa foi a pior ideia que você podia ter tido. — repreendeu , ciente de que ele tinha causado tudo aquilo. Ela podia ter se machucado, ou machucado alguém. Tudo que tinha de inteligente ele tinha de falta de tato.
— Bom, deu certo. Ele está vindo.
— A garota pode perder o emprego, . — lembrou a ele. — E ainda passou por uma humilhação pública.
Somente então pareceu notar o que tinha feito e ficou verdadeiramente preocupado. Entre todos os membros de seu coven, ele era um dos mais gentis. Perdendo, no máximo, para . Não era do seu feitio apenas fazer mal a alguém.
— Droga, eu não tinha pensado nisso. — lamentou, e se poupou de fazer outro comentário. Sabia que se sentiria culpado agora. Provavelmente voltaria para verificar a garota no dia seguinte.
Interromperam a conversa quando finalmente se aproximou da mesa e colocou seu melhor sorriso no rosto.
— Você de novo! — falou, como se fosse uma surpresa, mas não correspondeu.
— É, eu trabalho aqui. — devolveu, e riu sem graça. Realmente, tinha sido uma abordagem meio idiota.
— Seu turno poderia ter acabado. — sugeriu, mas não estava para papo e apenas o cortou.
— Já escolheram o que vão pedir?
— Sim, eu quero um expresso e um bolo de maçã com nozes. — respondeu rapidamente, quebrando o clima constrangedor que se instalava. Enquanto o garoto anotava, pediu também.
— Mais alguma coisa? — ele questionou, mas pareceu pensar melhor sobre sua fala e reformulou. — Sobre os pedidos.
acabou rindo, meio nervoso. Não estava acostumado com isso, o que fez segurar o riso.
— É só isso, obrigado. — o mais velho respondeu por eles, estendendo o cardápio para . A maioria das mesas tinha um, assim como a deles, então era uma desculpa meio fraca, mas era a melhor forma de conseguir tocar em sem precisar esbarrar nele mais uma vez.
— Pode deixar ai, temos outros.
— O rapaz pediu na outra mesa. — mentiu, e não parecendo muito disposto a discutir, estendeu a mão para pegar. Ele pareceu ter cuidado para não tocar o mais velho, mas o fez mesmo assim, talvez não tão discretamente quanto deveria. percebeu, porque se afastou rapidamente sem dizer mais nada e mal notou a expressão surpresa que adotou.
— Caramba, ele realmente é um bruxo das sombras. — o líder do clã sussurrou, surpreso, assim que o garoto se afastou.
— Na verdade, ele não é. — corrigiu, porque, como já havia explicado a ele, o poder apenas estava dentro do garoto, preso de alguma forma.
revirou os olhos.
— Você entendeu. — retrucou. — Como isso aconteceu?
— Eu esperava que você pudesse me dizer.
— Eu ainda não tenho todas as respostas do mundo. — respondeu, apoiando o rosto na palma de suas mãos enquanto olhava o garoto ao longe, pensativo. — Se ele deveria ser um bruxo das sombras, não teria que ser mais como você?
— Para de olhar para ele. — o chutou por baixo da mesa.
— Ai! Não precisava disso! — se inclinou para frente, massageando a canela, mas nem tinha chutado tão forte assim.
— Pare de olhar para ele como um maníaco. — o repreendeu. — E caso não se lembre, eu apenas sou como sou porque nasci todo errado.
— Você entendeu o que eu quis dizer, . Eu estou falando sobre ser um híbrido. Você não consegue sentir isso? Não tem nada que indique?
— Na verdade não, foi isso que eu disse. Não era para eu ser assim, os olhos, a pele, normalmente podemos controlar. — explicou. — Ou temos a aparência totalmente humana ou nos transformamos completamente.
— E você não pode se transformar. — lembrou, voltando a ficar pensativo.
— Não posso. É como se eu tivesse me desenvolvido pela metade. Apenas o veneno funciona plenamente.
— Então, supondo que ele possa se transformar, não temos como saber.
— Não, mas eu não acho que possa, ou já teria acontecido algum acidente.
— Mas nós estamos apenas presumindo que ele não sabe o que é. — observou. — Às vezes ele sabe e se esconde justamente por isso. Às vezes até foi ele quem pediu para prenderem os poderes dentro dele de alguma forma. Você sabe melhor do que eu como as pessoas tratam bruxos das sombras no nosso mundo.
— E só piorou depois do que minha família fez.
— Exatamente.
— Quando o conheci essa manhã e tentei interagir, ele achou que era alguma aposta para falar com ele. — contou, fazendo uma careta ao se lembrar. Era triste pensar nisso, ou no porque dele pensar esse tipo de coisa só porque alguém tentou ser simpático. Seguindo a mesma lógica que ele, suspirou, tão incomodado quanto . As pessoas podiam ser cruéis.
Antes que pudessem dizer mais alguma coisa, os pedidos chegaram, mas para a surpresa dos dois, não foi que veio trazer e sim a moça que havia derrubado a bandeja no chão há pouco.
— O que aconteceu com o rapaz que estava nos atendendo? — perguntou, enquanto ela colocava os pedidos diante deles. A mulher pareceu ficar nervosa.
— Uhm, ele não estava se sentindo bem e foi embora mais cedo.
— Oh, que pena. Deseje melhoras para ele. — sorriu para ela, tentando mostrar que era totalmente inofensivo, diferente do que provavelmente havia contado. A moça corou, e se atrapalhou completamente com os pedidos, por pouco não derrubando seu latte sobre . — Você está bem? — perguntou, como se não soubesse o que tinha feito, e ela se desculpou antes de praticamente correr para longe.
— Parabéns, você acabou de espantar mais um atendente. — provocou, e ele o encarou indignado.
— Pois tenho certeza que quem espantou o foi você.
— Eu precisava tocar nele para sentir, você sabe! — o outro se defendeu.
— Eu sei, mas o que fazemos agora? Não acho que ele vai querer aproximação.
— Eu acho que se ele realmente tem magia das sombras, isso talvez seja um problema para o lidar, não a gente.
era outro bruxo do coven, um telepata poderoso de cento e oitenta e sete anos e carinha de trinta. Ele era líder da ONIM, uma espécie de força policial do mundo mágico e a menção dele na conversa fez com que se sentisse ofendido.
O garoto não tinha feito absolutamente nada de errado, porque queria chamar a ONIM para ele? Ser um bruxo das sombras não fazia dele uma pessoa ruim imediatamente e sugerir isso quando sabia todo o preconceito que sofria por um dia ter nascido como um era ofensivo.
Algo em sua expressão deve ter entregado como ele se sentia, pois imediatamente se justificou.
— Não estou dizendo que ele fez algo de errado, mas você precisa concordar comigo que tem algo estranho acontecendo. Se ele é um bruxo e não sabe, então alguém prendeu sua magia sem o seu consentimento. E se ele sabe e escolheu fazer isso, então ele pode estar tentando manter algo por baixo dos panos.
— Não tínhamos concluído que ele pode apenas estar tentando se esconder do preconceito das pessoas?
— É uma suposição muito forte, mas e se não for isso? Você quer arriscar?
— Acho que eu posso apenas me aproximar dele como um amigo e descobrir.
— Ele está fugindo de você, . Literalmente foi embora só para não lidar com a gente.
— Porque as pessoas são cruéis com ele e ele acha que eu também vou ser.
— Ok, mas e se ele realmente estiver tentando se esconder? Se for isso, ele nunca vai deixar você se aproximar. Especialmente você, que pode sentir a magia das sombras por ter nascido com ela.
— Mas ele não sabe disso. — rebateu. Seu lado híbrido estava escondido quando encontrou pela primeira vez e agora também. Ele não tinha como saber quem era, pelo menos não com sua magia adormecida.
— Não sabemos se ele não sabe. Ele pode não te sentir, mas conhecer seu rosto.
Pensando por esse lado, estava certo. Se conhecia o mundo bruxo e especialmente seu poder, então ele provavelmente sabia quem era. Todos já tinham ouvido falar sobre ele. Muitos não conheciam seu rosto, mas se ele era um bruxo das sombras, provavelmente já tinha pesquisado.
— Vamos comer, e depois falamos com o em casa, apenas para que ele fique avisado. — o mais velho voltou a falar. — Você tenta do seu jeito, e se não der, aí intervém. O que você acha?
suspirou, não acreditando ter muita escolha. Por hora, aquela era a melhor solução.
— Tudo bem, vamos fazer assim. — respondeu, desviando sua atenção para o latte a sua frente enquanto pensava no garoto com poder das sombras.

🔮🔮🔮

suspirou pela milésima vez enquanto caminhava distraidamente, tentando entender qual era o problema das pessoas com ele. Nunca tinha feito mal para ninguém e sempre tentava passar despercebido pelos lugares, mas, de alguma forma, nunca conseguia.
Não sabia o que tinha feito para chamar atenção daquele rapaz, mas aparentemente, tinha conseguido e não estava ansioso para descobrir em quais problemas tinha se metido agora, mesmo que não tivesse feito nada.
E, para piorar, o cara sabia também onde ele trabalhava. Não podia perder o emprego. Era muito difícil conseguir um quando você intimidava todas as pessoas, não importava o quanto você tentasse ser amigável.
A única coisa que podia fazer agora era torcer para que aqueles dois esquecessem logo dele.
Enquanto atravessava a praça em frente a rua onde morava, ouviu o miado característico com o qual já estava acostumado e parou de andar, finalmente se distraindo de seus pensamentos. Ele olhou ao redor, esperando encontrar o pequeno felino que o seguia para a casa todos os dias há algum tempo. Não sabia se era apenas um gato de rua ou se pertencia a algum vizinho por perto, mas ele sempre estava ali quando passava e se enroscava em seus pés em busca de carinho.
sempre gostou de animais, mas mesmo eles eram repelidos por ele de alguma forma, exceto aquele gato, então acabou se rendendo a ele. Sempre que o via, parava para acariciá-lo por alguns instantes, e lamentava não poder levá-lo para casa.
Porém, dessa vez, o felino não veio até seus pés como de costume, o que o preocupou imediatamente.
— Gatinho... — cantarolou, assobiando em seguida, apenas para se sentir idiota um segundo depois. Eram cachorros que atendiam ao assobio, não os gatos.
Apesar do bichano não aparecer, ouvir sua voz pareceu surtir algum efeito, pois ele miou novamente e o som ajudava a se guiar para achá-lo. O garoto seguiu o som, chamando o gato novamente, e com mais um ou dois miados ele conseguiu localizar a pequena bola de pelo encolhida embaixo de um banco.
— Oi, amiguinho. O que aconteceu? — perguntou, se abaixando para verificar o animal. O pequeno tinha pelagem preta com manchas brancas nas costas e no focinho. Ele ergueu a cabeça em sua direção e miou novamente, mais fraco que de costume, como se quisesse dizer a que não se sentia muito bem. — Você se machucou? — voltou a questionar, estendendo uma das mãos, e recebeu uma lambida fraca em um de seus dedos.
nunca teve um animal de estimação, não sabia cuidar de um, mas tinha noção o suficiente para tocar o focinho do animal, verificando a temperatura. Parecia quente, e seco. Sabia que o gato costumava ter o nariz bem gelado, ele sempre o esfregava em sua mão.
Ele realmente estava doente e sabia que não deveria se meter nisso. Seu pai o mataria se levasse um gato para casa e aquele animal nem era dele, mas tinha um coração e já estava apegado ao bichinho que sempre o cumprimentava com animação quando passava por aí.
Decidindo ouvir seu lado imprudente, retirou a mochila das costas.
Tinha saído do trabalho com tanta pressa que ainda vestia seu uniforme, então era seu moletom e sua roupa do dia a dia que estava dentro da bolsa. Não tinha problema se ela ficasse cheia de pelo de gato.
abriu a mochila, ajeitou as coisas dentro para que o felino coubesse ali e então se esticou para pegar o bichinho nos braços, colocando-o lá dentro em seguida.
— Desculpa te colocar em um lugar tão apertado, mas é só para que possamos entrar em casa, tudo bem? — perguntou, e o pequeno miou para ele, como se concordasse. sorriu, porque aquele gato sempre parecia entender tudo que ele dizia e de alguma forma ainda o respondia. Não usava palavras, apenas miados, mas em sua cabeça, jurava que entendia o que ele queria dizer. — Vou te levar pra casa, mas você não pode miar enquanto estiver lá, ok? Se formos descobertos, meu pai coloca nós dois para fora.
O gato miou novamente, escondendo a cabeça em seu moletom, e entendeu isso como um sinal de que o gato havia compreendido a mensagem e estava pronto para a viagem. afagou seus pelos por um instante e então fechou a bolsa, deixando um espaço para que o bichinho pudesse respirar enquanto seguia para sua casa.

🔮🔮🔮

— Oi, cheguei! — anunciou assim que entrou em casa, tirando os coturnos na porta com alguma dificuldade. Não podia se mover muito com o gato nas costas. Não queria machucá-lo ainda mais.
— Goo! — Jihyo gritou animada, descendo as escadas correndo para encontrá-lo.
praticamente correu até ela, pronto para segurá-la caso despencasse escada abaixo.
— Jihyo, já conversamos sobre correr nas escadas! — a repreendeu, mas a menina apenas riu, se jogando em seus braços. Ela sabia que ele era fraco o suficiente por ela para nunca realmente ficar bravo ou puní-la de qualquer forma. — É sério, Jihyo. Você pode se machucar.
— Eu só estava com saudades do Goo! — ela respondeu, finalmente o soltando, e sorriu.
Jihyo era sua irmã mais nova e tinha apenas cinco anos. Ela costumava falar de si mesma em terceira pessoa na maioria das vezes, mas a escola estava tirando esse seu costume. Também pediram para que eles em casa chamassem sua atenção sempre que ela errasse e fazer isso estava surtindo efeito. Ele se sentia orgulhoso quando ela falava direito sem que precisassem lembrá-la, mas também se sentia emotivo dela estar perdendo aquela característica que ele sempre achou tão adorável.
Era um lembrete de que sua irmã estava crescendo.
Jihyo estava vestindo uma legging listrada em rosa e roxo que ia somente até o meio da canela e uma saia rodada em um rosa pink holográfico. Por dentro da saia ela usava uma camiseta simples branca e uma jaqueta roxa por cima. Seus cabelos estavam presos em duas maria chiquinhas com várias presilhas coloridas em formato de estrelinhas e seus braços tinham pulseiras até os cotovelos. riu de novo. Ela se vestia assim sempre que a deixavam escolher a própria roupa. e sua mãe gostavam disso, era a personalidade dela e não via sentido em repreendê-la por algo tão bobo quanto uma roupa, mas seu pai normalmente a ameaçava para se vestir como "uma criança normal". ficava louco da vida com isso, mas considerando que o homem deveria estar cuidando da menina hoje, ficou preocupado.
— Jihyo, onde está o papai? — ela deu de ombros ao invés de responder e ele estreitou os olhos. — Como não sabe? Ele saiu?
Ela concordou com a cabeça.
— Ele deixou Jihyo em casa depois da aula e saiu.
— "Me deixou". — corrigiu, enquanto sentia seu sangue ferver. Ele simplesmente tinha deixado uma criança de cinco anos sozinha em casa sem supervisão por cinco horas. Estava furioso, não podia evitar, mesmo que soubesse exatamente como o homem era.
E aquele tipo de irresponsabilidade era a cara dele, apenas sua mãe se negava a ver.
— Você pelo menos comeu alguma coisa? — ele perguntou, segurando sua mão para puxá-la escada acima. Precisava acomodar o gato antes de arrumar algo para que pudessem lanchar e de preferência fazer tudo isso sem que a menina percebesse o quão irritado ele estava por saber que ela tinha sido abandonada sozinha em casa.
— Uhm... Desculpa, Goo. — murmurou cabisbaixa e ele estreitou os olhos, confuso.
— Pelo que exatamente você está se desculpando?
— Jihyo... Quer dizer, eu, pegou um pacote de bolacha. Eu estava com fome.
— "Eu peguei". — corrigiu de novo, por costume, enquanto seu coração apertava. Odiava aquela situação e odiava viver assim. Sentiu seus olhos enxerem de lágrimas, mas as segurou. Não podia chorar na frente dela, mesmo que se sentisse tão frustrado.
Por motivos óbvios, Jihyo não podia comer doces quando queria. Era uma questão de saúde, mas seu pai não se preocupava com isso. Ele apenas não gostava que ela pegasse qualquer coisa dos armários, como se ela não tivesse direito de comer quando sentisse fome só porque era criança. Jihyo sabia que não podia e obedecia, mas não se dava conta do quão ridículo e injusto era aquilo. Dessa vez, no entanto, ela desobedeceu porque foi abandonada por horas sem comer e mesmo assim ainda se desculpou. queria chorar de raiva e abraçá-la para que ele pudesse se desculpar por deixá-la sozinha, sob supervisão daquele lixo de homem, mas se conteve.
Se dependesse de , já teriam ido embora dali há muito tempo, mas infelizmente, não dependia e não podia apenas deixar sua mãe e sua irmã sozinhas ali.
Já no topo da escada, parou de andar e se abaixou na frente dela para que pudessem conversar.
— Jihyo, você fez bem em comer alguma coisa. Precisa comer. Ele que não deveria ter saído sem te alimentar antes. — suspirou, realmente frustrado com a situação. — Na verdade, ele nem devia ter saído, mas vou providenciar alguns lanches melhores pra você e deixar no meu quarto, assim, caso isso aconteça novamente, você pode pegar lá e não dos armários, ok? — ela concordou com a cabeça. — Você fez bem hoje, de procurar comida e se manter longe do fogão. Você não deveria ter que ficar sozinha em casa e cuidar de si mesma, mas você fez muito bem.
gostaria de poder dizer a ela que garantiria que algo assim nunca mais acontecesse, mas sabia que não seria verdade. Essa era a vida que eles viviam e infelizmente, não podia proteger sua irmã disso, apenas fazer seu melhor para que ela conseguisse crescer melhor que ele, sem perder sua infância tão cedo.
Seu pai era pastor, e de alguma forma, ele ser um homem rígido, misógino e com pensamentos tão antiquados era justamente o que fazia dele tão bom em sua profissão. Ele era tido como um modelo de honra para seus fiéis, mesmo que tratasse a esposa como lixo e os filhos como empregados. Ele bebia e batia na mulher, não era um segredo, mas para a igreja aquilo era o certo. Ou pelo menos, era o que ele fazia as pessoas acreditarem. Uma esposa tinha que ter disciplina.
não acreditava em Deus, e mesmo assim conseguia ver a incoerência daquilo. Se ele existisse e fosse tão bom quanto deveria ser, jamais apoiaria esse tipo de coisa, mas não era idiota o suficiente para dizer aquilo em voz alta.
Diferente do pai, sua mãe era realmente uma mulher boa, mas também religiosa, ao ponto de acreditar que o casamento era uma benção de Deus e que precisava honrá-lo independente do que acontecesse. odiava isso, se sentia furioso com a situação, mas estava amarrado a ela. Sua mãe sempre ficava do lado de seu pai mesmo quando ele a machucava e a forçava a coisas que ela não queria.
O sonho de era sair daquela casa, mas como faria isso se sua mãe jamais iria com ele? Como poderia deixar sua irmã sob supervisão constante de um homem que a abandonava em casa sem ter o que comer?
Pensar nisso o fazia se sentir arrasado, mas ele ainda sorriu para a irmã antes de se levantar novamente. Ela não precisava se preocupar com isso também.
— Vem, tenho algo para te mostrar. — falou, ciente de que ela adoraria ter um bichinho de estimação. — Mas vai ser um segredo nosso.
A menina imediatamente se animou, era uma fofoqueirinha nata e se divertia com isso. Ela não espalhava as coisas se ele pedia para não contar, mas ela adorava saber que tinha uma notícia privilegiada.
Assim que entraram em seu quarto, trancou a porta e se sentou no chão, colocando a mochila cuidadosamente entre ele e Jihyo, que se sentou à sua frente. abriu a mochila e os olhos da menina imediatamente se arregalaram ao ver o gato ali, todo enrolado em suas roupas.
— Um gatinho! — ela exclamou, se adiantando para pegá-lo em seus braços, mas a impediu.
— Ele está doente, você precisa ter calma com ele.
— Ele está doente, Goo? — ela imediatamente o encarou com olhinhos tristes.
— Sim. Eu não sei ainda o que ele tem. Vamos arrumar um lugar quentinho pra ele ficar e dar água e comida. Se até amanhã ele não melhorar, vou levá-lo no veterinário. — explicou. — Mas o papai e a mamãe não podem saber. Você guarda segredo?
— Jihyo não conta nada.
— "Eu"
— Eu não conto nada. — ela corrigiu e ele apertou uma de suas bochechas como elogio. Não foi forte, ele sabia como podia ser incômodo e como adultos costumavam machucar crianças com essa brincadeira boba. Quando fazia, era apenas uma forma de carinho, assim como quando bagunçava seus cabelos, mas ela gritou mesmo assim, dramatizando a situação antes de soltar uma risada. — Posso passar a mão nele?
— Pode. Fique com ele enquanto eu arrumo um cantinho para ele dormir, mas não o pegue no colo. Não sabemos se isso o machuca mais.
— Está bem!
Jihyo se aproximou mais da mochila, iniciando um carinho atrás da orelha do gatinho. Ele miou fraco e deu uma lambida em sua mão antes de voltar a se aconchegar ali dentro.
Decidindo que estava tudo bem, levantou, seguindo até seu armário. Havia uma caixa ali, grande o suficiente para um gato. Seus livros estavam dentro dela, mas ele a esvaziou, empilhando-os ali dentro.
Ele separou uma almofada que não usava e um lençol velho. Cortou o lençol no meio, usou uma parte para embrulhar a almofada e deixou a outra de lado para cobrí-lo. Colocou a almofada dentro da caixa e então se sentou novamente no chão.
— Ele deveria ser tão quietinho, Goo?
— Acho que não. — respondeu, embora tivesse certeza disso. O gato sempre o seguia até em casa, pulando eufórico como se tivesse passado o dia inteiro esperando aparecer. Ele nunca foi tão amuado.
Com cuidado, o tirou de dentro de sua bolsa e o colocou na caixa, cobrindo-o em seguida.
— E agora? — ela perguntou. — O que gatos comem?
— Ração. Mas não temos isso aqui. — respondeu, ficando pensativo. Tinha uma petshop não muito longe, mas não podia sair e deixar o gato sozinho tanto quanto não podia fazer isso com a irmã novamente. Se pedisse para entregar, corria risco de chegar quando seu pai voltasse e teria que explicar porque estava comprando comida para gato. O jeito era usar a internet e pesquisar algo que pudesse dar mesmo sendo comida de gente.
pegou o celular para fazer isso, mas antes que pudesse digitar sua dúvida no Naver, ouviu a porta da frente bater.
Jihyo imediatamente olhou preocupada para .
Assim como o irmão mais velho, Jihyo fugia do pai. Era triste que, mesmo tão pequena, ela soubesse se esconder dele tão bem. Ela podia passar a tarde inteira com ele sem ser notada pelo homem e mesmo que preferisse assim, ainda não era o ideal. Não gostava que Jihyo precisasse passar por isso, mas desde que o dinheiro ficou curto, a mãe deles passou a trabalhar como doméstica e Sunwoo, que trabalhava apenas a noite dando cultos, era quem ficava responsável pela menina.
Responsável era a última coisa que aquele homem era, mas sua mãe não o ouvia e não era como se pudesse levar Jihyo consigo para a faculdade.
Os dois ficaram em silêncio assim que ouviram o homem chegar, a tensão se instalando imediatamente entre eles. Sempre que Sunwoo desaparecia por tanto tempo voltava bêbado e se portava como uma bomba relógio.
Como o esperado, levou apenas um minuto para a primeira coisa quebrar lá embaixo, comprovando que ele estava bêbado. Jihyo se encolheu e se levantou enquanto o homem no andar inferior começava a gritar sozinho.
— Onde você vai? — Jihyo se levantou também, ficando imediatamente preocupada.
— Colocá-lo para dormir...
— Não! — ela o interrompeu, se agarrando em sua cintura um tanto quanto desesperada. — Goo, não vai!
— Jihyo. — ele a afastou, se abaixando mais uma vez para ficar da sua altura. — Você não comeu nada o dia inteiro e eu preciso preparar algo não só pra você como também pra mamãe quando ela chegar mais tarde.
— Ele vai brigar com você. — murmurou, com um bico nos lábios.
— Só vou colocá-lo para dormir para que a gente possa descer. — explicou, embora no fundo soubesse que isso não seria tão fácil e dificilmente aconteceria sem uma briga. — Você quer ficar com o gatinho? Pra isso também vamos precisar arrumar algo para ele comer.
— Mas Goo não pode ficar nervoso. — ela choramingou, meio chorosa. — Mamãe disse pra não deixar nervoso.
— Está tudo bem, não vou ficar nervoso. — mentiu, mas pelo menos tinha lembrado dos seus remédios hoje. — Eu volto logo.
— Não, Goo. — ela tentou novamente, e se sentiu quebrar um pouco mais quando as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da menina. Ela era pequena demais para entender o que estava acontecendo, mas entendia. odiava que ela entendesse. Quis chorar junto, mas aguentou firme.
— Jihyo, ele não pode subir, e se ele ver o gatinho? Você sabe que ele não gosta disso. Precisamos cuidar dele, certo?
Ela fungou, mas concordou com a cabeça.
— Fica com ele, Goo já volta.
sabia que não devia falar com ela daquela forma. Jihyo estava com a fala tão atrasada porque incentivaram por muito tempo aquela forma de se comunicar sem se dar conta de que aquilo fazia mal para ela, mas sabia que assim ela entenderia.
Por fim, a menina finalmente concordou e seguiu com ela até a porta.
— Depois que eu sair, você tranca. — pediu, e depois entregou a ela o celular. Você sabe o que fazer, já conversamos sobre isso.
— Pedir ajuda se for necessário.
— Isso. — sorriu, mesmo que doesse ter que explicar aquele tipo de coisa para ela. Após deixar um beijo em sua testa, ele finalmente saiu do quarto, suspirando antes de descer as escadas.
Precisava enfrentar mais uma vez o monstro muito real embaixo da sua cama.




chegou no andar inferior em tempo de ver seu pai chutar o sofá, xingando o móvel em alto e bom som por estar no meio do caminho.
Não, o móvel não tinha mudado magicamente de lugar, sempre esteve ali, exceto que agora estava torto devido a agressividade do homem com ele.
respirou fundo, tentando reunir toda a calma que tinha dentro de sí. Costumava ser alguém tranquilo, precisava ser, mas possuía tanta mágoa e ressentimento pelo homem que se sentia sufocar sempre que precisava lidar com ele. Queria tanto gritar e expulsá-lo de casa, de suas vidas. Sentia tanto nojo de tudo que ele representava, de tudo que fazia, e aquela atitude era apenas uma delas.
A situação financeira já não era das melhores há algum tempo. não sabia muito bem o que estava acontecendo, se a igreja não estava mais dando o mesmo retorno financeiro de antes ou se era seu pai quem estava gastando mais que o normal em álcool, mas tê-lo em casa quebrando o pouco que ainda tinham era algo que definitivamente contribuía.
De algum lugar teria que sair o dinheiro para consertar uma janela, uma porta, um fogão que ele quebrava. E todos esses exemplos eram recentes.
estava farto. Apenas sua mãe e irmã ainda o mantinham são. Era por elas que não retribuía o homem na mesma moeda. Nenhuma das duas precisava de mais violência, de mais gritos, mesmo que manter as coisas como estavam matassem por dentro.
— Está tudo bem por aqui? — o garoto questionou, embora a resposta fosse óbvia.
O homem apenas riu.
— Entendi tudo agora! Foi você quem fez isso! — Sunwoo acusou, delirante. Ele apontou o dedo em sua cara, fazendo vacilar para trás em surpresa.
— Do que você está falando? — o mais novo questionou, mas já tinha alguma ideia.
Não era novidade que ele e seu pai não tinham uma boa relação. Tudo que acontecia dentro de casa era culpa de , estava acostumado, mas bêbado ele se tornava um mestre em manias conspiratórias.
— Você mudou as coisas de lugar enquanto eu não estava! — voltou a acusar, exatamente como havia cogitado. — Quer tirar sua mãe de mim, fazer com que ela pense que eu sou louco!
Foi quem riu dessa vez. Adoria ter esse poder, mas infelizmente, não tinha. Aquele era seu maior desgosto. Ele e sua irmã jamais seriam a prioridade de sua mãe porque a igreja colocava seu marido em primeiro lugar, sempre, independente do que fizesse.
— Seria ótimo se fosse possível. — resmungou, sem se conter, e só percebeu o que havia dito quando o homem voltou a gritar.
— Como é que é?! Seu moleque... — Sunwoo tentou avançar sobre ele, mas não teve nenhuma dificuldade em se afastar. Era faixa preta em Taekwondo, apenas não praticava mais porque não tinha disponibilidade de horário.
Talvez sua mãe também tivesse surtado quando soube o que ele fazia, temendo que o esporte prejudicasse sua condição mesmo que fosse indicado para ela, mas permaneceu nas aulas às escondidas até que realmente não pudesse mais devido ao trabalho e estudo.
Alguém precisava se defender. Hoje seu pai estava apenas fora de si, mas pessoas como ele, assim como a bebida, eram imprevisíveis. Haviam dias mais difíceis que outros e se recusava a deixar que o homem tocasse em sua mãe e irmã mais do que já tinha feito.
Sem que fosse necessário muito dessa vez, no entanto, o homem acabou caindo para frente, sozinho. Para a sorte dele, foi em cima do sofá, mas isso o fez voltar a gritar, agora sobre ter sido atacado pelo próprio filho. , sinceramente, não tinha a mínima paciência para isso.
— Por que você apenas não sobe enquanto eu faço o jantar? — sugeriu, tentando se livrar dele. — Vai tomar banho antes que a mamãe chegue, você fede.
— Você é um ingrato. — o homem acusou, com desdém, ao invés de lhe ouvir. — Vai envenenar minha comida!
— Está bem, então não coma. — revirou os olhos. — Faça você mesmo.
deu as costas, encerrando a conversa. Não sentia o mínimo de empatia pelo homem, não se importava se ele fosse dormir no chão ou passar a noite sem comer. Só queria ser capaz de manter-se longe.
Seguiu para a cozinha, decidindo que Sunwoo estava louco o suficiente para mal reparar se ele tirasse um saco de dez quilos de ração de dentro de uma gaveta.
Mas para sua surpresa, no entanto, seu pai não estava tão disposto assim a deixá-lo ir. não reparou quando foi que ele se levantou, ou como, já que mal parecia capaz de subir as escadas sozinho, mas Sunwoo tentou se jogar em suas costas para impedí-lo de ir embora. Despreparado, cambaleou para frente, precisando se escorar em um móvel para não cair. Havia um vaso sobre ele, que não teve a mesma sorte, e se espatifou pelo chão.
Voou vidro por toda parte, e sabia que aquilo ia sobrar pra ele. Podia até mesmo ouvir o discurso complacente de sua mãe de que, se ele tivesse mais paciência com o pai, nada disso teria acontecido. Basta ignorar, respeitar. Independente de como ele é, "ainda é seu pai".
Dessa vez, perdendo totalmente a paciência, voltou a se virar, realmente o empurrando de volta para o sofá.
— Qual é o seu problema?! — explodiu, sentindo as veias de seu pescoço saltarem pela força que tinha usado ao falar. Sabia que precisava manter a calma, mas Sunwoo costumava ser um grande empecilho.
— Não dê as costas para mim, seu moleque ingrato! — o homem reclamou, tentando levantar novamente, mas acabou apenas por cair pateticamente no chão.
respirou fundo três vezes.
Ninguém iria socorrê-lo se tivesse uma crise e também não poderia fazer o jantar. Seria mais trabalho para sua mãe quando chegasse cansada em casa e Jihyo passaria mais tempo com fome.
— Vai para o chuveiro. — disse apenas. Não era como se Sunwoo fosse capaz de compreender qualquer bronca que tentasse dar nele no momento.
— Você não manda em mim! — gritou, como uma criança. Ele ainda lutava para se levantar do chão, praticamente se arrastando em frente ao sofá, e voltou a dar as costas. Ele não conseguiria atacá-lo de novo nem com muito esforço.
— Foda-se, então, fica ai.
O homem ainda continuou insistindo e o ouviu cair outra vez, agora derrubando a mesa de centro, mas não voltou para verificar.
Como ele mesmo havia dito, precisava fazer a janta, além de arrumar um lanche para sua irmã e arrumar alguma coisa para o gato. Não tinha tempo para isso, mas duvidava que no estado que Sunwoo estava, ele fosse demorar mais de dez minutos para apenas dormir ali mesmo, no chão, onde ele estava.
Lamentava apenas ter que limpar ainda toda aquela bagunça antes da mãe chegar, mas pelo menos dessa vez, não tinha se estressado ao ponto de passar mal novamente.

🔮🔮🔮

Assim como já era costume, acordou antes do despertador tocar. Era sempre assim quando Jihyo decidia dormir com ele. Provavelmente algum instinto adquirido por ser o responsável por ela por tanto tempo.
Era mais fácil se arrumar para a aula se ela ainda estivesse dormindo e depois, já vestido, podia ajudá-la com suas próprias coisas, sem que os dois terminassem atrasados.
Com cuidado, se sentou na cama e buscou o celular para desligar o despertador. Seus olhos ainda estavam inchados de sono e ainda sentia sua mente meio nublada, mas lembrou-se rapidamente do animalzinho que havia resgatado no dia anterior e levantou-se apressado para verificá-lo.
Tinha deixado o bichinho embaixo da cama, escondido caso alguém entrasse no quarto no meio da noite. Com cuidado, puxou a caixa, mas o pequeno mal se moveu, o que imediatamente o deixou preocupado.
Na noite anterior, sempre que o moviam, ele miava baixinho, como se quisesse deixar claro que estava ali, que estava bem. Ele ainda respirava, podia ver isso, mas sequer abriu os olhos e estava esparramado na caixa sem parecer se importar com absolutamente nada. Isso partiu seu coração.
não sabia explicar a afeição que tinha pelo animal. Era mais do que ser seguido para a casa tantas vezes e não se perdoaria se não conseguisse ajudá-lo.
Decidindo que não iria à aula naquele dia, se levantou. O dinheiro era curto, mas daria um jeito de levar o animal a um veterinário, nem que precisasse vender alguma coisa depois. Faria o que fosse possível.
Apressado, temendo que o animalzinho não tivesse muito tempo, separou suas roupas e saiu do quarto, tentando fazer o menor barulho possível para não acordar Jihyo ainda. Seguiu até o banheiro que costumava dividir com a irmã, já que seus pais possuíam um próprio no quarto, e se fechou ali.
Se arrumou o mais rápido possível, vestiu suas habituais roupas pretas, e somente então voltou para acordar a irmã, afastando seu cabelo do rosto com cuidado para despertá-la aos poucos.
— Jihyo, está na hora. — sussurrou, mas a menina apenas resmungou. Estava um pouco mais cedo que o normal, ele sabia, e sentiu-se culpado por isso, mas era necessário. Tinha certeza que ela concordaria quando soubesse que tinha relação com o gatinho embaixo da cama. — Vamos, levante. — pediu de novo, segurando-a pelos pulsos com cuidado para fazê-la se sentar. Ela o fez dessa vez, mas não abriu os olhos, se deixando cair sobre ele para frente.
Dessa vez, riu. Sabia o que ela queria e o fez, erguendo-a em seu colo para carregá-la de volta para seu próprio quarto.
a sentou na cama, mas a menina se deixou cair para o lado, pronta para voltar a dormir novamente. Sabia que era apenas manha, mas estava realmente cedo e sentiu pena por acordá-la antes da hora.
Apesar de saber que Jihyo já podia se vestir sozinha, separou suas roupas e fez isso por ela, tentando poupá-la. Quando terminou, ela mal tinha aberto os olhos ainda, mas já vestia o uniforme da escola e um par limpo de meias.
— Vamos, Jihyo. Para o banheiro, escovar os dentes. — pediu, segurando-a novamente pelos pulsos para ajudá-la a se levantar. Dessa vez surtiu efeito, embora ela ainda estivesse sonolenta. Ela abriu os olhinhos, finalmente, piscando algumas vezes para espantar o sono e pareceu surpresa de já estar vestida.
Ele riu outra vez, achando adorável a enorme interrogação que surgiu em seu olhar ainda meio perdido de sono. Sem dizer nada, ela o encarou, como se esperasse uma resposta, mas ele apenas se levantou para puxá-la para cima também, a incentivando a fazer o mesmo.
— Sim, sim, banheiro. — falou, e apesar de ainda parecer meio perdida, dessa vez ela se moveu. — Precisamos levar o gatinho para o médico, lembra dele? — questionou, e a garota imediatamente arregalou os olhos, despertando em segundos.
, ele não melhorou?! — perguntou, preocupada, e ele suspirou ao negar com a cabeça. Se sentia da mesma forma.
— Não, por isso precisamos sair logo. — explicou, e a menina nem precisou ouvir duas vezes, já correndo para fora do quarto. — Ei, sem correr pela casa! — alertou, nenhum pouco disposto a ter que levar a irmã no médico também, mas apenas pôde suspirar quando foi ignorado. Ela havia batido a porta antes mesmo dele terminar a frase.
Decidindo deixar aquilo de lado, buscou a mochila rosa que Jihyo levava para a escola e conferiu os materiais que ela precisaria naquele dia, tentando adiantar as coisas o máximo que era possível.
Normalmente, era Jihyo quem fazia aquilo, mas ele estava apressado demais para esperar hoje, especialmente porque sabia que isso era algo que ela sempre enrolava em fazer. Jihyo era uma criança obediente na maior parte das vezes, mas ainda uma criança, que nem sempre fazia tudo que você pedia na hora que deveria fazer.
E ela odiava arrumar sua mochila.
Quando terminou, calçou os tênis e pegou sua própria bolsa.
Não sabia se sua mãe tinha tido tempo de deixar o café da manhã pronto antes de sair para trabalhar, mas se não fosse o caso, teriam que comer algo na rua, no caminho até a escola de sua irmã.
Ciente da urgência, Jihyo foi rápida no banheiro e logo estava de volta ao quarto.
Ela tinha coberto os braços com as mesmas pulseiras da noite anterior e estendeu para uma tiara de lantejoulas coloridas, pedindo que ele a colocasse nela.
Jihyo era uma criança excêntrica. Mesmo com uniforme, ela ainda dava um jeito de levar sua individualidade para qualquer lugar. a incentivava, gostava que ela expressasse seus gostos e sentimentos de um modo geral. Poucos pais permitiam que seus filhos fizessem isso, tentando criar apenas pequenas cópias de si mesmos, mas esperava que Jihyo pudesse pensar com a própria cabeça. Era o que queria para a irmã, embora a própria escola a podasse na maior parte das vezes.
As pulseiras mesmo, ele tinha certeza que teriam que sair quando ela chegasse, mas não se importava se ela usasse no caminho.
Por fim, após ajudá-la rapidamente com a tiara, a ajudou também com os tênis antes de descerem juntos para a cozinha, de mãos dadas.
Para alívio de , sua mãe estava ali, e pôde agradecer mentalmente por economizar o dinheiro do café. Não sabia ainda quanto perderia com o gato.
— Já estão de pé? — ela questionou, surpresa ao ver os dois ali.
— Preciso sair mais cedo hoje. — explicou, erguendo Jihyo para ajudá-la a subir nos bancos altos do gabinete.
— Então que bom que eu também levantei mais cedo. — ela sorriu, de forma amigável, mas ele não conseguiu retribuir e viu seu sorriso morrer.
apreciava seu esforço e amava a mulher com toda sua vida. Sabia que ela realmente tentava fazer seu melhor e que, em sua concepção, era exatamente isso que fazia, mas não conseguia mais retribuir aquele carinho tinha muito tempo.
Ela tentava fazer tudo por eles, mas fracassava na maior parte do tempo. Fracassada quando permitia que levassem a vida que levavam, quando abaixava a cabeça para um marido desprezível, quando deixava que ele tratasse a si mesma e aos filhos como queria e não conseguia evitar de se ressentir dela por tudo isso, mesmo estando ciente de que, para a mulher, aquele era o certo.
sabia que a magoava sempre que se afastava ou toda vez que virava o rosto, sem conseguir mais ser o mesmo garotinho que corria para seus braços em busca de carinho, mas não podia evitar.
Estava cansado, e a forma como ela sorria, como se tudo estivesse bem, o cansava mais ainda.
Provando seu ponto, a mulher se esforçou para voltar a sorrir um segundo depois.
— Já tomou seus remédios? — ela questionou, mudando totalmente de assunto, e negou com a cabeça. Tinha acabado de descer, obviamente não havia tomado seus remédios ainda, mas seguiu até um dos armários sem dizer nada, apenas para fazer isso. — Deixe que eu a leve para a escola, tenho tempo, pode seguir com seus compromissos. — a mulher ofereceu, ainda de frente para o fogão.
— Não precisa. — respondeu. Já tinha planejado sua manhã para levar a irmã na escola e ainda ter tempo de seguir até o veterinário.
— Você já fez muito ontem. — ela insistiu. Não entrou em detalhes, mas compreendeu o que estava implícito ali.
Quando a mulher chegou na noite anterior, o jantar já estava pronto, Jihyo alimentada e terminava a lição de casa em seu quarto, mas Sunwoo ainda dormia jogado no chão da sala. já tinha arrumado a maior parte da bagunça, mas ainda colocava a mesa de centro no lugar, o que foi o suficiente para sua mãe entender o que tinha acontecido.
Não tinha muito o que ela pudesse fazer além de lidar com o próprio marido, até mesmo a louça já estava lavada, então foi isso que ela fez, após lançar a um olhar culpado que ele não correspondeu.
Ela passaria o resto do dia tentando compensá-lo, já conhecia o procedimento, mas não era como se adiantasse quando o mesmo dia se repetia todos os dias.
— Está tudo bem. — repetiu, mesmo que não estivesse, e ciente disso, ela também insistiu.
— Ele já saiu, vamos ficar bem. — ela sorriu novamente, e por pouco não revirou os olhos.
— Claro, tem culto hoje, ele precisa começar cedo.
... — ela o repreendeu pelo tom ácido ao se referir ao pai, mesmo que estivesse certo, e ele riu sem nenhum humor. Seu pai era um bêbado, mas o errado era ele de apontar aquele fato, como se ignorar fosse fazer o problema sumir.
— Acho que é melhor eu ir antes mesmo. — resmungou, dando as costas para a cozinha ao desistir daquela discussão. Ainda precisava subir para pegar a caixa com o gato e pensar em uma desculpa para passar por ela sem que a mãe visse, mas qualquer coisa podia apenas pedir que Jihyo gritasse para causar uma distração. Ela entenderia.
, você precisa se alimentar. — a mulher o alertou, preocupada. — Você sabe...
— Eu como no caminho.
— Não é comer qualquer coisa, você precisa se alimentar direito.
— Eu sei me cuidar, mãe. — respondeu, contendo a vontade de lembrá-la que já se cuidava sozinho há muito tempo.

🔮🔮🔮

não tinha muita ideia de como havia ido parar ali. Era claramente uma clínica veterinária, ok. Tinha até uma fachada, enorme por sinal, mas como exatamente ele terminou naquele lugar? Aquela clínica estava obviamente além dos seus padrões de vida e ele nunca tinha reparado naquele prédio antes.
Sim, um prédio. Não era apenas uma clínica, era um prédio inteiro, em uma parte da cidade que ele provavelmente nunca tinha estado.
Ele não entendia o que tinha acontecido, era quase como se alguma coisa apenas o tivesse chamado até ali, algo que ele não podia explicar.
Ainda estava com a caixa em mãos, segurando-a com cuidado. Como o gato mal se mexia, conseguiu entrar no ônibus fingindo ser apenas um trabalho escolar qualquer. Ninguém o questionou.
não prestou muita atenção no caminho e não entendeu bem o motivo, visto que já tinha salvo o endereço da clínica onde pretendia levar o animal até então. Um lugar pequeno, no caminho para a faculdade, e que certamente teria um valor acessível para ele, mas de repente estava ali, em frente a um prédio de pelo menos cinco andares. Grande demais para tratar apenas espécies mais comuns de animais.
Já pronto para sair dali, deu as costas para o lugar, sem nem ao menos pensar muito sobre isso. Não tinha o que pensar, ele trabalhava em um café, não em um escritório de advocacia.
Infelizmente, no entanto, antes de sair, acabou trombando com alguém maior que ele. Não percebeu que não estava sozinho até então.
Seu primeiro instinto foi agarrar a caixa com mais força, tentando proteger de uma possível queda o gatinho já indefeso. Ergueu também a cabeça, para se desculpar, mas acabou arregalando os olhos ao ver quem estava ali. Era o mesmo cara do café no dia anterior, o mais alto.
Imediatamente, pensou que eles estavam mesmo lhe perseguindo, embora não tivesse ideia do que poderia ter feito para os dois. O rapaz loiro até entendia, estudavam na mesma universidade, talvez tivesse olhado torto para ele, ou, quem sabe, não correspondido a um "bom dia" que havia recebido, mas agora o outro também? Não conseguia pensar em nada que pudesse ter feito e fosse forte o suficiente para incomodá-los daquela forma.
Já estava pronto para fugir dali, mesmo sem dizer nada, quando reparou no jaleco que o homem estava usando, com seu nome gravado bem ao lado. "".
Ele era um dos funcionários, provavelmente um veterinário, e se viu ainda mais chocado. Tudo bem, diploma não garantia caráter, mas ele não tinha nada melhor a fazer do que perseguir um universitário em um café?
Por fim, ficou tanto tempo perdido em seus próprios pensamentos, que o homem acabou falando primeiro:
— Me desculpe, eu estava distraído. — se desculpou, sorrindo amigável. Duas covinhas fofas surgiram em suas bochechas por isso, contrastando com a aparência meio bruta e ombros largos, mas apesar de sua aparente simpatia, não se sentiu tranquilo em sua presença.
Dificilmente abaixava a guarda para as pessoas e jamais faria isso perto de alguém que, obviamente, tinha ido procurá-lo em seu lugar de trabalho, sem que ao menos se conhecessem e por um motivo que ele desconhecia.
Tinha certeza que eles queriam algo com ele e não se sentia disposto a descobrir o que.
— Sem problemas, eu já estava indo de qualquer forma. — respondeu rápido, sem pensar muito. Só queria sair dali, agora mais do que antes.
Ele tentou passar por , mas o homem viu o gato em sua caixa e ao invés de lhe abrir espaço, entrou na frente.
— Já foram atendidos? — perguntou, soando preocupado. — O que aconteceu com ele?
— Não costumo frequentar essa clínica, peguei o ônibus errado. — se justificou, tentando desviar novamente, mas mais uma vez interviu.
Ele olhou melhor para dentro da caixa, e estranhou o espanto que viu em seu rosto assim que realmente se permitiu analisar o gato com mais calma. O animal estava tão doente assim, ao ponto de um veterinário se assustar com apenas um olhar?
— O que foi? O que ele tem? — questionou. Não queria manter a conversa, mas foi mais forte que ele. Estava preocupado.
— Por que não sobe comigo e damos uma olhada? — questionou, e imediatamente lembrou de todos os motivos pelo qual aquilo era uma péssima ideia.
— Na verdade, eu deveria procurar outro lugar. — respondeu, dando um passo para trás, como se fosse simplesmente atacá-lo em público.
— Ele não vai ser tão bem tratado em outro lugar. — argumentou, e pela dimensão daquela clínica, tinha certeza que ele estava certo.
— Aposto que não, mas esse lugar está bem fora dos meus padrões. — foi sincero, segurando a caixa com mais força.
suspirou.
— Me deixe dar uma olhada, eu arrumo um bom desconto para você.
— Não acho que você tenha como saber o quanto de desconto eu precisaria.
— Garanto conseguir o suficiente. — respondeu, deixando-o intrigado com a insistência.
— Por que isso? — questionou, sem mais rodeios. Não via sentido em continuar conversando como se já não tivessem se visto antes. — Por que vocês estavam ontem no café e por que agora você está me oferecendo um desconto para olhar o meu gato?
— Eu sou veterinário, por que eu me recusaria a ajudar o seu gato? Eu literalmente estudei pra isso. — falou, escolhendo ignorar a primeira pergunta.
— É o seu trabalho. Você recebe pra ajudar.
— Claro, eu tenho contas pra pagar, mas não vou deixar de ajudar só porque o tutor não tem como pagar.
aceitou aquela resposta, mas não tinha deixado passar que o outro havia apenas ignorado sua primeira pergunta, a principal.
— E por que estavam me bisbilhotando no café? — insistiu, e soube que ele ia mentir antes mesmo do homem abrir a boca.
Algo importante sobre era que ele funcionava como um detector de mentiras. Ele sempre sabia quando estavam mentindo ou pretendiam mentir para ele. Sempre soube, desde criança.
E pretendia mentir.
— Bisbilhotando? — ele riu, como se aquela ideia fosse absurda. Ele estava ganhando tempo, pensando em uma desculpa. ergueu uma sobrancelha em sua direção enquanto esperava. — Só estávamos passando por ali e pareceu um café legal.
— Você está mentindo e por isso estamos indo embora.
Não esperando uma resposta, seguiu em frente, passando por para voltar ao ponto de ônibus. Antes que realmente se afastasse, o homem o segurou pelo ombro, o impedindo de continuar.
— Está bem, está bem. Meu amigo, , ele te viu no campus e ficou curioso sobre você. — explicou, e se virou para ele novamente. — Ele tentou se aproximar, mas como você não deu atenção, ele quis tentar de novo.
— Curioso sobre o que? — perguntou, porque apesar de saber que ele estava sendo sincero dessa vez, "curioso" ainda era amplo demais e não explicava nada. Sequer esclarecia se as intenções deles consigo eram boas ou ruins.
Podia ser literalmente qualquer coisa.
— Eu não sei. — mentiu novamente, o que deixou ainda mais intrigado.
— Você está mentindo de novo. — retrucou, e dessa vez bufou.
— Olha, nós dois sabemos que você não tem como saber realmente se eu estou mentindo ou não.
— Tenho sim. Eu sei que está mentindo e você sabe que eu estou certo.
não parecia muito convencido, mas era como tinha dito, o homem sabia que ele tinha acertado.
— Tudo bem. — admitiu, e sorriu convencido. — Eu não quero e não pretendo te contar o que deixou intrigado. Se quiser saber, vai ter que perguntar para ele. O que eu vou te dizer é que não temos nenhuma intenção ruim. Não sei o que você espera que façamos, mas está errado. Só queríamos conversar quando fomos até lá, assim como agora eu realmente só quero ajudar o seu gato. Ainda estou mentindo?
Não estava, mas aquilo não era a resposta que esperava ouvir. Sequer era uma, na verdade. andava por ai coberto dos pés a cabeça, com o cabelo nos olhos e uma máscara escondendo o rosto. Que tipo de curiosidade havia despertado? Aquilo não respondia nada, apenas o deixava ainda mais incomodado.
, ainda esperando uma resposta, ergueu uma sobrancelha, e se viu obrigado a responder.
— Não, você não está mentindo. — admitiu. — Mas isso não explica nada.
— Você não precisa saber de tudo, apenas que ninguém quer fazer mal a você ou ao seu gato.
Diante de sua resposta, bufou. Não gostava de se sentir no escuro e ainda não confiava no homem. Sinceramente, queria sair dali e seguir para o veterinário que ele tinha pesquisado anteriormente, mas olhou para dentro da caixa, vendo o bichinho ainda mais imóvel que antes, e se deu por vencido.
Ele realmente queria ajudar o gato, isso bastava por hora.
— De quanto desconto estamos falando? — perguntou, e gesticulou para que ele esquecesse isso.
— Deixa que eu me preocupo com a conta. — respondeu, indicando a entrada do prédio com a cabeça. — Vamos subir.

🔮🔮🔮

Um familiar, o gato era um familiar. Nenhum veterinário comum poderia ajudá-lo.
tinha uma teoria sobre o que ele podia ter, mas ela abria espaço para tantas novas perguntas que ele sequer sabia por onde começar.
— Qual é o nome dele? — perguntou, tentando sanar a primeira delas enquanto guiava pelo prédio. Não que saber o nome do gato mudasse alguma coisa, sua intenção na verdade era saber se aquele gato era mesmo do garoto. Desconfiava que não, e teve certeza de que estava certo quando parou de olhar tudo ao redor, ficando repentinamente desconfortável.
— Ele chama... Uhm... Mochi. Ele chama Mochi.
— Tinha esquecido o nome do seu gato? — brincou. Sabia que o garoto tinha acabado de escolher aquele nome, mas fingiu não se importar. Ao invés disso, parou com ele em frente aos elevadores e apertou o botão ao lado para chamá-lo.
— Na verdade, eu meio que o adotei ontem... — respondeu, meio inseguro. Era compreensível, visto que tinha se oferecido para pagar o tratamento do gato. — Eu realmente pretendo ficar com ele, eu só... Não tinha pensado nisso ainda.
fingiu confusão.
— Mas te entregaram um gato já doente? — questionou. Normalmente, ONGs de adoção de animais apenas os colocavam para adoção já tratados e bem de saúde, mas o que queria mesmo era saber onde o tinha encontrado, e como.
— Eu o encontrei na rua.
— Na rua? E ele não tinha nenhuma coleira de identificação? — fingiu estar muito espantado, embora tudo naquela conversa fosse exatamente o que ele esperava. — Ele pode ter um dono.
— Ele me segue há algum tempo até em casa e depois volta para a praça, onde me esperava até o dia seguinte. Ontem ele estava assim, doente, então o levei para casa, mas ele só piorou.
concordou com a cabeça, compreensivo, mas por dentro estava eufórico. Era isso. Familiares não podiam viver se não houvesse mais nenhum membro vivo na família para mantê-lo, já que não eram transferíveis. A única forma dele sobreviver nesse caso seria se o bruxo responsável por ele fosse ligado a um coven. Os bruxos em um coven, apesar de não terem uma ligação familiar de sangue, também eram um clã, uma família ligada por magia, e assim o animal podia viver também.
Ou seja, se estava certo sobre o que o gato tinha, o bruxo responsável por ele estava morto, e o único parente vivo para acolhê-lo não tinha feito isso. Se não porque não o queria, porque não sabia que ele existia.
Ou não sabia que era um bruxo.
Se o gato o estava seguindo, era porque era esse parente vivo. Ele não teria perdido tempo com um estranho aleatório sabendo que sua vida estava prestes a acabar.
sentia seus neurônios a ponto de entrar em combustão. Quem era o bruxo responsável por aquele familiar antes? Como ele morreu? Certamente foi um acidente, ou ele teria se ligado a um clã para salvar o familiar. E como não sabia sobre magia quando tinha um parente mágico? Adoção?
Mas isso não explicava a magia presa dentro dele. Quem fez isso certamente sabia sobre ela.
Eram tantas perguntas...
— Não vai descer? — tinha uma das mãos em frente à porta, a segurando para . Ele mal tinha reparado quando entrou no elevador para início de conversa, curioso demais para se atentar ao ambiente ao seu redor. — Está tudo bem?
— Sim, desculpe. Eu estava pensando sobre o diagnóstico.
— Do gato? — o encarou com confusão. — Você sequer fez perguntas sobre o que ele tem.
— Muitas doenças podem ser contraídas quando se é um gato de rua. — respondeu, e viu o cenho dele franzir.
O garoto podia saber quando estava mentindo. tinha se esquecido disso. Não tinha muita certeza de como ele podia saber, mas era evidente que sabia.
Precisaria perguntar a se isso era algum dom especial de bruxos das sombras e, enquanto isso, tomar cuidado com o que dizia. Especialmente porque precisaria tratar com magia um gato mágico sem que percebesse. Não tinha ideia de como fazer isso.
Quando chegaram a sua sala, a abriu e gesticulou para que entrasse. Assim que ele o fez, fechou a porta novamente atrás de sí.
— Pode sentar, e me diga o que ele tem. Pelo menos o que pôde notar. — se sentou diante dele, em frente ao computador, e enquanto falava, apenas fingiu anotar, pensando em como tratar o gato sem expor a magia. Não sabia exatamente o que estava acontecendo e porque parecia não saber que era um bruxo, então preferiu não arriscar.
Quando o garoto terminou de falar, felizmente, já tinha ideia.
— Pelos sintomas, é com certeza uma bactéria que ele contraiu na rua.
— Me parecem sintomas bem comuns, na verdade. — respondeu, ainda parecendo desconfiado.
O garoto era não só esperto e observador demais como também muito direto. Não era do tipo que fazia gracinhas ou ficava quieto para evitar um clima ruim. Ele apenas dizia o que pensava, e se você não queria que as coisas se tornassem estranhas, bom, não falasse bobagem para começar.
E era essa pessoa que tinha que enrolar.
— Claro, você está certo. — sorriu, tentando ser tão amistoso e diplomático quanto seu clã insistia que ele era. — Mas como eu disse, o histórico ajuda. As conclusões seriam outras se esse gato só vivesse com você em casa.
— Mas você ainda precisa confirmar o diagnóstico, certo?
— Com certeza. — se levantou, seguindo até a mesa esterilizada no canto da sala. — Pode colocar a caixa aqui em cima?
Sem questionar novamente, obedeceu, e pediu licença para retirar Mochi de dentro da caixa.
Achou irônico que tivesse pensado naquele nome em específico, pois era exatamente como chamava quando queria incomodá-lo. dizia ser uma menção honrosa às bochechas fofas do outro, que pareciam um bolinho, e enlouquecia. Não que fosse muito difícil de irritá-lo de qualquer forma.
Voltando a se focar no gato, afastou seus membros de clã dos pensamentos. O animal estava completamente amolecido quando o pegou nos braços e se preocupou que talvez tivesse menos tempo do que pensava. Precisou se apressar para fazer uma inspeção rápida, mas que fosse o suficiente para que acreditasse no diagnóstico sem que fosse feito qualquer exame. O gato certamente não tinha tempo para isso.
aferiu a temperatura do animal, verificou os olhos e garganta e usou tudo que podia encontrar de diferente para justificar a seu diagnóstico. O gato melhorando, esperava que ele não visse necessidade de pesquisar tudo aquilo na internet.
Quando terminou de falar, parecia convencido. cuidou de falar apenas a verdade, associando os sintomas a outras doenças que realmente as tinham como sintomas. Aquilo pareceu resolver o problema de com a mentira e ele finalmente confiou um pouco mais em sua palavra.
— Então, o que podemos fazer? — o garoto perguntou.
— Vou passar uma medicação intravenosa e ele deve estar melhor quando terminar. — contou.
Nunca tinha tentado isso antes, mas acreditava que conseguia empurrar sua magia para dentro do acesso para ir curando o gato aos poucos. Perderia o dobro de tempo, mas não levantaria suspeitas, e não sabia ainda o que estava acontecendo com para se expor para ele.
— Parece simples.
— Apenas porque sabemos o que ele tem e não é muito grave, mas isso mudaria se você não o trouxesse rapidamente, enquanto ainda é reversível. — respondeu, virando-se de costas para preparar o remédio, sem que visse o que ele realmente fazia. Quando conseguiu, quase comemorou alto demais, mas se controlou no último instante.
Enquanto perfurava o gato para aplicar a medicação, manteve sobre ele olhos atentos, pronto para intervir a qualquer momento. sabia que muitos humanos realmente possuíam aquela empatia com animais, mesmo que não os conhecessem, mas podia sentir que a preocupação de era mais que isso. O garoto podia não saber sobre magia, mas era afetado por ela e já tinha se ligado ao familiar sem saber.
A coloração dentro do acesso era ligeiramente brilhante, e fez questão de sair do consultório antes que fizesse alguma pergunta sobre aquilo, deixando-o sozinho enquanto a medicação tratava Mochi. Apenas quando já estava no final, voltou, parando na porta quando viu o garoto conversar com um animalzinho muito mais disposto.
— Não tive tempo de pensar direito, mas o que acha de Mochi? — perguntou, recebendo um miado em resposta.
O gato ainda estava na mesma posição que o tinha colocado, provavelmente sentindo a magia tratá-lo.
Familiares eram tão inteligentes quanto qualquer humano poderia ser e entendiam perfeitamente qualquer coisa que lhes fosse dito. tinha certeza que Mochi compreendia que era ignorante quanto a magia e talvez até soubesse mais sobre isso do que eles. Seu tutor anterior poderia ter confidencializado toda a história com ele, afinal, mas era um segredo que morreria com Mochi, já que gatos não podiam falar.
— Você gosta? — voltou a dizer, acariciando com cuidado o pelo do animal. O gato miou novamente, e dessa vez sorriu, abaixando um pouco a guarda. — Acho que vamos ter algum problema de comunicação se você me responder com miados exatamente iguais. — brincou.
conseguia compreender a diferença entre os miados, não eram iguais, mas não tinha a mesma prática. Mochi o encarou com um olhar cheio de julgamento, como se quisesse responder de forma atravessada e acabou rindo.
— Você parece esperto demais para um gato. — comentou, e decidiu que aquele era o momento de intervir.
Talvez devesse avisar Mochi que era observador demais. Ele precisaria fingir melhor se pretendia esconder o que era.
Assim que notou a presença de , corrigiu sua postura, voltando a fechar sua expressão antes sorridente. Fingindo não reparar, apenas voltou para seu lugar, pedindo que assinasse alguns papéis para ele. O garoto voltou até a mesa.
Havia anotado os sintomas que descrevera na ficha do animal, bem como o tratamento. Não mencionou nomes de remédios ou doenças, mas colocou valores, junto de um recibo esclarecendo que estava tudo pago.
sabia que se lesse direito o papel, estranharia as informações vagas, então caprichou no valor do tratamento, esperando que ele se chocasse o suficiente com isso para evitar fazer qualquer questionamento.
— Ele já parece bem. — comentou, dando pouca atenção ao papel de verdade. Aparentemente, tinha conquistado ao menos um mínimo de sua confiança ao tratar realmente o gato.
— Eu disse que ficaria. — sorriu. — Pode ser que ele fique um pouco indisposto ainda hoje, mas amanhã vai ser como se ele nunca tivesse ficado doente. Só vou precisar que volte aqui na próxima semana para vacinarmos ele, mas já incluí esse valor no final do tratamento. — virou para a próxima página, onde estava os valores, para que não perdesse muito tempo na página anterior.
O garoto arregalou os olhos assim que viu o preço, surpreso, e concordou rapidamente com a cabeça.
— Uhm... Certo. Eu acho. — respondeu, meio sem jeito, assinando rapidamente o papel antes de empurrá-lo para longe.
Mochi não precisava realmente se vacinar, era um gato mágico, mas precisava verificar se ele continuaria bem sob o teto de . Se ficasse, era a comprovação de que Mochi era mesmo seu familiar e precisariam investigar o que estava acontecendo ao redor do garoto.
Talvez fosse realmente hora de repassar aquela questão para , querendo isso ou não. Se aquele gato tinha chego até , alguém tinha morrido.

🔮🔮🔮

não se sentia bem enquanto assistia a aula e conhecia aqueles sintomas melhor do que gostaria.
Sua mente já tinha apagado algumas vezes enquanto olhava para o nada, e em todas elas, quando voltava, sentia aquele mesmo gosto estranho na boca. Sua cabeça doía, seu estômago estava embrulhado. Ficou feliz de ter se esquecido de comer, ou já teria vomitado seu remédio para fora, mesmo que ele não estivesse realmente fazendo efeito de qualquer forma.
não estaria se sentindo assim se o remédio estivesse agindo como deveria, o que também o deixava preocupado.
Por que não estava funcionando?
Não queria ter que voltar ao médico, as infinitas consultas. Tinha medo de descobrir que havia mais algum problema em sua cabeça, como sempre acontecia. Não queria os olhos de sua mãe o tempo todo sobre ele com o dobro de preocupação e pensar em tudo isso o deixava ansioso.
De acordo com seu médico, o pânico também era um sintoma, mas se sentia assim porque estava beirando a uma crise. Não era o pânico que o deixava doente.
Estava no meio de uma aula, e temeu ser novamente o garoto estranho que convulsionava no meio da turma. Isso não tinha acontecido ali ainda. As pessoas o achavam estranho por se esconder e era melhor assim do que cochichando sobre ele ser doente.
Fingia não se importar com o que pensavam dele, mas se escondia de todos justamente por se importar demais. Já tinha escutado de tudo por conta de sua condição, preferia se poupar hoje em dia, mas até quando conseguiria?
desejou poder levantar dali e apenas ir embora. Não precisava pedir permissão, não estava mais na escola, mas se sentia tonto demais e temia que o nervosismo apenas piorasse tudo, desencadeando a crise de uma vez.
Sua melhor opção no momento era esperar a aula acabar. Não se importaria em ter uma crise sozinho, em meio a uma sala vazia, mesmo que acabasse machucando a si mesmo.
não ouviu uma única palavra do que o professor disse, mas ainda assim, estava exausto quando ele finalmente liberou a turma. Seu corpo estava tenso, mas foi proposital quando ele demorou demais para guardar suas coisas.
O professor não o esperou para sair, dizendo que tinha um compromisso, e apenas murmurou que estava tudo bem. Preferia assim.
Era intervalo agora, ninguém entraria ali pela próxima meia hora. Estar sozinho era tudo o que ele precisava.
terminou de juntar suas coisas, mas ficou ali por algum tempo, tentando controlar a respiração. Se sentiu um pouco melhor apenas de saber que não teria testemunhas se algo acontecesse, mas para sua surpresa, até mesmo os outros sintomas foram diminuindo. Sua cabeça pareceu um pouco mais em ordem, a dor diminuiu. Sentiu que poderia chorar de alívio com isso.
Após esperar mais alguns instantes, tentou se levantar, e agradeceu mentalmente quando o mundo não girou ao seu redor.
Poderia chegar até o banheiro e esperar lá até que todos voltassem para suas aulas, assim teria os corredores livres para ir embora sem passar por nenhum constrangimento. Parecia o plano perfeito.
Saiu da sala apressado, ou o máximo que pôde, mas congelou onde estava quando simplesmente encontrou Mochi bem ali, parado à sua frente, no meio do corredor. Ele estava sentado tranquilamente, como se o esperasse, e piscou duas vezes para ele, totalmente confuso.
Era algum sintoma novo? Agora teria alucinações? Esfregou os olhos como se isso fosse resolver alguma coisa, mas Mochi estava realmente ali e ainda miou para deixar bem claro.
Mas não era realmente possível que ele estivesse ali, era? Tinha certeza de que o tinha deixado em casa, dentro da mesma caixa do dia anterior.
Mochi chegou totalmente bem em casa, como se nunca tivesse estado doente. o alimentou e pediu que ficasse quietinho ali, sem sair do quarto. O gato o viu se afastar e ir embora, como se tivesse entendido exatamente o que havia pedido, mas então, ali estava ele.
Como?
precisava tomar ônibus para chegar à faculdade, não era possível que um gato simplesmente tivesse andado por todo caminho até ali, era?
Novamente, o gato miou, como se tentasse chamar sua atenção, mas ele ainda temia falar com o animal e descobrir que era uma alucinação de sua mente meio prejudicada.
— Oh, o que você está fazendo aqui? — outra voz perguntou, e se alarmou ao reconhecê-la imediatamente.
.
O garoto não parecia tê-lo visto ainda, estava vindo de um corredor a esquerda de e o gato estava bem no cruzamento entre eles. Ele se aproximou de Mochi, já se abaixando para pegá-lo nos braços, e o gato foi de bom grado para seu colo, miando animado enquanto se esfregava nos ombros do outro como um bom traidor.
sabia que não estava aliciando agora, mas preferia que estivesse. Não gostava de ainda, não sabia o que ele queria consigo, e quando os olhos dele voltaram para os seus, quis fugir. Não gostava de atenção, e ali estava o único estranho que parecia querer alguma coisa dele.
Em um instante, todos os sintomas que haviam desaparecido durante a aula voltaram. Sua cabeça doeu, seu estômago embrulhou, e sua visão escureceu rapidamente. Teria uma crise ali mesmo.
Ciente de que a porta do banheiro estava perto, tentou se apressar até lá, mas precisou escorar na parede para não cair, o que imediatamente alarmou e o levou a devolver o gato para o chão.
? Você está bem? — questionou, aproximando-se junto de Mochi que imediatamente pulou em suas pernas, voltando a miar.
desejou afastar os dois, queria ficar sozinho, precisava estar sozinho. A atenção só piorava tudo e ainda era um estranho, mas não se sentia capaz de apenas dizer isso e mandá-lo embora.
Às cegas, tentou seguir seu caminho, fugir de e chegar ao banheiro, mas o outro entendeu apenas a segunda parte, aproximando-se para ajudá-lo. o segurou pelo quadril e passou um de seus braços sobre os ombros, tentando guiá-lo até lá.
— O que está acontecendo? — perguntou, aflito, mas não respondeu, sentia sua consciência lhe deixando. Todo seu peso estava sobre agora, sabia disso, mas não conseguia mais evitar. — ?!
conseguiu chegar até o banheiro, praticamente o arrastando para lá. Ele abriu a porta, e apenas não caiu ali dentro porque o outro o amparou. Ouviu gritar seu nome outra vez, mas sua mente já estava longe demais. A última coisa que ele se lembrava de ter visto, foi uma luz muito clara diante de seus olhos, antes de apagar completamente nos braços do garoto que ele estava tentando evitar.

🔮🔮🔮

desabou sobre ele e o peso de seu corpo levou os dois ao chão. caiu sentado e bateu com a cabeça na parede, mas apesar da dor, não soltou o outro, que terminou jogado entre suas pernas.
levou alguns segundos para se dar conta do que realmente acontecia após o choque inicial e se desesperou quando percebeu que estava convulsionando. Imediatamente, colocou a cabeça para funcionar. Tinha um médico em casa, sabia o básico sobre primeiros socorros.
Com alguma dificuldade, tentou usar o próprio corpo para virar de lado, evitando realmente restringir seus movimentos muito além daquilo. A cabeça dele estava em seu peito, devidamente segura, e além disso, não havia muito mais a ser feito, por mais desesperadora que a situação fosse.
trabalhava em uma clínica veterinária, via aquele tipo de coisa acontecer com os bichinhos com alguma frequência desagradável, mas nunca ficou tão nervoso antes. Talvez por saber que não poderia tratar aquilo. não era um cachorro e menos ainda um de seus pacientes. Ou porque essa era apenas mais uma coisa estranha ao redor do garoto de aura triste. sentiu muito por ele e desejou poder abraçá-lo até que passasse, mas se conteve. Sabia que não ajudaria.
Repentinamente, sua perna passou a ser arranhada e ergueu o olhar, vendo o gato de antes, do corredor, tentando chamar sua atenção. Ele parecia desesperado, como se quisesse dizer algo, e arregalou os olhos quando finalmente compreendeu. Aquele gato, a forma como estava sentado no meio do corredor, ele não era um animalzinho qualquer. Era um familiar, de . Seu coração deu um salto no peito.
Ele era um bruxo sem magia, mas com um familiar. A magia não fluía em seu corpo como em outras pessoas, ela estava presa dentro dele. também era, provavelmente, o único bruxo como ele vivo depois de todos os outros terem sido exterminados. Era coisa demais para ser coincidência, e incluía nessa conta o fato dele estar convulsionando. Algo estava muito errado. Precisava contatar , e talvez também.
O gato miou alto, um som sofrido, e voltou a se focar nele.
— Temos que esperar passar. — explicou, voltando a olhar para . Os espasmos estavam diminuindo, mas não sabia até que ponto o pós de uma crise convulsiva era igual em um humano e um animal. O gato miou novamente, e apesar daquele familiar não ser seu, não teve dificuldade em entender o que ele queria dizer. — Vai passar. — assegurou. — Apenas temos que evitar que ele bata a cabeça e esperar que passe. Já está passando.
Confiando em sua fala, o gato se sentou onde estava, soltando apenas mais um miado baixinho enquanto aguardava, mas não demorou muito para que se acalmasse. Tudo aconteceu em menos de dois minutos, e suspirou aliviado quando o viu abrir os olhos.
? — chamou, se inclinando para tentar ver seu rosto. — Está tudo bem?
O garoto piscou duas vezes, mas não se moveu ou tentou encará-lo. Sua mente ainda parecia totalmente fora de órbita, o que deixou ainda mais preocupado.
— Está me ouvindo? — voltou a chamar, e como se quisesse ajudá-lo, o gato miou em seguida, levantando-se de onde estava para se aproximar um pouco mais. Ele foi para a esquerda de , ficando em frente ao rosto de . O gato lambeu sua bochecha e o garoto resmungou qualquer coisa, escondendo o rosto em sua camisa para fugir do animal.
Ele não parecia ter notado ali ainda. Não parecia lúcido o suficiente para isso.
? — chamou novamente, tocando seu ombro, mas ele não respondeu mais e questionou se o garoto havia dormido ou desmaiado. Precisava fazer alguma coisa, mas não tinha muita ideia do que. Se fosse o caso de uma doença normal, ligaria para uma ambulância, mas sentia que não era isso.
Mantendo na mesma posição, se remexeu para buscar o celular no bolso da calça. Quando conseguiu, procurou o contato de . Tinha certeza que ele saberia o que fazer.
O líder do clã atendeu no segundo toque.
? — falou ele do outro lado da linha, parecendo confuso. — Você não deveria estar em aula?
— Estou no intervalo, na verdade. — explicou, antes que o outro reclamasse. era do tipo que levava os estudos um pouco a sério demais, e apesar disso ser meio chato às vezes, também era o motivo pelo qual havia ligado para ele para início de conversa. Ok, era médico, mas além disso também sabia tudo sobre tudo. — Preciso que me diga o que fazer após uma convulsão.
— Você não deveria aprender isso na aula?
— Se eu estivesse falando de um pet, sim, mas minha pergunta é sobre um humano.
, aconteceu alguma coisa? — ele voltou a perguntar, agora soando preocupado.
— Sim, mas não comigo. É sobre o , o garoto de ontem-
— Eu lembro dele. — o interrompeu quando começou a explicar. — Ele esteve aqui hoje.
— Esteve?!
— Sim, com um gato.
— Um familiar?! — sugeriu, arregalando os olhos enquanto se voltava para o animal ao seu lado. Ele o encarava com um olhar cheio de julgamento e podia compreender o motivo. Tinha dito que ficaria bem se apenas esperassem, mas ele não havia acordado. — Então ele sabe sobre magia?!
— Era um familiar, mas o garoto não parecia saber disso.
— Como ele tem um familiar e não sabe?
— Ele acha que encontrou o gato perdido na rua. — explicou, e ficou ainda mais surpreso quando terminou de processar as informações.
Familiares não se perdiam e muito menos podiam ser encontrados. Se estava com ele era porque o gato pertencia a ele e só tinha uma forma disso acontecer.
— Alguém morreu. — concluiu em voz alta e logo concordou.
— Sim, aparentemente. Mas se ele não sabe sobre a magia, então também não sabe quem foi. — respondeu, e suspirou. Será que conseguia uma lista dos últimos bruxos mortos para tentarem localizar quem era o parente morto do garoto? — Mas como você sabia que era um familiar? — voltou a questionar, e deixou seus pensamentos de lado. Por enquanto.
— Gostaria de dizer que é porque nossa clínica veterinária é para animais mágicos, mas na verdade é por causa do gato que está me olhando agora, pronto para voar no meu pescoço se o garoto não acordar logo.
— Ah, certo. Isso. O que aconteceu? — voltou a perguntar, lembrando-se do assunto inicial da ligação. — Tem a ver com o papo sobre convulsão?
— Sim, convulsionou. Eu impedi que ele se afogasse, mas depois que acabou ele abriu os olhos apenas por alguns segundos antes de apagar de novo e eu não sei o que fazer. Eu ligaria para uma ambulância, mas você deve concordar comigo que isso não parece ser um problema humano comum.
— Onde você está? Vou pedir para o me levar ai. Ou trazer vocês, no caso.
— Beleza. Estou no banheiro da ala C.
— Não tenho ideia do que isso significa, mas descubro.
— Siga as placas. — respondeu, mesmo ciente de que não era bem assim que o poder de funcionava.
— Claro, vou pedir pra ele fazer isso enquanto teletransporta a gente. — devolveu, não esperando uma resposta antes de desligar a ligação.

🔮🔮🔮

— Vocês podem me explicar de novo por qual motivo trouxemos alguém potencialmente perigoso para nossa casa? — perguntou, encarando ao longe de braços cruzados.
Mochi, como descobriu que se chamava o gato, mostrava os dentes sempre que ele tentava chegar perto. Podia sentir que não gostava de e como o garoto não podia se proteger, fazia isso por ele.
nunca faria mal a alguém se não fosse atacado antes, ele apenas estava preocupado com a segurança de todos no coven, mas Mochi não tinha como saber disso.
e eram o que os bruxos chamavam de irmãos de magia. , quando nasceu, não possuía magia o suficiente no corpo para se manter vivo. Dessa forma, sua única esperança era um ritual de permutação, onde outro bruxo recém nascido lhe doava parte de sua magia. Era uma espécie rara de ritual, visto que os dois bebês precisavam possuir magias opostas, mas os dois, coincidentemente, eram. Esse era o motivo pelo qual hoje era um bruxo da luz, embora não possuísse todas as capacidades plenas da classe.
era capaz de fazer clones de sí mesmo usando a manipulação da luz, além de realizar teletransporte fotocinético, duas habilidades que nunca chegou a dominar.
— Potencialmente perigoso? — questionou, gesticulando para a cama onde havia sido colocado. Ele ainda estava desacordado, sendo examinado por . — Ele realmente parece perigoso pra você?
revirou os olhos.
— Estar desmaiado não muda o fato de que ele pode ser perigoso. — respondeu. rapidamente abriu a boca para retrucar de volta, mas uma característica de ter como seu irmão de magia era que podiam prever o que o outro estava pensando. sabia exatamente qual acusação tinha para ele e a rebateu antes que ele tivesse oportunidade de verbalizá-la. — Não, eu não estou falando por conta da magia das sombras dentro dele. Eu sei que ela também está em você, não me acuse de me importar com isso. O problema é que ninguém sabe nada sobre ele. Não existe nenhum registro em seu nome ou sobrenome em nenhum banco de dados. Se ele está se escondendo, tem um motivo, e vocês o trouxeram aqui sem saber qual é.
— Tecnicamente, você trouxe. — deu de ombros, ignorando a preocupação do outro, e o repreendeu:
. — chamou, olhando duramente para ele. — está certo. Não podemos permitir que qualquer um passe por nossas barreiras de proteção. Elas não foram colocadas ali atoa. — falou, voltando-se para em seguida, antes de continuar. — No entanto, receio que a culpa seja minha, eu dei a ideia de trazer ele pra cá. Também não acreditei que ele fosse perigoso.
— Por que também falou com ele quando estava acordado. — explicou. Sabia que o líder havia sentido no garoto a mesma aura triste que ele sentiu.
A magia das sombras repelia as pessoas. provavelmente teve uma vida solitária sem entender o motivo. se comovia por isso, pois sabia que podia ter sido ele caso sobrevivesse sem . Sentia uma amostra disso sempre que pessoas mágicas viam sua verdadeira forma e era o motivo pelo qual também se escondia.
— Posso entender como você se sente sobre ele, , mas pessoas mentem o tempo todo e nenhum dos dois são telepatas para termos uma noção da índole do garoto.
— Podemos não ser, mas ainda somos três contra um. — o lembrou. — Ele definitivamente não representa um perigo maior que a gente. Ele nem deve ter passado dos anos de vida humanos ainda.
— Não passou. — respondeu, voltando-se para eles após terminar seus exames. — Ele realmente tem a idade nos documentos dele, vinte e três anos.
— O que nos coloca com setenta anos a mais. — fez questão de ressaltar e revirou os olhos mais uma vez.
— Só estou tentando guardar nossa casa. — respondeu, dando um passo para dentro do quarto, mas Mochi imediatamente se levantou, colocando-se entre e novamente enquanto rosnava para ele. — Escuta aqui, se eu quisesse machucá-lo não precisaria chegar perto! — brigou com o bicho, apontando em sua direção, mas Moch não deu a mínima, apenas continuou rosnando com os pelos eriçados. bufou, voltando um passo para trás, e somente então o gato voltou a relaxar. — Familiares são chatos. — reclamou, e o gato resmungou de volta.
— Eu tenho certeza que ele te xingou. — riu.
— Eu sei. — respondeu, cheio de desgosto. — Você também.
negou com a cabeça, achando graça que o melhor amigo estivesse brigando com um animal que sequer podia falar, mas voltou-se para em seguida, ainda preocupado com o garoto.
— Mas e ai? Descobriu mais alguma coisa sobre ele? Ou o que ele tem?
já havia dito que a convulsão de , independente do motivo, não havia causado qualquer dano em seu sistema neurológico ou sido causado por um problema em seu cérebro. Diante disso, decidiu que o sono pesado dele era provavelmente algum sintoma comum pós convulsão. Ele chamou isso de sintoma pós-ictal e disse que ficaria bem.
O problema era que, se o garoto não tinha motivos para convulsionar, então porque havia convulsionado? Era isso que estava tentando descobrir.
— A convulsão é definitivamente um efeito colateral do que está bloqueando a magia dele, mas não consigo desvendar o que é ou como libertar. Parece ser uma magia antiga demais para mim. Não consigo sequer ver o selo de quem fez.
— Mais antigo que você? — perguntou, surpreso. , apesar de sua aparência corresponder a no máximo vinte e seis anos, tinha quase cento e trinta.
— Eu vivi menos de um terço de uma vida bruxa, . — o outro explicou, mas entendia sua indignação. Seus membros de clã eram as pessoas mais velhas que os dois conheciam.
— Ainda é muita coisa! — exclamou. — Dificilmente encontramos bruxos que viveram uma vida completa.
— Isso porque antigamente existiam muitas guerras. Hoje em dia não é mais assim.
— Certo, mas e ai? — os interrompeu novamente, tentando voltar ao assunto. — Não podemos fazer nada, então? Ele vai continuar convulsionando?
— Se a magia dele não for liberta, a tendência é que as convulsões passem a ocorrer em uma frequência cada vez maior, até que realmente haja algum dano cerebral ou que ele não aguente mais.
— E como se liberta algo que a gente nem sabe como foi preso? — perguntou, mas o problema era justamente aquele. Ninguém sabia, nem mesmo , que normalmente sabia de tudo.
sentiu seu peito apertar, mesmo que não conhecesse o garoto.
— Nossa única pista é Mochi. — falou, decidindo contar a eles a ideia que havia tido. — Alguém morreu para que Mochi fosse transferido para ele. deve conseguir descobrir quem foi. Se ele achar a pessoa, saberemos por onde começar a investigar. Algo no passado dele deve levar até quem prendeu a magia dentro dele.
— Isso supondo que ele já não saiba e esteja tentando se esconder por outro motivo. — sugeriu, mas negou rapidamente.
— Não está.
— Você não tem como saber, . Já falamos sobre isso. — retrucou, mas podia sentir que ele não estava, mesmo que não pudesse explicar o motivo.
precisava de ajuda. Algo dentro dele gritava por socorro e apenas podia escutar. Talvez fosse a magia das sombras se comunicando por ele, mas não importava. precisava dessa mesma magia para viver. Um fazia parte do outro.
— Então talvez devêssemos realmente chamar . — sugeriu, porque acreditava que estava certo o suficiente para chamar um telepata para tirar a prova.
Antes que pudesse responder qualquer coisa, no entanto, o garoto na cama suspirou alto, chamando a atenção de todos no quarto. Eles se voltaram para ele, esperando que acordasse, e lentamente seus olhos se abriram.
Mochi miou ao seu lado, chamando sua atenção, e seguiu o som, notando então que não estava sozinho ali. Parecendo assustado, se sentou rápido na cama, ou tão rápido quanto poderia, enquanto olhava para os lados.
tinha falado algumas coisas sobre sintomas após convulsão, que ele provavelmente estaria meio letárgico quando acordasse. Ele realmente parecia assim, embora ainda pudesse sentir também seu receio.
Acordar em um lugar estranho com pessoas estranhas ao redor após desmaiar deveria ser perturbador. Deveriam ter pensado nisso antes de simplesmente levá-lo para um lugar diferente. Tinha sido uma ideia estúpida.
— Onde eu estou? — questionou, inseguro, enquanto seus olhos examinavam cada um deles cuidadosamente. Tinha certeza que se alguém desse um único passo em sua direção, ele levantaria em um pulo. não tinha dúvidas disso.
— Você passou mal, não se lembra?
— Eu me lembro de estar na faculdade. — o respondeu de forma acusatória. precisava admitir que merecia.
— Sim, no banheiro. Mas você convulsionou e eu não sabia o que fazer, então liguei para o . — apontou para o outro, lembrando-se de que deveria dizer apenas a verdade. Alguns bruxos como ele podiam ler através das mentiras e, de acordo com , era um deles
O garoto franziu o cenho, confuso.
— Para um veterinário?
também é médico. — explicou, mas o garoto apenas pareceu ainda mais perdido.
— Ele é médico e veterinário? Quantos anos ele tem? — se voltou para .
— Eu fiz alguns anos de medicina, mas acabei mudando de especialidade. Preferi priorizar os animais. — explicou, tentando soar meio vago para que não identificasse a mentira.
não tinha feito apenas alguns anos de medicina, ele havia se formado. Atuou como cirurgião geral por alguns anos antes de decidir ir para a cardiologia. Acontece que, quando se tem tanto tempo livre, mudar de carreira é até bem fácil. Cinco anos de estudo era nada para eles, mas não tinham como explicar isso a sem contar sobre a magia.
— Como eu terminei aqui? — ele voltou a perguntar, dando pouca atenção para a história de . Aparentemente, ser vago funcionava.
— Você não acordou depois que a convulsão passou e eu não podia só te largar no banheiro jogado. — respondeu. — Essa é nossa casa. É perto da faculdade. nos ajudou a te trazer. — apontou para o outro que apenas se manteve parado na porta, olhando seriamente para ao longe.
Com o olhar, o repreendeu. era ótimo em intimidar as pessoas. Um sorriso e ele amolecia qualquer um, mas com a expressão séria, parecia outra pessoa. Alguém certamente muito mais rude do que ele realmente era, mas não pareceu se importar.
O garoto franziu o cenho novamente, e todos conseguiam ver que ele ainda tinha muitas perguntas em sua mente. Ele parecia lutar para fazer com que seu cérebro funcionasse adequadamente, mas estava perdendo. Era evidente que ele ainda não estava muito bem. Na verdade, notou que ele parecia estar empalidecendo muito rápido e não foi o único, pois voltou a se aproximar dele rapidamente.
— O que você está sentindo? — perguntou, sentando-se ao seu lado na cama para apoiar suas costas caso desmaiasse novamente ou voltasse a convulsionar. — Tontura? , vá buscar um copo de água.
O bruxo pareceu pronto para discutir, mas bastou um olhar duro de para que obedecesse.
— Eu vou ficar bem. — voltou a falar, após respirar fundo algumas vezes. — Eu tenho epilepsia, foi só uma crise.
— Isso acontece com frequência? — questionou ainda.
— Não muito. Têm alguns gatilhos.
— Como o quê? — insistiu, aproveitando-se do garoto estar letárgico demais para pensar em não responder.
— Ficar muito nervoso.
— Você estava nervoso na aula? — estranhou, lembrando-se de que o encontrou saindo de uma das salas, mas negou.
— Não acontece imediatamente. Pode ser efeito de um ou dois dias antes. — explicou, e não pôde deixar de se questionar se não tinha contribuído para isso.
Tinha feito o garoto achar que estava sendo perseguido, afinal, e pela expressão no rosto de , soube que o outro pensava a mesma coisa.
— Eu deveria ir embora. — ele falou repentinamente, escorregando na cama para poder colocar as pernas para fora.
— Calma, você ainda não parece bem. — se levantou para lhe dar espaço. — Você pode ficar mais um pouco.
— Eu não sei que horas são e eu preciso trabalhar.
— Trabalhar? — questionou, vendo o outro levantar. Ele pareceu vacilar, mas o amparou rapidamente. — Você precisa descansar.
— Ainda não deu o horário final da aula. — falou também. — Você pode ficar até precisar ir para o trabalho.
— Eu realmente gostaria de ir. Posso descansar lá enquanto o expediente não começa.
— Tudo bem, mas deixa eu te dar uma carona? Por favor? — perguntou. — Não tem como você ir andando até lá assim. Você parece péssimo.
pareceu pronto para protestar outra vez, mas acabou concordando por fim. Se estava tão evidente para eles que o garoto não estava bem, certamente podia sentir. Andando sozinho, dificilmente chegaria até qualquer lugar sem desmaiar no caminho e ele provavelmente sabia que tinha dado sorte por nada de ruim ter acontecido ainda.



Pela primeira vez desde que começou a trabalhar com , conseguiu facilmente uma folga, sem precisar se humilhar antes. Aparentemente, o líder do clã estava tão preocupado com quanto ele.
Durante o caminho até o café onde o garoto trabalhava, apenas dormiu. Ele parecia tão perdido em sua própria mente quanto avisou que ele estaria. Ele parecia cansado e letárgico, o que apenas preocupou ainda mais. deveria ir para casa, descansar, não para o trabalho, especialmente quando seu serviço exigia que ele ficasse de pé o dia inteiro.
Acontece que, quando comentou isso com , sua intenção já era pedir uma folga para vigiá-lo, mas o líder do clã a ofereceu antes mesmo que precisasse pedir. Ele, obviamente, aceitou, fingindo que nunca antes havia pensado sobre isso.
De dentro do carro, o observou de longe, aproveitando-se das janelas de vidro do café. Viu o garoto atender as mesas parecendo sonolento, até que decidiram deixá-lo atrás do balcão, provavelmente notando que ele não estava em seu melhor estado de espírito. Quando finalmente deu a hora de ir embora, passou pela porta da frente com a mesma mochila de antes e um moletom tão grande quanto os outros que o viu usando. O gorro, como de costume, estava sobre sua cabeça, cobrindo quase totalmente seus olhos, como se ele estivesse tentando se esconder do mundo. não duvidava que estivesse, e conseguia entender seus motivos. Sentiu seu peito apertar em pensar neles.
Assim que virou a rua, deu partida no carro, abrindo a janela quando finalmente se aproximou dele.
, oi! — exclamou, todo entusiasmado, como se tivesse encontrado o garoto totalmente ao acaso. — Pensei em te dar uma carona para casa, que bom que cheguei a tempo!
— Eu vi seu carro estacionado do lado de fora o dia todo, não sou cego. — o outro respondeu, tão direto como sempre.
riu sem graça, tentando pensar rapidamente em uma desculpa.
— Colocando dessa forma soa um pouco estranho, mas...
— É estranho. — o interrompeu, antes que ele terminasse sua fala. Ele sequer havia parado de andar, o que obrigou a seguí-lo de perto com o carro, exatamente como um stalker faria.
Mais uma vez, riu sem graça. Normalmente ele não era tão ruim em se aproximar das pessoas, mas com ele parecia estar fazendo tudo errado o tempo todo.
Por uma brecha no zíper da mochila, Mochi colocou a cabeça para fora. O gato ainda estava com ele e pôde sentir o julgamento no olhar do animal. Olhou feio para o bicho, que devolveu um olhar de completo desdém antes de voltar para dentro da mochila.
— Eu não estava no carro, aproveitei que tinha vindo te deixar no serviço e fui ajudar uma amiga minha que trabalha na loja da frente.
Se tivesse pensado um pouco, teria deduzido que era uma péssima desculpa, mas não teve muito tempo para isso quando Mochi o distraiu.
— Você foi ajudar sua amiga em uma loja de lingerie? — devolveu, e arregalou os olhos. Óbvio que estava mentindo, não tinha ideia do que havia na frente no café. Não imaginava que era uma loja de lingerie, mesmo tendo passado a tarde inteira encostado ali.
A verdade era que , sem aquele moletom enorme, era adorável. Ele era alto e tatuado, mas arregalava os olhos de forma fofa quando os clientes falavam, como se precisasse fazê-lo para ouvir melhor. Como se isso não bastasse, ele ainda franzia o nariz em momentos totalmente aleatórios, como se estivesse coçando e não pudesse colocar a mão para coçar. passou a tarde inteira vendo a forma como ele agia. Tinha certeza que ninguém imaginaria o quão fofo ele podia ser escondido embaixo daquele moletom.
— Uhm, eu conheço a dona. — insistiu na mentira, ainda seguindo o garoto com o carro. revirou os olhos.
— Não tem uma loja de lingerie na frente. — declarou, e deixou o queixo cair.
— Você mentiu para mim?! — perguntou, surpreso. Parando para pensar, talvez devesse ter previsto.
— Você também mentiu.
— Certo, você está certo, mas eu só estava preocupado.
— Você age como um stalker. — o outro respondeu. Durante toda a conversa, andava olhando apenas para frente, com as duas mãos nos bolsos. Em momento algum ele desviou sua atenção para . — Você me seguiu ontem, me levou para sua casa enquanto eu estava desacordado e agora está querendo saber onde eu moro, depois de ficar me vigiando o dia inteiro.
Ok, colocando dessa forma, precisava admitir que soava péssimo, ele parecia realmente um psicopata. Se fosse o contrário, não confiaria em de forma alguma.
— Eu só queria te dar uma carona… — suspirou, se sentindo um idiota por ter agido da forma como agiu.
— Não vou deixar que você simplesmente descubra onde eu moro.
— Você diz isso, mas continua andando enquanto eu te sigo, eu vou acabar descobrindo de qualquer forma. Se você entrasse, poderíamos pelo menos chegar mais rápido. — sorriu, mas esqueceu-se que ele não estava olhando. Voltou a fechar a cara, descontente, e ouviu Mochi soltar um bufo. Quando olhou para a mochila, viu que o gato o observava novamente e o bufo foi o mais perto que ele pôde chegar de rir da sua cara.
De repente não gostava mais daquele gato.
— Você acha mesmo que eu estou andando até a minha casa enquanto você me segue? — perguntou, finalmente virando a cabeça para encará-lo. Ele tinha uma sobrnancelha erguida, como se chamasse de idiota. provavelmente era mesmo um idiota, estava agindo como tal desde o início daquela conversa. — Se me seguir eu vou demorar mais para voltar para casa, apenas isso. E se eu desmaiar no caminho, no meio da rua, a culpa vai ser totalmente sua de novo.
— De novo? — se espantou com aquela fala, quase perdendo a direção do carro por um instante. Já tinha pensado naquela possibilidade e havia negado. Odiou a ideia de ser o causador daquela crise. Em momento nenhum sua intenção foi fazer mal a ele e sentiu-se extremamente culpado por isso. — Sua crise anterior foi realmente minha culpa?
Notando sua preocupação, suspirou.
— Não foi culpa sua, muitas coisas aconteceram. — explicou, como se também estivesse se sentido culpado. — Por favor, só vá pra casa e me deixe em paz. Eu não sei o que eu fiz pra chamar sua atenção dessa forma, mas eu estou pedindo pra me deixar em paz. Não é tão difícil.
se sentiu ainda mais idiota com aquele apelo. Estava perseguindo alguém que tinha todos os motivos do mundo para preferir estar sozinho. Também tinha seus motivos para estar fazendo isso, precisava se aproximar, mas podia ter sido mais sutil.
— Eu não quero te fazer mal e nem tinha a intenção de ficar te espionando por maldade, eu juro. Eu só estou preocupado, nada a mais. me deu folga hoje e por isso decidi ficar por perto. Você não parecia bem, eu achei que não ia aguentar o expediente completo. Não era a intenção realmente ficar o dia todo. — foi sincero. — Me deixa te dar uma carona, eu não tenho nenhuma intenção ruim e nem me importo em saber onde você mora. Não vou fazer nada com essa informação.
pareceu pensar um pouco sobre o que ele estava dizendo e novamente o encarou. Por um instante, o garoto pareceu olhar no fundo de sua alma e se arrepiou. Por fim, pareceu acreditar em sua fala e finalmente concordou.
— Tudo bem, eu aceito a carona. — respondeu, e comemorou em alto e bom som, o que o deixou constrangido em seguida, especialmente porque não sorriu de volta ou disse qualquer coisa, ele apenas parou de andar e esperou que também parasse o carro para que ele pudesse entrar. Quando o fez, ele pulou para o banco do passageiro em completo silêncio, cuidando apenas de tirar a mochila para não esmagar Mochi dentro.
não pôde deixar de notar que, se o garoto estivesse dormindo como antes, seria menos constrangedor. Ele não parecia do tipo falante.
— Certo, onde você mora? — perguntou, mas apesar de realmente precisar daquela informação, sua principal intenção era puxar assunto.
— Segue em frente. — o outro respondeu, simples. Claro que ele não ia facilitar.
— Você não vai me dar o endereço para eu por no GPS?
— Não.
— Você sabe que o endereço vai ficar salvo quando chegarmos, não sabe? Não vai fazer diferença.
— Se você não seguir eu vou descer. — respondeu, e imediatamente deu partida no carro.
— Tudo bem, tudo bem. — ele teria que procurar outra forma de puxar assunto se não quisesse deixar o carro em um silêncio constrangedor. — Como você se sente, está melhor?
— Sim.
— Você tem o gato há muito tempo?
— Não.
— Uhm, ok... — segurou o riso, embora fosse de constrangimento. — Eu estou tentando puxar assunto, aqui.
já sabe sobre isso, eu contei para ele quando levei Mochi até lá. — respondeu. ficou satisfeito de ser uma frase um pouco mais longa, mas ainda não resolvia a questão de puxar assunto. Ele basicamente estava mandando perguntar a .
— Certo, eu tinha me esquecido disso…
— Vira à esquerda.
— Nessa esquerda? — perguntou, ele estava na pista da direita, longe da rua onde deveria entrar. Torceu para que não fosse, mas claro que era. Precisou virar rapidamente para não perder a entrada e pelo menos três carros buzinaram para ele por causa disso. — Você tem que me avisar antes! — exclamou, indignado. Podia ter batido!
— Eu avisei. — ele respondeu, como se fosse óbvio. o encarou chocado.
— Mais antes que isso! Eu preciso dar a seta!
O garoto deu de ombros e estava pronto para perguntar se ele era louco por não ver a seriedade do que tinha acontecido, mas amoleceu quando percebeu que segurava o riso. Era a primeira vez que conseguia alguma reação dele diferente de tédio e incômodo. Ficou realmente feliz com isso.
— Na próxima direita você vira de novo. — falou.
— Nossa, muito obrigado. — deu a seta, e o garoto apenas olhou para fora, tentando soar indiferente novamente. Tudo bem, já sentia que tinham tido um progresso.
Quando virou a direita, como instruído, notou que era rua sem saída. Era ali que ele morava, então. Um lugar aparentemente tranquilo com casas simples. Era confortável e próximo do café. Realmente dava para vir andando, mas se sentiu mais tranquilo em tê-lo trazido de qualquer forma.
Um pouco mais adiante uma pequena comoção chamou a atenção dos dois e imediatamente ergueu a cabeça, parecendo preocupado. , que olhou primeiro para , acabou demorando mais para notar o que acontecia, especialmente porque o garoto ao seu lado simplesmente soltou o cinto de segurança e praticamente pulou para fora do carro.
, enlouqueceu?! — gritou, mas ele já batia a porta, correndo até uma das casas.
seguiu até lá, finalmente prestando atenção no que acontecia. Havia um homem jogado na calçada e uma criança pequena tentava puxá-lo para dentro sem muito sucesso. Havia três degraus para subir e a menina era pequena demais para dar conta.
— Jihyo! — exclamou, se aproximando apressado, e foi como se um enorme peso deixasse os ombros da menina imediatamente. Ela ergueu a cabeça para encará-lo e seus olhinhos se encheram de lágrimas.
não sabia realmente o que estava acontecendo, mas a cena partiu seu coração, especialmente quando a menina soltou os braços do homem e correu para , o abraçando pelo quadril.
— Entra em casa, leva minha mochila. — ele a tirou das costas e entregou para a menina que imediatamente a segurou. Mochi miou lá dentro e ela arregalou os olhos, exatamente como costumava.
— Mochi! Eu achei que ele tinha sumido!
— Ele estava comigo, me seguiu o dia inteiro. — explicou, mal notando que agora saia do carro. — Sobe com ele.
A menina concordou com a cabeça e, sem dizer mais nada, deu as costas para entrar na casa, deixando e sozinhos ali.
— Ele está bem? — perguntou, mas podia sentir facilmente o cheiro de álcool vindo do homem. Era fácil deduzir o que tinha acontecido, mas perguntou mesmo assim.
— Vai embora, obrigado pela carona. — respondeu sem encará-lo, se abaixando para erguer o homem.
— Me deixa te ajudar, você ainda não está bem...
— Vai embora. — o interrompeu, de forma muito mais rude do que antes.
entendeu imediatamente o que devia ter desencadeado a crise em e ficou receoso de acontecer novamente.
— É o seu pai?
— Eu disse pra ir embora! — praticamente gritou, puxando o homem de qualquer jeito para cima. Ele não pareceu ter dificuldade em erguê-lo sozinho e arrastá-lo degraus acima. tentou seguí-lo para dentro, mas o máximo que conseguiu foi subir os degraus antes de bater a porta na sua cara.
Tinha sido invasivo demais mais uma vez, só percebeu depois de agir. Nunca conseguiria se aproximar dele dessa forma. era reservado e arisco. Ser intrometido não o levaria a lugar nenhum.
O problema era que coisas demais aconteciam ao redor do garoto e sua preocupação o deixava impulsivo. Não conseguia pensar de fazer antes de simplesmente agir.

🔮🔮🔮

ainda estava pensando em enquanto dirigia para casa e quase bateu o carro quando se materializou repentinamente no banco do passageiro.
— Você enlouqueceu?! — gritou, desviando no último segundo do portão de entrada do coven.
— Eu só queria ter certeza de que você estava vivo!
— Pra me matar depois?! — o encarou, e teria batido em uma árvore se o próprio não tivesse se inclinado para puxar o volante para o outro lado.
— Você não parece precisar de ajuda para isso.
— Você me assustou! — o repreendeu. — Não podia ter esperado mais cinco minutos? Eu tenho certeza que dava para me ver de qualquer janela!
Em resposta, apenas deu de ombros antes de desaparecer novamente, como se nada tivesse acontecido, e não se surpreendeu. Apesar de não duvidar de sua preocupação, sabia que a prioridade dele era ser um completo pirralho, especialmente consigo, já que eram os mais novos.
Negando com a cabeça, deixou o carro em sua vaga, ao lado da Mercedes de , antes de descer para entrar em casa.
Eles viviam em uma antiga pensão que reformou em algum momento no passado para abrigar o coven, antes mesmo de ou se juntarem a eles. Como o esperado dele, o local era coberto de plantas, mantendo um visual meio rústico por fora, apesar da mobília mais moderna trazida por . O coven era localizado no final de uma estrada de terra, cercado de verde, e inacessível para qualquer um além deles, mesmo que a pessoa possuísse magia.
Sem a permissão de um dos seis membros do coven, mesmo que encontrasse a estrada, você jamais chegaria até lá.
Outra particularidade do local era que ele também não era tão perto assim da faculdade quanto havia dito para . Estava bem longe na verdade, mas uma das proteções colocadas por interferia no tempo e espaço, fazendo com que coven sempre estivesse longe e perto de qualquer lugar. Era como se teletransportar com , onde uma distância de horas viravam meros segundos.
gostava do lugar, era grande o suficiente para que todos tivessem seu próprio quarto, apesar de ser o único que não dividia com ninguém. e eram um casal e se relacionava com e .
Quando entrou em casa, para a surpresa de , todos estavam reunidos na sala. já tinha tirado o terno e seus cabelos estavam molhados de um banho recém tomado. Ele estava jogado sozinho no sofá lateral e parecia entediado, como se preferisse estar em qualquer lugar ao invés dali. No outro sofá, em frente a televisão, estavam e , gritando um com o outro e rindo alto. Estavam jogando vídeo game.
Apesar do barulho, estava na cadeira suspensa de balanço próxima a uma das janelas, com o abajur ligado ao seu lado, óculos de leitura e um livro em mãos.
, o último que faltava, estava na porta, o esperando, e tirou as chaves do carro de suas mãos assim que entrou, as colocando sobre o móvel ao lado da porta antes mesmo que pudesse pensar em fazer isso.
— O que está acontecendo? — perguntou. Não era costume ter todos reunidos assim no mesmo lugar, mas o outro bruxo da luz simplesmente o segurou pelo pulso e o arrastou para a sala, onde os outros estavam.
— Finalmente. — se sentou direito, pegando o controle ao seu lado no sofá e desligando com ele a televisão.
e gritaram juntos.
! — reclamou, virando-se para ele indignado, mas já jogava o chinelo em sua direção.
, como telepata, sequer olhou para o objeto antes que ele desse a volta, acertando o próprio no meio da testa.
! — ele gritou, e o telepata segurou uma risada, diferente de e que gargalharam com vontade.
— Imagina se descobrem que o líder do conselho caiu em um truque tão barato. — o provocou.
! — se voltou para o líder do clã. — Você vai deixar eles fazerem isso comigo?!
— Me parece que já está feito, amor.
!
— Crianças, não provoquem o . — ele falou, despreocupado, virando uma nova página do livro.
sabia que não era sério, aquela gritaria fazia parte do dia a dia. Eles eram bagunceiros, caóticos e barulhentos, mas funcionavam muito bem juntos.
e costumavam ser a calma em pessoa, mas enquanto o líder do clã exalava tranquilidade, era do tipo curto e grosso, alguém de poucas palavras. Em uma analogia melhor, era o Golden Retriever e o gato preto.
era a mãe da casa, quem os impedia de passar fome e os obrigava a limpar o que sujavam. era barulhento e mandão, falava gritando e tinha a energia de uma criança de cinco anos. Era capaz de fazer mil coisas por segundo, ao ponto de se cansar só de olhar para ele, mas o ilusionista também era engraçado, um bom companheiro e tinha o humor de um tiozão que adorava.
Então tinha . Ele era um empata e podia se adaptar perfeitamente de acordo com a pessoa que estivesse com ele. Com e ele era um pirralho. Com e ele era capaz de passar horas divagando sobre a criação do universo. A verdade sobre é que ele era a pessoa mais empática que já tinha tido o prazer de conhecer, aquele que transmite boa energia apenas de estar por perto. A pessoa que te faz rir apenas por estar rindo. E ria o tempo todo.
Por fim, tinha , a pessoa com quem ele compartilhava sua magia, a pessoa que cedeu parte de sí para que pudesse viver. Foi quem se juntou primeiro ao clã e trouxe quando se reencontraram. era mimado por ter sido o mais novo por tanto tempo e parecia um metidinho esnobe para quem o via passar com o nariz em pé e roupas de marca, mas ele era a única pessoa capaz de ser tão empática quanto , que era o próprio empata. tinha o coração enorme e gostava de abraços. Ele era como um enorme urso de pelúcia, embora pudesse ser também um tanto arisco quando contrariado.
— Só pra constar, eu sou mais velho que a maioria. — respondeu, esticando as pernas para cruzar os pés em frente ao corpo. — A gente vai começar isso logo ou o que?
— O que exatamente vamos começar? — perguntou, confuso.
quer uma reunião do clã. — explicou, e desconfiou que essa fosse uma daquelas coisas que fazia apenas porque era pedindo.
— E estamos fazendo uma reunião por que…?
— Como por quê?! — se voltou para , indignado. — Vocês trouxeram um completo estranho para dentro de casa!
— Sério? Isso de novo? — perguntou, se deixando cair sentado no sofá.
— Tecnicamente, foi você mesmo que trouxe. — retrucou, e apontou em sua direção, concordando.
— Exato, eu disse isso pra ele mais cedo.
— Eu trouxe porque o me pediu!
— O líder do clã, acho que isso resolve as coisas. Posso ir dormir agora? — perguntou.
— Não! — quase gritou, batendo um dos pés no chão. — Ele não deveria ter me pedido isso para início de conversa.
— Reclama com nosso líder. — fez piada, já que ninguém parecia estar levando o assunto a sério, mas se calou quando o encarou com irritação.
— Eu estou tentando fazer uma reclamação formal e vocês estão debochando de mim! — reclamou, realmente ofendido, e pôde sentir o clima na sala mudar. Assim como ele, todos se sentiram culpados por não levá-lo a sério.
Não importava o quanto acreditasse que estava errado, não era assim que faziam as coisas. O clã estava unido por tanto tempo sem nenhum desertor porque todos tinham suas opiniões ouvidas. Não estavam fazendo isso com .
Pensando o mesmo que ele, fechou o livro que lia, o deixando de lado para se juntar aos outros no meio da sala.
— Certo. Nos diga suas preocupações, nós vamos ouvir. — o líder se sentou em uma das poltronas, esperando. Diante de sua calma, também abaixou o tom de voz.
— Vocês trouxeram para dentro da nossa casa um estranho com alto potencial de ser perigoso.
— Ele estava desacordado, . — o líder se justificou. — E não o deixamos sozinho por nenhum momento.
— Não é esse o ponto, ! Se ele quisesse, podia apenas ter atacado! — ele voltou a aumentar a voz e estranhou a atitude por um instante. era do tipo que resmungava e fazia bico, não que gritava, especialmente com .
Mas sua reação foi o que levou a entender o real motivo por trás daquela atitude. estava com medo. se sentiu estúpido por não ter pensando nisso antes.
Os pais de haviam morrido quando um bruxo das sombras, irmão de , invadiu seu coven familiar e matou metade dos integrantes. Era por isso que estava odiando a ideia de ter ali. Seu receio era que o passado se repetisse. Era plausível, e quis abraçá-lo para garantir que tudo ficaria bem.
, às proteções não permitem que alguém que queira fazer mal para nós ou para o coven entre aqui. Ele não teria conseguido passar pela estrada se fosse o caso. — o explicou, e se questionou se ele também tinha entendido o problema.
— Elas podiam ter falhado!
, você sabe que não. — foi carinhoso, estendendo uma mão para que o outro se aproximasse. não aceitou e suspirou. — Se você realmente pensar sobre isso com calma, vai concordar com a gente.
— Não vou não porque vocês estão errados e não estão me ouvindo!
— Te ouvir não quer dizer concordar com você, . — foi incisivo.
— Eu entendo porque você está nervoso, mas o garoto não viveu nem um terço da nossa idade. — tentou novamente. — Mesmo que ele pudesse usar magia, e não pode, ele não conseguiria realmente machucar ninguém aqui dentro-
— Tem metade da nossa idade, mas você perseguiu ele por aí o dia todo. — o interrompeu com deboche e levou aquilo como um tapa.
— O que você quer dizer com isso? — questionou, mesmo sabendo muito bem onde ele queria chegar.
— Ele é bonito, você acha que eu não vi?
, já chega! — foi quem falou agora, levantando-se do sofá para remediar a situação, mas o outro não ouviu.
perdeu o juízo porque está pensando com a cabeça de baixo!
— E eu também estou? — interrompeu, cruzando os braços em frente ao peito como se desafiasse a concordar. — está certo, .
— Quando é que nós vamos realmente falar sobre o elefante na sala? — entrou na conversa. abriu a boca para responder, mas o silenciou ao erguer uma das mãos. — Não, chega. Você já falou demais e nós ouvimos, mesmo você tendo gritado com todo mundo. Agora você escuta. Eu não conheci esse garoto, mas até onde me foi dito, ele não passa de um garoto, está muito longe de ser um bruxo tão poderoso ao ponto de vencer você, e juntos. Ele não tem a experiência, o poder ou o conhecimento necessário para se igualar ao irmão ou ao pai do , e nós sabemos que o problema aqui é esse. — abaixou a cabeça, parecendo finalmente notar que havia passado do ponto. — Além disso, como eu já disse, as barreiras não permitiriam que ele entrasse aqui se tivesse intenções ruins. Eu sinto sempre que alguém passa por elas e se deixarem de funcionar, eu também vou saber.
— Nós entendemos sua preocupação, . — voltou a falar, quando terminou. — E realmente a apreciamos, mas você precisa confiar mais em nós.
— Eu confio. — ele respondeu em um meio fio de voz, sem erguer a cabeça.
— Tem certeza? o viu convulsionar e eu o examinei pessoalmente. Ele não estava fingindo. Ele chegou aqui desacordado e mesmo depois que acordou ele ainda estava desorientado. Há algo de errado com o garoto, algo de ruim acontecendo com ele.
— Vocês já pararam pra pensar que a pessoa que prendeu a magia dentro dele pode ter feito porque sabe que ela é ruim? — voltou a falar. — E vocês querem simplesmente soltar ela por aí.
— Quem disse que é, ? Como podem saber sem ela nunca ter se manifestado? Quem decidiu isso e por que se achou no direito de decidir? — questionou.
— Bruxos como ele já fizeram mal a muitas pessoas, talvez seja isso. — ele deu de ombros, e sentiu aquele gesto no fundo do peito.
— Se não o ajudarmos ele vai morrer. — tentou novamente.
— Talvez ele mereça.
— É isso que você pensa de mim? — soltou o que o estava assombrando. Ele originalmente era um bruxo das sombras, como e mesmo não possuindo mais essa magia, ainda vivia todos os dias o preconceito de um dia tê-la tido. Podia facilmente entender porque alguém havia se achado no direito de fazer aquilo com , mas esperava que , sendo seu amigo mais próximo, compartilhasse da sua indignação e não que desejasse que o garoto, aparentemente inocente, apenas morresse por algo que ele não era capaz de controlar.
Ao notar o que tinha feito, arregalou os olhos.
, claro que não!
— Eu sou um bruxo das sombras também, .
— É totalmente diferente!
— Não é não. Eu nasci como um bruxo das sombras e eu tenho características de um bruxo das sombras.
— Mas não é um! — insistiu, o que, sinceramente, só fez doer mais. queria que ele visse que estava errado e não que tentasse encontrar justificativas pra dizer que não era quem ele era.
Porque, se fosse, então sim, ia preferir que ele morresse. Era assim que via.
— Não tenho magia das sombras porque você compartilhou da sua comigo e ela venceu, mas eu ainda sou um bruxo das sombras e não sou ruim por isso, mesmo sendo filho e irmão de quem eu sou. — respondeu, mas não deixou que o interrompesse quando ele tentou. — Entendo sua preocupação sobre o garoto, mas da mesma forma como é pessoal pra você, é pessoal pra mim também. Ele é só um garoto que precisa de ajuda e eu quero ajudar porque sei o que é estar no lugar dele.
— Desculpa, .
— Está tudo bem. — mentiu, fingindo não se importar, e virou o rosto quando o abraçou de lado.
De repente, os sentimentos que nutria em segredo pelo amigo se tornaram ainda mais dolorosos. Já estava acostumado a não ser correspondido. Bruxos costumavam ter o que humanos chamavam de alma-gêmea, embora o mundo mágico chamasse de conexão de alma. e eram a conexão de , então sabia que não o amava tanto quanto acreditava amar. Existia mais para ele em algum lugar. As conexões sempre eram correspondidas, e duravam para sempre. Se um morria após se conhecerem, então o outro morria também. Essa era a intensidade do sentimento.
Enquanto não tinha isso, amava secretamente, da forma que ele conhecia, e podia lidar com isso desde que estivesse feliz. Porém, saber que ele guardava tanta mágoa assim de bruxos como ele era um pouco demais, mesmo que tivesse seus motivos.
— Você não vai gostar de ouvir isso, , mas além da responsabilidade que sente que tem com ele, é nossa obrigação ajudar. — falou pela primeira vez, e apesar da culpa que estava sentindo, não gostou de ouvir aquilo.
— Mas-
, eu sou ministro do conselho bruxo e o o líder da ONIM. Isso é literalmente um problema nosso. É o tipo de coisa que somos pagos pra resolver. Não podemos apenas ignorar o que está acontecendo com o garoto.
— Sobre isso... — o interrompeu, e todos se voltaram para ele. — Sei que terão que reportá-lo em algum momento, mas podemos lidar com ele por baixo dos panos por enquanto? Ele nem sabe que tudo isso existe ainda. — "e já parece estar lidando com coisas demais", pensou, mas guardou essa parte para sí.
— Ele precisa de ajuda médica, não? — especulou.
— Está além das minhas capacidades, mas já estou pesquisando sobre isso. — respondeu.
— Não vamos poder escondê-lo depois que o liberar a magia dentro dele, mas ele pode viver uma vida normal até lá.
— Supondo que ele viva. — falou, recebendo um olhar de repreensão de .
— Por favor, vamos ser sinceros. A vida dele vai se tornar um inferno quando isso vier à tona. — continuou, e considerando a forma como o próprio reagiu ao saber sobre , não tinha dúvidas quanto a isso. — Não liberar a magia dentro dele seria um favor se isso não fosse matá-lo.
suspirou, meio resignado, mas estava certo. Sabia disso.
— Então qual é o plano? Apenas... contar a ele? Quando chegar a hora? — questionou.
— Posso me aproximar dele, e quando descobrir como salvá-lo, deixamos que ele faça a escolha. Até lá não seremos totalmente estranhos. — sugeriu.
— Bom, o principal membro do conselho e o líder da ONIM já sabem, não acho que tenha alguém acima disso pra quem contar além do mago supremo e não é como se ele estivesse disponível. — analisou. — Podemos fazer do seu jeito.
— Obrigado.
— Eu ainda não gosto dele. — voltou a falar, meio emburrado.
— Não precisa gostar, mas enquanto ele não demonstrar ser uma ameaça, você precisa respeitá-lo como pessoa. — voltou a falar. — Você sabe como as pessoas me tratam em qualquer evento e eu sei que isso te incomoda. Você não acha que seria hipócrita da sua parte fazer o mesmo com ele?
— Eu entendo seu ponto, e tudo bem, eu posso admitir que estou errado. Eu exagerei porque isso é pessoal para mim, mas eu prefiro não me envolver com ele.
— Tudo bem, é o suficiente. Não vamos te obrigar a se envolver com ele se não quiser. Não é sua obrigação de qualquer forma. — respondeu. — É isso, então? Podemos encerrar essa reunião por aqui?
— Sim. — falou. — Me desculpem por gritar.
— Nós entendemos, . — bagunçou seus cabelos, e o outro sorriu fraco.
— Vem, vamos subir. — se levantou do sofá, chamando por .
— Eu não vou dormir agora! — ele exclamou, indignado com a disposição -ou falta dela- do mais velho.
— Deita comigo, depois você desce. — pediu, o puxando pelo braço. abriu um sorriso enorme, e fez uma careta, percebendo o que tinha feito. Imediatamente, se agarrou a suas costas e o mais velho reclamou, mas deixou que ele o abraçasse enquanto subiam as escadas.

🔮🔮🔮

No dia seguinte, o coven já estava agitado pela manhã, como todas as manhãs.
procurava as chaves do carro para ir trabalhar. Normalmente, ele não tinha horário para chegar, era o chefe da força policial bruxa, mas aparentemente, naquele dia em específico, alguém havia ligado, pedindo sua presença no prédio mais cedo que o habitual. , como de costume, tinha feito o café da manhã e estava sentado em frente ao balcão da cozinha com , ambos já vestidos para irem ao ministério, onde trabalhavam. e não tinham descido ainda quando o fez, mas nenhum dos dois precisavam de muita pressa. era proprietário da clínica veterinária e de um prédio menor onde havia montado seu próprio negócio. Outra clínica, mas no seu caso, para cuidados mentais. Como empata, podia sentir as emoções das pessoas, o que fazia dele um ótimo ouvinte e também um ótimo psicólogo. Sua clínica possuía pelo menos seis profissionais que atendiam tanto bruxos quanto humanos comuns.
precisava admitir, aquilo tudo o fazia se sentir meio patético de estar indo para a faculdade. Todos já tinham trabalhos importantes, mas com seu passado, jamais conseguiria um cargo público como , e , mesmo que quisesse. Felizmente, não era o caso, mas para atuar com , ele precisava estudar, assim como o líder e haviam feito em algum momento em suas vidas.
Mas ele ainda estava atrasado, graças ao tempo que perdeu tentando vingar sua mãe.
— Bom dia! — o cumprimentou assim que o viu. — Café?
Ainda meio sonolento, negou com a cabeça. Normalmente até se sentava com eles para ao menos tomar uma xícara de café, mas ainda estava chateado com devido a conversa do dia anterior. Ele o tinha decepcionado duas vezes.
estava ciente da pessoa que era, mas doeu saber que esperava tão pouco dele, o acusando de estar tentando ajudar o garoto porque tinha algum interesse físico nele. não era cego, podia enxergar a beleza de , mas não tinha se aproximado dele com esse propósito. Saber que , seu melhor amigo e também a pessoa que ele gostava, acreditava que ele era essa pessoa o entristecia, mas não satisfeito, ainda deixou claro seu preconceito com bruxos das sombras, a natureza de .
— Tenho que ir mais cedo hoje, na verdade. — mentiu, aproveitando-se de que ainda não estava lá para saber disso. ajeitou a mochila nos ombros, pronto para realmente sair, mas rapidamente se levantou de onde estava, usando um guardanapo de papel para limpar a boca.
— Eu gostaria de falar com você antes, por favor.
— Pode ser mais tarde? — tentou fugir, fingindo estar atrasado. Claro que deixaria aquilo de lado, sua mágoa passaria sozinha porque amava , mas ainda estava um pouco cedo para isso.
— É rápido, posso te falar enquanto te acompanho até o carro. — respondeu ele, e soube que a conversa de ontem era justamente o assunto.
certamente havia notado a forma como se sentiu com os comentários de e tinha contado a ele, mas sabia que a intenção de não era realmente magoá-lo. O problema é que se ele tinha dito tudo aquilo com a cabeça quente, era porque já pensava sobre aquelas coisas, apenas nunca tinha dito porque sabia que devia guardar suas opiniões para si mesmo.
Mesmo ciente de que conversa nenhuma resolveria aquilo agora, concordou com a cabeça, apenas para acabar logo com aquilo.
— Tudo bem. — respondeu, tirando as chaves do bolso para seguir até a porta. — Tchau, , . — se despediu, recebendo um “boa aula” de e um aceno de cabeça do telepata, ainda obstinado a encontrar as chaves perdidas.
passou primeiro pela porta, e veio em seguida, a fechando atrás de si e não esperou mais que isso para iniciar sua fala. Não era como se o carro estivesse longe de qualquer forma, tinham pouco tempo.
— Uhm… me contou sobre como você se sentiu ontem. — confessou, seguindo atrás de .
— Eu imaginei.
, me desculpe. — pediu, e ele realmente foi capaz de sentir a culpa em sua voz. — Eu fui rude, e agi com a emoção. Eu tenho medo que o passado se repita e esse garoto acabe destruindo a gente também. Eu não odeio todos vocês, eu só tenho medo. Me desculpe pelas coisas que eu disse, por favor. — pediu, e torcia para que fosse mesmo apenas isso, mas tinha dito que talvez o garoto devesse mesmo morrer, por causa de uma magia que ele nunca tinha usado. Era um pouco demais para . — Você é meu melhor amigo e um bruxo das sombras, . Eu sei disso e continuo te amando porque isso não é um defeito e não te faz uma pessoa ruim. Talvez ele também não seja, já que você não é, mas minha preocupação falou mais alto, meu medo, porque eu sabia que você ia querer ajudar e eu tenho medo de te perder como perdi meus pais. Eu projetei nele o peso do meu passado e fui irracional. Te acusei de coisas que você não é, eu passei completamente dos limites.
suspirou, entendia seu ponto, mas não conseguia deixar de se chatear. Eram muitas camadas ali. O preconceito, sugerir que ele estava ajudando apenas por uma foda... Era meio patético, porque na verdade sempre esteve fugindo de seus verdadeiros sentimentos. E nem era por escolha, ele apenas não podia contar, e acabou sendo taxado de insensível. Sabia que sua chateação ia passar, mas muito provavelmente se pegaria pensando nessa última parte outras vezes. Podia entender o medo que sentia de diante seu passado, mas acusá-lo de querer apenas dormir com o garoto era um claro julgamento ao estilo de vida que levava.
— Está tudo bem. — respondeu por fim, ainda caminhando até o carro para não encará-lo.
— Claro que não está, você está chateado.
— Estou, — admitiu. — Entendo você ter medo e consigo aceitar que você falou sem pensar pela emoção, mas pra dizer que eu só me aproximei dele por interesse você claramente espera muito pouco de mim.
— Eu não espero tão pouco de você, é isso que eu estou tentando dizer. Eu estava estressado com a situação, por outro motivo que não tem a ver com você ou mesmo com ele. Eu só queria uma desculpa pra dizer que vocês estavam errados e falei sem pensar. Por favor, acredite em mim. — falou, ainda caminhando atrás de si e se sentiu um pouco culpado por sequer encará-lo. — Eu te amo, . Como você pode achar que eu esperaria tão pouco de você? Não te amaria se achasse que você é essa pessoa.
Finalmente chegando no carro, parou para encará-lo, torcendo para que estivesse sendo mesmo sincero.
— Eu não arriscaria nossa casa e o coven por alguém que eu não conheço, . — falou também, tentando deixar aquilo bem claro. — Muito menos por um motivo tão egoísta.
— Eu sei disso. Eu juro! Eu só deixei minhas emoções sobre outra coisa falarem mais alto. — se justificou, e parando para pensar, era o mesmo motivo pelo qual estava tão empenhado em ajudar o garoto também. Tanto ele quanto tinham uma história com bruxos como . Talvez não devesse julgar tanto por agir de forma emocional.
— Tudo bem, talvez eu também tenha me precipitado um pouco, pelo mesmo motivo. — suspirou, dando-se por vencido. — Mas , eu ainda vou ajudar ele.
— Eu sei, e eu te admiro por isso. Você também tem motivos pra odiar ele e está tentando ajudar, diferente de mim. Eu realmente agi mal, me desculpa.
— Tudo bem.
— Tudo bem mesmo? — sorriu largo, e sentiu uma fisgada no peito. Inferno de garoto bonito.
— Sim. — sorriu também, embora soubesse que, vez ou outra, ainda questionaria a sí mesmo devido a fala do outro. Ficaria paranoico, questionando o que pensava dele, mas sabia que, com o tempo, aquilo ia passar também.
Diante de sua resposta, se aproximou para puxá-lo para um abraço que permitiu de bom grado.

🔮🔮🔮

esperou por ao final das aulas, mesmo tendo que abandonar a sua antes do tempo. cursava o último ano de direito. Lembrava de ter visto a informação em seu cartão de acesso no outro dia, quando ele convulsionou em seus braços.
O esperou bem na porta de sua turma, ciente de que tentaria fugir assim que o visse, e não deixou de reparar como não parecia se encaixar com as pessoas que passavam por ali. Enquanto a maioria dos alunos usava roupas de marca e tentavam deixar claro que perderam tempo se arrumando para estarem ali, variava entre moletons e jeans rasgados. Era um estilo, não achava que ele apenas pegava a primeira coisa no armário, mas ainda se destacava entre os outros, especialmente quando muitos pareciam tentar combinar peças sociais entre as roupas, talvez para irem dali direito para o trabalho.
Como o esperado, quando o professor liberou a turma, encontrou seu olhar, mas passou por ele como se nunca o tivesse visto antes. Apenas afundou as mãos nos bolsos da jaqueta e saiu andando, como se fosse apenas uma sombra na parede.
— Boa tarde pra você também. — o cumprimentou, seguindo atrás dele sem se abalar. Havia muita gente nos corredores devido ao horário e precisou apertar o passo para não perdê-lo de vista. — Não vai mesmo falar comigo?
— Não.
— Acabou de falar. — respondeu, mesmo que a fala o fizesse se sentir com quinze anos outra vez. apenas seguiu seu caminho em silêncio, mas podia apostar que tinha revirado os olhos. — Você não fica pelo menos curioso para saber o motivo de eu ter vindo te encontrar? — questionou, mas não recebeu resposta.
Justo, considerando que fez piada quando o respondeu.
— Eu vim em missão de paz, eu juro. — voltou a falar, mas precisou parar um instante quando alguém o cumprimentou. Mal viu quem era, apenas acenou com a cabeça e continuou seguindo . — Quer tomar um café? Ou almoçar, antes de ir para o trabalho?
— Está falando sozinho, ? — outra pessoa o chamou, esbarrando propositalmente em para chegar nele. Sinceramente, nem sabia o nome do cara. Era apenas alguém que ele cumprimentava por aí e conversava nos eventos da universidade. Sem dizer nada, apenas desviou e continuou seu caminho, mas encarou a situação meio horrorizado. Estavam na faculdade, eram adultos. Bullying não era tipo coisa de adolescente?
Pensou em pedir que o cara se desculpasse com , mas ele, obviamente, não parou de andar. Ignorando o cara que ainda esperava uma resposta, apenas apertou o passo para continuar atrás de .
— Acho que ele não te viu. — mentiu, tentando aliviar o peso da situação.
— Por que você apenas não almoça com um dos seus amigos e me deixa em paz?
— Se eu quisesse almoçar com eles não estava chamando você. — respondeu, mas precisou cumprimentar uma outra pessoa que o chamou pelo caminho.
Talvez fosse um pouco sociável demais, nunca tinha reparado.
— Bom, eu não quero.
— Se não aceitar vou te seguir até seu trabalho. — insistiu.
— E a resposta vai continuar sendo não.
— Eu peço para sua chefe uns minutos pra você sentar comigo. — tentou novamente, e dessa vez acabou rindo.
— Queria ter toda essa autoestima pra achar que ela simplesmente vai cair nos seus encantos.
— Quer pagar pra ver? — respondeu, vendo ali uma oportunidade. Ele era ótimo em levar as pessoas na lábia, coisas de magia da luz. Não que ele usasse magia nelas, a luz apenas atraia as pessoas. — Se eu falar e ela deixar, então você toma um café comigo.
— Não bebo café.
— Você trabalha em uma cafeteria e não toma café?
— Você cuida de animais e não é um cachorro?
Diante de sua fala, riu.
— Certo, justo. Pode ser outra coisa então, o que mais vocês vendem lá? Milkshake? Eu pago.
— Óbvio que vai pagar, é você quem está insistindo nisso. — ele retrucou, mas já estava satisfeito apenas de saber que ele ia concordar. — Se convencer ela a me dar uma pausa, deixo você pagar a comida.
— Que honra. — não conseguiu controlar o deboche, mas por sorte, se poupou de responder.

🔮🔮🔮

não teve qualquer dificuldade em conseguir quinze minutos para antes de começar o expediente, o que deixou o garoto completamente sem palavras. Aparentemente, sua chefe não era a pessoa mais compreensiva do mundo.
— Sempre que quiser uma folga, estou à disposição. Só precisa me passar seu número. — ofereceu, mas apenas revirou os olhos para sua tentativa, se afastando para seguir até uma das mesas. — Não vai escolher nada pra comer?
— Tanto faz.
— Não tem essa opção no cardápio. — retrucou, mas o outro apenas tirou a mochila das costas para se sentar. — Garotinho difícil. — resmungou, pegando o cardápio sobre o balcão para olhar alguma coisa.
— O tempo está correndo. — o alertou, tirando o celular do bolso.
— Ele gosta do bolo de nozes. — a garota atrás do balcão sussurrou para ele. Era a mesma que tinha feito cair no outro dia. — E esse shake. — ela apontou para o cardápio. O negócio era uma grande bomba de açúcar com chocolate, chantilly e farofa crocante. Um gole e certamente virava um pré-diabético. Aquela escolha definitivamente não era a melhor para o almoço, mas no momento estava mais preocupado em agradar o garoto.
— Certo, dois bolos, esse shake e um café simples.
Ela sorriu enquanto registrava os pedidos.
— Não imaginava que o oppa gostasse de meninos. — ela falou, mantendo o tom baixo. — Mas vocês formam um casal bonito. Vou torcer por vocês. — ela piscou. — Débito ou crédito?
ficou surpreso que ela tivesse concluído aquilo tão rápido, mas para não prolongar o assunto, se poupou de negar. Sinceramente, nem ele sabia a preferência de ainda, o que era irônico, já que ela era a segunda pessoa a insinuar algo assim. Talvez ele fosse gay o suficiente para os dois e faziam essa associação. Por fim, pagou pelo pedido e a agradeceu pela ajuda antes de voltar para a mesa. Quando chegou, o encarou com desconfiança.
— O que vocês conversaram? — questionou, e poderia soltar fogos de felicidade por ter ele iniciando um assunto.
— Curiosidade ou ciúmes? — provocou.
Ao invés de responder, revirou os olhos novamente antes de se voltar outra vez para o celular e se deu conta de que continuava escolhendo as abordagens erradas com ele. Provocar o garoto não o faria gostar mais de si, mas era mais forte do que ele.
— Ela foi gentil e me disse o que você gosta de comer. — explicou. — Já que você preferiu dificultar minha vida.
— Ou seja, você levou mais alguém na lábia.
— Se ela fosse tão boa você já estaria mais receptivo, não acha?
— Você vai ter que se esforçar um pouco mais.
— Ah, então você quer que eu me esforce?
— Eu não disse isso. — ele respondeu, pouco afetado por sua fala. Sequer ergueu o olhar do telefone.
— Foi exatamente isso que você disse. — provocou outra vez, exatamente no mesmo momento que seus pedidos chegavam, sendo trazidos pela mesma atendente do balcão. Discretamente, ela colocou a sua frente um segundo canudo de milkshake e precisou segurar o riso. Antes de se afastar, ela piscou em sua direção.
— Obrigado, Minji. — agradeceu, tão educado que ficou surpreso. — Eu já vou te ajudar.
— O movimento está tranquilo, aproveite sua pausa. — ela sorriu para os dois antes de se afastar, e se voltou para em seguida.
— Ela está trabalhando sozinha por sua causa.
— Ela parece bem com isso. — retrucou, dando uma garfada no bolo. — Uhm, é realmente muito bom.
Ao invés de responder, se ocupou com seu próprio prato, o que obrigou a caçar mentalmente qualquer assunto que os mantivesse conversando.
— Desculpe pelo que aconteceu na saída. — lembrou-se repentinamente. — Aquele cara, ele foi rude.
— Tanto faz. — deu de ombros, com as bochechas infladas de tanto bolo. não pode deixar de rir. Ele já tinha olhos grandes, mas os arregalava ainda mais para comer. Era adorável, especialmente quando ele tinha um bico nos lábios e as bochechas inchadas daquele jeito. Pensou em dizer que não precisava ter pressa para comer apenas para fugir dele, mas preferiu poupar um novo constrangimento.
— Tanto faz nada, você não fez nada para ele.
— Essa é a vida dos introvertidos na faculdade. Já está acabando.
puxou o copo de milkshake para mais perto após mastigar e tomou um gole. pode ver que ele realmente gostava da bebida pois quase gemeu de satisfação. viu em sua reação uma oportunidade.
— Isso parece bom, deixa eu provar?
— Não.
— Eu que paguei.
— Porque quis. Pede outro. — puxou o copo para mais perto, colocando o canudo de volta na boca, como se isso fosse pará-lo. Se pudesse rosnar para proteger a comida, teria feito. tinha certeza. — Já babei no canudo.
— Eu não me importo.
— Eca, nojento. — fez careta, e riu.
— É só saliva, tenho certeza que já enfiou a boca em lugar pior. — retrucou, recebendo, claro, outro revirar de olhos.
— Isso não é bem da sua conta. — resmungou, com a boca ainda no canudo, e se aproveitou da situação para enfiar o próprio canudo no copo e se inclinar sobre a mesa para provar um gole. Surpreso, não se moveu, apenas o encarou com os lábios entreabertos. o viu engolir em seco, e quando se afastou, precisou conter um sorriso satisfeito ao notar que o garoto olhava para sua boca.
Também não sabia se gostava de garotos, tinha feito aquilo apenas para provocá-lo, sem pensar realmente nisso, mas aparentemente, tinha acabado de receber uma resposta.
não falou mais nada durante os quinze minutos de pausa. Apesar dele ser, obviamente, uma pessoa quieta e introvertida, não parecia ser exatamente tímido para ficar constrangido com sua atitude e decidiu que aquilo era progresso, já que ele pelo menos não o xingou nenhuma vez.



Fazia dois dias que não aparecia e estava se odiando por estar decepcionado com isso. O tratava mal justamente para espantá-lo. Não fazia sentido se sentir assim quando finalmente tinha conseguido o que queria.
Estava acostumado a estar sozinho, mas isso não significava que ele gostava exatamente. Afastava as pessoas para se poupar justamente desse tipo de decepção, quando elas percebiam que ele não era interessante o suficiente. Ninguém gostava realmente dos introvertidos, especialmente pessoas como , que pareciam ter o mundo inteiro nas mãos.
Era sexta-feira à noite, dia de menor movimento no café. Pessoas com vida social provavelmente estavam se arrumando para sair enquanto organizava a cozinha e contava os segundos para poder voltar para casa. Ele tinha dois desenhos para entregar, encomendas que fizeram com ele para tatuar.
desenhava por hobbie e todas as suas tatuagens nasceram assim. Ele tinha fechado o braço esquerdo com desenhos feitos por si próprio e o tatuador passou a indicar seu trabalho para alguns clientes. Foi assim que terminou no Instagram. Evitava postar sobre si mesmo, era mais para contato com os interessados nos seus desenhos. Ninguém precisava gostar dele para encomendar uma arte.
Quando o sino na porta indicou a entrada de clientes, suspirou. Ele estava sozinho ali, Minji já tinha ido embora, então restava a ele atender.
saiu da cozinha e foi para o balcão da frente, se surpreendendo ao ver ali, junto de outro rapaz.
! Que bom que está aqui ainda! — exclamou, jogando os cabelos loiros para trás enquanto se aproximava do balcão.
— Eu trabalho aqui.
— Eu sei, mas é sexta-feira, achei que fechassem mais cedo.
— Não fechamos. — devolveu, se poupando de explicar que a maioria dos funcionários saia mesmo mais cedo, já que o movimento era menor. Normalmente eles revezavam para decidir quem ia ficar, embora se oferecesse na maior parte das vezes. Precisava do dinheiro e não era como se ele tivesse uma vida social para onde escapar. — Vai pedir?
— Não, eu vim falar com você, já que não me passou seu número. — respondeu, e não parecendo constrangido com suas respostas diretas demais, sorriu.
Uma coisa que já tinha notado sobre era que ele tinha dois tipos de sorrisos. Um deles era natural, onde ele mostrava todos os dentes e fechava os olhos. Era fofo, suas bochechas inflavam, e se ele ria o som era contagiante. O outro sorriso, no entanto, soava meio cafajeste. Era apenas um ar de sorriso, onde estreitava os olhos e ainda passava a língua nos lábios grossos, certamente ciente do quão bonitos eles eram. gostava mais do primeiro sorriso, mas o segundo fazia algo dentro dele revirar.
O sorriso que deu agora, obviamente, foi o segundo, e ergueu uma sobrancelha para aquela investida. Estava certo de que ele tinha desistido.
— O que o quis dizer, é que viemos te chamar pra sair. — o outro rapaz com ele falou, passando um dos braços sobre os ombros do loiro.
ficou ainda mais desconfiado. querer chamá-lo para sair ele até entendia, mas quem era esse segundo cara? A interrogação provavelmente ficou óbvia em sua expressão, porque o rapaz riu antes de se justificar.
— Eu sou ! — se apresentou. — é meu parceiro de balada e eu o convidei para a inauguração de um lugar novo. Ele disse que deveríamos chamar você então estamos fazendo isso. É só um encontro de amigos! Meu namorado não gosta muito de sair.
— Seu namorado escolheria nascer como uma pedra se pudesse, apenas para não precisar se mover. — respondeu, enquanto ainda tentava entender o que estava acontecendo.
Sério, porque estavam chamando justo ele para sair? Não era possível que não tivesse alguma coisa de errado. Era alguma pegadinha, certamente. Não seria a primeira vez.
— Não precisa pensar tanto! — voltou a falar. Ele exalava tanta energia e positividade que deixava meio tonto. Seu sorriso era enorme, quase podia ver uma aura colorida vibrar ao redor dele. Era estranho. — Só queremos fazer amizade.
sabia que ele não estava mentindo, mas ainda não podia deixar de achar estranho. Isso era algo que extrovertidos faziam? Apenas escolhiam alguém pra conhecer e chamavam pra sair? Mesmo que fosse um estranho totalmente aleatório?
— Balada não é meu tipo de programa. — disse ele. Ainda não confiava nos dois, negaria qualquer convite, mas não estava mentindo sobre aquilo. Os motivos chegavam a ser óbvios na verdade. Eles saberiam se pensassem um pouco. Bom, pelo menos saberia.
— Beber é exatamente o tipo de coisa que você está precisando. — foi justamente o loiro quem disse. Talvez não fosse tão esperto.
— Eu não bebo.
— Como não? Quantos anos você tem?
— Eu tenho epilepsia, tomo remédio, não posso beber. Além disso, as luzes piscando rápido demais me deixam tonto. — explicou.
Epilepsia fotossensível não era algo tão comum, mesmo em pessoas com epilepsia, mas era um azarado o suficiente para ter todas as vertentes do problema. Não dava para arriscar apesar dele nunca ter tido realmente uma crise com as luzes.
— Não tínhamos pensado nisso. — respondeu, com culpa genuína, provavelmente se lembrando dos avisos para epiléticos em todo programa com muitas luzes.
pareceu realmente decepcionado.
— Tenho certeza que algum universitário está dando uma festa hoje. — ele se voltou para , que imediatamente se animou outra vez.
— Conheço dois! — ele respondeu. — Podemos ir! Não vai ter luzes!
— Ou vocês podem ir na inauguração sem mim. — voltou a falar, se perguntando que parte do "não é meu tipo de programa" eles não tinham entendido. Claro, tinham os motivos óbvios que o faziam evitar tudo aquilo, mas ainda assim não era algo que ele apenas gostava de fazer em sua noite.
Odiava o cheiro de bebida, odiava gente bêbada e odiava música alta. Não ter amigos da sua idade o tinha transformado em um velho ranzinza.
— Nah, a boate vai estar lá para sempre. — o dispensou com uma das mãos. — Podemos fazer outra coisa hoje.
— Por que estão insistindo tanto em mim?
— Por que não insistiríamos? — devolveu sua pergunta. — Se estamos te chamando pra sair é justo que você possa frequentar o lugar.
Não era bem isso que estava querendo saber, na verdade, mas não teve tempo de responder antes que voltasse a falar:
— Vamos, vai ser legal!
— Não. — respondeu automaticamente, mas seu coração se apertou assim que viu a expressão decepcionada em seu rosto. Nem o conhecia, mas tinha um jeito tão alegre. Parecia um crime colocar aquela expressão chateada em seu rosto.
— Se vier eu te dou meu número. — piscou, e odiou a forma como seu corpo reagiu imediatamente. As coisas estavam estranhas desde que ficou tão perto para tomar aquele milkshake.
Ele era bonito demais, sempre soube disso, mas agora o afetava.
Talvez devesse aceitar o convite e apenas procurar alguém com quem ficar por uma noite, sem compromisso. Estava na cara que seu corpo precisava disso. Fazia algum tempo que não dormia com alguém e festas universitárias eram o melhor lugar para isso. A pessoa nem lembrava dele no dia seguinte.
— Quem disse que eu quero seu número? — respondeu apesar de suas considerações.
— Eu posso convencer sua chefe a te dar outra folga.
revirou os olhos, se poupando de responder aquilo.
— Eu vou com vocês, mas não quero seu número. — aceitou, apenas porque não conhecia nenhum universitário dando uma festa. Não ficaria com eles lá, sumiria nas sombras sem que vissem e, se qualquer um deles tivesse planejando algo ruim para si, terminariam decepcionados.
comemorou sua resposta e sorriu animado, dizendo que seria divertido. Combinaram de buscar em casa às dez, mas o esperaram fechar o café antes de seguirem o próprio caminho.

🔮🔮🔮

Por fim, conseguiu o número do garoto. Era isso ou tocar a campainha quando chegassem e essa ideia pareceu deixar apavorado. Era evidente que algo estava muito errado no relacionamento dele com o pai. se sentia intrigado ao pensar nisso.
— Estou sentindo sua preocupação. — falou, sentado no banco do passageiro ao seu lado. Já tinham chegado a casa de e o esperavam sem descer do carro, parados do outro lado da rua.
Toda essa coisa de chamá-lo para sair junto com tinha sido apenas uma desculpa, mesmo que fosse algo que já planejasse fazer.
Como empata, podia sentir a essência das pessoas. Ninguém era cem por cento bom, mas ele conseguia dizer o que era predominante. Ele saberia se alguém estivesse planejando algo ruim e sugeriu que ele acompanhasse por esse motivo. A desconfiança dele com ainda chateava , mas precisou concordar que era uma boa idéia. , além de tudo, também era alguém que conquistava qualquer um com facilidade. Podia até ser devido a sua magia, assim como funcionava com e , mas diferente deles dois, a magia de não era contrária a de para repelí-lo.
— Estava pensando no que eu vi outro dia quando vim deixá-lo em casa. — respondeu, olhando para a casa do outro lado da rua. — Ele tem uma irmã pequena e ela estava tentando arrastar o pai bêbado para dentro. — explicou. — Bom, ele não confirmou que era seu pai, mas parecia ser. Agora ele nos pede pra parar do outro lado da rua e passa o telefone só pra evitar que a gente bata na porta.
— Parece uma situação de merda, mas explica porque eu o senti tão deprimido. — suspirou.
Ao contrário do que esperava, não sentiu maldade em quando o conheceu, apenas cansaço e tristeza. Quando o empata disse isso ao clã, entendeu imediatamente o motivo, pensando no pai do garoto. Não só isso, na verdade. tinha muitos motivos para estar triste e entendia todos eles, mesmo não sendo mais um bruxo das sombras. ficou chateado por ele, mas achou desnecessário contar a todos o que sabia. Apenas estava contado a porque ele podia sentir muito mais do que deveria de qualquer forma.
Antes que continuassem a conversa, a porta da casa onde morava foi aberta e ele passou por ali, gritando com alguém do lado de dentro.
— Que bom que eu não estou indo pra igreja, então. — falou, fechando a porta com força atrás de sí. Ele parecia furioso, não precisava ser um empata para sentir a tensão.
A pessoa do lado de dentro gritou em resposta, mas não foi possível entender o que tinha dito.
e se entreolharam, ambos curiosos, mas ninguém disse nada. já seguia em direção ao carro, sem olhar para trás.
Pela primeira vez desde que o tinha conhecido, via com uma roupa diferente dos moletons habituais ou seu uniforme de trabalho, embora ele ainda usasse preto dos pés a cabeça. Ele vestia uma calça cargo com a barra presa dentro de coturnos pesados e sua camiseta estava dentro da calça, presa por um cinto. A camisa em si era simples, preta e lisa, mas por cima de tudo isso, o que provavelmente era o problema da pessoa dentro de sua casa, ele usava uma jaqueta com glitter. Ela ainda era preta, assim como o brilho, mas refletia na luz e era um pouco curta. A peça fazia exibir uma cintura fina que desconhecia. Menor inclusive que a sua, e por um instante ele se viu completamente sem palavras.
era realmente muito bonito. Era difícil reparar nisso quando ele passava a maior parte do tempo tentando esconder o rosto, mas nada impedia de vê-lo agora. Seu cabelo estava penteado principalmente para trás e ficou realmente impressionado.
Dizer que era bonito, na verdade, era pouco.
— Cuidado pra não babar. — comentou, o fazendo notar que olhava fixamente para o outro. imediatamente desviou o olhar, constrangido.
Lembrou-se do que tinha dito, sobre o verdadeiro interesse de em , e se sentiu meio culpado por estar olhando para ele dessa forma.
— Eu guardo seu segredo. — riu, como se pudesse ler seus pensamentos. Era perturbador estar perto dele às vezes.
— Qual segredo? — perguntou, abrindo a porta de trás do carro. Para desespero de , ele também estava absurdamente cheiroso.
— Se é um segredo, óbvio que eu não vou te contar. — riu. — Você está lindo, -ah. Estava tentando impressionar alguém?
— A mim mesmo. — devolveu, sem encarar nenhum dos dois, mas não pareceu incomodado com o elogio amistoso de . tinha certeza de que se fosse ele, levaria uma patada, mas se fosse, o elogio também não seria apenas amistoso. — Podemos ir?
— Vamos. — respondeu, dando partida no carro, mas foi quem se encarregou de preencher o silêncio com conversa.

🔮🔮🔮

se separou de e nos primeiros cinco minutos após chegarem e o lugar estava cheio o suficiente para que ele conseguisse fugir novamente sempre que via um dos dois por perto.
Estavam em uma república qualquer em um bairro universitário próximo a faculdade. A música era alta o suficiente para incomodar seus ouvidos, mas ninguém além dele parecia ter um problema com isso. Corpos bêbados dançavam e se esfregavam no meio da sala, curtindo a música e se perguntou qual era o problema dele para se sentir tão deslocado naquele ambiente.
Ele estava andando por aí sozinho, um copo de bebida na mão apenas para fingir estar aproveitando. Sabia que era isso que esperavam de um universitário em uma festa universitária, mas ele não tinha tomado um único gole. Estava até mesmo se arrependido de ter ido até lá.
não era muito bom em chegar nas pessoas. Na verdade, não tinha nem ideia de como fazer isso. Não se considerava alguém tímido, mas ser introvertido acabava completamente com sua capacidade de socializar. Era por isso que, no geral, ele usava alguma roupa brilhante quando saia com intuito de ficar com alguém. Nenhum cara hétero usaria uma jaqueta tão curta cheia de glitter.
Mas hoje, num geral, as coisas estavam meio devagar demais. Ninguém tinha se aproximado e ela também não notou ninguém lhe cobiçando ao longe. Pelo menos nenhum homem. Talvez fosse o fato de não ficar muito tempo parado no mesmo lugar para isso, já que estava fugindo de e .
Deveria ter perguntado, como quem não quer nada, onde era a outra festa. Poderia ter ido pra lá ao invés de ficar ali, fugindo dos dois. já estava quase desistindo disso para ir para casa quando uma garota bêbada esbarrou nele, fazendo com que derrubasse sua bebida sobre ela, na altura de seus seios.
Ele arregalou os olhos.
— Me desculpe! — pediu, mesmo que a culpa não fosse realmente dele, e ela apenas gargalhou.
— Se me der um beijo te deixo me molhar de novo.
— O quê?! — questionou, mais pela surpresa do que por não ter entendido. Ela apenas riu novamente, mas foi puxada para trás por um dos braços antes que pudesse responder.
A princípio, ela começou a se debater e se preparou para intervir, mas ela relaxou quando olhou para o cara, voltando a rir bobamente. Estava claramente bêbada.
— Ah, verdade. Eu tenho namorado. — falou ela, como se não tivesse acabado de pedir um beijo para . — Ele derrubou vodka nos meus peitos. — explicou ela para o recém chegado, e mesmo não tendo usado qualquer tom acusatório, soube ali que teria problemas.
não entendia bem como as coisas aconteciam ao seu redor às vezes. Ele costumava repelir as pessoas sem fazer nada para isso, como se vivesse nas sombras e fosse invisível para o mundo. Era de se esperar que isso repelisse também também os problemas, mas normalmente era o contrário. Quando era visto, muitas vezes era rapidamente odiado, quase como se ficassem irritados por ele ousar existir.
As poucas exceções eram os caras que chegavam nele por achá-lo bonito. Normalmente essas pessoas só queriam uma foda rápida e nada disso importava.
Mas esse não era o caso daquele cara. E ele, para piorar, ainda estava bêbado.
— Você fez o quê? — o homem avançou em sua direção, parecendo um touro, e deu alguns passos para trás. Podia se defender se realmente precisasse, mas não era do seu feitio bater em gente bêbada.
— Ela esbarrou em mim e a bebida caiu. — tentou explicar. — Relaxa, cara.
— Não me manda relaxar! Você jogou bebida na minha namorada!
— E por qual motivo eu faria isso de propósito? Não faz sentido.
— A blusa dela está transparente agora!
— Então cubra ela ao invés de gritar comigo. — respondeu, indignado com aquela briga estúpida.
— Oh, verdade, dá pra ver meus peitos. — ela voltou a rir, e o cara se voltou para ainda mais furioso, como se somente então notasse isso.
suspirou, desejando muito que aquela garota ficasse quieta. Sabia que não era exatamente culpa dela que o cara fosse um encrenqueiro, mas seus comentários não estavam ajudando.
— Era isso que você queria? Ver os peitos dela? — ele avançou mais alguns passos.
— Cara, eu ‘tô usando uma jaqueta com glitter! Glitter! — tentou justificar, apontando para sí mesmo. Por mais que tentasse esconder quem era na maior parte do tempo, por causa de seu pai, não era o que ele estava tentando fazer agora.
— O que isso tem a ver?!
— Acho que ele está tentando dizer que era mais fácil estar interessado nos seus peitos do que nos dela. — surgiu repentinamente, se colocando entre eles. O loiro tocou o outro cara para tentar afastá-lo de , mas ele empurrou sua mão.
— Se ele é viado estava olhando os peitos dela por quê?!
— Esse é o ponto. Eu não estava! — se defendeu, indignado, mas o homem se jogou sobre ele mesmo assim, enquanto as pessoas ao redor já começavam a gritar pedindo por briga.
desviou de seu golpe sem dificuldade, mas o homem caiu por cima do bar, derrubando metade das bebidas no chão. imediatamente soube que estava perdido e para comprovar isso, as pessoas passaram a vaiar. Ele sabia que o culpado de tudo não era ele, mas tinha certeza que as vaias eram para si. Tinha relação com aquela coisa de repelir as pessoas também.
Parecendo deduzir o mesmo que ele de alguma forma, simplesmente pegou pela mão e o arrastou em direção a saída, o obrigando a correr junto com ele para fora.
Um grupo tentou se por na frente deles, impedí-los de fugir, mas um deles escorregou no nada e desabou na frente dos dois, derrubando os outros em um efeito dominó. os pulou, e fez o mesmo. Outra pessoa tentou segurar e ele desviou. Outro tentou socar , mas de alguma forma inexplicável, acabou socando o próprio rosto. A pessoa caiu, derrubando quem vinha atrás para ajudá-lo e no meio desse caos de pessoas bêbadas derrubando umas às outras, e conseguiram chegar ilesos na rua.
Os dois acabaram rindo enquanto ouviam a gritaria do lado de dentro, como se as pessoas ainda os procurassem ou, quem sabe, brigassem entre si. Fazia sentido, considerando que todos estavam meio bêbados.
— Você sumiu de vista pra arrumar confusão? — perguntou, divertido, enquanto soltava sua mão.
— Mas eu não fiz nada! — se defendeu imediatamente. — Ela que esbarrou em mim!
— Eu vi, só estava brincando. — riu novamente, tirando as chaves do carro do bolso. — Não estou bêbado, sou capaz de entender o que aconteceu.
aceitou a desculpa, mas não respondeu mais nada. Estava acostumado a ser apontado sempre como culpado. Não esperava que fosse apenas acreditar nele assim, mesmo que desde o início ele estivesse rindo.
— Bom, mas agora vamos ter que arrumar outro lugar pra ir. — voltou a falar, abrindo a porta do carro. — Entra aí.
— E o ?
— Ele ligou pro namorado vir buscar ele. — riu. — Ele fala que é meu parceiro de balada, mas na verdade não aguenta ficar dez minutos em um lugar onde ele não está.
— E por que não foi embora também?
— Você veio com a gente, achou que íamos te deixar pra trás? — devolveu, e se sentiu imediatamente culpado. Era exatamente isso que ele pretendia fazer.
Diante de seu silêncio riu outra vez, entendendo tudo.
— Tudo bem, eu te perdoo. — respondeu, não parecendo se importar com aquilo. — Entra aí.
não estava muito certo de que aquela era a melhor ideia. Ainda se sentia meio inseguro perto de , mas ter sido o babaca quando pensou que esse seria o fez entrar no carro em silêncio, sem questionar. Se sentia meio culpado.
— Você disse que isso não era seu tipo de programa, o que você gosta de fazer então? — perguntou.
— Ir para a casa parece ótimo.
— Não mesmo, não me arrumei tanto atoa. — retrucou, e precisava concordar, seria um desperdício.
era lindo, qualquer um podia ver. sabia que ele sequer precisava se esforçar, mas naquela noite ele ainda tinha se esforçado. Ele usava uma calça de couro preta com uma camiseta branca por dentro. A peça era simples, completamente livre de estampas, mas por cima ele vestia uma jaqueta holográfica de tom claro que certamente ficava bem somente dele nele. Seus cabelos loiros estavam arrumados para trás, mostrando a testa, e ele tinha caprichado no perfume. Era perturbador, sinceramente.
— E então? Gosta do que? — insistiu, tão animado que não conseguiu apenas interrompê-lo para pedir para ir embora de novo. — Quer comer? Uhm... Jogar alguma coisa? Boliche? Me diz que você não é tipo o namorado do que prefere um museu.
— Acho que comer parece bom... — respondeu, meio incerto, mas sorriu radiante.
— Então fechado! Vamos comer. — comemorou, soando tão alegre que questionou se estava mesmo fazendo o certo em fugir tanto dele.

🔮🔮🔮

tentou levá-lo para uma lanchonete de gente metida em um bairro de rico. Um lanche simples sem os acompanhamentos custava o dobro de um combo em um fast food popular. A primeira reação de sobre isso foi mandá-lo se fuder antes de dizer que não ia entrar lá. acabou rindo e deixou que ele escolhesse onde iriam comer. Segundo ele, aquela tinha sido a reação mais espontânea que tinha tido em sua presença desde que tinham se conhecido. discordava, tinha sido bem espontâneo quando o levou para o trabalho após convulsionar, mas não discutiu.
Foi assim que terminaram no drive thru de um McDonald's, com reclamando antes, durante e depois de fazer os pedidos, especialmente quando o fez escolher um combo na promoção.
— Por que é que eu não pude escolher se eu que paguei? — resmungou, literalmente. Com direito a um bico nos lábios e voz afetada. olhou para ele com uma sobrancelha erguida. Era no mínimo esquisito ver um adulto agindo daquela forma, mas precisava admitir que ficava meio fofo. Provavelmente porque ele já tinha uma aparencia meio fofa quando não estava lançando nos outros aquele maldito sorriso flertador.
— Pagou porque quis, eu disse que ia pagar o meu.
— Eu te chamei, eu pago.
— Isso não é um encontro pra você pagar pra mim. — respondeu, abrindo o saco com os pedidos para roubar uma batata. Antes que pudesse levá-la até a boca, a roubou de sua mão.
— Me espere para comer! — gritou, comendo ele mesmo a batata. o encarou indignado.
— Mas você acabou de comer! — gritou também.
— Por que você ia fazer isso antes!
— Mas agora eu tenho direito de pegar uma!
— 'Tá, mas só uma. — levantou um dedo em sua direção, mas se sentiu desafiado.
— Pois agora também eu vou pegar mais. E da sua.
— Não vai não! — gritou novamente, intercalando a atenção entre ele e a rua à sua frente. — ! — gritou mais alto quando o garoto realmente pegou várias batatas. Três, para ser mais exato, e tentou roubá-las novamente. Dessa vez, se esquivou. — Não pode incomodar o motorista! Você está incomodando o motorista! — gritou novamente, lutando para alcançar enquanto mantinha os olhos na rua.
acabou rindo daquilo, colocando duas batatas na própria boca antes de enfiar a outra na de . Literalmente enfiar, sem nenhuma delicadeza. Apenas aproveitou que a boca de estava aberta, no meio de um grito, e atacou ali. engasgou, e teve que frear o carro para tossir.
— Enlouqueceu?! — gritou, mas acabou rindo junto de que gargalhava da situação. — Eu podia ter batido!
— Estava testando suas habilidades como motorista. Parabéns, você passou.
— Você era mais legal calado. — resmungou, voltando a dar partida no carro.
— Não era você que queria se aproximar? Pois bem.
— Já me arrependi.
— Uhum. — resmungou, não acreditando realmente naquilo. Não era só uma questão de saber quando estavam mentindo, ele apenas sabia que somente estava tentando provocá-lo. Apesar de nunca conseguir se aproximar das pessoas, não parecia ter qualquer problema com ele.
— Onde nós vamos comer, hein? — acabou perguntando, e deu de ombros.
— Sei lá, só para o carro em qualquer lugar.
— Meu restaurante era muito mais legal e tinha lugar pra sentar.
— Sabe onde também tinha lugar pra sentar? Minha barraquinha qualquer de procedência duvidosa no meio da estrada. — respondeu, porque realmente havia sugerido aquela opção quando estavam escolhendo onde comer. , obviamente, rejeitou a ideia.
— Você é um nojento.
— Nojento é você que não sabe aproveitar um podrão engordurado.
Por fim, acabaram parando em uma praça enquanto reclamava dos lanches estarem esfriando o caminho inteiro. Era apenas para provocá-lo, embora todo mundo soubesse que os lanches do McDonald's só ficavam bons nos primeiros cinco minutos após serem feitos.
O tempo estava nublado, com cara de chuva, e provavelmente já era madrugada. As ruas estavam desertas, assim como a praça. Havia alguns brinquedos infantis ali, escorregador, giga gira, balanço e um playground mais alto de madeira, com uma casinha no topo. Eles foram para lá. Em uma parte do brinquedo, as madeiras de proteção para evitar que as crianças caíssem havia sido arrancada e os dois se sentaram ali, com as pernas para fora e a sacola com os lanches entre eles.
Foi o primeiro bom momento que passou com alguém, além de sua irmã, em muito tempo.

🔮🔮🔮

funcionava melhor a noite. Assim como algumas pessoas gostavam de se sentar ao ar livre para aproveitar o sol, ele gostava de se sentar com a companhia da lua. Era por isso que fugia para seu telhado no meio da noite para desenhar sempre que podia e foi por isso que ele inclinou o corpo para trás, apoiando-se nos cotovelos, para olhar a lua.
Estava esperando voltar, mas sinceramente, não achava que isso ia acontecer.
Depois que comeram, decidiu que estava sóbrio demais e saiu para comprar álcool. Disse que seria rápido, tinham passado por uma loja de conveniência vinte e quatro horas antes de pararem ali, mas não costumava ser a pessoa preferida de ninguém. Não seria surpresa se aquilo fosse apenas uma desculpa para ir embora e largá-lo ali sozinho.
realmente não era bom em manter uma conversa, mesmo que se esforçasse para isso. Normalmente só respondia o que lhe perguntavam e as pessoas rapidamente se cansavam de seu silêncio quase constrangedor. já estava acostumado com isso, mesmo que fosse meio cruel, mas admitia que realmente ficaria chateado se fizesse o mesmo. Para sua surpresa, tinha realmente apreciado a companhia do outro.
não sabia explicar porque era assim, mas sentia que não conseguia demonstrar para as pessoas quando gostava delas ou de sua companhia. Ele sempre tinha a impressão de fazer exatamente o contrário quando tentava demonstrar que gostava de alguém, e no caso de , na verdade, ele apenas tinha se esforçado para espantá-lo.
Quando realmente voltou, foi um choque para . Ele não conseguiu esconder sua surpresa e notou com um único olhar.
— Você realmente achou que eu ia te largar sozinho aqui? — perguntou, aproximando-se do brinquedo onde ainda estava sentado, o encarando de baixo para cima. — Eu não te deixei pra trás nem na festa enquanto você tentava fugir da gente.
não quis verbalizar suas inseguranças e explicar para alguém praticamente estranho que era assim que as coisas funcionavam com ele, então apenas deu de ombros, fingindo que aquilo não era nada demais mesmo que fosse.
Ele estava realmente feliz por ter voltado, essa era a verdade, mas tentou não fazer daquilo um grande caso apesar da satisfação em seu peito.
Pensou que talvez, se falasse, se sentiria mais acolhido. Estava há pouco pensando no quanto tentou espantá-lo, mas ainda tinha receio do outro apenas estar brincando com ele e ser feito de idiota.
Tantos anos de reclusão fizeram dele alguém inseguro naquele aspecto.
— Você podia ter mudado de ideia. — comentou apenas.
— Se eu tivesse mudado de ideia teria inventado uma desculpa pra te levar pra casa, . É assim que pessoas normais agem. — falou, puxando uma latinha do engradado de cerveja em sua mão e a jogando para ele. a pegou no ar apesar de não beber, e viu que era apenas refrigerante. tinha se lembrado desse detalhe, mesmo que não tivesse repetido. Se sentiu acolhido, mas não disse nada, apenas abriu a latinha.
— Você ficaria surpreso. — respondeu, antes de tomar um gole.
— Bom, algumas pessoas estão realmente presas no ensino médio ainda, vivendo uma eterna síndrome de Regina George, mas eu prefiro ficar longe de gente assim.
acabou rindo de seu comentário, mas não pode evitar de se sentir meio culpado. Não era santo, sabia disso, mas gostava de pensar que apenas se defendia das pessoas quando precisava. No geral, ele se excluía para evitar decepção, mas e o convidaram pra sair com toda boa vontade e ele estava disposto a deixá-los para trás. Iria fazer exatamente o que ele estava pensando que, se fizesse, seria cruel.
— Eu teria ido embora da festa sem vocês, apesar de vocês terem me convidado. — admitiu, mesmo que já soubesse daquilo.
— Eu sei, mas vou te dar o benefício da dúvida. Minha tentativa de aproximação foi bem suspeita, você tinha motivos pra estar desconfiado. — respondeu e, bom, aquele realmente era o motivo pelo qual estava tentando fugir dele.
finalmente caminhou de volta para o brinquedo e deu outro gole em seu refrigerante, pensando sobre sua fala enquanto o esperava.
Sabia que não estava mentindo e por isso estava ali. Ainda não entendia bem os objetivos do loiro, mas confiava que ele não tinha intenção de lhe fazer mal.
Mas como não tinha como saber disso, decidiu provocá-lo mais uma vez.
— Uhm, ainda não sei não se sua intenção era realmente boa. — comentou, e bufou enquanto se aproximava dele por trás.
— Então você é burro pra caralho de estar sozinho comigo no meio do nada. — respondeu, fazendo rir.
Se tinha uma coisa que não parecia, era ameaçador. No máximo esperava um pouco de bullying.
— E o que você faria comigo sendo desse tamanhozinho? — debochou, mas o outro não reagiu muito bem.
— Você só parece mais alto porque tá usando uma bota! — exclamou, praticamente aos berros, o que fez rir mais uma vez. Não esperava realmente ofendê-lo, mas aparentemente tinha tocado em um ponto delicado.
era no máximo três centímetros mais alto que , mas enquanto ele tinha ombros largos, os de eram pequenos, o que o fazia parecer delicado perto de .
pareceu amolecer diante de sua reação, mas revirou os olhos e empurrou o engradado de cerveja em seu peito. se perguntou o que ele tinha feito com as cervejas que estavam faltando pois metade do engradado estava completo com refrigerante.
— Cala a boca e segura isso. — reclamou, aproveitando-se que estava de pé para tirar a jaqueta.
acompanhou o movimento despretensiosamente, mas sentiu a temperatura se elevar quando a luz do poste quase sobre suas cabeças revelou o que escondia ali embaixo.
Sua camisa branca era ligeiramente transparente, permitindo que viesse o que ele escondia ali embaixo. tinha uma tatuagem na costela escrito "Nevermind" e um piercing em um dos nos mamilos, que deixou completamente sem fala.
parecia um príncipe encantado na maior parte do tempo, os cabelos loiros alinhados em um topete perfeito, a pele clara parecendo feita de porcelana, os lábios cheios sempre rosados... sabia que apesar da aparência ele estava mais para uma cobra sorrateira, deixava isso claro com seus sorrisos ladinos e a forma como estreitava os olhos, mas não esperava por piercings no mamilo.
— A baba está escorrendo aqui, ô. — o provocou, fingindo limpar algo no canto da própria boca. Ele tinha novamente aquele sorrisinho maldito nos lábios, que deixava desconcertado. — Tenho outra tatuagem nas costas também, mas não acho que é isso que você está olhando.
imediatamente desviou o olhar, tentando disfarçar, embora se sentisse repentinamente quente. era quente, na verdade. Era difícil de ignorar.
— E o que é? — perguntou, lutando para olhar para seus olhos e não para a jóia em seu corpo novamente.
Mas , claro, ainda sorria daquele jeito, muito bem ciente do que tinha causado e obviamente feliz com isso.
— Se quiser saber vai ter que olhar com os próprios olhos. — sorriu.
— Isso é um convite?
— Se você quiser que seja... — ergueu uma sobrancelha de forma bem sugestiva, mas não era muito bom com meias palavras. Ele precisava que as pessoas fossem diretas pois dificilmente conseguia entender as entrelinhas e quando entendia, desconfiava de si mesmo por ter entendido, achando mais fácil estar enganado. pareceu notar sua confusão, porque revirou os olhos antes de voltar a falar.
— Eu quis dizer que é um convite se você quiser, . — foi mais direto, mas ele ainda não se sentiu convencido.
— Do que exatamente estamos falando? — questionou, tentando ter certeza que estavam na mesma página.
Estava ciente de sua própria aparência, mas era bonito demais pra qualquer um.
Ao invés de responder, simplesmente se ajoelhou ao seu lado, tirando o engradado de suas mãos para colocá-lo de lado. o acompanhou com o olhar, sem se mover, e quando finalmente se viu livre, o segurou pela jaqueta, puxando-o para mais perto.
sentiu o ar fugir se seus pulmões quando inclinou o rosto em sua direção, deixando os lábios a poucos centímetros do seu. Ele se arrepiou inteiro ao sentir o hálito dele contra seus lábios, os olhos de presos aos seus. Desejou que ele apenas tivesse juntado suas bocas e salivou ao pensar nos lábios cheios de movendo-se junto aos seus.
— Quer? — perguntou em um sussurro, aproximando-se um pouco mais, e quase fechou os olhos quando os lábios dele finalmente roçaram os seus.
definitivamente queria isso, mais do que achava seguro para seu próprio bem. Era quase como se o enfeitiçasse. Algo apenas o puxava para o outro e não tinha nenhuma vontade de lutar contra isso. Eram dois homens adultos e era bonito demais para que não se sentisse atraído.
Sem esperar mais um segundo, simplesmente findou a distância entre eles. Ele segurou pelos cabelos para trazê-lo mais para perto e colou suas bocas com um pouco mais de força do que era realmente necessário.
não pareceu nenhum pouco incomodado, pois imediatamente entreabriu os lábios para que ele pudesse juntar suas línguas. O loiro jogou os braços sobre seus ombros, montando em seu colo, e permitiu que ele aprofundasse o beijo rapidamente, suspirando contra seus lábios quando chupou sua língua.
Beijar justamente não era exatamente o que ele tinha em mente quando saiu de casa naquela noite, mas era definitivamente melhor do que seu plano original.
era intenso e beijava com o corpo inteiro, como se quisesse tomá-lo para si. Os lábios dele eram macios contra os seus e o beijo, apesar de lento, parecia consumí-lo de dentro para fora. Duvidava que beijar apenas uma vez seria suficiente. Seus lábios eram viciantes. A forma como o beijava era viciante.
Sem se conter, o abraçou pela cintura e o espremeu contra seu peito, fazendo-o suspirar contra sua boca enquanto agarrava seus cabelos. O gesto o deixou imediatamente excitado, levando a gemer contra seus lábios. , ciente do que estava causando, rebolou devagar em seu colo, fazendo segurá-lo com mais força.
Quando o ar faltou, se afastou minimamente, apenas o suficiente para que pudessem respirar. O loiro juntou suas testas, soltando o ar contra sua boca, e teve que se controlar muito para não tomar seus lábios novamente, ignorando a necessidade por ar. Mal teve coragem de abrir os olhos, ainda entregue a sensação avassaladora de beijar .
— Se queria tanto era só ter pedido. — o outro brincou, e beliscou sua cintura. Sabia que ele estava tão desconcentrado quanto a si próprio. A respiração de era pesada e seus corpos ainda estavam colados o suficiente para que sentisse o movimento de seu peito.
Em resposta a sua atitude, gargalhou, jogando a cabeça para trás e sentiu algo em seu peito doer.
Os sorrisos que costumava lançar, cheio de segundas intenções, mexiam com ele, mas aquela gargalhada tão natural e espontânea era uma das coisas mais bonitas que já tinha ouvido. O som, a forma como ele fechava os olhos para rir. Era injusto que alguém fosse tão bonito assim.
— Eu só estou brincando. — se inclinou novamente em sua direção. — Você parece o Mochi, um gatinho arisco.
— Ele não é arisco. — devolveu, e riu de novo. Tão perto que sentiu seu corpo se arrepiar em resposta.
— Pra você ver, até seu gato é mais dócil.
Em retaliação por seu comentário, o beliscou novamente, mas continuou rindo após se esquivar mais uma vez.
— Se continuar me maltratando não te beijo de novo. — roçou seus lábios outra vez, e precisou dar tudo de si para não dar início a outro beijo.
— E quem disse que eu quero? — retrucou, e soube que aquela resposta era a resposta errada quando o encarou novamente com aquele mesmo sorriso de lado. Não precisou dizer nada, a pergunta estava implícita em sua cara. "Não quer, é?"
— Tem certeza? — sussurrou, usando a ponta da língua para entreabrir seus lábios.
Pessoas tão seguras de si quanto ele eram um perigo para sociedade e não se importava em ser a vítima da vez.
Tentando provocá-lo, selou brevemente seus lábios e se afastou quando tentou iniciar um novo beijo. Frustrado, grunhiu, e apenas sorriu antes de voltar a se aproximar, agora puxando seu lábio inferior entre os dentes.
era ótimo naquele jogo, não tinha a menor chance.
— Tudo bem, você venceu. — falou, quase implorando para beijá-lo novamente.
— Eu sempre venço. — riu, mas não o deixou ficar muito tempo afastado, puxando-o para um novo beijo.
segurou com mais força em seus cabelos enquanto movia a língua contra a sua e quase gemeu. Apenas parecia ainda melhor agora. Os lábios fartos de moviam-se em sincronia com os seus em um beijo profundo que o deixava completamente desconcentrado.
Como se aquilo não fosse o bastante, voltou a rebolar em seu colo, devagar, e ambos suspiraram entre o beijo. Foi apenas um segundo antes deles voltarem ao que faziam, incapazes de desconectar os lábios.
Puxando-o para mais perto, esmagou contra seu peito e a camisa fina que o loiro usava o permitiu sentir a jóia em seu mamilo contra sua própria pele, causando um atrito delicioso. voltou a se arrepiar, sentindo a ereção se formar entre suas pernas. Tudo em que ele conseguia pensar era em puxar aquele piercing entre os dentes.
Quando o ar lhes faltou novamente, puxou seus cabelos para trás, afastando seus lábios e obrigando-o a inclinar a cabeça. Ainda de olhos fechados, o fez, e no instante seguinte a boca do loiro estava em seu pescoço, chupando e mordiscando sua pele deliciosamente.
não foi capaz de conter um gemido, sentindo a língua do outro brincar em sua pele.
— Vamos para o carro. — pediu, sua voz soando arrastada em meio aos suspiros que soltava para o outro. Segurando pela cintura, tentou afastá-lo de si, mas ele não obedeceu, traçando com a língua um caminho de seu pescoço até o lóbulo de sua orelha.
grunhiu novamente quando ele sugou a cartilagem para dentro da boca, roçando o nariz atrás de sua orelha enquanto esfregava seus quadris juntos.
poderia enlouquecer só com isso. Já sentia seu corpo prestes a entrar em combustão.
— O que você disse? — perguntou com falsa inocência quando finalmente afastou seus lábios, mas a respiração dele em seu pescoço ainda o perturbava. — Achei que você não queria mais nada. — provocou, quando sequer lembrava de ter dito isso.
Para provar seu ponto, o loiro rebolou novamente contra a ereção entre suas pernas e segurou sua cintura com mais força por isso. Sentiu que também estava excitado, tanto quanto ele, e decidiu provocá-lo de volta.
apalpou o volume entre as pernas do loiro e o apertou devagar entre os dedos, fazendo interromper imediatamente os movimentos em seu colo. Ele gemeu baixo contra seu ouvido, jogando todo seu peso sobre .
Ele quase gemeu junto, certamente sonharia com aquele som.
— Tem certeza que não quer ir para o carro? — sussurrou, massageando sua ereção entre os dedos. Estava louco para tocá-lo sem nenhum tecido entre eles, especialmente se pudesse ouví-lo gemer daquela forma novamente.
— Eu nunca neguei. — retrucou, gemendo novamente quando o segurou com mais firmeza.
— Mas também não concordou, uhm?
massageou sua ereção, subindo com a outra mão por dentro se sua camisa, até que estivesse arranhando suas costas. suspirou com a cabeça enfiada em seu ombro, a respiração descompensada deixando ainda mais ansioso.
— Carro. — finalmente se rendeu, e teria rido se o outro não tivesse sido tão rápido em se levantar de seu colo.
Antes mesmo que tivesse tempo de pensar, já o segurava pela mão para que se levantasse também, pegando a jaqueta e o engradado de bebidas com a mão livre.
Seguiram de mãos dadas até o carro, e não pôde deixar de notar que era a segunda vez que isso acontecia naquela noite. Para sua surpresa, o gesto não o incomodava. Muito pelo contrário, na verdade, o que era preocupante.
só estava sendo gentil, mas não estava acostumado com isso.
Quando finalmente chegaram até o carro, o soltou para destrancar as portas. Ele havia estacionado embaixo de um poste de luz, e a iluminação deu a o vislumbre de sua pele. A tal tatuagem se tratava das fases da lua, bem no meio das costas, começando um pouco abaixo de sua nuca e terminando quase em seu quadril.
Era bonito pra caralho e imediatamente juntou seu corpo ao do outro, segurando-o pela cintura antes de deixar um beijo em sua nuca.
se arrepiou inteiro com a atitude, notou, então se atreveu um pouco mais, distribuindo beijos de boca aberta por toda a pele disponível até seu pescoço.
suspirou, inclinando a cabeça para o lado, e o puxou para mais perto, chupando seu pescoço. acabou colando seu corpo ao dele, esmagando sua ereção com a bunda, e gemeu baixo. Se ele não abrisse logo aquela porta o tocaria por baixo da roupa ali mesmo, no meio da rua.
— A porta, . — pediu, deixando em seu pescoço uma mordida que o fez xingar, mas fez o que estava pedindo, finalmente abrindo a porta do carro. Ele deixou as garrafas e a jaqueta no banco da frente e entrou atrás, com vindo em seguida. Ele fechou a porta atrás de sí e se apressou para se sentar no colo do outro, segurando seu rosto entre as mãos para voltar a atacar seus lábios.
O beijo de era viciante e se estivesse em seu juízo perfeito, se preocuparia com isso. Não tinha nenhuma chance de não pensar naquele beijo mais tarde, quando estivesse sozinho em casa, mas no calor do momento, aquela era a última coisa que se passava em sua cabeça.
Enquanto devorava os lábios do outro, empurrou sua jaqueta para trás. lamentou ter que se afastar para terminar de tirá-la, mas se aproveitou para livrar-se da camiseta também.
gemeu quando teve um vislumbre de seu corpo. se exercitava, estava em forma. E o outro certamente reparou nisso, o que arrancou um sorrisinho discreto de .
O loiro o empurrou para trás, para fora de seu colo, até que ele estivesse desajeitadamente deitado sobre os bancos. Não tinha muito espaço para isso e ele só pôde ficar com as pernas abertas, com entre elas.
O mais velho se inclinou sobre ele imediatamente, rumando direito para seus mamilos. Ele sugou um entre os lábios e suspirou alto, segurando em seus cabelos enquanto seu membro endurecia rapidamente entre suas pernas.
notou isso, pois desceu uma das mãos por seu abdômen até estar sobre o volume em suas calças, apertando sua ereção por cima da roupa exatamente como tinha feito com ele mais cedo.
gemeu baixo com o contato, enquanto rumava para seu outro mamilo, assoprando após chupá-lo como tinha feito com o anterior. se remexeu embaixo do outro, de repente ansioso para se livrar das calças. Não conseguiu deixar de pensar em como seria os lábios grossos do outro ao seu redor quase gemeu novamente com o pensamento.
— Se eu tivesse um corpo desse eu andava pelado. — comentou, descendo beijos por seu abdômen.
suspirou, sentindo seu corpo queimar em desejo, mas não pode deixar de responder, embora sua mente já estivesse meio entorpecida.
— Essa camisa que você está usando é quase a mesma coisa.
— Gostou? — perguntou, deixando uma mordida em seu abdômen que fez estremecer.
— Preferia sem. — respondeu, arfando ao receber um chupão no mesmo lugar.
riu, se de seu comentário ou de sua reação, não sabia, mas ele se afastou pra tirar a peça de roupa. salivou ao ter o vislumbre da jóia em seu mamilo e esqueceu-se completamente da expectativa de ter os lábios de ao redor de seu pau.
se levantou, sentando-se novamente para poder se inclinar sobre . Ele o agarrou pela cintura e abocanhou seu mamilo, fazendo gemer alto com o contato. O som fez se arrepiar por inteiro e seu pau pulsou dentro da calça que em um segundo já estava desabotoando.
O loiro invadiu sua cueca, segurando sua ereção entre os dedos, e gemeu contra seu mamilo enquanto o outro o masturbava devagar demais para sua sanidade. A mão de era quente ao seu redor, e fez voltar a pensar sobre sua boca.
Melhor que isso apenas ter dentro dele. Precisava agilizar as coisas antes que enlouquecesse, mas não conseguia soltar o piercing em seu mamilo. Era uma delícia ter a jóia entre os dentes e a forma como o apertava mais entre os dedos sempre que maltratava a região sensível fazia gemer junto com ele.
— Como você quer fazer isso, uhm? — perguntou. Ele usou a mão livre para agarrar seus cabelos e puxou sua cabeça para trás. gemeu, um fio de saliva ainda o conectando com seu mamilo, agora levemente inchado com seus chupões. — Eu podia te comer bem gostoso, mas tiver outra preferência...
— Eu sento em você. — o interrompeu para responder. Já tinha saído de casa preparado e provavelmente imaginou isso diante de sua resposta tão rápida. Ele sorriu, voltando a se aproximar de sua boca.
— Desde que a gente possa repetir o contrário depois... — sussurrou, roçando seus lábios juntos, e quase gemeu em expectativa. Definitivamente podia imaginar isso, mas não facilitaria as coisas para quando podia apenas provocá-lo.
— E quem disse que eu vou querer de novo? — retrucou, mesmo que estivesse totalmente rendido por ele, a cabeça ainda inclinada para trás enquanto o outro o segurava pelos cabelos.
Em resposta, puxou sua cabeça ainda mais, lambendo seus lábios.
— Eu digo. — falou, empurrando de volta para o banco. Ele se deixou cair para trás, e logo teve as calças arrancadas de seu curto junto da cueca.
lhe comeu com os olhos assim que o viu completamente nu diante dele. Ele mordeu o lábio inferior, olhando para ereção de completamente dura sobre sua barriga.
— Vai ficar só olhando? — perguntou, ansioso demais para que as mãos do outro voltassem para seu corpo.
xingou, se inclinando sobre ele para beijá-lo mais uma vez. o agarrou pela cintura, abrindo os lábios imediatamente e enfiou a língua em sua boca. tentou aprofundar o beijo, mas não permitiu, afastando-se rápido demais. tentou impedí-lo, o segurando com mais força, mas se rendeu quando levou uma das mãos até seu pescoço. Ele não o apertou, mas estremeceu ao sentir os anéis gelados nos seus dedos contra sua pele.
— Não posso chupar seu pau se estiver chupando sua língua. — sussurrou em seu ouvido, se esfregando contra sua ereção e xingou baixo.
Já se sentia uma bagunça e mal tinham começado.
— Então porque está demorando tanto? — perguntou em provocação. A outra opção era implorar para que o comesse de uma vez, antes que enlouquecesse.
Em resposta a sua malcriação, finalmente apertou seu pescoço. Foi apenas um segundo antes de soltá-lo, mas foi o suficiente para fazer gemer sôfrego.
Se queria testar sua aceitação ao toque mais bruto, já tinha descoberto sua resposta. gostava e estava desesperado por mais.
se virou um segundo para o compartimento entre os bancos dianteiros e o abriu, tirando de lá um tubinho de lubrificante. não julgou, tinha um no bolso da calça, assim como preservativos.
empurrou o banco do passageiro mais para frente e conseguiu descer do banco para o assoalho, se acomodando entre suas pernas.
Sem que ele pedisse, ergueu um dos joelhos, dando a livre acesso a sua entrada.
o olhou como se fosse completamente pecaminoso e quis puxá-lo de volta para si quando o viu maltratar seu lábio inferior com os dentes. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, no entanto, se moveu, despejando lubrificante em sua entrada. estremeceu quando o líquido gelado entrou em contato com sua pele quente e fechou os olhos por um instante, tocando seu próprio pau para descontar a excitação.
No minuto seguinte, um dedo de cutucava sua entrada enquanto sua língua deixava uma lambida na cabeça de seu pau. O loiro sugou sua glande para dentro da boca quente e afastou sua mão para deixá-lo fazer o que quisesse. Ele provocou sua venda com a língua, babando ali enquanto se contorcia embaixo dele. Somente quando gemeu mais alto que finalmente afundou um dedo dentro de si.
já tinha se aberto no banho. Os caras aleatórios com quem ele fodia nem sempre tinham paciência pra isso. Ele costumava se preparar em casa para evitar o transtorno, mas ter outra pessoa fazendo aquilo por ele era definitivamente melhor.
se moveu dentro dele devagar enquanto descia os lábios por todo seu comprimento. virou uma bagunça de gemidos e arfares enquanto o outro babava ao seu redor e se contorceu embaixo dele quando sentiu a garganta de em sua glande.
foi obrigado a abrir os olhos para assistir a cena, seu pau inteiro sendo engolido pelos lábios grossos de . A visão era tão boa quanto a sensação e só conseguiu gemer mais uma vez para ele.
Como se quisesse desafiá-lo a manter os olhos abertos, o loiro empurrou mais um dedo para dentro e gemeu arrastado, voltando a fechar os olhos com a invasão. Seus dedos não atingiam tão fundo quanto gostaria, mas ainda era uma delícia, especialmente quando eles deslizavam molhados com o lubrificante.
passou a mover os lábios mais rápido ao seu redor, acompanhando o ritmo com os dedos, e viu estrelas, segurando seus cabelos entre os dedos enquanto lutava para não foder sua boca. A língua do outro era quente ao seu redor e sua saliva já escorria onde seus lábios não alcançavam.
Mas ainda precisava de mais e sem aguentar mais daquilo, puxou seus cabelos para afastar a boca do outro de si. voltou a se sentar, o melhor que pôde com os dedos do loiro dentro de si. Entendendo o que ele queria, voltou para o banco, atacando novamente seus lábios em um beijo muito mais afoito do que antes.
sentiu seu gosto na língua do outro e gemeu com isso, mas focou em abrir suas calças. Era um absurdo que ainda estivesse vestido e ele o livrou das últimas peças rapidamente.
salivou quando teve o vislumbre de seu corpo totalmente nu. era ainda mais bonito por baixo da roupa. Apesar de ser magro, tinha o abdômen definido e as coxas grossas. Até seu pau era bonito, menor que o de em comprimento, porém mais grosso. Desejou encher sua boca com ele, mas estava ansioso demais para tê-lo dentro de si.
se virou para o compartimento entre os bancos, onde havia pego o lubrificante, e escolheu rapidamente um preservativo. Ele o abriu, colocando-o em antes de subir novamente em seu colo.
o envolveu com os braços, segurando firmemente em sua cintura enquanto segurava sua ereção entre os dedos para posicioná-lo no lugar certo. Quando conseguiu, finalmente se afundou sobre ele, gemendo alto enquanto jogava a cabeça para trás com a invasão. Desceu devagar, e sentiu segurá-lo com mais força conforme ele engolia deliciosamente seu pau.
A invasão era ligeiramente dolorosa considerando o tamanho do outro, mas definitivamente gostava e apenas continuou até estar completamente sentado em seu colo, com alojado dentro dele, tão fundo quanto era possível.
se jogou para frente, enfiando o rosto em seu pescoço cheiroso enquanto se acostumava com o tamanho. Já respirava com dificuldade e mal tinham começado.
era inteiramente delicioso sem fazer nenhum esforço.
Quando finalmente se acostumou com o alargamento, se ergueu de seu colo devagar, fazendo com que saísse quase completamente de dentro dele antes de voltar a se sentar em seu pau, até o talo. Gemeu sôfrego quando teve completamente dentro de si novamente e repetiu o movimento, subindo e descendo cada vez mais rápido.
gemia junto dele, mais baixo, e o som apenas o atiçava ainda mais, o instigando a descer com mais força.
o puxou para mais perto, fazendo com que seu pau ficasse esmagado entre os dois e gemeu ainda mais alto, enfiando o rosto em seu pescoço. Aquela proximidade também o permitia sentir o piercing gelado contra seu peito e seu pau fisgou com a sensação. Aquele piercing era uma provação e tinha perdido completamente.
Já sem fôlego, o agarrou pelos cabelos enquanto segurava o banco com a mão livre, usando-o de apoio para se movimentar mais rápido sobre . Era uma delícia tê-lo inteiro dentro dele, alargando suas paredes. Ele suspirava baixo em seu ouvido enquanto gemia, um pouco mais alto cada vez que se afundava de volta em seu pau duro.
Seus músculos já ardiam com o momento repetitivo, mas não tinha nenhuma pretensão de parar até que estivesse gozando entre os dois.
Quando finalmente não aguentou mais, rebolou sobre , com o pau dele enterrado dentro de si. Ambos gemeram com isso, mas não demorou muito para segurar sua cintura e estocar dentro dele, atingindo sua próstata de maneira certeira.
gemeu alto, se agarrando em seus cabelos com mais força enquanto afundava os dentes em seu ombro. Normalmente tentava não marcar suas fodas, mas sua mente já estava completamente nublada de prazer.
repetiu o gesto, estocando com força dentro dele repetitivamente. Ele acertava sua próstata todas as vezes e se viu implorando por mais, mesmo quando já o invadia profundamente.
Ele já não sabia mais o que estava pedindo.
Meio obcecado com seu piercing, levou sua mão livre até lá, brincando com a jóia enquanto deixava fazer o que quisesse com seu corpo, estocando com força dentro dele.
Quando finalmente foi demais, afundou as unhas em seu peito e os dentes em seu pescoço, gemendo alto enquanto gozava com sua ereção intocada entre eles.
não parou, o invadindo cada vez mais rápido enquanto ele gozava. amoleceu completamente em seus braços, cansado e sem fôlego. Ele era uma bagunça completa de gemidos baixos e arfares, sem forças até mesmo para gemer tão alto quanto antes, por mais delicioso que aquilo fosse.
Mais algumas estocadas depois, finalmente gozou também, dentro do preservativo enterrado fundo em sua bunda.
Os dois estavam completamente sem ar quando terminaram e ninguém teve coragem de se mexer, mesmo , para sair de dentro dele. não reclamou.
enterrou o rosto em seu pescoço, e a respiração alta dele ali fez se arrepiar novamente, se agarrando mais a ele sem nem perceber. Estava sensível após gozar e algo na respiração de contra seu peito o deixava meio sonolento, mas lutou contra isso.
Quando finalmente se recuperaram minimamente, saiu de dentro dele e gemeu arrastado, sensível demais pra isso.
Ele saiu de cima do outro para que pudesse finalmente se livrar do preservativo, mas se jogou contra a porta do carro, ainda cansado demais pra se vestir.
, após se livrar do preservativo, fez o mesmo que ele, contra a outra porta, as pernas do loiro sobre as suas no banco, um de frente para o outro.
o cutucou com os pés.
— Pega o refrigerante. — pediu. Estava com sede e fome depois do que tinham feito.
— Pega você. — respondeu, tão preguiçoso quanto ele.
— Você está mais perto. — insistiu.
— Mas é você que está querendo.
resmungou, totalmente insatisfeito, mas precisava concordar que era um bom argumento.
— Não quero tanto assim. — desistiu.
bufou, mas se inclinou no banco para buscar o engradado. As bebidas não estavam mais tão geladas quanto antes, mas ainda estavam boas o suficiente pra beber já que a noite não estava exatamente quente.
Ele pegou uma lata para si e jogou outra para , que a pegou no ar. Ainda sem coragem para vestirem as roupas, eles beberam em silêncio.

🔮🔮🔮

era do tipo que ficava completamente mole depois do sexo e quase o deixou dormir no carro apenas porque ele ficava ainda mais bonito sonolento e bagunçado, com seus chupões marcados em seu pescoço.
A visão de seu corpo completamente despido também não era de se jogar fora, as coxas grossas, o abdômen definido, a cintura fina e as tatuagens cobrindo o braço esquerdo. era um pecado. Sonharia com aquela cintura com toda certeza.
não costumava dormir com a mesma pessoa mais de uma vez, mas soube que repetiria com assim que se beijaram a primeira vez. Só piorou quando o viu sem roupa.
Por fim, quando percebeu que estava quase dormindo no banco de trás, o próprio se sentou, pedindo pra ir pra casa.
— Fala alguma coisa. — pediu. Já estavam no banco da frente, vestidos, enquanto dirigia. — Estou quase dormindo.
— Durma, então. Não é como se eu fosse te sequestrar.
— Sei lá, você é meio doido e parece um stalker. — devolveu, não perdendo a oportunidade de provocá-lo novamente sobre aquele assunto.
— Já conversamos sobre isso. — respondeu, e ele apenas deu de ombros.
Se ele queria conversar, podia pelo menos facilitar e continuar a conversa, mas já tinha notado que não era muito bom com isso.
— Qual é da cobra tatuada no braço? — perguntou então, curioso sobre o que ele tinha a dizer. Bruxos das sombras costumavam ser realmente ligados ao animal já que podiam se transformar nele, mas não sabia disso e certamente nunca tinha feito também. Mesmo assim, tinha uma serpente gigante tatuada no braço, com o rabo enrolado ao redor de seu pulso e o corpo subindo por seu braço. A cabeça terminava em seu ombro. — Sei que nem sempre tem um significado, às vezes é só um desenho legal. Minhas luas são só um desenho legal, mas fiquei curioso.
Mais uma vez, deu de ombros, e realmente desejou parar o carro para dar um soco nele. Estava pronto para mandá-lo usar a boca quando finalmente respondeu.
— Eu só gosto. Tanto do desenho quanto do animal. Não tem um motivo maior que esse, não sei explicar.
— Tipo uma afeição por serpentes? — perguntou, já ciente da resposta. , como esperado, concordou.
— A maioria das outras tatuagens até tem significado, mas essa é só... Legal.
— É com certeza a mais bonita. — concordou.
— Gostei das suas. — ele respondeu, e achou tê-lo visto corar pelo retrovisor. — E do piercing.
gargalhou, jogando a cabeça para trás. Entendeu imediatamente porque ele tinha corado.
— Eu notei, quase arrancou ele com os dentes.
fez uma careta com seu comentário.
— Te machuquei? — perguntou, genuinamente preocupado, e riu mais uma vez.
era meio agressivo, estava cheio de marcas de unhas e dentes mesmo quando mal tiveram espaço pra mudar de posição, mas ele definitivamente gostava disso. Imaginar aquela brutalidade quando o outro estivesse dentro dele o fazia se arrepiar inteiro.
— Não, eu gosto. — respondeu. — Mas se gostou tanto, podia fazer um também. Você não parece ter problema com dor. — comentou, pensando no braço completamente coberto de desenhos.
— Eu faria, mas meus pais não gostam muito.
— Não é como se você fosse menor de idade.
— Não é assim que funciona quando você mora com os pais.
ficou tentado em fazer mais perguntas sobre a família dele. Era evidente que tinha alguns problemas com ela, mas sabia que seria invasivo demais e já não era dos mais falantes.
Também não era como se tivessem muito tempo pra isso, pois já virava na rua de sua casa.
Quando parou o carro, tirou o cinto sem dizer nada, mas não saiu de uma vez, e sentiu que ele tinha algo mais a dizer.
— Uhm... Foi legal. A noite. — ele falou, sem encará-lo, como se fosse difícil admitir aquilo em voz alta.
pensou na forma como realmente pareceu acreditar que o largaria para trás sem dizer nada e se sentiu meio deprimido. Era evidente que tinha tido todas as experiências ruins possíveis com as pessoas ao seu redor. Ele provavelmente tinha receio de admitir aquilo e simplesmente ser jogado pra escanteio de novo. Já tinham transado agora e sabia que tinha dado a entender que seu interesse em tinha a ver com isso.
— Apesar de você ser um pirralho chato e ladrão de batatas, foi uma boa noite. — o provocou, e revirou os olhos, mas o loiro viu que ele sorria.
— Foi você que ficou tentando me convencer de que elas não eram tão boas quanto as da sua lanchonete de gente nojenta. — retrucou, abrindo a porta do carro, e repetiu sua fala com a voz afetada. — Depois o pirralho sou eu.
— E quem mais seria? — perguntou, e dessa vez foi quem repetiu sua fala. — Tá vendo? — ele riu, mas o outro apenas fechou a porta atrás de sí, erguendo a gola da jaqueta pra que ninguém visse o chupão enorme que tinha deixado ali. — Vai pela sombra, viu. — gritou pra ele, mas não respondeu nada, apenas correndo para a porta de casa.
ainda ficou ali parado enquanto o via entrar, pensando mais uma vez na boca de a contra a sua, algo que não era do seu feitio. Assim que fechou a porta, após lançar um último olhar para , o loiro se lembrou imediatamente de .
Tinha feito exatamente o que o outro bruxo da luz havia sugerido sobre ele, sequer se deu conta na hora, movido apenas por seus instintos.
era realmente bonito demais, mas se sentiu meio culpado agora que tinha tempo de pensar sobre isso. Infelizmente, não conseguiria esconder do amigo as marcas que tinha deixado em seu pescoço, mas sinceramente, percebeu que nem queria.


Continua...


Nota da autora: Olá, mais um capítulo! Espero que tenham gostado
Agora que o twitter caiu, quem quiser me encontrar por ai, estou no bluesky. Meu user é @love4jeonjk
Até a próxima!